Ladrões de Bicicletas: Pensamento light

22-05-2019
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A poucos dias do Congresso do CDS, a dirigente do CDS deu anteontem uma entrevista à RTP.

Para um partido que não chega aos 10% da intenção de voto, mas que afirma querer liderar a direita, estar-se-ia à espera de ideias mais consistentes sobre o pensamento do CDS. Mas da conversa percebeu-se que o mandato governamental do CDS de 2011/15 ainda está mal digerido e que as grandes linhas de pensamento económico ainda andam muito baralhadas pelo Largo do Caldas. E que o seu discurso está muito colado à espuma dos dias, a surfar os temas mais mediáticos. 

A pobreza do pensamento centrista é visível na moção de Cristas ao Congresso. Aliás, convida-se a que se leia as diversas moções para perceber que o CDS tem um pensamento incoerente e inconsistente, variado mas indistinto, sobre temas essenciais e estratégicos, e que por isso lhe é mais fácil surfar o dia-a-dia. Uma delas, considera mesmo que "a nova vaga de emigrantes deve ser vista como uma afirmação da capacidade e do engenho de Portugal no mundo" ou que "Portugal tem de assumir uma política activa para o
crescimento da natalidade, financiada pelo Estado e não pelas empresas". Mas ao mesmo tempo, mantendo o esforço para cumprir a regra orçamental de reduzir a dívida pública até 60% prevista no Tratado Orçamental, o que é mais uma quadratura do círculo improvável. Mas tudo isto merece um estudo mais detalhado, proximamente. 

O discurso televisivo de Assunção Cristas é mais um exercício, aliás, de quadratura do círculo: camufla o que correu mal, puxa de galões que não são os seus, tudo baralha, sem que o entrevistador a tenha confrontado.

Primeiro. Para Cristas, não houve austeridade: houve necessidade. Na realidade, necessidade foi o que levou ao empréstimo de curto prazo que - nunca é por acaso - trouxe agarrado um conjunto de políticas, fortemente ideológicas, assumidas pela direita (CDS inclusive). Outras políticas poderiam ter sido adoptadas, mas a direita quis aquelas, que fracassaram estrondosamente.

As políticas adoptadas geraram uma montanha de 1,5 milhões de desempregados. Mesmo do ponto de vista orçamental, foi um fiasco: entre 2011 e 2013, dos 20 mil milhões de euros de austeridade (entre cortes na despesa pública e aumento da receita fiscal), o défice apenas se reduziu em 6 mil milhões por causa da recessão provocada. Por cada 1 euro retirado ao défice, retirou-se 1,25 euros ao PIB. Aliás, Cristas a certa altura afirmou aquilo que a esquerda costuma repetir sobre o fracasso das medidas adoptadas: "Mesmo na dívida, diminuiu em percentagem do PIB. Nós continuamos endividados, continua a haver um agravamento da dívida".

Ficou sem saber-se - e ninguém lhe perguntou - por que razão isso aconteceu quando era suposto estar a reduzir-se a dívida, fruto das políticas adoptadas no passado. Estava no Memorando.

Teria sido por culpa do protectorado da troica? Não foi, porque Cristas omite esse facto olimpicamente. Troica e memorando são, aliás, palavras proibidas. Fala do "grande esforço de todos os portugueses", quando esse esforço não serviu para nada e teve de ser invertido! Até a Comissão Europeia já vem dar o dito por não dito.

O fruto da austeridade aplicada transformou-se para Cristas em "crise mundial e europeia" e "depressão", sem que se explique por quê, já que Portugal afundava nessa altura enquanto a UE já crescia. E a retoma é, assim, desvalorizada: "Tínhamos, em Portugal, uma capacidade produtiva instalada que não estava toda aproveitada em virtude da profunda depressão e da crise que foi uma crise mundial e europeia e, claro, com a retoma poderão, com muito pouco investimento, accionar essa capacidade produtiva".

Na entrevista, Cristas sublinha que, se houve retoma, foi por causa - "também" - das reformas adoptadas, nomeadamente a laboral: "Tenho sublinhado muitas vezes o facto de, por exemplo, António Costa ter resistido até agora a fazer mexidas na legislação laboral que eu espero que mantenha, porque hoje temos crescimento económico e desemprego a diminuir e emprego a aumentar também por causa de várias reformas, nomeadamente na reforma laboral feita pelo anterior governo". Quais teriam sido as outras reformas? A famosa reforma do Estado que Paulo Portas sintetizou numa página e que nunca levou à prática porque não lhe convinha voltar à recessão?

Noutra entrevista, de outro dirigente, Adolfo Mesquita Nunes, prevê-se que entre 10 a 40% dos actuais empregos deixarão de existir - devido à famigerada automação dos processos produtivos - e que "é preciso encontrar mecanismos de transição e mobilidade, para
que as pessoas possam mudar de emprego, ter formação e ter a protecção social de que precisam nesse período". Para já, pergunte-se, com que dinheiro? "Temos um modelo de Estado Social que tem um conjunto de prestações sociais pensadas para desafios antigos. E, portanto, temos de adaptá-las". Os jornalistas não lhe perguntaram quais... Mas como se articula isso com o papel do CDS de 2011/15? Nessa altura, o CDS defendeu, com unhas e dentes, a redução da duração e do montante do subsídio de desemprego. E das compensações por despedimento. E o congelamento do SMN, que aumentou por razões eleitorais e pouco e sem discussão na concertação social... Algo que pressionou os salários para a descida do seu valor. Em que ficamos?

Pior. Enquanto defende esses méritos da austeridade, usa a austeridade para criticar Costa de a aplicar de forma camuflada: "Não é verdade que seja tudo cor-de-rosa, não é verdade que a austeridade tenha acabado. Não é verdade esta narrativa do primeiro-ministro de que acabou a austeridade e de que agora está tudo muito bem. E nós a cada momento conseguimos comprovar isso mesmo".

Mas se o Governo aplica a austeridade, mesmo que camuflada, Portugal deveria estar melhor. Ou não? Não, porque o CDS acha-se à-vontade para atacar a falta de recursos na Saúde que foi fortemente afectada pela política estúpida da austeridade...

Que tipo de política económica defende o CDS afinal? O CDS tem sido um partido sem espinha nem pensamento. E ainda por cima quer liderar a direita. Não vai longe.

A poucos dias do Congresso do CDS, a dirigente do CDS deu anteontem uma entrevista à RTP.

Para um partido que não chega aos 10% da intenção de voto, mas que afirma querer liderar a direita, estar-se-ia à espera de ideias mais consistentes sobre o pensamento do CDS. Mas da conversa percebeu-se que o mandato governamental do CDS de 2011/15 ainda está mal digerido e que as grandes linhas de pensamento económico ainda andam muito baralhadas pelo Largo do Caldas. E que o seu discurso está muito colado à espuma dos dias, a surfar os temas mais mediáticos. 

A pobreza do pensamento centrista é visível na moção de Cristas ao Congresso. Aliás, convida-se a que se leia as diversas moções para perceber que o CDS tem um pensamento incoerente e inconsistente, variado mas indistinto, sobre temas essenciais e estratégicos, e que por isso lhe é mais fácil surfar o dia-a-dia. Uma delas, considera mesmo que "a nova vaga de emigrantes deve ser vista como uma afirmação da capacidade e do engenho de Portugal no mundo" ou que "Portugal tem de assumir uma política activa para o
crescimento da natalidade, financiada pelo Estado e não pelas empresas". Mas ao mesmo tempo, mantendo o esforço para cumprir a regra orçamental de reduzir a dívida pública até 60% prevista no Tratado Orçamental, o que é mais uma quadratura do círculo improvável. Mas tudo isto merece um estudo mais detalhado, proximamente. 

O discurso televisivo de Assunção Cristas é mais um exercício, aliás, de quadratura do círculo: camufla o que correu mal, puxa de galões que não são os seus, tudo baralha, sem que o entrevistador a tenha confrontado.

Primeiro. Para Cristas, não houve austeridade: houve necessidade. Na realidade, necessidade foi o que levou ao empréstimo de curto prazo que - nunca é por acaso - trouxe agarrado um conjunto de políticas, fortemente ideológicas, assumidas pela direita (CDS inclusive). Outras políticas poderiam ter sido adoptadas, mas a direita quis aquelas, que fracassaram estrondosamente.

As políticas adoptadas geraram uma montanha de 1,5 milhões de desempregados. Mesmo do ponto de vista orçamental, foi um fiasco: entre 2011 e 2013, dos 20 mil milhões de euros de austeridade (entre cortes na despesa pública e aumento da receita fiscal), o défice apenas se reduziu em 6 mil milhões por causa da recessão provocada. Por cada 1 euro retirado ao défice, retirou-se 1,25 euros ao PIB. Aliás, Cristas a certa altura afirmou aquilo que a esquerda costuma repetir sobre o fracasso das medidas adoptadas: "Mesmo na dívida, diminuiu em percentagem do PIB. Nós continuamos endividados, continua a haver um agravamento da dívida".

Ficou sem saber-se - e ninguém lhe perguntou - por que razão isso aconteceu quando era suposto estar a reduzir-se a dívida, fruto das políticas adoptadas no passado. Estava no Memorando.

Teria sido por culpa do protectorado da troica? Não foi, porque Cristas omite esse facto olimpicamente. Troica e memorando são, aliás, palavras proibidas. Fala do "grande esforço de todos os portugueses", quando esse esforço não serviu para nada e teve de ser invertido! Até a Comissão Europeia já vem dar o dito por não dito.

O fruto da austeridade aplicada transformou-se para Cristas em "crise mundial e europeia" e "depressão", sem que se explique por quê, já que Portugal afundava nessa altura enquanto a UE já crescia. E a retoma é, assim, desvalorizada: "Tínhamos, em Portugal, uma capacidade produtiva instalada que não estava toda aproveitada em virtude da profunda depressão e da crise que foi uma crise mundial e europeia e, claro, com a retoma poderão, com muito pouco investimento, accionar essa capacidade produtiva".

Na entrevista, Cristas sublinha que, se houve retoma, foi por causa - "também" - das reformas adoptadas, nomeadamente a laboral: "Tenho sublinhado muitas vezes o facto de, por exemplo, António Costa ter resistido até agora a fazer mexidas na legislação laboral que eu espero que mantenha, porque hoje temos crescimento económico e desemprego a diminuir e emprego a aumentar também por causa de várias reformas, nomeadamente na reforma laboral feita pelo anterior governo". Quais teriam sido as outras reformas? A famosa reforma do Estado que Paulo Portas sintetizou numa página e que nunca levou à prática porque não lhe convinha voltar à recessão?

Noutra entrevista, de outro dirigente, Adolfo Mesquita Nunes, prevê-se que entre 10 a 40% dos actuais empregos deixarão de existir - devido à famigerada automação dos processos produtivos - e que "é preciso encontrar mecanismos de transição e mobilidade, para
que as pessoas possam mudar de emprego, ter formação e ter a protecção social de que precisam nesse período". Para já, pergunte-se, com que dinheiro? "Temos um modelo de Estado Social que tem um conjunto de prestações sociais pensadas para desafios antigos. E, portanto, temos de adaptá-las". Os jornalistas não lhe perguntaram quais... Mas como se articula isso com o papel do CDS de 2011/15? Nessa altura, o CDS defendeu, com unhas e dentes, a redução da duração e do montante do subsídio de desemprego. E das compensações por despedimento. E o congelamento do SMN, que aumentou por razões eleitorais e pouco e sem discussão na concertação social... Algo que pressionou os salários para a descida do seu valor. Em que ficamos?

Pior. Enquanto defende esses méritos da austeridade, usa a austeridade para criticar Costa de a aplicar de forma camuflada: "Não é verdade que seja tudo cor-de-rosa, não é verdade que a austeridade tenha acabado. Não é verdade esta narrativa do primeiro-ministro de que acabou a austeridade e de que agora está tudo muito bem. E nós a cada momento conseguimos comprovar isso mesmo".

Mas se o Governo aplica a austeridade, mesmo que camuflada, Portugal deveria estar melhor. Ou não? Não, porque o CDS acha-se à-vontade para atacar a falta de recursos na Saúde que foi fortemente afectada pela política estúpida da austeridade...

Que tipo de política económica defende o CDS afinal? O CDS tem sido um partido sem espinha nem pensamento. E ainda por cima quer liderar a direita. Não vai longe.

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