“O PCP não se deixa comer”

26-09-2018
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ENTREVISTA

MIGUEL TIAGO Deputado do PCP

“O PCP não se deixa comer”

Texto Rosa Pedroso Lima Foto Nuno Botelho

Aos 38 anos e 13 anos depois de ter sido eleito deputado, Miguel Tiago pediu para sair da bancada comunista. Sem papas na língua, explica as razões do seu cansaço da política e levanta dúvidas sobre a própria ‘geringonça’. A situação é “muito delicada”, assume.

Pediu para deixar de ser deputado?

Sim, e não foi só agora. Já vinha a sentir-me cansado e coloquei essa questão antes.

Porque é que isso não figura na nota do PCP?

Presumo por ser irrelevante. Não fiz questão que isso aparecesse na nota.

O que é que o cansou?

Cansaço não resumirá tudo. Conjuga-se com outros projetos que gostaria de levar a cabo.

Dentro ou fora do partido?

Espero que dentro e fora do partido! Mas estou a referir-me a interesses fora do partido. É muito bom ter vida além da política. Não conseguimos ser bons aqui dentro se não tivermos vida lá fora.

É geólogo. Alguma vez exerceu?

Nunca exerci. Esse vai ser um desafio que não vai ser fácil. Terei de procurar um emprego. E, além da parte profissional, gosto muito de motos, quero continuar a publicar livros e a escrever poesia. Quero regressar às aulas de aikido que antes dava.

E deixa a política?

O meu objetivo é estar à altura do que o partido me vier a exigir. Não estive, neste caso, porque não tinha mais condições anímicas. Cada um tem mais ou menos apetência para certas tarefas.

E deixou de ter?

Se calhar nunca tive. Nunca foi das tarefas em que me senti mais liberto. Vim para aqui com 25 anos e características pessoais que, em determinados aspetos, chocavam frontalmente com esta casa.

Sentiu-se pressionado a mudar?

Nunca me senti pressionado, nem o meu partido me exigiu que mudasse fosse o que fosse na minha personalidade. Mas o contexto em que aqui se trabalha tem esse peso de formalismo. Muitas vezes é preciso ter muito estômago para ouvir certas coisas que aqui se fazem.

Está a falar da batalha política?

Chegar aqui no dia seguinte à troika nos ter roubado os salários. Foi duro não poder mandar esta gente toda para... pronto.

A sua relação com o partido mudou?

Pelo menos do ponto de vista de tempo não posso manter um compromisso igual. Para já, não. Não estou a tomar uma decisão para a vida toda. Nem digo que as minhas decisões são irrevogáveis. Quanto à minha relação com o partido, acho que ficou inalterada.

Os 13 anos de Parlamento toldaram a relação que tinha com a política?

Quando vim para cá, achava que isto era muito pior. Depois, fui vendo que tem potencialidades. Mas, vamos lá ver: não reside aqui qualquer esperança para o povo português.

Mesmo com esta solução política?

Acho que não reside, ponto. Há pequenos passos que podem ser dados aqui, mas a história mostra-nos que os retrocessos são muito maiores. Desde há 40 anos, esta casa aprovou muito mais retrocessos do que benefícios para o povo português. Isso é tramado, não é?

A situação é muito delicada. Todos os comunistas portugueses estão, neste momento, numa situação que é crítica

Sente que aqui não se resolve nada de essencial...

Sinto até que, muitas vezes, se agrava. Lutamos para inverter a correlação de forças. Não queremos que PS, PSD e CDS mantenham as maiorias que sempre têm tido. E que continuam a ter! Acusar o Parlamento de forma abstrata até pode ser injusto, mas o próprio sistema eleitoral, a comunicação social, a tentacularidade destes partidos fazem com que não haja esperança nesta casa. Era preciso dar um grande salto.

Não era o que deveria ter acontecido com a ‘geringonça’?

Não julgo que fosse esse o pressuposto...

Inverteu-se a correlação de forças...

Há uma correlação de forças diferente. Não acho que haja uma maioria de esquerda. Há um Governo minoritário que tem acordos pontuais para áreas específicas que estão identificadas.

É crítico do entendimento feito?

Espero que todos sejamos críticos!

Mesmo do entendimento com o PS nesses pontos específicos?

Espero que todos sejamos críticos. Todos devemos refletir e, um dia mais tarde, fazer o balanço e reconhecer os aspetos positivos e os negativos.

Neste momento, qual é o balanço que faz?

É um balanço que farei com o meu partido.

Sentiu-se desalinhado desta opção?

Não, mas não quero ser falso: a situação é muito delicada. Todos os comunistas portugueses estão, neste momento, numa situação que é crítica. Porque o nosso objetivo continua o mesmo, a correlação de forças que se estabeleceu permitiu-nos alguns avanços, mas também nos colocou em situações delicadas.

É o risco de o PS ter dado um abraço de urso ao PCP?

Isso é o que temo menos, porque o PCP não se deixa comer. A estrutura do PCP não se deixa comer, e estamos perfeitamente atentos a qualquer força que nos queira liquidar. Se me senti desalinhado? Seria incorreto se dissesse que esta situação é tranquilíssima e exatamente igual a qualquer outra. Não é. Nem para mim nem para nenhum comunista. É uma situação que exige muita argúcia, muita discussão coletiva, muita reflexão. Agora, quando decidimos que vamos fazer A ou que vamos fazer B não me sinto nunca desalinhado. Mas é claro que no processo de reflexão há muitas dúvidas.

E muitos riscos?

Muitos riscos, claro. E estamos conscientes deles. Também há muitas potencialidades. Quando decidimos, concretizamos e depois cá estaremos todos para fazer balanços. Não me senti desalinhado no sentido de estar a exercer algo com o qual não estou de acordo. Mas sinto uma dificuldade acrescida na situação política. Eu e julgo que todos.

Os riscos não foram acautelados?

A direção do partido terá ponderado o que na altura era possível ponderar. Não é possível antever tudo. Aliás, o conceito de risco é dinâmico e a realidade cria realidade.

É difícil, no seu último dia de Parlamento, ver aprovado o pacote laboral pelo PS e PSD?

Desde que aqui estou, foram muito mais as vezes que votei orgulhosamente contra uma lei que passou do que votei orgulhosamente a favor de uma lei que passou. Estou habituado.

Era bom para si que esta legislatura fosse até ao fim?

É bom que esta solução vá até ao fim se for para continuar, ainda que timidamente, a reposição de rendimentos e de direitos. Não é bom, se estagnar essa reposição ou se, em áreas fundamentais, começar a retroceder. O que também não é uma hipótese impossível. É difícil dizer se quero ou não que isto chegue até ao fim. Vamos vendo, passo a passo, até onde é que podemos ir. Se é para regredir, mais vale acabar.

Há mais tensão na ‘geringonça’?

Há uma tensão desde o início. O caminho comum que se podia percorrer esgotar-se-á naturalmente, porque PCP e PS têm projetos muito diferentes para o país.

O que leva do Parlamento?

Levo a confirmação da sua natureza de classe, que não é compatível com a melhoria das condições de vida dos portugueses. O afastamento que estas pessoas têm do povo! Os deputados do PCP entregam o seu salário ao partido e vivem com o salário igual a um trabalhador da mesma categoria e isso, de certa forma, aproxima-nos. Mas se eu viver com 3500 euros, sei lá o que é viver com 500! Não posso saber. Não é possível! O ponto de vista é tão diferente que a natureza de classe mina a capacidade deste Parlamento.

É mais um revolucionário?

Sou um revolucionário! Todos os comunistas têm, obrigatoriamente, de ser revolucionários.

ENTREVISTA

MIGUEL TIAGO Deputado do PCP

“O PCP não se deixa comer”

Texto Rosa Pedroso Lima Foto Nuno Botelho

Aos 38 anos e 13 anos depois de ter sido eleito deputado, Miguel Tiago pediu para sair da bancada comunista. Sem papas na língua, explica as razões do seu cansaço da política e levanta dúvidas sobre a própria ‘geringonça’. A situação é “muito delicada”, assume.

Pediu para deixar de ser deputado?

Sim, e não foi só agora. Já vinha a sentir-me cansado e coloquei essa questão antes.

Porque é que isso não figura na nota do PCP?

Presumo por ser irrelevante. Não fiz questão que isso aparecesse na nota.

O que é que o cansou?

Cansaço não resumirá tudo. Conjuga-se com outros projetos que gostaria de levar a cabo.

Dentro ou fora do partido?

Espero que dentro e fora do partido! Mas estou a referir-me a interesses fora do partido. É muito bom ter vida além da política. Não conseguimos ser bons aqui dentro se não tivermos vida lá fora.

É geólogo. Alguma vez exerceu?

Nunca exerci. Esse vai ser um desafio que não vai ser fácil. Terei de procurar um emprego. E, além da parte profissional, gosto muito de motos, quero continuar a publicar livros e a escrever poesia. Quero regressar às aulas de aikido que antes dava.

E deixa a política?

O meu objetivo é estar à altura do que o partido me vier a exigir. Não estive, neste caso, porque não tinha mais condições anímicas. Cada um tem mais ou menos apetência para certas tarefas.

E deixou de ter?

Se calhar nunca tive. Nunca foi das tarefas em que me senti mais liberto. Vim para aqui com 25 anos e características pessoais que, em determinados aspetos, chocavam frontalmente com esta casa.

Sentiu-se pressionado a mudar?

Nunca me senti pressionado, nem o meu partido me exigiu que mudasse fosse o que fosse na minha personalidade. Mas o contexto em que aqui se trabalha tem esse peso de formalismo. Muitas vezes é preciso ter muito estômago para ouvir certas coisas que aqui se fazem.

Está a falar da batalha política?

Chegar aqui no dia seguinte à troika nos ter roubado os salários. Foi duro não poder mandar esta gente toda para... pronto.

A sua relação com o partido mudou?

Pelo menos do ponto de vista de tempo não posso manter um compromisso igual. Para já, não. Não estou a tomar uma decisão para a vida toda. Nem digo que as minhas decisões são irrevogáveis. Quanto à minha relação com o partido, acho que ficou inalterada.

Os 13 anos de Parlamento toldaram a relação que tinha com a política?

Quando vim para cá, achava que isto era muito pior. Depois, fui vendo que tem potencialidades. Mas, vamos lá ver: não reside aqui qualquer esperança para o povo português.

Mesmo com esta solução política?

Acho que não reside, ponto. Há pequenos passos que podem ser dados aqui, mas a história mostra-nos que os retrocessos são muito maiores. Desde há 40 anos, esta casa aprovou muito mais retrocessos do que benefícios para o povo português. Isso é tramado, não é?

A situação é muito delicada. Todos os comunistas portugueses estão, neste momento, numa situação que é crítica

Sente que aqui não se resolve nada de essencial...

Sinto até que, muitas vezes, se agrava. Lutamos para inverter a correlação de forças. Não queremos que PS, PSD e CDS mantenham as maiorias que sempre têm tido. E que continuam a ter! Acusar o Parlamento de forma abstrata até pode ser injusto, mas o próprio sistema eleitoral, a comunicação social, a tentacularidade destes partidos fazem com que não haja esperança nesta casa. Era preciso dar um grande salto.

Não era o que deveria ter acontecido com a ‘geringonça’?

Não julgo que fosse esse o pressuposto...

Inverteu-se a correlação de forças...

Há uma correlação de forças diferente. Não acho que haja uma maioria de esquerda. Há um Governo minoritário que tem acordos pontuais para áreas específicas que estão identificadas.

É crítico do entendimento feito?

Espero que todos sejamos críticos!

Mesmo do entendimento com o PS nesses pontos específicos?

Espero que todos sejamos críticos. Todos devemos refletir e, um dia mais tarde, fazer o balanço e reconhecer os aspetos positivos e os negativos.

Neste momento, qual é o balanço que faz?

É um balanço que farei com o meu partido.

Sentiu-se desalinhado desta opção?

Não, mas não quero ser falso: a situação é muito delicada. Todos os comunistas portugueses estão, neste momento, numa situação que é crítica. Porque o nosso objetivo continua o mesmo, a correlação de forças que se estabeleceu permitiu-nos alguns avanços, mas também nos colocou em situações delicadas.

É o risco de o PS ter dado um abraço de urso ao PCP?

Isso é o que temo menos, porque o PCP não se deixa comer. A estrutura do PCP não se deixa comer, e estamos perfeitamente atentos a qualquer força que nos queira liquidar. Se me senti desalinhado? Seria incorreto se dissesse que esta situação é tranquilíssima e exatamente igual a qualquer outra. Não é. Nem para mim nem para nenhum comunista. É uma situação que exige muita argúcia, muita discussão coletiva, muita reflexão. Agora, quando decidimos que vamos fazer A ou que vamos fazer B não me sinto nunca desalinhado. Mas é claro que no processo de reflexão há muitas dúvidas.

E muitos riscos?

Muitos riscos, claro. E estamos conscientes deles. Também há muitas potencialidades. Quando decidimos, concretizamos e depois cá estaremos todos para fazer balanços. Não me senti desalinhado no sentido de estar a exercer algo com o qual não estou de acordo. Mas sinto uma dificuldade acrescida na situação política. Eu e julgo que todos.

Os riscos não foram acautelados?

A direção do partido terá ponderado o que na altura era possível ponderar. Não é possível antever tudo. Aliás, o conceito de risco é dinâmico e a realidade cria realidade.

É difícil, no seu último dia de Parlamento, ver aprovado o pacote laboral pelo PS e PSD?

Desde que aqui estou, foram muito mais as vezes que votei orgulhosamente contra uma lei que passou do que votei orgulhosamente a favor de uma lei que passou. Estou habituado.

Era bom para si que esta legislatura fosse até ao fim?

É bom que esta solução vá até ao fim se for para continuar, ainda que timidamente, a reposição de rendimentos e de direitos. Não é bom, se estagnar essa reposição ou se, em áreas fundamentais, começar a retroceder. O que também não é uma hipótese impossível. É difícil dizer se quero ou não que isto chegue até ao fim. Vamos vendo, passo a passo, até onde é que podemos ir. Se é para regredir, mais vale acabar.

Há mais tensão na ‘geringonça’?

Há uma tensão desde o início. O caminho comum que se podia percorrer esgotar-se-á naturalmente, porque PCP e PS têm projetos muito diferentes para o país.

O que leva do Parlamento?

Levo a confirmação da sua natureza de classe, que não é compatível com a melhoria das condições de vida dos portugueses. O afastamento que estas pessoas têm do povo! Os deputados do PCP entregam o seu salário ao partido e vivem com o salário igual a um trabalhador da mesma categoria e isso, de certa forma, aproxima-nos. Mas se eu viver com 3500 euros, sei lá o que é viver com 500! Não posso saber. Não é possível! O ponto de vista é tão diferente que a natureza de classe mina a capacidade deste Parlamento.

É mais um revolucionário?

Sou um revolucionário! Todos os comunistas têm, obrigatoriamente, de ser revolucionários.

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