Aprovada Taxa da Cópia Não Privada #PL118

26-06-2017
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Na passada sexta-feira, a maioria parlamentar aprovou a Proposta de Lei sobre a taxa da cópia privada. O processo de discussão parlamentar, que se arrasta desde 2011, foi caracterizado por argumentos, que em nada se relacionam com a cópia privada. As mais recentes audições da 1ª Comissão mostram claramente que a aprovação desta taxa não levou em conta a Directiva Europeia,

Os argumentos dos deputados que aprovaram tal proposta de lei são inexplicáveis no contexto das leis sobre direito de autor em Portugal, assim como no contexto da directiva europeia que o legislador tem de cumprir, das recomendações da Comissão Europeia e das anteriores decisões do Tribunal de Justiça Europeu sobre a matéria.

As audições realizadas pela Comissão, e disponibilizadas no arquivo do site do Canal Parlamento, mostram claramente que os deputados aprovaram a taxa da cópia privada tendo em conta cópias que não são cópias privadas.

Ouvimos deputados argumentar sobre a partilha de ficheiros, que a lei em Portugal não permite realizar.

Ouvimos deputados argumentar a favor da taxa da cópia privada sobre os usos permitidos em serviços como o iTunes, o Spotify, o YouTube e outros serviços similares, que dizem respeito a usos previamente autorizados pelos titulares dos direitos e, como consequência, previamente compensados. Na verdade, tal argumento roça o surreal se tivermos em conta que a directiva europeia chama precisamente a atenção do legislador para não considerar tais cópias, de forma a não taxar duplamente o cidadão. Em 2013, António Vitorino apresentou o relatório sobre a mediação da cópia privada à Comissão Europeia, onde diz claramente que as cópias feitas para uso privado no contexto dos serviços acima mencionados não podem ser consideradas para a taxa da cópia privada. E os deputados da 1ª Comissão nem precisavam de ler o relatório inteiro, bastava terem lido a primeira recomendação do sumário executivo.

E se a directiva e o relatório não fossem suficientes, teria bastado aos deputados olhar para o Código de Direito de Autor e Direitos Conexos, que define a cópia privada como sendo uma cópia sem o consentimento do autor, que ainda assim é lícita se cumprir o conjunto de condições impostas pelo legislador. Ora, é por de mais evidente que o cidadão que tenha uma autorização prévia dos titulares dos direitos para fazer a cópia, não precisa de usar a excepção da cópia privada. O cidadão só precisa da excepção quando não tem o consentimento dos titulares, o que não é manifestamente o caso dos serviços como o iTunes, o Spotify, o YouTube ou outros serviços similares, assim como não é manifestamente o caso do serviço de televisão.

Ouvimos ainda alguns deputados insistirem no argumento de que a taxa da cópia privada não se refere às cópias que os cidadãos efectivamente fazem, mas sim às cópias que a lei permite fazer. Estranhamente, foram esses mesmos deputados que aprovaram uma tabela de compensações, que taxa equipamentos, que a lei não permite ao cidadão usar para realizar cópias privadas. Estão nestas condições, por exemplo, os equipamentos e dispositivos afectos às obras em formato vídeo. Todas as fontes lícitas de vídeo têm medidas anti-cópia e, segundo a lei de direito de autor, fazer uma cópia, mesmo para fins privados, de tais obras é um crime punível com até um ano de prisão. E também sobre este problema se debruça a directiva, ao alertar o legislador para considerar o grau de utilização de tais medidas.

Ouvimos deputados defenderem isenções para mais entidades e aprovarem uma lista de isenções a pessoas colectivas, quando a lei apenas permite a cópia privada a pessoas singulares. Que complexa razão levará os deputados a isentarem pessoas de uma taxa, a quem essa taxa nunca poderia ser dirigida, em primeiro lugar?

Como se tudo isto não fosse suficiente, nenhum deputado, que defende esta taxa, referiu aquelas que são efectivamente cópias privadas. Isto é, cópias não autorizadas pelos titulares de direitos que são lícitas se e só se forem realizadas por pessoas singulares para fins exclusivamente privados, em que a obra da qual se vai fazer a cópia não tem medidas anti-cópia, e em que a cópia não atinge a exploração normal da obra, nem prejudica os interesses dos autores.

E, olhando para as condições que a lei exige ao cidadão para fazer uma cópia privada, compreende-se o porquê: é que a lei só permite a cópia privada se o prejuízo possível dessa cópia não for suficientemente grande para ser pago. Caso contrário, está a atingir a exploração normal da obra e a cópia não é permitida por lei. Como a directiva europeia apenas permite a taxa caso o possível prejuízo da cópia privada seja suficientemente grande para ser pago, os deputados ao aprovarem a taxa aprovaram, na realidade, uma taxa por conta de cópias que a lei não permite fazer.

Votação da Proposta de Lei

A votação em Plenário reforçou, infelizmente, a ideia de que o cidadão não pode confiar no legislador para tomar uma decisão baseada em factos, pelo que a proposta foi aprovada com os votos a favor do PSD, do CDS-PP, a abstenção do PS.

Contra, votaram o BE, o PCP, 13 deputados do PS e dois deputados do CDS-PP.

Aquando da votação, o deputado Pedro Delgado Alves (PS) pediu para se adiar a votação, para que os deputados analisassem a petição sobre a mesma matéria antes da votação das propostas, uma vez que na 1ª Comissão, os deputados decidiram por unanimidade sugerir o mesmo à Sra. Presidente da Assembleia da República. O deputado foi seguido por outros deputados do BE (Catarina Martins), do PCP (João Oliveira) e do PS (Inês de Medeiros).

Apesar do regulamento não exigir o adiamento da votação, para se discutir a petição, e tendo em conta que a sugestão de adiamento foi uma decisão unânime na Comissão, é particularmente significativo que a presidente da Assembleia da República tenha decidido a favor das regras em vez de decidir em favor das pessoas.

É ainda curioso que o deputado Hugo Lopes Soares (PSD) e o deputado Telmo Correia (CDS-PP) tenham pedido para se proceder à votação final antes da discussão da petição. Curioso porque nas audições da Comissão sobre esta matéria não se vê a participação dos deputados referidos.

O David Crisóstomo colocou o vídeo no Youtube e fez um artigo rigorosamente detalhado sobre as votações que deve ser lido.

Passos Seguintes

E agora? Agora, há várias hipóteses:

Aceitar a taxa (será difícil fugir à taxa);

Aceitar a taxa e deixar de comprar obras de titulares pertencentes às sociedades de gestão colectiva (na verdade, o mais recente estudo, realizado para a CE, sobre a cópia privada mostra que isto vai acontecer, mesmo que o cidadão não o faça de propósito);

Apresentar uma queixa à Comissão Europeia por a lei não cumprir o direito europeu.

Mais ideias?

Na passada sexta-feira, a maioria parlamentar aprovou a Proposta de Lei sobre a taxa da cópia privada. O processo de discussão parlamentar, que se arrasta desde 2011, foi caracterizado por argumentos, que em nada se relacionam com a cópia privada. As mais recentes audições da 1ª Comissão mostram claramente que a aprovação desta taxa não levou em conta a Directiva Europeia,

Os argumentos dos deputados que aprovaram tal proposta de lei são inexplicáveis no contexto das leis sobre direito de autor em Portugal, assim como no contexto da directiva europeia que o legislador tem de cumprir, das recomendações da Comissão Europeia e das anteriores decisões do Tribunal de Justiça Europeu sobre a matéria.

As audições realizadas pela Comissão, e disponibilizadas no arquivo do site do Canal Parlamento, mostram claramente que os deputados aprovaram a taxa da cópia privada tendo em conta cópias que não são cópias privadas.

Ouvimos deputados argumentar sobre a partilha de ficheiros, que a lei em Portugal não permite realizar.

Ouvimos deputados argumentar a favor da taxa da cópia privada sobre os usos permitidos em serviços como o iTunes, o Spotify, o YouTube e outros serviços similares, que dizem respeito a usos previamente autorizados pelos titulares dos direitos e, como consequência, previamente compensados. Na verdade, tal argumento roça o surreal se tivermos em conta que a directiva europeia chama precisamente a atenção do legislador para não considerar tais cópias, de forma a não taxar duplamente o cidadão. Em 2013, António Vitorino apresentou o relatório sobre a mediação da cópia privada à Comissão Europeia, onde diz claramente que as cópias feitas para uso privado no contexto dos serviços acima mencionados não podem ser consideradas para a taxa da cópia privada. E os deputados da 1ª Comissão nem precisavam de ler o relatório inteiro, bastava terem lido a primeira recomendação do sumário executivo.

E se a directiva e o relatório não fossem suficientes, teria bastado aos deputados olhar para o Código de Direito de Autor e Direitos Conexos, que define a cópia privada como sendo uma cópia sem o consentimento do autor, que ainda assim é lícita se cumprir o conjunto de condições impostas pelo legislador. Ora, é por de mais evidente que o cidadão que tenha uma autorização prévia dos titulares dos direitos para fazer a cópia, não precisa de usar a excepção da cópia privada. O cidadão só precisa da excepção quando não tem o consentimento dos titulares, o que não é manifestamente o caso dos serviços como o iTunes, o Spotify, o YouTube ou outros serviços similares, assim como não é manifestamente o caso do serviço de televisão.

Ouvimos ainda alguns deputados insistirem no argumento de que a taxa da cópia privada não se refere às cópias que os cidadãos efectivamente fazem, mas sim às cópias que a lei permite fazer. Estranhamente, foram esses mesmos deputados que aprovaram uma tabela de compensações, que taxa equipamentos, que a lei não permite ao cidadão usar para realizar cópias privadas. Estão nestas condições, por exemplo, os equipamentos e dispositivos afectos às obras em formato vídeo. Todas as fontes lícitas de vídeo têm medidas anti-cópia e, segundo a lei de direito de autor, fazer uma cópia, mesmo para fins privados, de tais obras é um crime punível com até um ano de prisão. E também sobre este problema se debruça a directiva, ao alertar o legislador para considerar o grau de utilização de tais medidas.

Ouvimos deputados defenderem isenções para mais entidades e aprovarem uma lista de isenções a pessoas colectivas, quando a lei apenas permite a cópia privada a pessoas singulares. Que complexa razão levará os deputados a isentarem pessoas de uma taxa, a quem essa taxa nunca poderia ser dirigida, em primeiro lugar?

Como se tudo isto não fosse suficiente, nenhum deputado, que defende esta taxa, referiu aquelas que são efectivamente cópias privadas. Isto é, cópias não autorizadas pelos titulares de direitos que são lícitas se e só se forem realizadas por pessoas singulares para fins exclusivamente privados, em que a obra da qual se vai fazer a cópia não tem medidas anti-cópia, e em que a cópia não atinge a exploração normal da obra, nem prejudica os interesses dos autores.

E, olhando para as condições que a lei exige ao cidadão para fazer uma cópia privada, compreende-se o porquê: é que a lei só permite a cópia privada se o prejuízo possível dessa cópia não for suficientemente grande para ser pago. Caso contrário, está a atingir a exploração normal da obra e a cópia não é permitida por lei. Como a directiva europeia apenas permite a taxa caso o possível prejuízo da cópia privada seja suficientemente grande para ser pago, os deputados ao aprovarem a taxa aprovaram, na realidade, uma taxa por conta de cópias que a lei não permite fazer.

Votação da Proposta de Lei

A votação em Plenário reforçou, infelizmente, a ideia de que o cidadão não pode confiar no legislador para tomar uma decisão baseada em factos, pelo que a proposta foi aprovada com os votos a favor do PSD, do CDS-PP, a abstenção do PS.

Contra, votaram o BE, o PCP, 13 deputados do PS e dois deputados do CDS-PP.

Aquando da votação, o deputado Pedro Delgado Alves (PS) pediu para se adiar a votação, para que os deputados analisassem a petição sobre a mesma matéria antes da votação das propostas, uma vez que na 1ª Comissão, os deputados decidiram por unanimidade sugerir o mesmo à Sra. Presidente da Assembleia da República. O deputado foi seguido por outros deputados do BE (Catarina Martins), do PCP (João Oliveira) e do PS (Inês de Medeiros).

Apesar do regulamento não exigir o adiamento da votação, para se discutir a petição, e tendo em conta que a sugestão de adiamento foi uma decisão unânime na Comissão, é particularmente significativo que a presidente da Assembleia da República tenha decidido a favor das regras em vez de decidir em favor das pessoas.

É ainda curioso que o deputado Hugo Lopes Soares (PSD) e o deputado Telmo Correia (CDS-PP) tenham pedido para se proceder à votação final antes da discussão da petição. Curioso porque nas audições da Comissão sobre esta matéria não se vê a participação dos deputados referidos.

O David Crisóstomo colocou o vídeo no Youtube e fez um artigo rigorosamente detalhado sobre as votações que deve ser lido.

Passos Seguintes

E agora? Agora, há várias hipóteses:

Aceitar a taxa (será difícil fugir à taxa);

Aceitar a taxa e deixar de comprar obras de titulares pertencentes às sociedades de gestão colectiva (na verdade, o mais recente estudo, realizado para a CE, sobre a cópia privada mostra que isto vai acontecer, mesmo que o cidadão não o faça de propósito);

Apresentar uma queixa à Comissão Europeia por a lei não cumprir o direito europeu.

Mais ideias?

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