O jornalista que enoja o jornalismo e a decência

15-02-2017
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José António Saraiva, director de jornais e que foi um dos mais poderosos jornalistas portugueses, vai lançar um livro sobre a vida privada de pessoas com quem conviveu, com o título revelador de “Eu e os Políticos”, acrescentando-se na capa “O Livro Proibido”. “Proibido” por quem e em prol de quê, fica por esclarecer, pois não consta que tal proibição exista. Será portanto uma extravagância da imaginação do autor e uma gracinha da empresa que publica tal obra.

Mas o conteúdo corresponde exactamente a esta promessa. Saraiva transcreve umas décadas de conversas que teve com pessoas “importantes”. Tomou nota num caderno enquanto falava com elas, gravou às escondidas, tem uma memória fabulosa? Pois não sabemos e só se pode duvidar. Avisou-os de que as ditas “conversas” eram para ser publicadas? Precedeu cada almoço mostrando o gravador em cima da mesa? Em todo o caso, transcreve entre aspas, pretendendo-se que sejam as frases certas de quem, falando com ele em privado, não poderia imaginar que o homem transformaria a conversa em livro.

Saraiva tem uma explicação para esta aventura. Diz ele que tem a missão cósmica de partilhar as suas “vivências” e que “seria porventura egoísmo guardá-las só para mim“. É portanto um acto de generosidade para com os comuns mortais, aqui está a intenção de “Eu e os Políticos”.

Para acrescentar à façanha, Pedro Passos Coelho apresentará a obra. “O arquiteto José António Saraiva convidou-me para me associar ao livro que ia fazer e respondi que sim, mesmo antes de conhecer a obra e aceitei fazê-lo”, explica o ex-primeiro-ministro, de quem não consta que a vida privada seja trespassada pelo Saraiva. “Penso que o mais importante é que tudo o que se passa no plano editorial e jornalístico se faça dentro de certos limites, mas respeitando a liberdade das pessoas e aquilo que são as suas opiniões e visão”, acrescenta o comedido Passos Coelho, sem explicar detalhadamente o que são os tais “certos limites”.

Defendido naturalmente por um cavalheiro do mesmo calibre que dá pelo nome de Alberto Gonçalves, no DN, e porventura por ninguém mais, Saraiva joga assim no tabuleiro do escândalo. Do ponto de vista editorial, percebe-se: os romances que o autor, modestamente, esperava que lhe abrissem o glorioso caminho para o Nobel da literatura, ficaram no esquecimento, e agora sobreveio esta pulsão de partilhar as “vivências”, para felicidade do povo leitor, ansioso por saber da cama dos “políticos”.

Saraiva desce tão baixo que pouco há a dizer sobre o ocaso deste jornalista. O método editorial é uma aldrabice, as citações são presumivelmente uma fabricação, a intenção é uma vulgaridade, o objecto é bacoco, o livro é uma trampa e o homem é o que é.

Mas quero deixar clara a defesa de um amigo. Conheci o Miguel Portas desde quando ele tinha 13 anos, fomos amigos toda a nossa vida, estivemos do mesmo lado e em lados opostos, colaboramos em cultura, jornais, revistas e política, fizemos um partido, planeamos férias juntos e discuti tudo com ele. Durante esse tempo longo, ele teve diferenças adolescentes com o seu irmão, admiração pelo seu sucesso, irritações com divergências frequentes, proximidade crescente e todos os sentimentos que as pessoas têm nas suas “vivências”. E sempre foram amigos, sendo mesmo muito íntimos. Não houve nesse tempo todo uma única vez, em grupo ou em privado, em que o Miguel tenha discutido a vida do irmão ou feito qualquer observação que o atingisse. Citá-lo agora para atingir o seu irmão, depois da sua morte e quando não se pode erguer contra a ignomínia, é um nojo.

O jornalista Saraiva é um homem indecente.

José António Saraiva, director de jornais e que foi um dos mais poderosos jornalistas portugueses, vai lançar um livro sobre a vida privada de pessoas com quem conviveu, com o título revelador de “Eu e os Políticos”, acrescentando-se na capa “O Livro Proibido”. “Proibido” por quem e em prol de quê, fica por esclarecer, pois não consta que tal proibição exista. Será portanto uma extravagância da imaginação do autor e uma gracinha da empresa que publica tal obra.

Mas o conteúdo corresponde exactamente a esta promessa. Saraiva transcreve umas décadas de conversas que teve com pessoas “importantes”. Tomou nota num caderno enquanto falava com elas, gravou às escondidas, tem uma memória fabulosa? Pois não sabemos e só se pode duvidar. Avisou-os de que as ditas “conversas” eram para ser publicadas? Precedeu cada almoço mostrando o gravador em cima da mesa? Em todo o caso, transcreve entre aspas, pretendendo-se que sejam as frases certas de quem, falando com ele em privado, não poderia imaginar que o homem transformaria a conversa em livro.

Saraiva tem uma explicação para esta aventura. Diz ele que tem a missão cósmica de partilhar as suas “vivências” e que “seria porventura egoísmo guardá-las só para mim“. É portanto um acto de generosidade para com os comuns mortais, aqui está a intenção de “Eu e os Políticos”.

Para acrescentar à façanha, Pedro Passos Coelho apresentará a obra. “O arquiteto José António Saraiva convidou-me para me associar ao livro que ia fazer e respondi que sim, mesmo antes de conhecer a obra e aceitei fazê-lo”, explica o ex-primeiro-ministro, de quem não consta que a vida privada seja trespassada pelo Saraiva. “Penso que o mais importante é que tudo o que se passa no plano editorial e jornalístico se faça dentro de certos limites, mas respeitando a liberdade das pessoas e aquilo que são as suas opiniões e visão”, acrescenta o comedido Passos Coelho, sem explicar detalhadamente o que são os tais “certos limites”.

Defendido naturalmente por um cavalheiro do mesmo calibre que dá pelo nome de Alberto Gonçalves, no DN, e porventura por ninguém mais, Saraiva joga assim no tabuleiro do escândalo. Do ponto de vista editorial, percebe-se: os romances que o autor, modestamente, esperava que lhe abrissem o glorioso caminho para o Nobel da literatura, ficaram no esquecimento, e agora sobreveio esta pulsão de partilhar as “vivências”, para felicidade do povo leitor, ansioso por saber da cama dos “políticos”.

Saraiva desce tão baixo que pouco há a dizer sobre o ocaso deste jornalista. O método editorial é uma aldrabice, as citações são presumivelmente uma fabricação, a intenção é uma vulgaridade, o objecto é bacoco, o livro é uma trampa e o homem é o que é.

Mas quero deixar clara a defesa de um amigo. Conheci o Miguel Portas desde quando ele tinha 13 anos, fomos amigos toda a nossa vida, estivemos do mesmo lado e em lados opostos, colaboramos em cultura, jornais, revistas e política, fizemos um partido, planeamos férias juntos e discuti tudo com ele. Durante esse tempo longo, ele teve diferenças adolescentes com o seu irmão, admiração pelo seu sucesso, irritações com divergências frequentes, proximidade crescente e todos os sentimentos que as pessoas têm nas suas “vivências”. E sempre foram amigos, sendo mesmo muito íntimos. Não houve nesse tempo todo uma única vez, em grupo ou em privado, em que o Miguel tenha discutido a vida do irmão ou feito qualquer observação que o atingisse. Citá-lo agora para atingir o seu irmão, depois da sua morte e quando não se pode erguer contra a ignomínia, é um nojo.

O jornalista Saraiva é um homem indecente.

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