O homem que liderou a campanha de Passos: “Eu não gosto de protagonismo, nem de showzinho”

28-04-2016
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Quando a entrevista terminou, André Gustavo quis fazer-lhe um acrescento: tratava-se de agradecimentos vários - ao “maestro” Matos Rosa (o secretário-geral do PSD), a Paulo Portas, a Pedro Passos Coelho e à família, que ficou no Brasil. Nada que, depois dos cortes que uma entrevista sempre sofre antes da sua publicação, tivesse relevância para entrar na versão final. Mas o primeiro desses agradecimentos não foi nem para os políticos que o contrataram, nem para a família que esteve à distância nos últimos três meses. O primeiro agradecimento de André Gustavo Vieira, o guru da campanha vencedora da coligação Portugal à Frente, foi para a empresa de sondagens e pesquisa de mercado que trabalha para o PSD. “A Pitagórica é a empresa de pesquisa que está com a gente há quatro anos fazendo trabalho de informação e que nunca errou em nada. Sempre foi muito responsável e precisa, e sempre tivemos essa bússola apontando o caminho certo. Foi muito importante para nós”, diz o “marqueteiro” brasileiro.

Bússola, precisão, informação - André Gustavo descreve a campanha que dirigiu como um trabalho científico, sempre de olhos postos nas indicações das sondagens, de focus groups e de tracking polls (as sondagens diárias, mais pequenas, que nas últimas semanas antes das eleições permitem medir a evolução do sentimento dos eleitores). Esta não foi uma campanha da “velha política”, feita “no feeling e na emoção”, mas um trabalho continuado de montagem de uma mensagem coerente, acompanhado o “tempo todo” de “pesquisas quantitativas e qualitativas”. Um trabalho que começou há quatro anos, quando, depois da vitória do PSD nas legislativas de 2011, Passos Coelho convidou o “marqueteiro” pernambucano a continuar a aconselhá-lo.

Durante quatro anos, André continuou a vir regularmente a Portugal, sentia o ar do tempo, analisava o resultado de sondagens e focus groups, conversava com o primeiro-ministro. Sem descurar nenhum pormenor, no último ano manteve-se de olhos postos na questão essencial. “A única pergunta que eu fazia à Pitagórica - eles ficavam doidos comigo - era: Qual a percentagem de pessoas que acham que a situação económica está melhor?” O valor foi crescendo e, nos últimos tempos, estava nos 75%. “Ok, mandem-me as outras perguntas que depois eu vejo.” O essencial era aquilo: bastava que as pessoas tivessem alguma perceção de que os últimos anos valeram a pena para a coligação ter um discurso competitivo nas eleições. Não era preciso certezas, bastava essa sensação.

André Gustavo, 48 anos, herdou do pai, em parceria com o irmão, a Arcos Comunicação, empresa criada há 38 anos no Recife, hoje com escritórios em Pernambuco, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Há uns anos trocou o Recife por Brasília, o grande tanque de tubarões da política brasileira. Foi o corolário lógico de uma carreira vocacionada para campanhas políticas e contas institucionais. A sua primeira campanha política foi há 25 anos, quando ajudou a eleger Joaquim Francisco para “prefeito” do Recife. Ganhou. Depois ajudou-o a ser eleito governador de Pernambuco. “Depois vieram muitas outras campanhas de senador, deputados. Muitas que ganhámos, outras que perdemos. Até que há quatro anos recebi o convite de Miguel Relvas para apresentar um diagnóstico do cenário político para o então candidato a primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.” Começámos a entrevista por aí.

Reza a história que tudo começou com Luís Filipe Menezes, foi assim?

Eu conheci o Luís Filipe Menezes numas férias e ficámos amigos. Anos depois, eu conheci, através dele, o Marco António, que era vice dele [na Câmara Municipal de Gaia], e foi o Marco António quem me apresentou ao Miguel Relvas num evento. Falámos, voltámos a falar, ele foi ao Brasil, e depois falou-me no desafio que era a disputa partidária [no PSD, quando Passos Coelho se candidatou à liderança, em 2010]. A campanha do PSD estava a correr, ele ganhou, e foi então que eu o conheci. A pedido do Miguel, fiz um diagnóstico do cenário político, diagnóstico que [Passos] avaliou como positivo. A partir daí o Miguel fez-me o convite para estar na campanha [nas legislativas de 2011], eu montei uma equipa com pessoas que vieram do Brasil comigo, tal como fiz agora, e fizemos essa campanha. Ganhámos a eleição. Depois disso o partido convidou-me e eu combinei que não trabalharia para o Governo, mas para o PSD.

Depois da campanha de 2011, o PSD convidou-o para fazer exatamente o quê entre 2011 e 2015?

Fiquei a fazer um trabalho de monitoramento estratégico, de pesquisa (o que vocês chamam as sondagens), de acompanhamento do cenário. Até este ano, quando fui convidado para esta campanha. Trouxe uma equipa de seis ou sete brasileiros, que se juntaram a mais vinte ou 25 portugueses.

Nesse primeiro diagnóstico, em 2011, que retrato apresentou de Pedro Passos Coelho e da situação política?

Diagnóstico é entender com muita clareza qual é o momento atual e o que é que está a acontecer. Cruzamos dados de sondagens quantitativas e qualitativas, para poder fazer o levantamento preciso das informações. Nessa época era claro que havia uma certa fadiga em relação ao PS e um desejo de mudança muito forte. Procurámos destacar isso, tanto que a campanha foi toda sobre o tema da mudança.

O que é que torna Passos alguém interessante com quem fazer uma campanha eleitoral? O que é que viu nele?

Quando eu o conheci, ele sempre se mostrou uma pessoa muito convicta, muito firme, muito serena, e tinha uma leitura muito pragmática de que o país precisava de um novo caminho. Do outro lado, havia todo o entusiasmo, habilidade e competência política do Miguel Relvas, que conduziu a campanha de forma impecável.

Um político firme e decidido é bom material para um publicitário?

Com certeza. Mas não é só o político: é o político e a circunstância. Naquele momento havia as características do Pedro Passos Coelho e o cenário, que mostrava as pessoas exauridas do modelo anterior. O governo PS já vinha de uma certa fadiga e isso acabou por ser o ponto fundamental para construirmos um projeto interessante que trouxe a vitória ao PSD.

Passos era a pessoa certa no momento certo?

Nessa altura, como hoje, sempre ficou evidente, e reforçou-se, a capacidade das pessoas enxergarem nele um sujeito que resgata valores na política. Valores de seriedade, de ética, de responsabilidade, de respeito. São características muito fortes. No início do Governo, em que nem ele sabia a realidade que ia encontrar, e depois foi conhecendo a sua dimensão exata, ele tomou a decisão de não hesitar. Não poupou esforços no sentido de preservar a sua imagem ou a imagem do partido - ou fazia o que o país precisava, ou não teria sentido estar ali. Acho que ele fez a opção correta e as pessoas ao longo do tempo foram percebendo isso. Quando a troika saiu e virámos a primeira página do capitulo mais difícil, todo o país começou a ver os primeiros sinais positivos. Apesar de serem referências fortes, ainda não tocavam a vida das pessoas, mas isso já dava sentido a muita coisa. Era como se estivéssemos resgatando a nossa coerência. A verdadeira esperança só viria se nós fossemos capazes de resolver o problemas, e começou a chegar com pequenos índices, pequenos apontamentos que mostravam que talvez estivéssemos de facto entrando num ciclo virtuoso. E a realidade é que isso foi se multiplicando, e reforçando o que foi o nosso discurso desde o início. Num primeiro momento esse discurso era claro: fazer o que fosse necessário pelo país; desde que a troika saiu assumimos o posicionamento “Portugal acima de tudo”. A partir desse guarda-chuva, vendemos o êxito do Governo e de tudo o que foi feito e começámos a perceber que o astral dos portugueses começava a mudar.

Portanto, o primeiro momento desta vitória foi a saída da troika e os primeiros indicadores económicos positivos, há cerca de um ano?

Sim. Engana-se quem pensa que a nossa vitória foi construída nos últimos 90 dias. A nossa vitória é fruto dos últimos quatro anos. Trabalhámos muito, mesmo nos momentos mais difíceis. E essa é a vitória da coerência, o nosso discurso sempre foi muito coerente. Fomos coerentes quando entrámos no Governo, quando defendemos que tinha de ser feito o que era necessário, quando começámos a virar a página, quando defendemos que acima de tudo estava o país, quando defendemos os números positivos e a ação do Governo, que ficou muito maquilhada durante muito tempo porque os media só davam relevo aos aspetos políticos, económicos e financeiros da crise. Depois esse trabalho começou a aparecer. A partir daí, a gente focou-se 100% nos aspetos positivos: falar bem do que estávamos a fazer, falar bem do que pode acontecer.

E quando é que tem a perceção que podem ganhar?

Desde o momento me que a troika deixou o país eu sentia, e compartilhava com ele [Passos] essa crença, que a gente podia construir um processo de recuperação forte e ganhar. A maioria das pessoas via isso com muito ceticismo, mas eu disse-lhe: Pedro, se a gente conseguir chegar à eleição com as pessoas tendo, não a certeza, mas alguma perceção de que tudo isto pode dar certo, então a gente tem discurso para disputar a eleição.

Não era pouco como discurso?

De forma nenhuma. Depois da crise em que o país estava afundado, viver um momento em que as pessoas começam a enxergar que os sacrifícios valeram a pena, que tudo isso pode fazer sentido, era a grande alavanca de que precisávamos para criar uma onda de motivação e de reconhecimento.

Ou seja, não era preciso as pessoas terem a certeza de que tudo deu certo; bastava que tivessem a perceção de que talvez desse certo?

Sim. O que aconteceu é que não só avançámos no sentido dos primeiros números serem positivos, como se foram reafirmando e foram consolidados. Nessa medida, o nosso discurso começou a ficar muito forte, a ter muito sentido. Aí começámos a embalar numa mensagem muito positiva.

Disse que o mais importante em relação a Pedro Passos Coelho era a imagem de seriedade e ética. Houve um momento em que temeu que essa imagem se tivesse perdido? Quando surgiram as notícias sobre a Tecnoforma, e os descontos para a Segurança Social que não foram pagos?

Não. Quem o conhece não coloca isso em dúvida.

Mas o cidadão comum não o conhece...

Mas ele é muito reto, muito correto. Ali, teve de colocar a única verdade que tinha - na verdade, ele não sabia que tinha de fazer esses descontos, tal como milhares de portugueses. O ativo dele naquele momento já era tão forte, tão consolidado do ponto de vista pessoal, que eu nunca acreditei que pudesse reverter. Em todos os momentos ele conseguiu se reafirmar com muita coerência do início ao fim. Todas as outras coisas foram ficando menores e para trás.

Foi tudo desenhado à volta dessas características pessoais de Passos Coelho?

Sim. Os media como um todo deram a isso muita força. Até quando o criticavam fortaleciam muito isso, sem perceberem.

Como assim?

Diziam que ele ia mais além, que não abria mão, que era muito duro, e na realidade, não é que ele fosse mais além, mas ia onde era necessário. Isso ajudou a construir a própria imagem dele.

Se tudo depende tanto das características de um indivíduo, qual é o papel do publicitário? O que é que o André Gustavo fez?

A gente já viveu uma época em que a maior referência era a ideologia, aquela briga cega por valores que às vezes ninguém entendia quais eram, mas eram as suas bandeiras. Nós entramos numa época em que acho que as pessoas querem ver mais resultados, mais atitude, como é que as vidas delas melhoram. As pessoas querem algo mais tangível, querem sair da fantasia. Acho que esse choque de realidade o Governo deu nas atitudes que tomou. Nós trabalhámos muito, e muito tempo, com muita informação, muitas sondagens, muito acompanhamento do sentimento da sociedade, sempre tentando ponderar como é que o Governo poderia se posicionar em relação aos sentimentos das pessoas e às situações, sejam as mais difíceis que passámos, ou aquelas que poderíamos potenciar mais para resgatar a nossa imagem. Esse foi o nosso trabalho.

O que é que deu mais trabalho?

O trabalho mais fundamental que fizemos foi desde a saída da troika até ao início da campanha. Esse foi o período em que a gente consolidou as condições para ganhar a eleição.

Está a falar das condições económicas?

Sim, mas também da imagem do Governo, a imagem do Pedro Passos Coelho. O período da campanha foi fundamental, eu não gosto de dizer que fiz uma campanha perfeita, mas acho que essa foi uma campanha perfeita. Não errámos em nada, fizemos uma coligação muito bem construída e se mostrou muito coerente.

Qual era o maior risco na campanha? A articulação entre os partidos da coligação, entre Passos e Paulo Portas?

Não, esse risco nunca existiu. Depois desse trabalho pré-eleitoral feito, já chegámos à campanha com tudo muito convicto, muito crente, muito esperançoso de que éramos capazes de ganhar.

Quando entram na campanha a eleição já está ganha?

Eu não diria isso.

Mas estão bem lançados, é isso?

Tínhamos a base muito sólida para isso. O que ajudou a campanha foi a maturidade da coligação, os dois partidos terem construído essa unidade de forma tão sinérgica, foi termos conseguido fazer uma campanha quase perfeita em que não errámos em nada - lançámos um programa de governo muito bem posicionado, na véspera conseguimos, através de várias ações políticas, questionar bem o programa do PS, desconstruir um pouco aquilo.

Um pouco é eufemismo. Vocês trituraram o programa do PS e fizeram dele um dos centros da vossa campanha.

Acho que politicamente fizemos aí um trabalho competente. E a gente se organizou, conseguiu sintetizar o nosso programa, passar uma mensagem mais simples e mais forte.

Uma vez que já vinham com o embalo de trás, o mais importante na campanha era não cometer erros?

Não, não. Nós cometemos foi acertos, um atrás do outro. Mas não estávamos com a preocupação de não cometer erros.

E aproveitaram os erros do adversário.

Do PS são os erros deles, eu não falo dos erros de ninguém, gosto é de comentar os nossos acertos, porque acertámos em tudo. Desde setembro de 2014 nós vinhamos fazendo tempos de antena de quinze em quinze dias, vendendo o Governo, posicionando o nosso trabalho, vendendo o conceito de tudo o que foi feito, incansavelmente durante quase um ano, em paralelo com ações nas redes sociais, e também uma estratégia de articulação com os media regionais que funcionou muito bem. Foi uma máquina que começou a rodar muito tempo antes. Quando nós chegámos a 90 dias da eleição, estava tudo definido. A campanha nunca mudou de rumo. Começámos sabendo para onde íamos e acabámos onde queríamos chegar, e isso é muito difícil numa campanha política. Foi uma bela campanha.

Foi a coligação que ganhou as eleições ou foi o PS que perdeu? A questão até se coloca olhando para os números: o PaF perdeu 740 mil votos mas o PS só ganhou 180 mil, ou seja, apenas um quarto.

A coligação ganhou: se olhar para há seis, oito meses atrás, nós tínhamos oito ou dez pontos de atraso para o PS, e acabámos seis pontos e meio na frente. Não interessa o que aconteceu com o PS, interessa que nós fizemos a nossa parte. Ganhámos.

Mas não estava à espera que o PS desse mais luta? Que fosse mais competitivo, mais competente?

Acho que o PS não se encontrou em hora nenhuma na campanha. Por que motivo, se por orientação política ou estratégica? Não sei. A verdade é que percebíamos que havia ali pouca clareza no discurso. Acho que isso de alguma forma ajudou a que eles não tivessem o desempenho que gostariam.

Tem a ver com o candidato? Como avalia António Costa?

Acho que não tem a ver só com os candidatos, tem a ver com o que foram as campanhas. A campanha do PS era centrada no António Costa, “eu confio nele”, ele é a pessoa certa, e do nosso lado a gente exaltava o país, a necessidade de Portugal avançar, a necessidade de Portugal seguir o bom caminho. O nosso outdoor da última semana era “vote por Portugal”, não era vote em Passos Coelho.

Vocês esconderam as marcas partidárias e até fizeram cartazes sem as caras dos líderes da coligação.

Nós abraçamos uma causa. Tínhamos de fazer uma campanha de reconhecimento do que está a ser feito e mobilização do país para esse projeto.

Abraçaram uma causa ou esconderam marcas partidárias e nomes de líderes que tinham um peso negativo?

Não, a questão não era essa.

Então, porque é que não houve cartazes com as caras de Passos e Portas?

Porque a estratégia da campanha era valorizar o nosso trabalho, o seu resultado e as perspetivas que se abrem. Foi assim em tudo, não só nos cartazes. Não era uma questão de ter a foto deles ou não, optámos por reforçar a mensagem que definimos desde o início.

Não foi para esconder as marcas PSD e CDS e as caras de Passos e Portas?

Não. Eles andaram juntos pelo país todo, apareceram juntos nos tempos de antena, não houve estratégia de esconder nada.

Houve algum erro que o surpreendesse mais do lado do PS?

O discurso excessivamente negativo. Quando você faz uma sondagem em que 75% das pessoas, independentemente de votarem em nós ou não, reconhecem que o país está melhor, e há alguém que continua dizendo que está tudo ruim, é óbvio que alguém está a dizer alguma coisa um pouco fora do contexto da realidade. Ou, então, não construiu os argumentos certos para dizer isso.

Acha isso mais relevante do que a excessiva colagem à esquerda, que poderá ter assustado o eleitorado moderado?

Para mim isso é tudo a mesma coisa, porque esse também não deixa de ser um discurso negativo, a ideia da maioria negativa. Acho que o país estava com muito sofrimento nas costas e queria uma palavra de esperança, que desse um horizonte positivo, e não uma mensagem de rancor.

Diz que a política é cada vez menos feita de rótulos ideológicos e mais de resultados. A esquerda continua a falar muito da dicotomia esquerda/direita, enquanto Passos tentou sempre passar por cima dessas diferenças. Como publicitário, acha que a esquerda insiste numa linguagem ultrapassada?

Acho que isso é a velha política. Sempre vai existir aquelas pessoas que gostam mais da esquerda do que da direita, que são mais radicais para um lado do que para o outro. Mas essencialmente o que as pessoas querem não é ideologia, é enxergar compromissos, é acordar e saber como é que a vida delas vai melhorar. Acho que foi isso que pesou no dia da eleição.

É por essa razão que a perceção da recuperação económica foi decisiva? Foi a economia que decidiu as eleições?

No mundo todo, na maioria das vezes, quando a economia está bem ganha-se a eleição, quando a economia está mal perde-se a eleição. Ponto. Aqui retratámos mais uma vez isso.

Esta campanha foi mais difícil do que a de 2011?

Com certeza. A eleição há quatro anos, apesar de todas as dificuldades que tivemos - e não foram poucas - era uma eleição realmente ganha. O PS agonizava no país, buscava na força e na energia do Sócrates os argumentos para tentar se segurar e convencer os eleitores, mas havia um forte desejo de mudança. Isso era claro. O ambiente era melhor para trabalharmos. Agora foi diferente. Apesar de eu pessoalmente achar, desde a saída da troika (e compartilhava isso com Passos Coelho, e via isso nos olhos dele), que havia uma forte esperança de estarmos a entrar no caminho, até há poucos meses não eram poucos os que só faziam a conta do tamanho do prejuízo. Nós revertemos o quadro, ganhámos as eleições e, apesar de não termos maioria absoluta, creio que conseguimos uma vitória histórica.

Qual foi o momento mais difícil?

O debate das televisões. Eu acho que Passos não perdeu esse debate, optou por ter o comportamento natural dele, um cara mais equilibrado, mais sensato. A atitude um pouco mais forte de António Costa deu a ideia de que ele tivesse tido um super desempenho, mas eu não achei isso. E as nossas pesquisas, o nosso tracking diário [tracking poll, as sondagens diárias para perceber a reação do eleitorado], não houve uma variação tão significativa. A realidade é que quem forma a opinião numa campanha como esta é a free media [os órgãos de comunicação social generalistas], que criou essa opinião consensual da vitória de Costa, o que lhe deu um balão de oxigénio. Mas tivemos muita serenidade, nunca senti qualquer pressão para mudar estratégia nenhuma.

O que é que disse a Passos depois do debate?

Disse-lhe que achei que não havia um vencedor, mas que a repercussão pública era de que a atitude mais agressiva do Costa lhe estava a dar a vitória. Mas aquele episódio não gerou em nós absolutamente nada, a não ser o reconhecimento de que talvez o Costa tivesse tomado um pouco de espaço. Mas nada que nos fizesse acordar preocupado no outro dia. Acho que no debate seguinte ele [Passos] não permitiu que o António Costa fizesse a mesma cena, e corrigiu porventura o deslize das televisões.

O que é isto de chamar publicitários brasileiros para as campanhas eleitorais portuguesas? Portugal está muito atrás do Brasil no marketing político?

Acho que não. Mas os brasileiros têm um universo eleitoral maior e uma política muito mais solta, isso remete-nos talvez para uma experiência maior. Mas conheci muitos portugueses brilhantes. Sabe, teve muita gente que fez a brincadeira de dizer “os nossos brasileiros são melhores que os deles”, mas eu acho que nós ganhámos a eleição porque os nossos portugueses são melhores do que os deles.

A forma como se “vende” um candidato é igual cá ou no Brasil?

Sim, o conceito em si é o mesmo. Mas Portugal tem uma sociedade muito mais politizada, muito mais intelectualizada, atenta e participante. Isso faz com que se tenha de ter um pouco mais de cuidado. Muita gente faz a velha política no feeling, na emoção. Esses ingredientes são muito importantes, mas hoje a política está em você ter as informações corretas. Nós trabalhámos o tempo todo com pesquisas quantitativas e qualitativas, fizemos mais de 50 focus groups qualitativos para acompanhar tudo, monitorizar tudo, para ter a certeza de que não estávamos dando nenhuma mensagem equivocada, nenhum sinal errado. Isso foi feito absolutamente o tempo todo.

Os focus group e as sodagens foram determinantes?

A importância dos focus group e das tracking polls é total. É a bussola. Não se pode trabalhar sem informação, sem saber o que as pessoas estão pensando. Isso é trabalhar no escuro, sem saber o impacto das coisas. Tanto do nosso lado como do lado de lá. A campanha não é só você não, tem alguém do lado de lá que também está tentando fazer o melhor que pode.

Não tínhamos focus group diários, mas todos os passos que a gente dava e todos os temas que assumiam algum tipo de relevância na campanha, a gente monitorava as perceções das pessoas. Antes e depois, para podermos ter o sentimento correto. Isso são instrumentos científicos que ajudam a ponderar a sensibilidade [do eleitorado] e a perceber até onde se deve ir ou não se deve ir.

Vai continuar a colaborar com Passos Coelho na próxima legislatura, como fez nos últimos quatro anos?

Eu tenho contrato com o PSD até dezembro. A partir daí, vamos conversar, vamos avaliar. Vamos ver.

Mas esta legislatura é de alto risco, nada garante que seja de quatro anos. Isso recomenda mais monitorização, não?

É um ambiente diferente, mas acho que o primeiro-ministro já deu uma lição de paciência, calma e persistência. Tudo o que estiver ao alcance dele, ele vai fazer para cumprir o sua obrigação.

Pode não depender dele. Isso obriga a estar sempre preparado?

Preparado preparado, não. Mas atento.

Há quatro anos foi à tomada de posse e essa era das poucas fotografias suas que existiam na internet. Vai outra vez este ano ou vai voltar à sombra?

Depende de quando for e de eu ser convidado… Eu gosto de prestigiar, de estar onde é importante, mas não gosto de fazer cena, nem protagonismo, nem showzinho de que fui eu que fiz… É a minha personalidade: gosto mais de fazer o que faço do que de falar do que faço. Essa foi a eleição em que eu tive, sem dúvida nenhuma, a maior responsabilidade da minha vida, porque me senti na obrigação de retribuir a confiança que tenho dele. Então eu não queria cometer um erro. Nunca passei três meses fora da minha casa, foi a primeira vez que estive tanto tempo longe de casa. Na outra campanha vim quase em cima, mas agora disse à minha mulher que só saía daqui morto, mas não sairia derrotado.

Aceitaria fazer a campanha do PS se o convidassem amanhã?

Não. Este meu negócio não é tão negócio assim. Não faria porque o meu cliente chama-se Pedro Passos Coelho.

É muito caro contratá-lo?

Acho que não.

Quanto custa?

O partido pode dar esses dados, prefiro que seja assim.

Texto originalmente publicado na edição de 8 de outubro de 2015 do Expresso Diário

Quando a entrevista terminou, André Gustavo quis fazer-lhe um acrescento: tratava-se de agradecimentos vários - ao “maestro” Matos Rosa (o secretário-geral do PSD), a Paulo Portas, a Pedro Passos Coelho e à família, que ficou no Brasil. Nada que, depois dos cortes que uma entrevista sempre sofre antes da sua publicação, tivesse relevância para entrar na versão final. Mas o primeiro desses agradecimentos não foi nem para os políticos que o contrataram, nem para a família que esteve à distância nos últimos três meses. O primeiro agradecimento de André Gustavo Vieira, o guru da campanha vencedora da coligação Portugal à Frente, foi para a empresa de sondagens e pesquisa de mercado que trabalha para o PSD. “A Pitagórica é a empresa de pesquisa que está com a gente há quatro anos fazendo trabalho de informação e que nunca errou em nada. Sempre foi muito responsável e precisa, e sempre tivemos essa bússola apontando o caminho certo. Foi muito importante para nós”, diz o “marqueteiro” brasileiro.

Bússola, precisão, informação - André Gustavo descreve a campanha que dirigiu como um trabalho científico, sempre de olhos postos nas indicações das sondagens, de focus groups e de tracking polls (as sondagens diárias, mais pequenas, que nas últimas semanas antes das eleições permitem medir a evolução do sentimento dos eleitores). Esta não foi uma campanha da “velha política”, feita “no feeling e na emoção”, mas um trabalho continuado de montagem de uma mensagem coerente, acompanhado o “tempo todo” de “pesquisas quantitativas e qualitativas”. Um trabalho que começou há quatro anos, quando, depois da vitória do PSD nas legislativas de 2011, Passos Coelho convidou o “marqueteiro” pernambucano a continuar a aconselhá-lo.

Durante quatro anos, André continuou a vir regularmente a Portugal, sentia o ar do tempo, analisava o resultado de sondagens e focus groups, conversava com o primeiro-ministro. Sem descurar nenhum pormenor, no último ano manteve-se de olhos postos na questão essencial. “A única pergunta que eu fazia à Pitagórica - eles ficavam doidos comigo - era: Qual a percentagem de pessoas que acham que a situação económica está melhor?” O valor foi crescendo e, nos últimos tempos, estava nos 75%. “Ok, mandem-me as outras perguntas que depois eu vejo.” O essencial era aquilo: bastava que as pessoas tivessem alguma perceção de que os últimos anos valeram a pena para a coligação ter um discurso competitivo nas eleições. Não era preciso certezas, bastava essa sensação.

André Gustavo, 48 anos, herdou do pai, em parceria com o irmão, a Arcos Comunicação, empresa criada há 38 anos no Recife, hoje com escritórios em Pernambuco, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Há uns anos trocou o Recife por Brasília, o grande tanque de tubarões da política brasileira. Foi o corolário lógico de uma carreira vocacionada para campanhas políticas e contas institucionais. A sua primeira campanha política foi há 25 anos, quando ajudou a eleger Joaquim Francisco para “prefeito” do Recife. Ganhou. Depois ajudou-o a ser eleito governador de Pernambuco. “Depois vieram muitas outras campanhas de senador, deputados. Muitas que ganhámos, outras que perdemos. Até que há quatro anos recebi o convite de Miguel Relvas para apresentar um diagnóstico do cenário político para o então candidato a primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.” Começámos a entrevista por aí.

Reza a história que tudo começou com Luís Filipe Menezes, foi assim?

Eu conheci o Luís Filipe Menezes numas férias e ficámos amigos. Anos depois, eu conheci, através dele, o Marco António, que era vice dele [na Câmara Municipal de Gaia], e foi o Marco António quem me apresentou ao Miguel Relvas num evento. Falámos, voltámos a falar, ele foi ao Brasil, e depois falou-me no desafio que era a disputa partidária [no PSD, quando Passos Coelho se candidatou à liderança, em 2010]. A campanha do PSD estava a correr, ele ganhou, e foi então que eu o conheci. A pedido do Miguel, fiz um diagnóstico do cenário político, diagnóstico que [Passos] avaliou como positivo. A partir daí o Miguel fez-me o convite para estar na campanha [nas legislativas de 2011], eu montei uma equipa com pessoas que vieram do Brasil comigo, tal como fiz agora, e fizemos essa campanha. Ganhámos a eleição. Depois disso o partido convidou-me e eu combinei que não trabalharia para o Governo, mas para o PSD.

Depois da campanha de 2011, o PSD convidou-o para fazer exatamente o quê entre 2011 e 2015?

Fiquei a fazer um trabalho de monitoramento estratégico, de pesquisa (o que vocês chamam as sondagens), de acompanhamento do cenário. Até este ano, quando fui convidado para esta campanha. Trouxe uma equipa de seis ou sete brasileiros, que se juntaram a mais vinte ou 25 portugueses.

Nesse primeiro diagnóstico, em 2011, que retrato apresentou de Pedro Passos Coelho e da situação política?

Diagnóstico é entender com muita clareza qual é o momento atual e o que é que está a acontecer. Cruzamos dados de sondagens quantitativas e qualitativas, para poder fazer o levantamento preciso das informações. Nessa época era claro que havia uma certa fadiga em relação ao PS e um desejo de mudança muito forte. Procurámos destacar isso, tanto que a campanha foi toda sobre o tema da mudança.

O que é que torna Passos alguém interessante com quem fazer uma campanha eleitoral? O que é que viu nele?

Quando eu o conheci, ele sempre se mostrou uma pessoa muito convicta, muito firme, muito serena, e tinha uma leitura muito pragmática de que o país precisava de um novo caminho. Do outro lado, havia todo o entusiasmo, habilidade e competência política do Miguel Relvas, que conduziu a campanha de forma impecável.

Um político firme e decidido é bom material para um publicitário?

Com certeza. Mas não é só o político: é o político e a circunstância. Naquele momento havia as características do Pedro Passos Coelho e o cenário, que mostrava as pessoas exauridas do modelo anterior. O governo PS já vinha de uma certa fadiga e isso acabou por ser o ponto fundamental para construirmos um projeto interessante que trouxe a vitória ao PSD.

Passos era a pessoa certa no momento certo?

Nessa altura, como hoje, sempre ficou evidente, e reforçou-se, a capacidade das pessoas enxergarem nele um sujeito que resgata valores na política. Valores de seriedade, de ética, de responsabilidade, de respeito. São características muito fortes. No início do Governo, em que nem ele sabia a realidade que ia encontrar, e depois foi conhecendo a sua dimensão exata, ele tomou a decisão de não hesitar. Não poupou esforços no sentido de preservar a sua imagem ou a imagem do partido - ou fazia o que o país precisava, ou não teria sentido estar ali. Acho que ele fez a opção correta e as pessoas ao longo do tempo foram percebendo isso. Quando a troika saiu e virámos a primeira página do capitulo mais difícil, todo o país começou a ver os primeiros sinais positivos. Apesar de serem referências fortes, ainda não tocavam a vida das pessoas, mas isso já dava sentido a muita coisa. Era como se estivéssemos resgatando a nossa coerência. A verdadeira esperança só viria se nós fossemos capazes de resolver o problemas, e começou a chegar com pequenos índices, pequenos apontamentos que mostravam que talvez estivéssemos de facto entrando num ciclo virtuoso. E a realidade é que isso foi se multiplicando, e reforçando o que foi o nosso discurso desde o início. Num primeiro momento esse discurso era claro: fazer o que fosse necessário pelo país; desde que a troika saiu assumimos o posicionamento “Portugal acima de tudo”. A partir desse guarda-chuva, vendemos o êxito do Governo e de tudo o que foi feito e começámos a perceber que o astral dos portugueses começava a mudar.

Portanto, o primeiro momento desta vitória foi a saída da troika e os primeiros indicadores económicos positivos, há cerca de um ano?

Sim. Engana-se quem pensa que a nossa vitória foi construída nos últimos 90 dias. A nossa vitória é fruto dos últimos quatro anos. Trabalhámos muito, mesmo nos momentos mais difíceis. E essa é a vitória da coerência, o nosso discurso sempre foi muito coerente. Fomos coerentes quando entrámos no Governo, quando defendemos que tinha de ser feito o que era necessário, quando começámos a virar a página, quando defendemos que acima de tudo estava o país, quando defendemos os números positivos e a ação do Governo, que ficou muito maquilhada durante muito tempo porque os media só davam relevo aos aspetos políticos, económicos e financeiros da crise. Depois esse trabalho começou a aparecer. A partir daí, a gente focou-se 100% nos aspetos positivos: falar bem do que estávamos a fazer, falar bem do que pode acontecer.

E quando é que tem a perceção que podem ganhar?

Desde o momento me que a troika deixou o país eu sentia, e compartilhava com ele [Passos] essa crença, que a gente podia construir um processo de recuperação forte e ganhar. A maioria das pessoas via isso com muito ceticismo, mas eu disse-lhe: Pedro, se a gente conseguir chegar à eleição com as pessoas tendo, não a certeza, mas alguma perceção de que tudo isto pode dar certo, então a gente tem discurso para disputar a eleição.

Não era pouco como discurso?

De forma nenhuma. Depois da crise em que o país estava afundado, viver um momento em que as pessoas começam a enxergar que os sacrifícios valeram a pena, que tudo isso pode fazer sentido, era a grande alavanca de que precisávamos para criar uma onda de motivação e de reconhecimento.

Ou seja, não era preciso as pessoas terem a certeza de que tudo deu certo; bastava que tivessem a perceção de que talvez desse certo?

Sim. O que aconteceu é que não só avançámos no sentido dos primeiros números serem positivos, como se foram reafirmando e foram consolidados. Nessa medida, o nosso discurso começou a ficar muito forte, a ter muito sentido. Aí começámos a embalar numa mensagem muito positiva.

Disse que o mais importante em relação a Pedro Passos Coelho era a imagem de seriedade e ética. Houve um momento em que temeu que essa imagem se tivesse perdido? Quando surgiram as notícias sobre a Tecnoforma, e os descontos para a Segurança Social que não foram pagos?

Não. Quem o conhece não coloca isso em dúvida.

Mas o cidadão comum não o conhece...

Mas ele é muito reto, muito correto. Ali, teve de colocar a única verdade que tinha - na verdade, ele não sabia que tinha de fazer esses descontos, tal como milhares de portugueses. O ativo dele naquele momento já era tão forte, tão consolidado do ponto de vista pessoal, que eu nunca acreditei que pudesse reverter. Em todos os momentos ele conseguiu se reafirmar com muita coerência do início ao fim. Todas as outras coisas foram ficando menores e para trás.

Foi tudo desenhado à volta dessas características pessoais de Passos Coelho?

Sim. Os media como um todo deram a isso muita força. Até quando o criticavam fortaleciam muito isso, sem perceberem.

Como assim?

Diziam que ele ia mais além, que não abria mão, que era muito duro, e na realidade, não é que ele fosse mais além, mas ia onde era necessário. Isso ajudou a construir a própria imagem dele.

Se tudo depende tanto das características de um indivíduo, qual é o papel do publicitário? O que é que o André Gustavo fez?

A gente já viveu uma época em que a maior referência era a ideologia, aquela briga cega por valores que às vezes ninguém entendia quais eram, mas eram as suas bandeiras. Nós entramos numa época em que acho que as pessoas querem ver mais resultados, mais atitude, como é que as vidas delas melhoram. As pessoas querem algo mais tangível, querem sair da fantasia. Acho que esse choque de realidade o Governo deu nas atitudes que tomou. Nós trabalhámos muito, e muito tempo, com muita informação, muitas sondagens, muito acompanhamento do sentimento da sociedade, sempre tentando ponderar como é que o Governo poderia se posicionar em relação aos sentimentos das pessoas e às situações, sejam as mais difíceis que passámos, ou aquelas que poderíamos potenciar mais para resgatar a nossa imagem. Esse foi o nosso trabalho.

O que é que deu mais trabalho?

O trabalho mais fundamental que fizemos foi desde a saída da troika até ao início da campanha. Esse foi o período em que a gente consolidou as condições para ganhar a eleição.

Está a falar das condições económicas?

Sim, mas também da imagem do Governo, a imagem do Pedro Passos Coelho. O período da campanha foi fundamental, eu não gosto de dizer que fiz uma campanha perfeita, mas acho que essa foi uma campanha perfeita. Não errámos em nada, fizemos uma coligação muito bem construída e se mostrou muito coerente.

Qual era o maior risco na campanha? A articulação entre os partidos da coligação, entre Passos e Paulo Portas?

Não, esse risco nunca existiu. Depois desse trabalho pré-eleitoral feito, já chegámos à campanha com tudo muito convicto, muito crente, muito esperançoso de que éramos capazes de ganhar.

Quando entram na campanha a eleição já está ganha?

Eu não diria isso.

Mas estão bem lançados, é isso?

Tínhamos a base muito sólida para isso. O que ajudou a campanha foi a maturidade da coligação, os dois partidos terem construído essa unidade de forma tão sinérgica, foi termos conseguido fazer uma campanha quase perfeita em que não errámos em nada - lançámos um programa de governo muito bem posicionado, na véspera conseguimos, através de várias ações políticas, questionar bem o programa do PS, desconstruir um pouco aquilo.

Um pouco é eufemismo. Vocês trituraram o programa do PS e fizeram dele um dos centros da vossa campanha.

Acho que politicamente fizemos aí um trabalho competente. E a gente se organizou, conseguiu sintetizar o nosso programa, passar uma mensagem mais simples e mais forte.

Uma vez que já vinham com o embalo de trás, o mais importante na campanha era não cometer erros?

Não, não. Nós cometemos foi acertos, um atrás do outro. Mas não estávamos com a preocupação de não cometer erros.

E aproveitaram os erros do adversário.

Do PS são os erros deles, eu não falo dos erros de ninguém, gosto é de comentar os nossos acertos, porque acertámos em tudo. Desde setembro de 2014 nós vinhamos fazendo tempos de antena de quinze em quinze dias, vendendo o Governo, posicionando o nosso trabalho, vendendo o conceito de tudo o que foi feito, incansavelmente durante quase um ano, em paralelo com ações nas redes sociais, e também uma estratégia de articulação com os media regionais que funcionou muito bem. Foi uma máquina que começou a rodar muito tempo antes. Quando nós chegámos a 90 dias da eleição, estava tudo definido. A campanha nunca mudou de rumo. Começámos sabendo para onde íamos e acabámos onde queríamos chegar, e isso é muito difícil numa campanha política. Foi uma bela campanha.

Foi a coligação que ganhou as eleições ou foi o PS que perdeu? A questão até se coloca olhando para os números: o PaF perdeu 740 mil votos mas o PS só ganhou 180 mil, ou seja, apenas um quarto.

A coligação ganhou: se olhar para há seis, oito meses atrás, nós tínhamos oito ou dez pontos de atraso para o PS, e acabámos seis pontos e meio na frente. Não interessa o que aconteceu com o PS, interessa que nós fizemos a nossa parte. Ganhámos.

Mas não estava à espera que o PS desse mais luta? Que fosse mais competitivo, mais competente?

Acho que o PS não se encontrou em hora nenhuma na campanha. Por que motivo, se por orientação política ou estratégica? Não sei. A verdade é que percebíamos que havia ali pouca clareza no discurso. Acho que isso de alguma forma ajudou a que eles não tivessem o desempenho que gostariam.

Tem a ver com o candidato? Como avalia António Costa?

Acho que não tem a ver só com os candidatos, tem a ver com o que foram as campanhas. A campanha do PS era centrada no António Costa, “eu confio nele”, ele é a pessoa certa, e do nosso lado a gente exaltava o país, a necessidade de Portugal avançar, a necessidade de Portugal seguir o bom caminho. O nosso outdoor da última semana era “vote por Portugal”, não era vote em Passos Coelho.

Vocês esconderam as marcas partidárias e até fizeram cartazes sem as caras dos líderes da coligação.

Nós abraçamos uma causa. Tínhamos de fazer uma campanha de reconhecimento do que está a ser feito e mobilização do país para esse projeto.

Abraçaram uma causa ou esconderam marcas partidárias e nomes de líderes que tinham um peso negativo?

Não, a questão não era essa.

Então, porque é que não houve cartazes com as caras de Passos e Portas?

Porque a estratégia da campanha era valorizar o nosso trabalho, o seu resultado e as perspetivas que se abrem. Foi assim em tudo, não só nos cartazes. Não era uma questão de ter a foto deles ou não, optámos por reforçar a mensagem que definimos desde o início.

Não foi para esconder as marcas PSD e CDS e as caras de Passos e Portas?

Não. Eles andaram juntos pelo país todo, apareceram juntos nos tempos de antena, não houve estratégia de esconder nada.

Houve algum erro que o surpreendesse mais do lado do PS?

O discurso excessivamente negativo. Quando você faz uma sondagem em que 75% das pessoas, independentemente de votarem em nós ou não, reconhecem que o país está melhor, e há alguém que continua dizendo que está tudo ruim, é óbvio que alguém está a dizer alguma coisa um pouco fora do contexto da realidade. Ou, então, não construiu os argumentos certos para dizer isso.

Acha isso mais relevante do que a excessiva colagem à esquerda, que poderá ter assustado o eleitorado moderado?

Para mim isso é tudo a mesma coisa, porque esse também não deixa de ser um discurso negativo, a ideia da maioria negativa. Acho que o país estava com muito sofrimento nas costas e queria uma palavra de esperança, que desse um horizonte positivo, e não uma mensagem de rancor.

Diz que a política é cada vez menos feita de rótulos ideológicos e mais de resultados. A esquerda continua a falar muito da dicotomia esquerda/direita, enquanto Passos tentou sempre passar por cima dessas diferenças. Como publicitário, acha que a esquerda insiste numa linguagem ultrapassada?

Acho que isso é a velha política. Sempre vai existir aquelas pessoas que gostam mais da esquerda do que da direita, que são mais radicais para um lado do que para o outro. Mas essencialmente o que as pessoas querem não é ideologia, é enxergar compromissos, é acordar e saber como é que a vida delas vai melhorar. Acho que foi isso que pesou no dia da eleição.

É por essa razão que a perceção da recuperação económica foi decisiva? Foi a economia que decidiu as eleições?

No mundo todo, na maioria das vezes, quando a economia está bem ganha-se a eleição, quando a economia está mal perde-se a eleição. Ponto. Aqui retratámos mais uma vez isso.

Esta campanha foi mais difícil do que a de 2011?

Com certeza. A eleição há quatro anos, apesar de todas as dificuldades que tivemos - e não foram poucas - era uma eleição realmente ganha. O PS agonizava no país, buscava na força e na energia do Sócrates os argumentos para tentar se segurar e convencer os eleitores, mas havia um forte desejo de mudança. Isso era claro. O ambiente era melhor para trabalharmos. Agora foi diferente. Apesar de eu pessoalmente achar, desde a saída da troika (e compartilhava isso com Passos Coelho, e via isso nos olhos dele), que havia uma forte esperança de estarmos a entrar no caminho, até há poucos meses não eram poucos os que só faziam a conta do tamanho do prejuízo. Nós revertemos o quadro, ganhámos as eleições e, apesar de não termos maioria absoluta, creio que conseguimos uma vitória histórica.

Qual foi o momento mais difícil?

O debate das televisões. Eu acho que Passos não perdeu esse debate, optou por ter o comportamento natural dele, um cara mais equilibrado, mais sensato. A atitude um pouco mais forte de António Costa deu a ideia de que ele tivesse tido um super desempenho, mas eu não achei isso. E as nossas pesquisas, o nosso tracking diário [tracking poll, as sondagens diárias para perceber a reação do eleitorado], não houve uma variação tão significativa. A realidade é que quem forma a opinião numa campanha como esta é a free media [os órgãos de comunicação social generalistas], que criou essa opinião consensual da vitória de Costa, o que lhe deu um balão de oxigénio. Mas tivemos muita serenidade, nunca senti qualquer pressão para mudar estratégia nenhuma.

O que é que disse a Passos depois do debate?

Disse-lhe que achei que não havia um vencedor, mas que a repercussão pública era de que a atitude mais agressiva do Costa lhe estava a dar a vitória. Mas aquele episódio não gerou em nós absolutamente nada, a não ser o reconhecimento de que talvez o Costa tivesse tomado um pouco de espaço. Mas nada que nos fizesse acordar preocupado no outro dia. Acho que no debate seguinte ele [Passos] não permitiu que o António Costa fizesse a mesma cena, e corrigiu porventura o deslize das televisões.

O que é isto de chamar publicitários brasileiros para as campanhas eleitorais portuguesas? Portugal está muito atrás do Brasil no marketing político?

Acho que não. Mas os brasileiros têm um universo eleitoral maior e uma política muito mais solta, isso remete-nos talvez para uma experiência maior. Mas conheci muitos portugueses brilhantes. Sabe, teve muita gente que fez a brincadeira de dizer “os nossos brasileiros são melhores que os deles”, mas eu acho que nós ganhámos a eleição porque os nossos portugueses são melhores do que os deles.

A forma como se “vende” um candidato é igual cá ou no Brasil?

Sim, o conceito em si é o mesmo. Mas Portugal tem uma sociedade muito mais politizada, muito mais intelectualizada, atenta e participante. Isso faz com que se tenha de ter um pouco mais de cuidado. Muita gente faz a velha política no feeling, na emoção. Esses ingredientes são muito importantes, mas hoje a política está em você ter as informações corretas. Nós trabalhámos o tempo todo com pesquisas quantitativas e qualitativas, fizemos mais de 50 focus groups qualitativos para acompanhar tudo, monitorizar tudo, para ter a certeza de que não estávamos dando nenhuma mensagem equivocada, nenhum sinal errado. Isso foi feito absolutamente o tempo todo.

Os focus group e as sodagens foram determinantes?

A importância dos focus group e das tracking polls é total. É a bussola. Não se pode trabalhar sem informação, sem saber o que as pessoas estão pensando. Isso é trabalhar no escuro, sem saber o impacto das coisas. Tanto do nosso lado como do lado de lá. A campanha não é só você não, tem alguém do lado de lá que também está tentando fazer o melhor que pode.

Não tínhamos focus group diários, mas todos os passos que a gente dava e todos os temas que assumiam algum tipo de relevância na campanha, a gente monitorava as perceções das pessoas. Antes e depois, para podermos ter o sentimento correto. Isso são instrumentos científicos que ajudam a ponderar a sensibilidade [do eleitorado] e a perceber até onde se deve ir ou não se deve ir.

Vai continuar a colaborar com Passos Coelho na próxima legislatura, como fez nos últimos quatro anos?

Eu tenho contrato com o PSD até dezembro. A partir daí, vamos conversar, vamos avaliar. Vamos ver.

Mas esta legislatura é de alto risco, nada garante que seja de quatro anos. Isso recomenda mais monitorização, não?

É um ambiente diferente, mas acho que o primeiro-ministro já deu uma lição de paciência, calma e persistência. Tudo o que estiver ao alcance dele, ele vai fazer para cumprir o sua obrigação.

Pode não depender dele. Isso obriga a estar sempre preparado?

Preparado preparado, não. Mas atento.

Há quatro anos foi à tomada de posse e essa era das poucas fotografias suas que existiam na internet. Vai outra vez este ano ou vai voltar à sombra?

Depende de quando for e de eu ser convidado… Eu gosto de prestigiar, de estar onde é importante, mas não gosto de fazer cena, nem protagonismo, nem showzinho de que fui eu que fiz… É a minha personalidade: gosto mais de fazer o que faço do que de falar do que faço. Essa foi a eleição em que eu tive, sem dúvida nenhuma, a maior responsabilidade da minha vida, porque me senti na obrigação de retribuir a confiança que tenho dele. Então eu não queria cometer um erro. Nunca passei três meses fora da minha casa, foi a primeira vez que estive tanto tempo longe de casa. Na outra campanha vim quase em cima, mas agora disse à minha mulher que só saía daqui morto, mas não sairia derrotado.

Aceitaria fazer a campanha do PS se o convidassem amanhã?

Não. Este meu negócio não é tão negócio assim. Não faria porque o meu cliente chama-se Pedro Passos Coelho.

É muito caro contratá-lo?

Acho que não.

Quanto custa?

O partido pode dar esses dados, prefiro que seja assim.

Texto originalmente publicado na edição de 8 de outubro de 2015 do Expresso Diário

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