Catarina, a grande. Toda a história da ascensão meteórica da líder do BE

28-06-2016
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Este fim de semana, Catarina Martins passa de porta-voz a coordenadora do BE. Parece coisa pouca, mas não é. Significa que fica com o estatuto que Francisco Louçã só teve cerca de três anos depois de estar à frente do partido que ajudou a fundar. Mas é ainda mais impressionante se se pensar que só é militante há seis anos e que nos últimos oito meses fez do Bloco a terceira força mais votada no Parlamento e nas presidenciais – com Marisa Matias como candidata. E que pela primeira vez o partido está, sob a sua liderança, a apoiar no Parlamento um governo.

Como é que se chega aqui? Os próximos de Catarina dão algumas pistas. É descrita por Francisco Louçã como uma “trabalhadora incansável” e por Pedro Soares como “alguém que sabe ouvir e sabe fazer entender-se”. Mas há outras características que aparecem sempre que se fala em Catarina: é descrita como uma mulher pragmática, que sabe fazer pontes e é cuidadosa no trato pessoal. A ambição raras vezes é referida, mas é impossível não a detetar no seu percurso.

EMAILS PERDIDOS

Catarina Martins pode nunca ter sonhado chegar a líder do BE, mas tinha clara a vontade de fazer parte do partido. Foram vários os e-mails que enviou pedindo para aderir a um partido com o qual tinha já colaborado várias vezes. “Mas o BE é conhecido por não funcionar muito bem no que toca à burocracia”, brinca João Teixeira Lopes, o bloquista responsável por convidar Catarina Martins para ser a sua número dois na lista para a câmara do Porto em 2009 e para ser depois candidata às legislativas desse mesmo ano. “Foi um upgrade do convite”, graceja Catarina.

Teixeira Lopes convidou a atriz cujo trabalho já conhecia no grupo de Teatro Visões Úteis, mas também a ativista dos direitos laborais dos trabalhadores precários do espetáculo que tinha conhecido na Assembleia da República, quando ela lá ia em representação da plataforma Plateia.

Foi no dia desse convite, na sede do Porto, que Catarina se cruzou pela primeira vez com João Semedo. “Pensa bem e pensa rápido”, disse-lhe então o dirigente bloquista com quem haveria de partilhar a “liderança paritária” do partido. Catarina frisa o “paritária” e afasta a expressão “bicéfala”, porque a ideia era ter um homem e uma mulher à frente do Bloco.

É rigorosa nas palavras. Corrige quem fala em “extrema esquerda”. “Sou da esquerda radical, porque isso tem que ver com a própria raiz da esquerda. Ser de extrema esquerda seria afastar todo o restante espetro político e isso não faz sentido para quem é da esquerda radical”.

Nunca se imaginou a não ser se não de esquerda. Nasceu em 1973, no Porto, filha de professores que foram trabalhar para África como cooperantes. Foi assim que fez a 1.ª classe em São Tomé. E a 2.ª e a 3.ª em Cabo Verde. Habituou-se a ser diferente, a mudar de casa e de amigos e a perceber que havia quem tivesse muito menos.

Fez o liceu em Aveiro, uma cidade conservadora, mas encontrou um nicho de diferença numa turma piloto do ensino artístico articulado. Metade da turma era de Química Técnica, metade de Música. Catarina estava na metade menos musical, apesar de estudar piano. “Estudava, mas não era no ensino articulado. Era muito má. Péssima, mesmo”, confessa, apesar de ainda hoje ser capaz de ler uma pauta.

DIREITO SEM CONVICÇÃO

Estava ainda no liceu quando teve o primeiro contacto com o teatro. “Fiz um workshop que na altura se chamava ateliê”.

Tinha 13 anos e foi o suficiente para começar a pensar se devia estudar Direito ou ir para o Conservatório em Lisboa. “Por uma arrogância que só se pode explicar com a juventude, achava o Conservatório muito antiquado”. Saber da intensa atividade do teatro académico ajudou a desempatar a dúvida e Catarina fez as malas para Coimbra para ser uma “pouco convicta” estudante de leis.

O Direito ficou pelo terceiro ano, mas descobriu a companhia de teatro académico CITAC, onde estava aquele que viria a ser o seu marido até hoje, Pedro Carreira. Juntos, foram para o Porto fundar a companhia Visões Úteis com Paulo Lisboa.

Entretanto, Catarina fez a licenciatura em Línguas e Literaturas na Universidade Aberta, por lhe permitir estudar à distância. Interessou-se pela Linguística e fez um mestrado na área. Teria concluído o doutoramento, se a política não se tivesse metido pelo meio.

AS SECAS DA INFÂNCIA

Mas talvez seja errado dizê-lo, porque Catarina Martins nunca esteve fora da política. Habitou-se a ver a casa transformada em local de reuniões das cooperativas e associações culturais de que os pais foram fazendo parte. “Apanhei muitas secas em miúda”, conta a rir-se, explicando que “as secas” foram também a forma de conhecer gente interessante e empenhada politicamente e de assistir de perto a debates constantes.

Os pais, de esquerda, fizeram parte de vários partidos. “De quais? Eram tantos!”, brinca Catarina, aludindo à conturbação do PREC. Não o diz, mas Arsélio e Rosa Amélia Martins ajudaram a fundar o BE, apesar de terem deixado o partido há anos.

Era impossível estar à margem da política. Para Catarina Martins tudo era política. Até – e sobretudo – o teatro que fazia. A ideia da companhia que ajudou a fundar era precisamente a de associar a representação à intervenção política. Fez teatro em cadeias e em bairros sociais. Com vários anos de carreira, era uma desconhecida para o grande público, mas muito reconhecida nos meios artísticos.

Quem a viu em cima do palco garante que a sua maior força era a contenção e a intensidade dramática que punha nos silêncios e no olhar. Nos últimos anos, estava contudo mais interessada em escrever peças e encenar do que em atuar. E a atividade política ia ganhando espaço.

LOUÇA IMPRESSIONADO

Participou várias vezes em fóruns do BE e foi chamada a ajudar na campanha presidencial de Francisco Louçã. Estava grávida da filha mais nova. “Apesar de ser uma campanha diferente das legislativas, havia a intenção de lhe dar conteúdo programático”, recorda o então líder bloquista. Catarina dava ideias e ajudava nas questões logísticas. Conhecia muita gente no Porto e era boa na mobilização. “Impressionou muito. Pela consistência, pelo à vontade, pela profundidade”, reconhece Louçã.

As características eram suficientes para acreditar que seria um trunfo na campanha contra Rui Rio no Porto, um autarca em guerra com o setor cultural da cidade. “As pessoas esquecem-se, mas ele chegou a processar uma companhia de teatro por dizer mal dele. Dizia que preferia dar o dinheiro a bairros sociais do que à cultura ao mesmo tempo que destruía os bairros e tudo o que lá era feito”, lembra Catarina Martins.

A primeira missão de Catarina foi um fracasso. Nem ela nem João Teixeira Lopes foram eleitos. Mas isso não impediu o BE de ver nela alguém com qualidade para estar nas listas para as legislativas.

Chegou ao Parlamento como deputada em 2009. Cerca de dois anos depois, era eleita porta-voz do BE, para suceder a Louçã ao lado de João Semedo. O facto de ser mulher foi determinante. O Bloco queria tentar uma solução que já tinha sido experimentada noutros países europeus para fomentar a paridade de género. Mas também isso não correu bem.

“Apesar dos aspetos positivos que também teve, acho que se pode dizer que não resultou muito bem do ponto de vista mediático e comunicacional”, confessa Semedo. “Houve uma dificuldade de entender o que se estava a fazer”, concorda Catarina Martins.

Para os jornalistas, o método era confuso e mesmo no BE há quem agora reconheça em off que “não se percebia quem é que mandava”. Mas nos bastidores, havia sintonia.“Não foi difícil. Dividimos funções, articulámos posições e opiniões, preparávamos em conjunto as reuniões e as ações políticas e partidárias, distribuíamos entre nós as iniciativas, as conferências de imprensa, os debates parlamentares, não havia nem atropelos nem duplicações”, diz Semedo que descreve uma liderança em “estereofonia” que durou dois anos até a doença o afastar da política mais ativa.

Até aí, Catarina ficava quase sempre em segundo plano. Quando Semedo saiu de cena, ficou com o papel principal e foi ganhando espaço. Sempre atenta às várias sensibilidades dentro do Bloco.

Foi isso que lhe permitiu articular o que é visto no partido como um “verdadeiro Tratado de Tordesilhas” quando na última Convenção as posições se extremaram. A solução foi construir uma comissão permanente com seis coordenadores, mas coube a Catarina Martins o papel de porta-voz.

COMO ACALMOU OS CRÍTICOS

Foi há dois anos. E de lá para cá Catarina tem sabido chamar a si quem pensava de maneira diferente e reduzir a quase nada a contestação interna. A moção que encabeça junta neste momento mais de 80% dos votos e não há vozes críticas. “Mesmo os que estão contra alguns termos do acordo [com o PS], não acham que o BE devesse deitar abaixo o governo”, nota Francisco Louçã.

Sobre Catarina Martins, os críticos que se agregam na moção R não falam. “Não comentamos pessoas”, justifica Catarina Príncipe. Joana Mortágua, que está agora com a líder mas que há dois anos estava noutra moção, também não fala de personalidades, mas reconhece as qualidades que levaram Catarina Martins à liderança. “A Catarina tem a vontade e a capacidade de convergência que é necessária neste momento político”.

E o momento político é o de um acordo que junta BE a PS e PCP. Algo impensável até há pouco tempo, mas que Catarina acabou por pôr em cima da mesa no debate com António Costa na campanha, quando lhe disse que esperava o seu telefonema no dia a seguir às eleições, desde que estivesse disponível para que o BE não abandonasse o seu programa. “Essa foi a grande diferença em relação ao Livre”, aponta Catarina.

No BE, garante-se que a relação entre Catarina Martins e António Costa é de “respeito mútuo”. Falam com regularidade, mas há outros interlocutores no Bloco para o governo. Catarina gosta de estar informada de tudo, mas não é centralizadora.

De resto, tem um núcleo de pessoas que gosta de ouvir. Jorge Costa, José Soeiro – que conhece desde criança porque os pais de ambos são amigos –, João Semedo, Fernando Rosas, Luís Fazenda e, claro, Francisco Louçã. Mesmo que muitas vezes não concordem, como discordaram agora quanto à melhor altura para realizar a Convenção do BE, que o ex-líder preferia que tivesse sido depois do verão, como estava marcado. “Sintonia total nem num casamento”, brinca Louçã.

O “CONSULTOR” DE IMAGEM “

A Catarina pensa rápido”. É o que dizem João Semedo, Francisco Louçã, Pedro Soares e Jorge Costa que não se surpreenderam com a forma como cresceu ao longo da campanha das legislativas. “Pensa rápido e aprende depressa”, acrescenta João Teixeira Lopes, que desmente a tese de que a líder do BE tenha tido consultores a ajudar na imagem. “Nessas coisas, o BE ainda é muito amador”.

Na verdade, o trabalho todo foi feito em casa, por Catarina e pelo marido Pedro Carreira. Aprendeu a ser mais pausada a falar, a ser menos agressiva. “As pessoas reagem muito bem à Catarina porque a percebem”, nota Pedro Soares que viu a simpatia que recolhia nas ruas. A quem se surpreendeu com o resultado que obteve, Catarina só tem uma resposta. “Quando as expectativas estão muito baixas, qualquer coisa normal que fazemos parece extraordinário”. A frase contém ironia, porque sabe bem que o que fez não foi fácil e sabe que ser mulher jogou contra si. “Ser mulher, ser de esquerda e não ser advogada nem economista”, acrescenta.

Agora que Assunção Cristas chegou à liderança do CDS e Marisa Matias e Mariana Mortágua brilham no BE, fala-se numa maneira feminina de fazer política. “Isso é uma treta”, reage Catarina Martins, que se assume feminista. “Há tanto em comum entre mim e Maria Luís Albuquerque como entre mim e Passos Coelho, que é nada”.

Ciosa da vida privada, recusa trazer a família para o espaço público. “O meu marido e as minhas filhas não são adereços”, atira, explicando que acredita nos “direitos de imagem” das crianças e sente que os deve proteger. Com 14 e 10 anos, as filhas de Catarina Martins já por várias vezes estiveram em ações políticas do BE, mas sempre longe dos palcos.

E Catarina? Gostava de voltar aos palcos do teatro? “Do que tenho mais saudades é de escrever. Mas o Brecht dizia que o teatro era uma arte para velhos, por isso acho que vou sempre a tempo”.

BI

História Nasceu no Porto em 1973, mas foi cedo para África, onde os pais eram professores cooperantes. Viveu em São Tomé e em Cabo Verde, fez o liceu em Aveiro e estudou em Coimbra, onde deu os primeiros passos no teatro. Mas voltou ao Porto para fundar uma companhia teatral. Cresceu num ambiente politizado e viu sempre as suas atividades como políticas, mas só em 2010 se fez militante do partido que agora lidera.

Este fim de semana, Catarina Martins passa de porta-voz a coordenadora do BE. Parece coisa pouca, mas não é. Significa que fica com o estatuto que Francisco Louçã só teve cerca de três anos depois de estar à frente do partido que ajudou a fundar. Mas é ainda mais impressionante se se pensar que só é militante há seis anos e que nos últimos oito meses fez do Bloco a terceira força mais votada no Parlamento e nas presidenciais – com Marisa Matias como candidata. E que pela primeira vez o partido está, sob a sua liderança, a apoiar no Parlamento um governo.

Como é que se chega aqui? Os próximos de Catarina dão algumas pistas. É descrita por Francisco Louçã como uma “trabalhadora incansável” e por Pedro Soares como “alguém que sabe ouvir e sabe fazer entender-se”. Mas há outras características que aparecem sempre que se fala em Catarina: é descrita como uma mulher pragmática, que sabe fazer pontes e é cuidadosa no trato pessoal. A ambição raras vezes é referida, mas é impossível não a detetar no seu percurso.

EMAILS PERDIDOS

Catarina Martins pode nunca ter sonhado chegar a líder do BE, mas tinha clara a vontade de fazer parte do partido. Foram vários os e-mails que enviou pedindo para aderir a um partido com o qual tinha já colaborado várias vezes. “Mas o BE é conhecido por não funcionar muito bem no que toca à burocracia”, brinca João Teixeira Lopes, o bloquista responsável por convidar Catarina Martins para ser a sua número dois na lista para a câmara do Porto em 2009 e para ser depois candidata às legislativas desse mesmo ano. “Foi um upgrade do convite”, graceja Catarina.

Teixeira Lopes convidou a atriz cujo trabalho já conhecia no grupo de Teatro Visões Úteis, mas também a ativista dos direitos laborais dos trabalhadores precários do espetáculo que tinha conhecido na Assembleia da República, quando ela lá ia em representação da plataforma Plateia.

Foi no dia desse convite, na sede do Porto, que Catarina se cruzou pela primeira vez com João Semedo. “Pensa bem e pensa rápido”, disse-lhe então o dirigente bloquista com quem haveria de partilhar a “liderança paritária” do partido. Catarina frisa o “paritária” e afasta a expressão “bicéfala”, porque a ideia era ter um homem e uma mulher à frente do Bloco.

É rigorosa nas palavras. Corrige quem fala em “extrema esquerda”. “Sou da esquerda radical, porque isso tem que ver com a própria raiz da esquerda. Ser de extrema esquerda seria afastar todo o restante espetro político e isso não faz sentido para quem é da esquerda radical”.

Nunca se imaginou a não ser se não de esquerda. Nasceu em 1973, no Porto, filha de professores que foram trabalhar para África como cooperantes. Foi assim que fez a 1.ª classe em São Tomé. E a 2.ª e a 3.ª em Cabo Verde. Habituou-se a ser diferente, a mudar de casa e de amigos e a perceber que havia quem tivesse muito menos.

Fez o liceu em Aveiro, uma cidade conservadora, mas encontrou um nicho de diferença numa turma piloto do ensino artístico articulado. Metade da turma era de Química Técnica, metade de Música. Catarina estava na metade menos musical, apesar de estudar piano. “Estudava, mas não era no ensino articulado. Era muito má. Péssima, mesmo”, confessa, apesar de ainda hoje ser capaz de ler uma pauta.

DIREITO SEM CONVICÇÃO

Estava ainda no liceu quando teve o primeiro contacto com o teatro. “Fiz um workshop que na altura se chamava ateliê”.

Tinha 13 anos e foi o suficiente para começar a pensar se devia estudar Direito ou ir para o Conservatório em Lisboa. “Por uma arrogância que só se pode explicar com a juventude, achava o Conservatório muito antiquado”. Saber da intensa atividade do teatro académico ajudou a desempatar a dúvida e Catarina fez as malas para Coimbra para ser uma “pouco convicta” estudante de leis.

O Direito ficou pelo terceiro ano, mas descobriu a companhia de teatro académico CITAC, onde estava aquele que viria a ser o seu marido até hoje, Pedro Carreira. Juntos, foram para o Porto fundar a companhia Visões Úteis com Paulo Lisboa.

Entretanto, Catarina fez a licenciatura em Línguas e Literaturas na Universidade Aberta, por lhe permitir estudar à distância. Interessou-se pela Linguística e fez um mestrado na área. Teria concluído o doutoramento, se a política não se tivesse metido pelo meio.

AS SECAS DA INFÂNCIA

Mas talvez seja errado dizê-lo, porque Catarina Martins nunca esteve fora da política. Habitou-se a ver a casa transformada em local de reuniões das cooperativas e associações culturais de que os pais foram fazendo parte. “Apanhei muitas secas em miúda”, conta a rir-se, explicando que “as secas” foram também a forma de conhecer gente interessante e empenhada politicamente e de assistir de perto a debates constantes.

Os pais, de esquerda, fizeram parte de vários partidos. “De quais? Eram tantos!”, brinca Catarina, aludindo à conturbação do PREC. Não o diz, mas Arsélio e Rosa Amélia Martins ajudaram a fundar o BE, apesar de terem deixado o partido há anos.

Era impossível estar à margem da política. Para Catarina Martins tudo era política. Até – e sobretudo – o teatro que fazia. A ideia da companhia que ajudou a fundar era precisamente a de associar a representação à intervenção política. Fez teatro em cadeias e em bairros sociais. Com vários anos de carreira, era uma desconhecida para o grande público, mas muito reconhecida nos meios artísticos.

Quem a viu em cima do palco garante que a sua maior força era a contenção e a intensidade dramática que punha nos silêncios e no olhar. Nos últimos anos, estava contudo mais interessada em escrever peças e encenar do que em atuar. E a atividade política ia ganhando espaço.

LOUÇA IMPRESSIONADO

Participou várias vezes em fóruns do BE e foi chamada a ajudar na campanha presidencial de Francisco Louçã. Estava grávida da filha mais nova. “Apesar de ser uma campanha diferente das legislativas, havia a intenção de lhe dar conteúdo programático”, recorda o então líder bloquista. Catarina dava ideias e ajudava nas questões logísticas. Conhecia muita gente no Porto e era boa na mobilização. “Impressionou muito. Pela consistência, pelo à vontade, pela profundidade”, reconhece Louçã.

As características eram suficientes para acreditar que seria um trunfo na campanha contra Rui Rio no Porto, um autarca em guerra com o setor cultural da cidade. “As pessoas esquecem-se, mas ele chegou a processar uma companhia de teatro por dizer mal dele. Dizia que preferia dar o dinheiro a bairros sociais do que à cultura ao mesmo tempo que destruía os bairros e tudo o que lá era feito”, lembra Catarina Martins.

A primeira missão de Catarina foi um fracasso. Nem ela nem João Teixeira Lopes foram eleitos. Mas isso não impediu o BE de ver nela alguém com qualidade para estar nas listas para as legislativas.

Chegou ao Parlamento como deputada em 2009. Cerca de dois anos depois, era eleita porta-voz do BE, para suceder a Louçã ao lado de João Semedo. O facto de ser mulher foi determinante. O Bloco queria tentar uma solução que já tinha sido experimentada noutros países europeus para fomentar a paridade de género. Mas também isso não correu bem.

“Apesar dos aspetos positivos que também teve, acho que se pode dizer que não resultou muito bem do ponto de vista mediático e comunicacional”, confessa Semedo. “Houve uma dificuldade de entender o que se estava a fazer”, concorda Catarina Martins.

Para os jornalistas, o método era confuso e mesmo no BE há quem agora reconheça em off que “não se percebia quem é que mandava”. Mas nos bastidores, havia sintonia.“Não foi difícil. Dividimos funções, articulámos posições e opiniões, preparávamos em conjunto as reuniões e as ações políticas e partidárias, distribuíamos entre nós as iniciativas, as conferências de imprensa, os debates parlamentares, não havia nem atropelos nem duplicações”, diz Semedo que descreve uma liderança em “estereofonia” que durou dois anos até a doença o afastar da política mais ativa.

Até aí, Catarina ficava quase sempre em segundo plano. Quando Semedo saiu de cena, ficou com o papel principal e foi ganhando espaço. Sempre atenta às várias sensibilidades dentro do Bloco.

Foi isso que lhe permitiu articular o que é visto no partido como um “verdadeiro Tratado de Tordesilhas” quando na última Convenção as posições se extremaram. A solução foi construir uma comissão permanente com seis coordenadores, mas coube a Catarina Martins o papel de porta-voz.

COMO ACALMOU OS CRÍTICOS

Foi há dois anos. E de lá para cá Catarina tem sabido chamar a si quem pensava de maneira diferente e reduzir a quase nada a contestação interna. A moção que encabeça junta neste momento mais de 80% dos votos e não há vozes críticas. “Mesmo os que estão contra alguns termos do acordo [com o PS], não acham que o BE devesse deitar abaixo o governo”, nota Francisco Louçã.

Sobre Catarina Martins, os críticos que se agregam na moção R não falam. “Não comentamos pessoas”, justifica Catarina Príncipe. Joana Mortágua, que está agora com a líder mas que há dois anos estava noutra moção, também não fala de personalidades, mas reconhece as qualidades que levaram Catarina Martins à liderança. “A Catarina tem a vontade e a capacidade de convergência que é necessária neste momento político”.

E o momento político é o de um acordo que junta BE a PS e PCP. Algo impensável até há pouco tempo, mas que Catarina acabou por pôr em cima da mesa no debate com António Costa na campanha, quando lhe disse que esperava o seu telefonema no dia a seguir às eleições, desde que estivesse disponível para que o BE não abandonasse o seu programa. “Essa foi a grande diferença em relação ao Livre”, aponta Catarina.

No BE, garante-se que a relação entre Catarina Martins e António Costa é de “respeito mútuo”. Falam com regularidade, mas há outros interlocutores no Bloco para o governo. Catarina gosta de estar informada de tudo, mas não é centralizadora.

De resto, tem um núcleo de pessoas que gosta de ouvir. Jorge Costa, José Soeiro – que conhece desde criança porque os pais de ambos são amigos –, João Semedo, Fernando Rosas, Luís Fazenda e, claro, Francisco Louçã. Mesmo que muitas vezes não concordem, como discordaram agora quanto à melhor altura para realizar a Convenção do BE, que o ex-líder preferia que tivesse sido depois do verão, como estava marcado. “Sintonia total nem num casamento”, brinca Louçã.

O “CONSULTOR” DE IMAGEM “

A Catarina pensa rápido”. É o que dizem João Semedo, Francisco Louçã, Pedro Soares e Jorge Costa que não se surpreenderam com a forma como cresceu ao longo da campanha das legislativas. “Pensa rápido e aprende depressa”, acrescenta João Teixeira Lopes, que desmente a tese de que a líder do BE tenha tido consultores a ajudar na imagem. “Nessas coisas, o BE ainda é muito amador”.

Na verdade, o trabalho todo foi feito em casa, por Catarina e pelo marido Pedro Carreira. Aprendeu a ser mais pausada a falar, a ser menos agressiva. “As pessoas reagem muito bem à Catarina porque a percebem”, nota Pedro Soares que viu a simpatia que recolhia nas ruas. A quem se surpreendeu com o resultado que obteve, Catarina só tem uma resposta. “Quando as expectativas estão muito baixas, qualquer coisa normal que fazemos parece extraordinário”. A frase contém ironia, porque sabe bem que o que fez não foi fácil e sabe que ser mulher jogou contra si. “Ser mulher, ser de esquerda e não ser advogada nem economista”, acrescenta.

Agora que Assunção Cristas chegou à liderança do CDS e Marisa Matias e Mariana Mortágua brilham no BE, fala-se numa maneira feminina de fazer política. “Isso é uma treta”, reage Catarina Martins, que se assume feminista. “Há tanto em comum entre mim e Maria Luís Albuquerque como entre mim e Passos Coelho, que é nada”.

Ciosa da vida privada, recusa trazer a família para o espaço público. “O meu marido e as minhas filhas não são adereços”, atira, explicando que acredita nos “direitos de imagem” das crianças e sente que os deve proteger. Com 14 e 10 anos, as filhas de Catarina Martins já por várias vezes estiveram em ações políticas do BE, mas sempre longe dos palcos.

E Catarina? Gostava de voltar aos palcos do teatro? “Do que tenho mais saudades é de escrever. Mas o Brecht dizia que o teatro era uma arte para velhos, por isso acho que vou sempre a tempo”.

BI

História Nasceu no Porto em 1973, mas foi cedo para África, onde os pais eram professores cooperantes. Viveu em São Tomé e em Cabo Verde, fez o liceu em Aveiro e estudou em Coimbra, onde deu os primeiros passos no teatro. Mas voltou ao Porto para fundar uma companhia teatral. Cresceu num ambiente politizado e viu sempre as suas atividades como políticas, mas só em 2010 se fez militante do partido que agora lidera.

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