Portimão Blokista: O NOSSO SISTEMA JUDICIAL PERANTE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

15-10-2019
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As
decisões que o nosso sistema judicial tem vindo a tomar sobre casos de violência
doméstica são o ponto de partida para o artigo de opinião que a deputada do
Bloco de Esquerda, Sandra Cunha, assina no Público de hoje. Do mais conhecedor
ao menos entendido em questões de natureza jurídica, dificilmente é possível
encontrar alguém que consiga perceber certas penas relativas a acções da mais
pura e injustificável violência de homens contra namoradas/esposas, como foi o
recente caso vindo a público da decisão do “Tribunal
da Relação de Guimarães que reduziu e suspendeu a pena a um jovem condenado a
seis anos de prisão por atacar à facada a ex-namorada”.

E eis que acaba de estrear mais um capítulo da novela
de horrores que é a forma como o nosso sistema judicial, e os nossos
magistrados, decidem sobre casos de violência doméstica.

Desta feita, foi o Tribunal da Relação de Guimarães
que reduziu e suspendeu a pena a um jovem condenado a seis anos de prisão por
atacar à facada a ex-namorada. O motivo terá sido o ciúme. De acordo com o
entendimento deste tribunal, não obstante o ciúme ser um motivo “muito
reprovável”, não será, todavia, “fútil”, na medida em que “não é irrelevante ou
insignificante” nem “torpe”, ou seja, “vil e abjeto”. Esfaqueou a ex-namorada?
Que horror! Mas foi por ciúmes? Então está bem. Afinal, quem nunca sentiu um arremedo
de ciúmes e desatou à facada ao seu ou sua mais que tudo que atire a primeira
pedra!

Para sustentar a decisão, este magistrado socorre-se
da arte, da literatura, do cinema e do teatro, para argumentar que têm desde
sempre retratado o ciúme como motivo de assassinato, concluindo por isso que
este tem sido “universal e intemporal”. Supostamente isso deverá explicar e
desculpabilizar tudo.

No acórdão, a personalidade do arguido é caracterizada
por “egocentrismo, comportamentos ciumentos em relação à namorada e
incapacidade de, no caso concreto, aceitar a decisão desta em não reatar a
relação de namoro”. É também destacado que, em julgamento, “o arguido não
mostrou sincero arrependimento nem demonstrou ter interiorizado devidamente o
desvalor da sua conduta”. Mas mesmo assim, apesar de tudo isto e dos factos
assumidos, o tribunal escolhe desculpabilizar o agressor e legitimar a
agressão.

Esta tragicomédia judicial revela-se no seu máximo
expoente quando sabemos que o recurso a argumentos que fariam corar de vergonha
qualquer magistrado que se queira orgulhar da justiça e isenção das suas
decisões não é novo nem acto isolado. Recorde-se que ainda recentemente foram
noticiados pelos órgãos de comunicação social outros dois acórdãos
absolutamente inacreditáveis, pejados de juízos moralistas e machistas e que
certamente chocaram qualquer pessoa de bom senso neste país.

O primeiro, da autoria do coletivo de juízes
constituído por Neto Moura e Maria Luísa Arantes, do Tribunal da Relação do
Porto, confirmou a suspensão da pena a um arguido que terá agredido
violentamente a mulher com recurso a uma moca com pregos. Sem qualquer pudor,
os magistrados ampararam-se no singelo argumento de que o adultério da mulher
constituiria um “gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”, bastando
isso para explicar e absolver a violência. Para justificar o injustificável, os
magistrados socorreram-se ainda de excertos da Bíblia, em que se pode ler que
“a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, e do Código Civil de 1886, que
“punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando sua mulher
em adultério, nesse acto a matasse”.

O segundo acórdão, assinado pelo juiz Carlos de
Oliveira, do Tribunal Judicial de Viseu, considerou que a vítima de violência
doméstica, tendo denotado em audiência de julgamento “ser uma mulher moderna,
consciente dos seus direitos, autónoma, não submissa, empregada e com salário
próprio, não dependente do marido (...), dificilmente aceitaria tantos actos de
abuso pelo arguido, e durante tanto tempo, sem os denunciar e tentar erradicar,
se necessário dele se afastando.” A vítima, jovem, mulher moderna e autónoma,
não encaixou, portanto, na visão idealizada e formatada de vítima deste juiz e,
logo, a sua versão não foi considerada crível, não obstante todas as
testemunhas e provas apresentadas.

Não
será extemporâneo supor que muitos mais acórdãos como este existirão nos
tribunais portugueses. A prova encontramo-la nos 70% de casos de violência
doméstica arquivados e nos 90% de penas suspensas.

Esta
persistente naturalização da violência é absolutamente inaceitável e
intolerável. Isto tem de ter um fim. Não podemos continuar em silêncio enquanto
as vítimas são desacreditadas, humilhadas, desprotegidas e violentadas pelo
mesmo sistema que premeia os agressores e a violência porque a desculpabiliza,
legitima e naturaliza.

As
decisões que o nosso sistema judicial tem vindo a tomar sobre casos de violência
doméstica são o ponto de partida para o artigo de opinião que a deputada do
Bloco de Esquerda, Sandra Cunha, assina no Público de hoje. Do mais conhecedor
ao menos entendido em questões de natureza jurídica, dificilmente é possível
encontrar alguém que consiga perceber certas penas relativas a acções da mais
pura e injustificável violência de homens contra namoradas/esposas, como foi o
recente caso vindo a público da decisão do “Tribunal
da Relação de Guimarães que reduziu e suspendeu a pena a um jovem condenado a
seis anos de prisão por atacar à facada a ex-namorada”.

E eis que acaba de estrear mais um capítulo da novela
de horrores que é a forma como o nosso sistema judicial, e os nossos
magistrados, decidem sobre casos de violência doméstica.

Desta feita, foi o Tribunal da Relação de Guimarães
que reduziu e suspendeu a pena a um jovem condenado a seis anos de prisão por
atacar à facada a ex-namorada. O motivo terá sido o ciúme. De acordo com o
entendimento deste tribunal, não obstante o ciúme ser um motivo “muito
reprovável”, não será, todavia, “fútil”, na medida em que “não é irrelevante ou
insignificante” nem “torpe”, ou seja, “vil e abjeto”. Esfaqueou a ex-namorada?
Que horror! Mas foi por ciúmes? Então está bem. Afinal, quem nunca sentiu um arremedo
de ciúmes e desatou à facada ao seu ou sua mais que tudo que atire a primeira
pedra!

Para sustentar a decisão, este magistrado socorre-se
da arte, da literatura, do cinema e do teatro, para argumentar que têm desde
sempre retratado o ciúme como motivo de assassinato, concluindo por isso que
este tem sido “universal e intemporal”. Supostamente isso deverá explicar e
desculpabilizar tudo.

No acórdão, a personalidade do arguido é caracterizada
por “egocentrismo, comportamentos ciumentos em relação à namorada e
incapacidade de, no caso concreto, aceitar a decisão desta em não reatar a
relação de namoro”. É também destacado que, em julgamento, “o arguido não
mostrou sincero arrependimento nem demonstrou ter interiorizado devidamente o
desvalor da sua conduta”. Mas mesmo assim, apesar de tudo isto e dos factos
assumidos, o tribunal escolhe desculpabilizar o agressor e legitimar a
agressão.

Esta tragicomédia judicial revela-se no seu máximo
expoente quando sabemos que o recurso a argumentos que fariam corar de vergonha
qualquer magistrado que se queira orgulhar da justiça e isenção das suas
decisões não é novo nem acto isolado. Recorde-se que ainda recentemente foram
noticiados pelos órgãos de comunicação social outros dois acórdãos
absolutamente inacreditáveis, pejados de juízos moralistas e machistas e que
certamente chocaram qualquer pessoa de bom senso neste país.

O primeiro, da autoria do coletivo de juízes
constituído por Neto Moura e Maria Luísa Arantes, do Tribunal da Relação do
Porto, confirmou a suspensão da pena a um arguido que terá agredido
violentamente a mulher com recurso a uma moca com pregos. Sem qualquer pudor,
os magistrados ampararam-se no singelo argumento de que o adultério da mulher
constituiria um “gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem”, bastando
isso para explicar e absolver a violência. Para justificar o injustificável, os
magistrados socorreram-se ainda de excertos da Bíblia, em que se pode ler que
“a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, e do Código Civil de 1886, que
“punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando sua mulher
em adultério, nesse acto a matasse”.

O segundo acórdão, assinado pelo juiz Carlos de
Oliveira, do Tribunal Judicial de Viseu, considerou que a vítima de violência
doméstica, tendo denotado em audiência de julgamento “ser uma mulher moderna,
consciente dos seus direitos, autónoma, não submissa, empregada e com salário
próprio, não dependente do marido (...), dificilmente aceitaria tantos actos de
abuso pelo arguido, e durante tanto tempo, sem os denunciar e tentar erradicar,
se necessário dele se afastando.” A vítima, jovem, mulher moderna e autónoma,
não encaixou, portanto, na visão idealizada e formatada de vítima deste juiz e,
logo, a sua versão não foi considerada crível, não obstante todas as
testemunhas e provas apresentadas.

Não
será extemporâneo supor que muitos mais acórdãos como este existirão nos
tribunais portugueses. A prova encontramo-la nos 70% de casos de violência
doméstica arquivados e nos 90% de penas suspensas.

Esta
persistente naturalização da violência é absolutamente inaceitável e
intolerável. Isto tem de ter um fim. Não podemos continuar em silêncio enquanto
as vítimas são desacreditadas, humilhadas, desprotegidas e violentadas pelo
mesmo sistema que premeia os agressores e a violência porque a desculpabiliza,
legitima e naturaliza.

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