Ladrões de Bicicletas: Manifesto a favor do uso da palavra "Esquema"

23-05-2019
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Na sessão parlamentar de anteontem, em que foi ouvido o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos Paulo Ralha, a deputada do CDS Cecília Meireles levantou-se indignada contra o uso da palavra "esquema", quando usada na actividade de "planeamento fiscal", praticado por advogados de conhecidos escritórios, como era o caso do militante do CDS Paulo Núncio.

Na base esteve esta declaração de Paulo Ralha (1h16):

"Há empresas, pessoas individuais, que têm rendimentos e não querem que esses rendimentos apareçam nas suas contas pessoais. E então utilizam os esquemas offshore, para fazer o dinheiro passar por uma série de filtros, ir parar ao destinatário final, sem praticamente pagar imposto nenhum. É disto que se trata. (...) Podemos ficar aqui o dia todo a falar sobre este tipo de esquemas, mas penso que há pessoas muito mais capacitadas do que eu, sendo que nós conhecemos meia dúzia de esquemas destes. Há empresas, de fiscalidade, especializadas nisto. Creio que o ex-SEAF participou activamente na construção de determinados tipos de esquemas deste tipo. E nem todos esquemas são ilegais..."
Face a isto, disse a deputada (1h18):

"Eu gostava de dizer que isto é o Parlamento de Portugal. E o senhor presidente do Sindicato dos Impostos não estava a lembrar: estava a difamar. Esquemas é uma palavra que, obviamente, leva-nos para ilegalidades. Uma coisa será consultoria jurídica, será engenharia fiscal. Outra coisa são pessoas que montam esquemas. E outra coisa muito diferente é dizer que a Zona Franca da Madeira e que toda a Madeira é um sítio de esquemas. Obviamente isso é difamatório, quer em relação à Madeira, quer em relação ao ex-Secretário de Estado. (...) Em relação a uma pessoa que não está presente, (...) vir para aqui dizer que ele é uma pessoa que faz esquemas? O senhor não acha que isso é difamatório? Se eu dissesse que o senhor passa a vida a fazer esquemas [e levanta o braço], o senhor não se sentia difamado? É que eu sentia! E quem se sente não é filho de boa gente!"
O engano final da deputada não passou despercebido à presidente da sessão que tentou emendar a expressão, mas gerou ainda mais confusão. Mas a verdade é que a confusão gerada por Cecília Meireles pareceu intimidar os restantes deputados que tiveram o cuidado de não usar mais a palavra "esquema".

Até Mariana Mortágua disse sorrindo:

"Parece que já não se pode usar a palavra... é que me dava imenso jeito..."

Já a minha confusão é que seja sempre o CDS a suscitar esta defesa encarniçada contra o uso - não dos esquemas- mas da palavra esquemas.

Pois este post é para reiterar o DEVER de usar livremente a palavra "esquema". Primeiro, porque se trata de uma palavra commumente usada na literatura fiscal e depois porque, mesmo que seja apenas para retratar operações que visem um fim socialmente fraudulento, os esquemas que se pretende designar cabem nos dois sentidos da palavra. Aqui fica a prova dessas duas realidades:

1) A legislação publicada - decreto-lei 29/2008 - que obriga os agentes económicos a comunicar ao Fisco os "esquemas fiscais", usa a palavra 13 vezes! E até parece que, nem de propósito, a lei tornou-se inaplicada...  É sempre assim: quando se fala de "esquemas", parece haver sempre um esquema que a dificulta a intenção inicial;

2) Nem a Lei Geral Tributária, no seu artigo 38º, ao consagrar a nulidade de negócios levados a cabo por "meios artificiosos ou fraudulentos", menciona a palavra "esquemas", pressupondo-se que os meios artificiosos não sejam esquemas; 

3) A OTOC, num documento sobre o planeamento fiscal, menciona na sua pág.52 a expressão "Esquemas fiscais abusivos", o que pressupõe que haja esquemas fiscais não abusivos.

4) Até há uma dissertação de mestrado do Instituto Poletécnico do Porto sobre - veja-se lá! - os "esquemas de planeamento fiscal". E deve haver muitas muitas mais...

5) Não foi o ex-director geral dos impostos quem divulgou que os ricos não pagam impostos, devido a esquemas  vários?

6) O próprio Paulo Núncio, mal estava empossado, a 5/8/2011, fez declarações no Parlamento em que defendeu que o Governo iria usar de forma mais frequente a cláusula anti abuso “para combater de forma mais eficaz o planeamento fiscal mais agressivo”. Ah! não falou em "esquemas", mas de "planeamento fiscal". É completamente diferente... Mas agora, afirma taxativamente que nunca esteve "envolvido nesse tipo de esquemas ou de estruturas" quando, no passado recente (em 2010), andou a avisar os seus clientes das vantagens da amnistia fiscal que era o RERT aprovado pelo governo Sócrates para quem pudesse eventualmente considerar que pudesse estar  abrangido pela eventual situação de querer legalizar dinheiros alegada e fraudulentamente saídos do país - presume-se que através de "esquemas" não ilegais, digo eu... Esse RERT foi tão bom que, mal chegou ao governo fez mais um RERT, aquele que, entre muita gente, lavou - sem outro esquema, que não aplicação da lei - os dinheiros fugidos de Ricardo Espírito Santo. O RERT foi, ele também, um enorme esquema amnistiante, criminal e até tributariamente.

7) Aliás, aqueles que mais podem beneficiar dos esquemas fiscais não têm pejo em usar essa realidade, mesmo que não usem a expressão. Os seus actos vulgarizariam o uso do termo. Não foi esse o caso dos grupos económicos que esteve na base da fuga para a Holanda, seguindo a Jerónimo Martins? Aliás, o grupo Jerónimo Martins, bem na véspera da entrada em funções de Paulo Núncio, tinha visto destapado e condenado um dos seus esquemas...

Por tudo isto, como é sempre uma grande confusão quando há esquemas legais e outros esquemas menos legais; quando os advogados têm uma enorme trabalhadeira em encontrar termos tão juridicamente neutros como "tax avoidance" (evasão fiscal), "tax aggressive", "aggressive tax avoidance" (evasão fiscal agressiva...) ou "tax neutral schemes" (esquemas fiscais neutros); porque todas estas ferramentas esquemáticas visam apenas reduzir os impostos a pagar e assim reduzir o contributo de quem mais tem para o bem de todos,

manifesto a minha enorme insatisfação pelo facto de os deputados de Portugal se auto-censurarem e censurarem a palavra esquema nos trabalhos parlamentares.
.
Viva o uso da palavra "esquema"!


Na sessão parlamentar de anteontem, em que foi ouvido o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos Paulo Ralha, a deputada do CDS Cecília Meireles levantou-se indignada contra o uso da palavra "esquema", quando usada na actividade de "planeamento fiscal", praticado por advogados de conhecidos escritórios, como era o caso do militante do CDS Paulo Núncio.

Na base esteve esta declaração de Paulo Ralha (1h16):

"Há empresas, pessoas individuais, que têm rendimentos e não querem que esses rendimentos apareçam nas suas contas pessoais. E então utilizam os esquemas offshore, para fazer o dinheiro passar por uma série de filtros, ir parar ao destinatário final, sem praticamente pagar imposto nenhum. É disto que se trata. (...) Podemos ficar aqui o dia todo a falar sobre este tipo de esquemas, mas penso que há pessoas muito mais capacitadas do que eu, sendo que nós conhecemos meia dúzia de esquemas destes. Há empresas, de fiscalidade, especializadas nisto. Creio que o ex-SEAF participou activamente na construção de determinados tipos de esquemas deste tipo. E nem todos esquemas são ilegais..."
Face a isto, disse a deputada (1h18):

"Eu gostava de dizer que isto é o Parlamento de Portugal. E o senhor presidente do Sindicato dos Impostos não estava a lembrar: estava a difamar. Esquemas é uma palavra que, obviamente, leva-nos para ilegalidades. Uma coisa será consultoria jurídica, será engenharia fiscal. Outra coisa são pessoas que montam esquemas. E outra coisa muito diferente é dizer que a Zona Franca da Madeira e que toda a Madeira é um sítio de esquemas. Obviamente isso é difamatório, quer em relação à Madeira, quer em relação ao ex-Secretário de Estado. (...) Em relação a uma pessoa que não está presente, (...) vir para aqui dizer que ele é uma pessoa que faz esquemas? O senhor não acha que isso é difamatório? Se eu dissesse que o senhor passa a vida a fazer esquemas [e levanta o braço], o senhor não se sentia difamado? É que eu sentia! E quem se sente não é filho de boa gente!"
O engano final da deputada não passou despercebido à presidente da sessão que tentou emendar a expressão, mas gerou ainda mais confusão. Mas a verdade é que a confusão gerada por Cecília Meireles pareceu intimidar os restantes deputados que tiveram o cuidado de não usar mais a palavra "esquema".

Até Mariana Mortágua disse sorrindo:

"Parece que já não se pode usar a palavra... é que me dava imenso jeito..."

Já a minha confusão é que seja sempre o CDS a suscitar esta defesa encarniçada contra o uso - não dos esquemas- mas da palavra esquemas.

Pois este post é para reiterar o DEVER de usar livremente a palavra "esquema". Primeiro, porque se trata de uma palavra commumente usada na literatura fiscal e depois porque, mesmo que seja apenas para retratar operações que visem um fim socialmente fraudulento, os esquemas que se pretende designar cabem nos dois sentidos da palavra. Aqui fica a prova dessas duas realidades:

1) A legislação publicada - decreto-lei 29/2008 - que obriga os agentes económicos a comunicar ao Fisco os "esquemas fiscais", usa a palavra 13 vezes! E até parece que, nem de propósito, a lei tornou-se inaplicada...  É sempre assim: quando se fala de "esquemas", parece haver sempre um esquema que a dificulta a intenção inicial;

2) Nem a Lei Geral Tributária, no seu artigo 38º, ao consagrar a nulidade de negócios levados a cabo por "meios artificiosos ou fraudulentos", menciona a palavra "esquemas", pressupondo-se que os meios artificiosos não sejam esquemas; 

3) A OTOC, num documento sobre o planeamento fiscal, menciona na sua pág.52 a expressão "Esquemas fiscais abusivos", o que pressupõe que haja esquemas fiscais não abusivos.

4) Até há uma dissertação de mestrado do Instituto Poletécnico do Porto sobre - veja-se lá! - os "esquemas de planeamento fiscal". E deve haver muitas muitas mais...

5) Não foi o ex-director geral dos impostos quem divulgou que os ricos não pagam impostos, devido a esquemas  vários?

6) O próprio Paulo Núncio, mal estava empossado, a 5/8/2011, fez declarações no Parlamento em que defendeu que o Governo iria usar de forma mais frequente a cláusula anti abuso “para combater de forma mais eficaz o planeamento fiscal mais agressivo”. Ah! não falou em "esquemas", mas de "planeamento fiscal". É completamente diferente... Mas agora, afirma taxativamente que nunca esteve "envolvido nesse tipo de esquemas ou de estruturas" quando, no passado recente (em 2010), andou a avisar os seus clientes das vantagens da amnistia fiscal que era o RERT aprovado pelo governo Sócrates para quem pudesse eventualmente considerar que pudesse estar  abrangido pela eventual situação de querer legalizar dinheiros alegada e fraudulentamente saídos do país - presume-se que através de "esquemas" não ilegais, digo eu... Esse RERT foi tão bom que, mal chegou ao governo fez mais um RERT, aquele que, entre muita gente, lavou - sem outro esquema, que não aplicação da lei - os dinheiros fugidos de Ricardo Espírito Santo. O RERT foi, ele também, um enorme esquema amnistiante, criminal e até tributariamente.

7) Aliás, aqueles que mais podem beneficiar dos esquemas fiscais não têm pejo em usar essa realidade, mesmo que não usem a expressão. Os seus actos vulgarizariam o uso do termo. Não foi esse o caso dos grupos económicos que esteve na base da fuga para a Holanda, seguindo a Jerónimo Martins? Aliás, o grupo Jerónimo Martins, bem na véspera da entrada em funções de Paulo Núncio, tinha visto destapado e condenado um dos seus esquemas...

Por tudo isto, como é sempre uma grande confusão quando há esquemas legais e outros esquemas menos legais; quando os advogados têm uma enorme trabalhadeira em encontrar termos tão juridicamente neutros como "tax avoidance" (evasão fiscal), "tax aggressive", "aggressive tax avoidance" (evasão fiscal agressiva...) ou "tax neutral schemes" (esquemas fiscais neutros); porque todas estas ferramentas esquemáticas visam apenas reduzir os impostos a pagar e assim reduzir o contributo de quem mais tem para o bem de todos,

manifesto a minha enorme insatisfação pelo facto de os deputados de Portugal se auto-censurarem e censurarem a palavra esquema nos trabalhos parlamentares.
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Viva o uso da palavra "esquema"!

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