Justiça. Menos processos pendentes e menos reclusos

16-07-2018
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Em 2011, Paula Teixeira da Cruz trazia na bagagem, pelo menos, duas ideias ambiciosas: a reforma do mapa judiciário e a reforma do processo civil, com especial destaque para ação executiva (cobrança de dívidas penhora). Pelo meio, ainda teve de lidar com o dossier “Citius”, que tanta polémica causou. No final, os números: em 2013, o último ano em que há dados disponíveis, precisamente devido aos problemas informáticos que afetaram a plataforma, há menos 209.884 processos pendentes nos tribunais judiciais do que em 2012. Por outro lado, há menos processos a dar entrada nos mesmos tribunais. E é aí que começam os problemas para a ministra da Justiça.

Em novembro de 2013, Paula Teixeira da Cruz anunciou a extinção de 400 mil processos executivos (cobranças, por exemplo) de um lote de um milhão pela falta de bens penhoráveis. Na altura, foi acusada pela oposição e pelos sindicatos de estar a maquilhar as estatísticas.

Uma posição, em parte, partilhada por Nuno Garoupa, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos e Professor Catedrático de Direito na Universidade de Illinois. “É de lamentar que não [haja] ainda em julho de 2015 dados sobre movimentos de processos de 2014. Os dados de 2013 mostraram uma redução importante de processos pendentes conseguida à custa das medidas de descongestão aprovadas em 2012-2013”, começa por dizer ao Observador.

Também João Correia, ex-secretário de Estado da Justiça, reconhece que “houve uma redução dos processos pendentes”, mas atenta para a proporção entre esses valores e o número de processos que deu entrada nos tribunais judiciais. Se muitos processos executivos desapareceram e se houve menos processos a darem entrada, é “natural” que haja menos processos pendentes, explica João Correia.

João Correia vai mesmo mais mais longe e diz que o “cancro do sistema judicial português está nas ações executivas”. “Os nossos tribunais funcionariam bem se não fossem as ações executivas”, mas o nosso sistema “encareceu, prolongou-se e tornou-se penoso para os cidadãos”, sublinha João Correia antes de acrescentar: “Continuámos a ter uma justiça muito cara e muito lenta. Não se resolveu problema nenhum”.

As leituras de Nuno Garoupa e de João Correia parecem deitar por terra a estratégia seguida por Paula Teixeira da Cruz. A par da revisão de praticamente todos os códigos e da reforma do mapa judiciário, que obrigou ao encerramento de 47 tribunais, dos quais 27 foram transformados em secções de proximidade, o alargamento das competências dos julgados de paz, que passaram a poder decidir conflitos com um valor até 15 mil euros, foi outra das apostas da ministra da Justiça.

O objetivo era “descongestionar” os tribunais, mas isso pode não significar que a Justiça se tenha tornado mais célere, como sublinha Nuno Garoupa. “Basta olhar os dados dos julgados de paz para ver como a tendência de agravamento se mantém”. De facto, e apesar do número julgados de paz ser em 2013 mais baixo quando comparado ao valor registado em 2012, o número de processos pendentes aumentou.

“Dado que o Código Processual Civil (CPC) entrou em vigor em setembro de 2013, ao contrário do que diz a ministra da Justiça, evidentemente que os dados de 2013 não são qualquer reflexo do CPC. Precisamos dos dados de 2014. Antecipo, tal como em 2009, após superadas as medidas pontuais, o tal efeito de redução de pendências desaparece”, acrescentou, ainda, Nuno Garoupa.

“Continuamos a ter uma população prisional, muito superior ao normal”

O número de reclusos em Portugal passou de 14.284 em 2013 para 14.003 em 2014. Os homens continuam ser o género mais representado e os valores tem oscilado pouco desde 2000 – na altura, chegavam quase aos 13 mil reclusos.

Confrontados com estes números, tanto Nuno Garoupa com João Correia afastam a possibilidade de existir aqui qualquer relação entre a crise económica que atravessou o país e o número de reclusos nas prisões portuguesas. “A população prisional é bastante estável por duas razões: há uma significativa sobrelotação do sistema penitenciário que não permite grandes aumentos de população prisional e a crise não teve grande impacto na criminalidade de colarinho azul e nos crimes de sangue”, explica o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

João Correia, no entanto, e apesar de defender igualmente que “não se pode fazer qualquer relação” entre estas duas realidades, acredita que em “Portugal temos presos a mais”, atendendo às “características sociais” – e não só – do nosso país. “Um país com pouca criminalidade [e com um perfil sociológico] como o nosso tem uma população prisional muito superior ao normal”. Reclusos encarcerados em “estabelecimentos prisionais sem condições”, acrescenta.

O pior é que nestes números “não incluem sequer os jovens delinquentes que estão nos centros educativos”. Também estes centros sofrem de uma “carência total” de recursos e condições, como denuncia o ex-secretário de Estado da Justiça.

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Em 2011, Paula Teixeira da Cruz trazia na bagagem, pelo menos, duas ideias ambiciosas: a reforma do mapa judiciário e a reforma do processo civil, com especial destaque para ação executiva (cobrança de dívidas penhora). Pelo meio, ainda teve de lidar com o dossier “Citius”, que tanta polémica causou. No final, os números: em 2013, o último ano em que há dados disponíveis, precisamente devido aos problemas informáticos que afetaram a plataforma, há menos 209.884 processos pendentes nos tribunais judiciais do que em 2012. Por outro lado, há menos processos a dar entrada nos mesmos tribunais. E é aí que começam os problemas para a ministra da Justiça.

Em novembro de 2013, Paula Teixeira da Cruz anunciou a extinção de 400 mil processos executivos (cobranças, por exemplo) de um lote de um milhão pela falta de bens penhoráveis. Na altura, foi acusada pela oposição e pelos sindicatos de estar a maquilhar as estatísticas.

Uma posição, em parte, partilhada por Nuno Garoupa, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos e Professor Catedrático de Direito na Universidade de Illinois. “É de lamentar que não [haja] ainda em julho de 2015 dados sobre movimentos de processos de 2014. Os dados de 2013 mostraram uma redução importante de processos pendentes conseguida à custa das medidas de descongestão aprovadas em 2012-2013”, começa por dizer ao Observador.

Também João Correia, ex-secretário de Estado da Justiça, reconhece que “houve uma redução dos processos pendentes”, mas atenta para a proporção entre esses valores e o número de processos que deu entrada nos tribunais judiciais. Se muitos processos executivos desapareceram e se houve menos processos a darem entrada, é “natural” que haja menos processos pendentes, explica João Correia.

João Correia vai mesmo mais mais longe e diz que o “cancro do sistema judicial português está nas ações executivas”. “Os nossos tribunais funcionariam bem se não fossem as ações executivas”, mas o nosso sistema “encareceu, prolongou-se e tornou-se penoso para os cidadãos”, sublinha João Correia antes de acrescentar: “Continuámos a ter uma justiça muito cara e muito lenta. Não se resolveu problema nenhum”.

As leituras de Nuno Garoupa e de João Correia parecem deitar por terra a estratégia seguida por Paula Teixeira da Cruz. A par da revisão de praticamente todos os códigos e da reforma do mapa judiciário, que obrigou ao encerramento de 47 tribunais, dos quais 27 foram transformados em secções de proximidade, o alargamento das competências dos julgados de paz, que passaram a poder decidir conflitos com um valor até 15 mil euros, foi outra das apostas da ministra da Justiça.

O objetivo era “descongestionar” os tribunais, mas isso pode não significar que a Justiça se tenha tornado mais célere, como sublinha Nuno Garoupa. “Basta olhar os dados dos julgados de paz para ver como a tendência de agravamento se mantém”. De facto, e apesar do número julgados de paz ser em 2013 mais baixo quando comparado ao valor registado em 2012, o número de processos pendentes aumentou.

“Dado que o Código Processual Civil (CPC) entrou em vigor em setembro de 2013, ao contrário do que diz a ministra da Justiça, evidentemente que os dados de 2013 não são qualquer reflexo do CPC. Precisamos dos dados de 2014. Antecipo, tal como em 2009, após superadas as medidas pontuais, o tal efeito de redução de pendências desaparece”, acrescentou, ainda, Nuno Garoupa.

“Continuamos a ter uma população prisional, muito superior ao normal”

O número de reclusos em Portugal passou de 14.284 em 2013 para 14.003 em 2014. Os homens continuam ser o género mais representado e os valores tem oscilado pouco desde 2000 – na altura, chegavam quase aos 13 mil reclusos.

Confrontados com estes números, tanto Nuno Garoupa com João Correia afastam a possibilidade de existir aqui qualquer relação entre a crise económica que atravessou o país e o número de reclusos nas prisões portuguesas. “A população prisional é bastante estável por duas razões: há uma significativa sobrelotação do sistema penitenciário que não permite grandes aumentos de população prisional e a crise não teve grande impacto na criminalidade de colarinho azul e nos crimes de sangue”, explica o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

João Correia, no entanto, e apesar de defender igualmente que “não se pode fazer qualquer relação” entre estas duas realidades, acredita que em “Portugal temos presos a mais”, atendendo às “características sociais” – e não só – do nosso país. “Um país com pouca criminalidade [e com um perfil sociológico] como o nosso tem uma população prisional muito superior ao normal”. Reclusos encarcerados em “estabelecimentos prisionais sem condições”, acrescenta.

O pior é que nestes números “não incluem sequer os jovens delinquentes que estão nos centros educativos”. Também estes centros sofrem de uma “carência total” de recursos e condições, como denuncia o ex-secretário de Estado da Justiça.

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