Pôr mais sal? A sério? Conheça os perigos deste ingrediente tão amado

08-11-2018
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Uma mão cheia de sal e tudo fica a saber melhor. Pelo menos uma pitada ou até mais um bocado, sejamos generosos, para apurar e abrir o sabor. Da sopa, do molho, da carne, do peixe, da tarte. Do que quer que seja. A vida sem sal é... insonsa, sensaborona, desenxabida, não sabe a nada, não presta.

Esta é a ideia da maioria dos portugueses. Basta dizer que consumimos mais do dobro da quantidade de sal recomendada diariamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Deveríamos ingerir no máximo cinco gramas de sal por dia, mas consumimos no que comemos 10,7 gramas de sal diário, de acordo com o censos de 2011. E não é de agora. O nosso paladar está habituado ao sal há milhares de anos. Basta dizer que é o condimento mais antigo usado pelo homem e a sua relevância foi tal que marcou as grandes transações comerciais e o desenvolvimento de muitos povos em diferentes épocas. Recorde-se que o sal chegou a valer mais do que o ouro na Idade Média, por ser a única forma de conservar os alimentos. Mas isso é passado e a história que aqui importa contar é a de que o sal (mais concretamente o sódio) nos anda a fazer à saúde. Por isso adaptemos as palavras de Pessoa: ‘Ó comida salgada, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?’ Muito.

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no país (29,7%) e, segundo um estudo da Direção-Geral da Saúde (DGS), o abuso de sal é o risco alimentar que mais retira anos de vida saudável aos portugueses e provoca mais de 70% das mortes por doença do aparelho cardiovascular. O mesmo estudo aponta ainda que um em cada três portugueses morre devido a problemas de hipertensão. E uma das principais causas externas para isso é o sal. Pedro Graça, diretor do programa nacional para a promoção da alimentação saudável da DGS, deixa claro que considera o sal “um veneno” que nos agride as artérias desde pequenos. E mostra-se preocupado com o impacto que este tempero está a ter na qualidade de vida dos portugueses. “Eu creio que o sal é o maior problema de saúde pública que temos em Portugal, porque afeta diariamente a saúde das famílias. E apesar de ser um problema grave, a sociedade portuguesa continua displicente em relação ao seu consumo.

O consumo excessivo de sal mata e, se não mata, deixa as pessoas condicionadas para o resto da vida. Repare, em Portugal 44% da população sofrem de hipertensão, desses a maior parte toma medicamentos anti-hipertensores o que custou ao Estado, só em 2016, 177 milhões de euros.” É muito. E a redução do consumo destes “cristais mágicos” que alteram o sabor da comida não é fácil. Não só pela habituação do nosso palato ao sal, mas também porque muito do que consumimos fora de casa, seja nos restaurantes, bares ou no que compramos nos supermercados chega com quantidades de sal que uma boa parte dos consumidores não sabe identificar. “Quando se come uma sopa fora de casa, por exemplo, ninguém sabe dizer a quantidade de sal que levou. Por outro lado, mesmo que os produtos que estão à venda no supermercado tenham identificado o sal adicionado, cerca de 40% das pessoas não interpretam bem os rótulos, não sabem identificar o que o produto contém. Ou seja, a rotulagem que existe não é eficaz, pois não funciona para o consumidor.”

É por essa mesma razão que Manuel Rodrigues, cardiologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, defende a rotulagem dos alimentos em três cores, como os semáforos, para identificar a quantidade de sal em cada produto embalado: “Assim, uma pessoa que compra um produto com cor vermelha no que diz respeito ao sal que aparece no rótulo pode não saber quanto sal contém, mas sabe que será muito. Se for de cor amarela sabe que é um produto a ter cuidado e se for de cor verde terá pouco sal.” E quanto a isto, Manuel Rodrigues afirma que desde há dois anos tem tentado sensibilizar os partidos da Assembleia da República para esta medida e tem pedida uma audiência para que esta ideia seja adotada. Até agora só o BE se mostrou favorável. “É uma forma de dar de uma forma mais fácil a indicação da quantidade de sal existente em cada alimento. As pessoas depois podem consumir o que bem entenderem. Mas é importante que o façam de forma consciente. Continuaremos a defender essa medida e outras que forem nesse sentido”, comentou a deputada Mariana Mortágua.

O que esteve este ano a ser discutido e quase a entrar no Orçamento do Estado para 2018 foi um certo imposto sobre o sal, que ficou também conhecido como ‘taxa da batata frita’, por taxar este produto assim como cereais, bolachas ou biscoitos. A proposta veio do PS, prevendo taxar oito cêntimos por cada quilo de sal, o BE apoiou-a, mas o PCP, o PSD e o CDS chumbaram-na. Assim, o Governo perdeu 30 milhões de euros de receita e mais nenhuma medida foi tomada quanto ao sal. Mas quanto ao açúcar, a receita tem sido mais doce. Recorde-se que desde fevereiro deste ano foi criado um novo imposto sobre as bebidas açucaradas e a receita até o final do ano poderá chegar aos 80 milhões de euros. Por outro lado o consumo dessas bebidas caiu 25%. Esse é um dos argumentos do deputado e coordenador da comissão de Saúde do PS, António Sales: “O Parlamento perdeu a oportunidade de fazer aprovar esta lei que contribuía para a saúde dos portugueses e foi travada com argumentos injustificáveis. Note-se que 4 milhões de portugueses sofre de hipertensão arterial e quase 100 pessoas morrem por dia desse mal. E o sal é o grande responsável. Com a taxa das bebidas açucaradas temos tido bons resultados e só este ano foram reduzidas 4200 toneladas de açúcar nas bebidas. E mais, com esses 30 milhões de euros de receita investiríamos num programa de reeducação alimentar dos portugueses que muita falta faz. Porque faz falta educar, sim, mas com estas taxas provocamos transformações mais rápidas no consumo e a indústria consegue reformular-se.” Mariana Mortágua acrescenta, para desfazer equívocos: “A ideia para o sal não era taxar o consumo desses produtos, mas taxar a incorporação de determinada quantidade de sal nesses mesmos produtos. O que criaria um incentivo para que os produtores reduzissem a quantidade sal nos produtos.”

Pedro Graça está convicto de que as classes economicamente mais desfavorecidas e menos escolarizadas estão mais vulneráveis aos produtos processados com sal a mais. “Porque muitos desses produtos são de baixo preço, de sabor intenso e têm bom marketing. Mas o excesso de sal está em todo o lado e encontra-se muitas vezes escondido nos alimentos. Como nos molhos, nos bolos, nos salgados, além da nossa charcutaria que é muito salgada.” De acordo com a OMS, se se reduzir o consumo de sal para menos de cinco gramas por dia, o risco de as pessoas virem a sofrer um AVC desce em 23% e o risco de doença cardiovascular baixa 17%. É de ponderar deixar o saleiro bem guardado. E é Pedro Graça quem deixa um aviso à navegação deste mar salgado: “Em casa evitem mesmo o sal, já que o que consumimos em média fora de casa ultrapassa a quantidade recomendada. Por outro lado, defendam-se no prato comendo muitas hortícolas e fruta, como banana e laranja, que têm muito potássio — um ótimo protetor para as doenças cardíacas.

(Artigo publicado originalmente no site do Expresso a 30 de dezembro de 2017)

Uma mão cheia de sal e tudo fica a saber melhor. Pelo menos uma pitada ou até mais um bocado, sejamos generosos, para apurar e abrir o sabor. Da sopa, do molho, da carne, do peixe, da tarte. Do que quer que seja. A vida sem sal é... insonsa, sensaborona, desenxabida, não sabe a nada, não presta.

Esta é a ideia da maioria dos portugueses. Basta dizer que consumimos mais do dobro da quantidade de sal recomendada diariamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Deveríamos ingerir no máximo cinco gramas de sal por dia, mas consumimos no que comemos 10,7 gramas de sal diário, de acordo com o censos de 2011. E não é de agora. O nosso paladar está habituado ao sal há milhares de anos. Basta dizer que é o condimento mais antigo usado pelo homem e a sua relevância foi tal que marcou as grandes transações comerciais e o desenvolvimento de muitos povos em diferentes épocas. Recorde-se que o sal chegou a valer mais do que o ouro na Idade Média, por ser a única forma de conservar os alimentos. Mas isso é passado e a história que aqui importa contar é a de que o sal (mais concretamente o sódio) nos anda a fazer à saúde. Por isso adaptemos as palavras de Pessoa: ‘Ó comida salgada, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?’ Muito.

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no país (29,7%) e, segundo um estudo da Direção-Geral da Saúde (DGS), o abuso de sal é o risco alimentar que mais retira anos de vida saudável aos portugueses e provoca mais de 70% das mortes por doença do aparelho cardiovascular. O mesmo estudo aponta ainda que um em cada três portugueses morre devido a problemas de hipertensão. E uma das principais causas externas para isso é o sal. Pedro Graça, diretor do programa nacional para a promoção da alimentação saudável da DGS, deixa claro que considera o sal “um veneno” que nos agride as artérias desde pequenos. E mostra-se preocupado com o impacto que este tempero está a ter na qualidade de vida dos portugueses. “Eu creio que o sal é o maior problema de saúde pública que temos em Portugal, porque afeta diariamente a saúde das famílias. E apesar de ser um problema grave, a sociedade portuguesa continua displicente em relação ao seu consumo.

O consumo excessivo de sal mata e, se não mata, deixa as pessoas condicionadas para o resto da vida. Repare, em Portugal 44% da população sofrem de hipertensão, desses a maior parte toma medicamentos anti-hipertensores o que custou ao Estado, só em 2016, 177 milhões de euros.” É muito. E a redução do consumo destes “cristais mágicos” que alteram o sabor da comida não é fácil. Não só pela habituação do nosso palato ao sal, mas também porque muito do que consumimos fora de casa, seja nos restaurantes, bares ou no que compramos nos supermercados chega com quantidades de sal que uma boa parte dos consumidores não sabe identificar. “Quando se come uma sopa fora de casa, por exemplo, ninguém sabe dizer a quantidade de sal que levou. Por outro lado, mesmo que os produtos que estão à venda no supermercado tenham identificado o sal adicionado, cerca de 40% das pessoas não interpretam bem os rótulos, não sabem identificar o que o produto contém. Ou seja, a rotulagem que existe não é eficaz, pois não funciona para o consumidor.”

É por essa mesma razão que Manuel Rodrigues, cardiologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, defende a rotulagem dos alimentos em três cores, como os semáforos, para identificar a quantidade de sal em cada produto embalado: “Assim, uma pessoa que compra um produto com cor vermelha no que diz respeito ao sal que aparece no rótulo pode não saber quanto sal contém, mas sabe que será muito. Se for de cor amarela sabe que é um produto a ter cuidado e se for de cor verde terá pouco sal.” E quanto a isto, Manuel Rodrigues afirma que desde há dois anos tem tentado sensibilizar os partidos da Assembleia da República para esta medida e tem pedida uma audiência para que esta ideia seja adotada. Até agora só o BE se mostrou favorável. “É uma forma de dar de uma forma mais fácil a indicação da quantidade de sal existente em cada alimento. As pessoas depois podem consumir o que bem entenderem. Mas é importante que o façam de forma consciente. Continuaremos a defender essa medida e outras que forem nesse sentido”, comentou a deputada Mariana Mortágua.

O que esteve este ano a ser discutido e quase a entrar no Orçamento do Estado para 2018 foi um certo imposto sobre o sal, que ficou também conhecido como ‘taxa da batata frita’, por taxar este produto assim como cereais, bolachas ou biscoitos. A proposta veio do PS, prevendo taxar oito cêntimos por cada quilo de sal, o BE apoiou-a, mas o PCP, o PSD e o CDS chumbaram-na. Assim, o Governo perdeu 30 milhões de euros de receita e mais nenhuma medida foi tomada quanto ao sal. Mas quanto ao açúcar, a receita tem sido mais doce. Recorde-se que desde fevereiro deste ano foi criado um novo imposto sobre as bebidas açucaradas e a receita até o final do ano poderá chegar aos 80 milhões de euros. Por outro lado o consumo dessas bebidas caiu 25%. Esse é um dos argumentos do deputado e coordenador da comissão de Saúde do PS, António Sales: “O Parlamento perdeu a oportunidade de fazer aprovar esta lei que contribuía para a saúde dos portugueses e foi travada com argumentos injustificáveis. Note-se que 4 milhões de portugueses sofre de hipertensão arterial e quase 100 pessoas morrem por dia desse mal. E o sal é o grande responsável. Com a taxa das bebidas açucaradas temos tido bons resultados e só este ano foram reduzidas 4200 toneladas de açúcar nas bebidas. E mais, com esses 30 milhões de euros de receita investiríamos num programa de reeducação alimentar dos portugueses que muita falta faz. Porque faz falta educar, sim, mas com estas taxas provocamos transformações mais rápidas no consumo e a indústria consegue reformular-se.” Mariana Mortágua acrescenta, para desfazer equívocos: “A ideia para o sal não era taxar o consumo desses produtos, mas taxar a incorporação de determinada quantidade de sal nesses mesmos produtos. O que criaria um incentivo para que os produtores reduzissem a quantidade sal nos produtos.”

Pedro Graça está convicto de que as classes economicamente mais desfavorecidas e menos escolarizadas estão mais vulneráveis aos produtos processados com sal a mais. “Porque muitos desses produtos são de baixo preço, de sabor intenso e têm bom marketing. Mas o excesso de sal está em todo o lado e encontra-se muitas vezes escondido nos alimentos. Como nos molhos, nos bolos, nos salgados, além da nossa charcutaria que é muito salgada.” De acordo com a OMS, se se reduzir o consumo de sal para menos de cinco gramas por dia, o risco de as pessoas virem a sofrer um AVC desce em 23% e o risco de doença cardiovascular baixa 17%. É de ponderar deixar o saleiro bem guardado. E é Pedro Graça quem deixa um aviso à navegação deste mar salgado: “Em casa evitem mesmo o sal, já que o que consumimos em média fora de casa ultrapassa a quantidade recomendada. Por outro lado, defendam-se no prato comendo muitas hortícolas e fruta, como banana e laranja, que têm muito potássio — um ótimo protetor para as doenças cardíacas.

(Artigo publicado originalmente no site do Expresso a 30 de dezembro de 2017)

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