Notas em torno do Orçamento de Estado para 2014

17-04-2019
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No dia da aprovação de um
orçamento que vai ser particularmente penoso para os portugueses em 2014 e que
introduz cortes infames de salários e de pensões a partir de 600 / 700 euros brutos
mensais, é bom que não nos esqueçamos de coisas como estas:

1 – Nas PPP não haverá cortes
em 2014 (uns compromissos são mais sagrados do que outros), nem tão-pouco um imposto
especial (já os cidadãos serão, como se sabe, novamente sobrecarregados com uma sobretaxa
adicional de IRS). Pelo contrário, os encargos do Estado com as PPP vão
subir para 1645 milhões de euros em 2014, um aumento face aos números
apresentados pelo próprio Governo nos anos anteriores: no Orçamento de Estado para
2013, indicava-se como encargos para 2014 o valor de 1581 milhões de euros; no
Orçamento de 2012, o valor indicado para 2014 era de 1425 milhões de euros (os números são os oficiais e podem ser consultados aqui). Aumentos são também esperados para os anos
seguintes. O Orçamento de Estado para 2014 prevê agora encargos de 1554 milhões
de euros com as PPP para 2015 (no Orçamento para 2013, o número era de 1268
milhões); para 2016, 1576 milhões (no Orçamento para 2013, o número era de 1309
milhões); para 2017, 1414 milhões (há um ano, previa-se 1259 milhões); e assim
por diante. Todos os encargos com as PPP aparecem inflacionados até, imagine-se, 2026, por comparação com os números anteriores.

A chamada “renegociação” das
PPP é uma farsa. Excluído o cancelamento de algumas obras anteriormente
contratadas, aquilo a que se chama “renegociação” consistiu essencialmente numa
transferência de obrigações das empresas privadas para o Estado, designadamente
no que se refere à manutenção da rede de estradas e autoestradas, não existindo
aqui, na realidade, qualquer poupança de gastos para o Estado a médio prazo. No
que se refere às obscenas taxas de remuneração e de juro anteriormente
convencionadas, de que beneficiam as grandes empresas concessionárias, basicamente
tudo continua na mesma.

2 – Já se sabia que Portugal é
o país da Europa com o maior fosso de desigualdade entre ricos e pobres. Também
já era sabido que até 2011 as medidas de austeridade tinham provocado uma perda
de rendimento maior, em percentagem, nos mais pobres do que nos mais ricos.
Suspeitava-se que depois de 2012 as novas medidas de austeridade tivessem
agravado o fosso. Soube-se há dias que, tal como já tinha acontecido em
2012, em 2013, ano de profunda crise e de pobreza e miséria crescentes, voltou
a aumentar o número de milionários em Portugal e a fortuna dos milionários
portugueses cresceu 75 mil milhões de euros comparativamente com 2012 (um
número curioso, porque equivale sensivelmente ao montante total do empréstimo
da troica a Portugal).

Diz-se por aí, com demasiada
frequência, que “todos somos afetados pela crise e pelos cortes”. Não, nem
todos. Isso não passa de uma treta que nos querem impingir.    

3 – Um estudo recente da
Comissão Europeia concluiu que se as empresas pagassem os impostos devidos no
seu país de origem, cada cidadão pagaria, em média, menos dois mil euros de IRS
por ano. Dezanove das vinte grandes empresas do PSI20 têm empresas de fachada
sedeadas na Holanda e através desse estratagema fogem ao pagamento de impostos
em Portugal (num relatório publicado há algumas semanas, uma organização não governamental
holandesa estranhava o facto de o Governo português até hoje não ter
questionado as autoridades fiscais holandesas sobre este assunto). Como “prémio”,
os montantes de IRC que essas empresas ainda pagam em Portugal vão baixar ainda
mais, graças à diminuição das taxas de IRC e à subtil alteração das regras de
determinação do lucro tributável. Não tenhamos ilusões: a diminuição do IRC vai
beneficiar sobretudo as grandes empresas; a esmagadora maioria das empresas não
pagam IRC (três em cada quatro empresas) ou pagam
uma parcela ínfima da coleta total de IRC.    

Também algumas semanas atrás
soube-se que a economia paralela em Portugal terá voltado a crescer em 2012,
para mais de 44 mil milhões de euros anuais, sendo que o Observatório de Economia e Gestão da Fraude aponta como uma das principais causas do aumento a
falha no combate à grande evasão fiscal.

4 – Uma das grandes promessas deste Governo foi assentar a estratégia de redução do défice na diminuição dos gastos com os consumos intermédios do Estado (quem não se lembra das “gorduras do Estado”)? Em 2014, as despesas com os consumos intermédios vão ser cerca de 400 milhões de euros superiores às de 2012, e isto se não houver derrapagem.

5 – Desde a revelação do
escândalo dos contratos “swap” especulativos celebrados por entidades públicas,
vários juristas conceituados surgiram a defender publicamente a possibilidade de
anulação deste tipo de contratos. Em várias decisões judiciais entretanto
proferidas, os tribunais decidiram anular contratos swap em que foram intervenientes empresas
privadas. No que diz respeito às entidades públicas, a Ministra das Finanças, contra um parecer jurídico por si pedido (que defendia a via judicial para obter a anulação dos contratos), optou
pela via da negociação com os bancos, obtendo pequenas diminuições nos
prejuízos para o Estado. Até à data da apresentação do Orçamento de Estado, as
empresas públicas já tinham pago cerca de de 1000 milhões de euros para cancelar
contratos swap anteriormente celebrados com diversos bancos.

6 – O BPN foi vendido pelo
Estado por 40 milhões de euros, mas o respetivo contrato, que do lado do Estado
teve como responsável Maria Luís Albuquerque, acarretou para o Estado a assunção
da obrigação de pagamento das “contingências judiciais pendentes”, que, de acordo
com um relatório pedido pela própria Maria Luís Albuquerque, podem ascender a 816 milhões de euros, dos quais cerca de 100 milhões já foram reclamados pelo novo dono
do BPN (o banco BIC, presidido por Mira Amaral, o ex-ministro de Cavaco Silva).
Esta obrigação assumida pelo Estado levou, aliás, à demissão de Lourenço Soares,
na altura administrador do BPN indicado pela CGD, por considerar o contrato «ruinoso
para os interesses do Estado». Maria Luís Albuquerque foi entretanto promovida
a ministra.

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Haveria muito mais a dizer em torno do abjeto Orçamento de Estado que hoje é aprovado. Mas isto não chega
já?...
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No dia da aprovação de um
orçamento que vai ser particularmente penoso para os portugueses em 2014 e que
introduz cortes infames de salários e de pensões a partir de 600 / 700 euros brutos
mensais, é bom que não nos esqueçamos de coisas como estas:

1 – Nas PPP não haverá cortes
em 2014 (uns compromissos são mais sagrados do que outros), nem tão-pouco um imposto
especial (já os cidadãos serão, como se sabe, novamente sobrecarregados com uma sobretaxa
adicional de IRS). Pelo contrário, os encargos do Estado com as PPP vão
subir para 1645 milhões de euros em 2014, um aumento face aos números
apresentados pelo próprio Governo nos anos anteriores: no Orçamento de Estado para
2013, indicava-se como encargos para 2014 o valor de 1581 milhões de euros; no
Orçamento de 2012, o valor indicado para 2014 era de 1425 milhões de euros (os números são os oficiais e podem ser consultados aqui). Aumentos são também esperados para os anos
seguintes. O Orçamento de Estado para 2014 prevê agora encargos de 1554 milhões
de euros com as PPP para 2015 (no Orçamento para 2013, o número era de 1268
milhões); para 2016, 1576 milhões (no Orçamento para 2013, o número era de 1309
milhões); para 2017, 1414 milhões (há um ano, previa-se 1259 milhões); e assim
por diante. Todos os encargos com as PPP aparecem inflacionados até, imagine-se, 2026, por comparação com os números anteriores.

A chamada “renegociação” das
PPP é uma farsa. Excluído o cancelamento de algumas obras anteriormente
contratadas, aquilo a que se chama “renegociação” consistiu essencialmente numa
transferência de obrigações das empresas privadas para o Estado, designadamente
no que se refere à manutenção da rede de estradas e autoestradas, não existindo
aqui, na realidade, qualquer poupança de gastos para o Estado a médio prazo. No
que se refere às obscenas taxas de remuneração e de juro anteriormente
convencionadas, de que beneficiam as grandes empresas concessionárias, basicamente
tudo continua na mesma.

2 – Já se sabia que Portugal é
o país da Europa com o maior fosso de desigualdade entre ricos e pobres. Também
já era sabido que até 2011 as medidas de austeridade tinham provocado uma perda
de rendimento maior, em percentagem, nos mais pobres do que nos mais ricos.
Suspeitava-se que depois de 2012 as novas medidas de austeridade tivessem
agravado o fosso. Soube-se há dias que, tal como já tinha acontecido em
2012, em 2013, ano de profunda crise e de pobreza e miséria crescentes, voltou
a aumentar o número de milionários em Portugal e a fortuna dos milionários
portugueses cresceu 75 mil milhões de euros comparativamente com 2012 (um
número curioso, porque equivale sensivelmente ao montante total do empréstimo
da troica a Portugal).

Diz-se por aí, com demasiada
frequência, que “todos somos afetados pela crise e pelos cortes”. Não, nem
todos. Isso não passa de uma treta que nos querem impingir.    

3 – Um estudo recente da
Comissão Europeia concluiu que se as empresas pagassem os impostos devidos no
seu país de origem, cada cidadão pagaria, em média, menos dois mil euros de IRS
por ano. Dezanove das vinte grandes empresas do PSI20 têm empresas de fachada
sedeadas na Holanda e através desse estratagema fogem ao pagamento de impostos
em Portugal (num relatório publicado há algumas semanas, uma organização não governamental
holandesa estranhava o facto de o Governo português até hoje não ter
questionado as autoridades fiscais holandesas sobre este assunto). Como “prémio”,
os montantes de IRC que essas empresas ainda pagam em Portugal vão baixar ainda
mais, graças à diminuição das taxas de IRC e à subtil alteração das regras de
determinação do lucro tributável. Não tenhamos ilusões: a diminuição do IRC vai
beneficiar sobretudo as grandes empresas; a esmagadora maioria das empresas não
pagam IRC (três em cada quatro empresas) ou pagam
uma parcela ínfima da coleta total de IRC.    

Também algumas semanas atrás
soube-se que a economia paralela em Portugal terá voltado a crescer em 2012,
para mais de 44 mil milhões de euros anuais, sendo que o Observatório de Economia e Gestão da Fraude aponta como uma das principais causas do aumento a
falha no combate à grande evasão fiscal.

4 – Uma das grandes promessas deste Governo foi assentar a estratégia de redução do défice na diminuição dos gastos com os consumos intermédios do Estado (quem não se lembra das “gorduras do Estado”)? Em 2014, as despesas com os consumos intermédios vão ser cerca de 400 milhões de euros superiores às de 2012, e isto se não houver derrapagem.

5 – Desde a revelação do
escândalo dos contratos “swap” especulativos celebrados por entidades públicas,
vários juristas conceituados surgiram a defender publicamente a possibilidade de
anulação deste tipo de contratos. Em várias decisões judiciais entretanto
proferidas, os tribunais decidiram anular contratos swap em que foram intervenientes empresas
privadas. No que diz respeito às entidades públicas, a Ministra das Finanças, contra um parecer jurídico por si pedido (que defendia a via judicial para obter a anulação dos contratos), optou
pela via da negociação com os bancos, obtendo pequenas diminuições nos
prejuízos para o Estado. Até à data da apresentação do Orçamento de Estado, as
empresas públicas já tinham pago cerca de de 1000 milhões de euros para cancelar
contratos swap anteriormente celebrados com diversos bancos.

6 – O BPN foi vendido pelo
Estado por 40 milhões de euros, mas o respetivo contrato, que do lado do Estado
teve como responsável Maria Luís Albuquerque, acarretou para o Estado a assunção
da obrigação de pagamento das “contingências judiciais pendentes”, que, de acordo
com um relatório pedido pela própria Maria Luís Albuquerque, podem ascender a 816 milhões de euros, dos quais cerca de 100 milhões já foram reclamados pelo novo dono
do BPN (o banco BIC, presidido por Mira Amaral, o ex-ministro de Cavaco Silva).
Esta obrigação assumida pelo Estado levou, aliás, à demissão de Lourenço Soares,
na altura administrador do BPN indicado pela CGD, por considerar o contrato «ruinoso
para os interesses do Estado». Maria Luís Albuquerque foi entretanto promovida
a ministra.

SPACE

Haveria muito mais a dizer em torno do abjeto Orçamento de Estado que hoje é aprovado. Mas isto não chega
já?...
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