Ladrões de Bicicletas: O estranho caso do filho pródigo

22-05-2019
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Aparte introdutório

Muita tinta tem corrido a propósito das relações familiares no governo. Não é tema que me aqueça as veias: trata-se, no essencial, de um sintoma de desespero de uma direita sem discurso, que se vê obrigada a viver de caso em caso para sobreviver. Já foram os incêndios, já foi Tancos, agora são as relações familiares.

Embora não o considere um tema de grande relevo, creio que não deve deixar de inspirar algum juízo crítico junto dos envolvidos. Nos casos trazidos a debate, é evidente que não se trata de um favorecimento familiar direto. Na sua maioria, a relação política existia muito antes da relação afetiva e familiar. Mas essa coincidência não causal não deixa de ser um indício de algo que nos deve preocupar a todos: o facto de as elites políticas e intelectuais onde se recrutam quadros políticos serem muito exíguas. Nem sempre é propositado: os cargos de nomeação reúnem, desejavelmente, um misto de competência e confiança pessoal que germina mais facilmente em círculos restritos. O sujeito A não nomeia o sujeito B por ser seu familiar ou familiar de um outro dirigente político, mas por terem frequentado a mesma universidade, os mesmos espaços profissionais, de militância e\ou de lazer. Contudo, num momento em que a extrema-direita procura usar a desconfiança nos políticos como instrumento para a sua ascensão, a prudência aconselha a que se minimizem os fatores que, aos olhos dos cidadãos, transmitem a ideia de que os altos cargos políticos são distribuídos por uma elite restrita. Por isso, e ainda que sob pena de se cometerem injustiças individuais, deve evitar-se de futuro uma concentração tão elevada deste tipo de casos. (E, de caminho, escusarem-se de colocar o Carlos César a comentar eventuais casos de nepotismo - é como pôr um pirómano a falar de prevenção florestal).

O filho pródigo

Há, no entanto, relações bem mais misteriosas no espaço mediático português do que as relações familiares. E essas, confesso, preocupam-me muito mais do que as anteriores, porque espelham o quanto os círculos de confiança do poder económico e de algum poder político são ainda mais restritos.

David Dinis acaba de ser nomeado diretor-executivo do Expresso. Antes desta nomeação, David Dinis já tinha ocupado as posições de editor de política do Diário Económico, editor de política do Diário de Notícias, editor de política de Jornal de Notícias, editor de política do Sol, diretor do Público, diretor Observador e diretor da TSF.

Face a este percurso, há uma pergunta que surge: que características únicas tem David Dinis para ser do agrado de um espectro tão vasto de projetos editoriais, ocupando sempre lugares de destaque? Será que na classe jornalística, tão vasta e pejada de profissionais talentosos, não haverá um conjunto numeroso de pessoas com competência para assumir cargos de direção? Por que motivo é que os cargos de direção dos jornais parecem sempre circular entre um círculo mesmo muito restrito de indivíduos, que pulam de projeto editorial em projeto editorial? E por que motivo a esmagadora maioria dessas figuras tem um posicionamento de centro-direita ou de direita?

A todas estas perguntas os responsáveis dos conselhos de administração responderão apenas que se trata de um conjunto de pessoas com provas dadas, que asseguram a qualidade de conteúdos e a viabilidade económica do projeto. Mas, se ultrapassarmos o patamar da ingenuidade, sabemos que se trata de bem mais do que isso. Numa época em que o diretor de um jornal não dirige apenas o seu projeto mas é também um comentador regular de todos os assuntos de atualidade - basta recordar o número de vezes que este pequeno círculo aparece em espaços televisivos de comentário - a posição que ocupa goza de uma imenso magistério de influência. Como ficou evidente durante a intervenção da Troika ou durante o processo de criação da Geringonça, estas figuras são capazes de criar um clima social de aceitação ou rejeição de determinado facto político pelo espaço de comunicação de que dispõem.

Assim, não é estranho que um número tão restrito de pessoas circule pelos mais variados meios de comunicação. A sua direção assegura que os projetos que dirigem e os comentários que produzem sejam convenientes ao poder económico e político dos proprietários desses meios de comunicação, que se que se estende desde a direita mais assumida até ao velhos tempos do centrão da política nacional, muito mais vivo do que a experiência dos últimos quatro anos pode fazer sugerir.

Há elites muito mais restritas e influentes do que os casos mediáticos que têm estado em destaque. E a direita, que tanto tem insuflado a questão das ligações familiares, é a principal promotora desses pequenos círculos de poder, que lhe garantem a hegemonia da opinião, mesmo numa conjuntura política desfavorável.

Há laços não familiares que são verdadeiros laços de sangue. O Diogo Queiroz de Andrade, o Paulo Baldaia, o Manuel Carvalho e uma mão cheia de outros nomes que vão circulando pela direção dos órgãos de comunicação são os filhos muito acarinhados de um poder económico e político que os trata com o maior afeto. E, de todos eles, nenhum será porventura tão mimado como David Dinis, o verdadeiro filho pródigo.

Aparte introdutório

Muita tinta tem corrido a propósito das relações familiares no governo. Não é tema que me aqueça as veias: trata-se, no essencial, de um sintoma de desespero de uma direita sem discurso, que se vê obrigada a viver de caso em caso para sobreviver. Já foram os incêndios, já foi Tancos, agora são as relações familiares.

Embora não o considere um tema de grande relevo, creio que não deve deixar de inspirar algum juízo crítico junto dos envolvidos. Nos casos trazidos a debate, é evidente que não se trata de um favorecimento familiar direto. Na sua maioria, a relação política existia muito antes da relação afetiva e familiar. Mas essa coincidência não causal não deixa de ser um indício de algo que nos deve preocupar a todos: o facto de as elites políticas e intelectuais onde se recrutam quadros políticos serem muito exíguas. Nem sempre é propositado: os cargos de nomeação reúnem, desejavelmente, um misto de competência e confiança pessoal que germina mais facilmente em círculos restritos. O sujeito A não nomeia o sujeito B por ser seu familiar ou familiar de um outro dirigente político, mas por terem frequentado a mesma universidade, os mesmos espaços profissionais, de militância e\ou de lazer. Contudo, num momento em que a extrema-direita procura usar a desconfiança nos políticos como instrumento para a sua ascensão, a prudência aconselha a que se minimizem os fatores que, aos olhos dos cidadãos, transmitem a ideia de que os altos cargos políticos são distribuídos por uma elite restrita. Por isso, e ainda que sob pena de se cometerem injustiças individuais, deve evitar-se de futuro uma concentração tão elevada deste tipo de casos. (E, de caminho, escusarem-se de colocar o Carlos César a comentar eventuais casos de nepotismo - é como pôr um pirómano a falar de prevenção florestal).

O filho pródigo

Há, no entanto, relações bem mais misteriosas no espaço mediático português do que as relações familiares. E essas, confesso, preocupam-me muito mais do que as anteriores, porque espelham o quanto os círculos de confiança do poder económico e de algum poder político são ainda mais restritos.

David Dinis acaba de ser nomeado diretor-executivo do Expresso. Antes desta nomeação, David Dinis já tinha ocupado as posições de editor de política do Diário Económico, editor de política do Diário de Notícias, editor de política de Jornal de Notícias, editor de política do Sol, diretor do Público, diretor Observador e diretor da TSF.

Face a este percurso, há uma pergunta que surge: que características únicas tem David Dinis para ser do agrado de um espectro tão vasto de projetos editoriais, ocupando sempre lugares de destaque? Será que na classe jornalística, tão vasta e pejada de profissionais talentosos, não haverá um conjunto numeroso de pessoas com competência para assumir cargos de direção? Por que motivo é que os cargos de direção dos jornais parecem sempre circular entre um círculo mesmo muito restrito de indivíduos, que pulam de projeto editorial em projeto editorial? E por que motivo a esmagadora maioria dessas figuras tem um posicionamento de centro-direita ou de direita?

A todas estas perguntas os responsáveis dos conselhos de administração responderão apenas que se trata de um conjunto de pessoas com provas dadas, que asseguram a qualidade de conteúdos e a viabilidade económica do projeto. Mas, se ultrapassarmos o patamar da ingenuidade, sabemos que se trata de bem mais do que isso. Numa época em que o diretor de um jornal não dirige apenas o seu projeto mas é também um comentador regular de todos os assuntos de atualidade - basta recordar o número de vezes que este pequeno círculo aparece em espaços televisivos de comentário - a posição que ocupa goza de uma imenso magistério de influência. Como ficou evidente durante a intervenção da Troika ou durante o processo de criação da Geringonça, estas figuras são capazes de criar um clima social de aceitação ou rejeição de determinado facto político pelo espaço de comunicação de que dispõem.

Assim, não é estranho que um número tão restrito de pessoas circule pelos mais variados meios de comunicação. A sua direção assegura que os projetos que dirigem e os comentários que produzem sejam convenientes ao poder económico e político dos proprietários desses meios de comunicação, que se que se estende desde a direita mais assumida até ao velhos tempos do centrão da política nacional, muito mais vivo do que a experiência dos últimos quatro anos pode fazer sugerir.

Há elites muito mais restritas e influentes do que os casos mediáticos que têm estado em destaque. E a direita, que tanto tem insuflado a questão das ligações familiares, é a principal promotora desses pequenos círculos de poder, que lhe garantem a hegemonia da opinião, mesmo numa conjuntura política desfavorável.

Há laços não familiares que são verdadeiros laços de sangue. O Diogo Queiroz de Andrade, o Paulo Baldaia, o Manuel Carvalho e uma mão cheia de outros nomes que vão circulando pela direção dos órgãos de comunicação são os filhos muito acarinhados de um poder económico e político que os trata com o maior afeto. E, de todos eles, nenhum será porventura tão mimado como David Dinis, o verdadeiro filho pródigo.

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