A utopia da casa mínima

23-09-2018
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Em 1951, Le Corbusier construiu na Côte d’Azur, em Roquebrune-Cap-Martin, um pequeno edifício depois conhecido por Le Cabanon. Faz hoje parte do lote de construções consideradas Património da Humanidade e constitui um marco da arquitetura modernista. Em poucos momentos como aquele terá sido levada à prática de um modo tão eficaz a conhecida máxima de Mies van der Rohe, um pioneiro da arquitetura modernista, segundo o qual “menos é mais”. Seria uma outra forma de expressar a noção de como quanto maior for a depuração, porventura tanto maior será a clareza da proposta arquitetónica.

Ao longo de 18 anos consecutivos, os meses de agosto de Le Corbusier foram passados naquele espaço à beira-mar, num enclave perto do Mónaco. Muito parecida, no exterior, com uma cabana tradicional canadiana, Le Cabanon foi concebido a partir de princípios modulares desenvolvidos pelo arquiteto suíço. Com escasso mobiliário, é um quadrado com 3,66x3,66 metros, com 2,26 metros de altura, e traduz muitas das preocupações dos arquitetos modernos do século XX ao explorar ao limite a noção de espaço mínimo evocativo, até, de um certo primitivismo.

Não por acaso, Le Cabanon transformou-se numa espécie de obra de arte exposta em museus de todo o mundo, até por corresponder e dar resposta a questões cruciais da arquitetura, mesmo nos dias de hoje, quando o problema da habitação em inúmeras latitudes, onde a especulação imobiliária é uma abstração na vivência quotidiana de gentes sem terra ou sem casa, continua dependente de sistemas de autoconstrução, de custos muito controlados e assentes ainda numa ideia de arquitetura vernacular.

A Casa da Arquitectura acolhe até 16 de setembro uma exposição intitulada “Still Cabanon”, originalmente desenvolvida e apresentada durante o “Anozero’17 – Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra”, a partir de uma proposta do atelier do Corvo e da OTIMA ArtWorks.

Vinte e dois autores de diferentes áreas disciplinares foram desafiados a pensarem e desenharem um espaço mínimo, íntimo, passível de se transformar em abrigo de cada um deles. Num tempo em que os arquitetos são, antes de mais, interpelados a conceber edifícios cada vez mais arrojados, marcados por elevados níveis de sofisticação estética e tecnológica, a simples ideia de reservar um tempo e um espaço para algo marcado por um despojamento absoluto é, em si mesmo, um ato revolucionário.

À radicalidade da proposta de Le Corbusier respondem, quase sete décadas depois, autores de diferentes áreas disciplinares, como as artes plásticas, arquitetura ou design. Entre eles estão Eduardo Souto de Moura, Manuel Aires Mateus, João Luís Carrilho da Graça, José Pedro Croft, Paula Santos, João Mendes Ribeiro, o Atelier do Corvo ou Carvalho Araújo.

As respostas materializadas em maquetas, fotogravuras, desenhos relativos a cada projeto, revelam como podem ser díspares as soluções encontradas para um mesmo problema. Se Le Corbusier optou por um pequeno edifício em madeira, vamos encontrar aqui, numa curiosa metáfora de um século marcado por múltiplas desestruturações, várias propostas em que o elemento base é um contentor, como acontece com José Pedro Croft, ou Paula Santos. Carrilho da Graça, pelo contrário, opta por uma parede de pedra com meio metro de espessura, onde sobressaem algumas aberturas, uma delas com três metros de altura. Carvalho Araújo assume “Le Cabanon” como um regresso a algumas fantasias de infância, numa recuperação da ideia de cabana. Oriunda de um outro universo criativo, Fernanda Fragateiro apresenta uma belíssima “Maison Elipse”, numa criação inspirada em Eileen Grey, com quem, de resto, Le Corbusier teve uma história nem sempre muito edificante.

“Le Cabanon” ficava próxima de “E-1027”, o refúgio construída em 1936 pela designer Eileen Gray que o arquiteto visitava com alguma regularidade como convidado de Jean Badovici, ex-amante de Gray.

Em dada altura Le Corbusier decide pintar uns grandes e muito coloridos murais nas paredes brancas da casa, para grande fúria da designer, que muito prezava aquela ideia de um minimalismo construído pela prevalência do branco como única nota de cor. Leituras alternativas sugerem que o gesto do arquiteto acabou por dar um contributo decisivo para a preservação da obra de Gray.

O fascínio deste conjunto de propostas apresentadas na Galeria da Casa da Arquitectura reside sobretudo numa espécie de tentativa de reconstrução de uma ideia romântica de regresso à possibilidade de ter tempo e espaço para usufruir da contemplação do mundo. É a utopia do espaço mínimo fundido com a natureza, num constante e contraditório apelo ao silêncio num mundo que já só quase tem para oferecer ruído. Visual e sonoro.

Em 1951, Le Corbusier construiu na Côte d’Azur, em Roquebrune-Cap-Martin, um pequeno edifício depois conhecido por Le Cabanon. Faz hoje parte do lote de construções consideradas Património da Humanidade e constitui um marco da arquitetura modernista. Em poucos momentos como aquele terá sido levada à prática de um modo tão eficaz a conhecida máxima de Mies van der Rohe, um pioneiro da arquitetura modernista, segundo o qual “menos é mais”. Seria uma outra forma de expressar a noção de como quanto maior for a depuração, porventura tanto maior será a clareza da proposta arquitetónica.

Ao longo de 18 anos consecutivos, os meses de agosto de Le Corbusier foram passados naquele espaço à beira-mar, num enclave perto do Mónaco. Muito parecida, no exterior, com uma cabana tradicional canadiana, Le Cabanon foi concebido a partir de princípios modulares desenvolvidos pelo arquiteto suíço. Com escasso mobiliário, é um quadrado com 3,66x3,66 metros, com 2,26 metros de altura, e traduz muitas das preocupações dos arquitetos modernos do século XX ao explorar ao limite a noção de espaço mínimo evocativo, até, de um certo primitivismo.

Não por acaso, Le Cabanon transformou-se numa espécie de obra de arte exposta em museus de todo o mundo, até por corresponder e dar resposta a questões cruciais da arquitetura, mesmo nos dias de hoje, quando o problema da habitação em inúmeras latitudes, onde a especulação imobiliária é uma abstração na vivência quotidiana de gentes sem terra ou sem casa, continua dependente de sistemas de autoconstrução, de custos muito controlados e assentes ainda numa ideia de arquitetura vernacular.

A Casa da Arquitectura acolhe até 16 de setembro uma exposição intitulada “Still Cabanon”, originalmente desenvolvida e apresentada durante o “Anozero’17 – Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra”, a partir de uma proposta do atelier do Corvo e da OTIMA ArtWorks.

Vinte e dois autores de diferentes áreas disciplinares foram desafiados a pensarem e desenharem um espaço mínimo, íntimo, passível de se transformar em abrigo de cada um deles. Num tempo em que os arquitetos são, antes de mais, interpelados a conceber edifícios cada vez mais arrojados, marcados por elevados níveis de sofisticação estética e tecnológica, a simples ideia de reservar um tempo e um espaço para algo marcado por um despojamento absoluto é, em si mesmo, um ato revolucionário.

À radicalidade da proposta de Le Corbusier respondem, quase sete décadas depois, autores de diferentes áreas disciplinares, como as artes plásticas, arquitetura ou design. Entre eles estão Eduardo Souto de Moura, Manuel Aires Mateus, João Luís Carrilho da Graça, José Pedro Croft, Paula Santos, João Mendes Ribeiro, o Atelier do Corvo ou Carvalho Araújo.

As respostas materializadas em maquetas, fotogravuras, desenhos relativos a cada projeto, revelam como podem ser díspares as soluções encontradas para um mesmo problema. Se Le Corbusier optou por um pequeno edifício em madeira, vamos encontrar aqui, numa curiosa metáfora de um século marcado por múltiplas desestruturações, várias propostas em que o elemento base é um contentor, como acontece com José Pedro Croft, ou Paula Santos. Carrilho da Graça, pelo contrário, opta por uma parede de pedra com meio metro de espessura, onde sobressaem algumas aberturas, uma delas com três metros de altura. Carvalho Araújo assume “Le Cabanon” como um regresso a algumas fantasias de infância, numa recuperação da ideia de cabana. Oriunda de um outro universo criativo, Fernanda Fragateiro apresenta uma belíssima “Maison Elipse”, numa criação inspirada em Eileen Grey, com quem, de resto, Le Corbusier teve uma história nem sempre muito edificante.

“Le Cabanon” ficava próxima de “E-1027”, o refúgio construída em 1936 pela designer Eileen Gray que o arquiteto visitava com alguma regularidade como convidado de Jean Badovici, ex-amante de Gray.

Em dada altura Le Corbusier decide pintar uns grandes e muito coloridos murais nas paredes brancas da casa, para grande fúria da designer, que muito prezava aquela ideia de um minimalismo construído pela prevalência do branco como única nota de cor. Leituras alternativas sugerem que o gesto do arquiteto acabou por dar um contributo decisivo para a preservação da obra de Gray.

O fascínio deste conjunto de propostas apresentadas na Galeria da Casa da Arquitectura reside sobretudo numa espécie de tentativa de reconstrução de uma ideia romântica de regresso à possibilidade de ter tempo e espaço para usufruir da contemplação do mundo. É a utopia do espaço mínimo fundido com a natureza, num constante e contraditório apelo ao silêncio num mundo que já só quase tem para oferecer ruído. Visual e sonoro.

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