Lendo e relendo

13-10-2019
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Para a UTAO (Unidade
Técnica de Apoio Orçamental) a recuperação integral do tempo de serviço das carreiras na
Administração Pública custaria anualmente mais 398 milhões de euros em termos líquidos,
para lá dos 169 milhões que a solução do Governo custa. Estamos a falar não só
dos professores, mas de todos os trabalhadores das carreiras especiais. Ou seja, descontando o que o Estado receberia em
receitas de IRS e contribuições para a Segurança Social, quando a medida se
refletisse na totalidade em 2023, segundo a estimativa da UTAO, estes seriam os
custos líquidos acrescidos caso fosse aprovada em votação final global a
proposta dos deputados do PSD,CDS, BE e PCP na comissão de educação e ciência,
e aumentaria ao todo para 567 milhões de euros o custo da contagem do tempo de
serviço em termos líquidos, valor contrastante com os 800 milhões de euros
brutos que o Governo diz que a medida custaria.

Segundo a análise que a UTAO fez ao PE (Programa de Estabilidade), enviada aos deputados hoje, 8 de maio, o orçamento
teria o impacto inicial de 410 milhões de euros em 2020 devido às mudanças
feitas no pagamento de 2 anos, 9 meses e 18 dias, o tempo aceite no diploma do
Governo, mas agora sem faseamento, a que se junta um quarto da reposição dos
restantes 6 anos e meio. Este valor contrasta com os 540 milhões brutos (não
descontando as receitas acrescidas que teria com IRS e contribuições para a
Segurança Social) como
custos para a medida aprovada no Parlamento.

Em 2021, o acréscimo de despesa seria menor, porque
desaparece a necessidade de pagamento de retroativos dos de 2 anos, 9 meses e 18 dias, passando aos 199 milhões
de euros, e em 2022 para 298 milhões de euros, até que atinge o valor em
velocidade cruzeiro em 2023.

Fica bem claro, do ponto de vista técnico, que a
recuperação do tempo de serviço não põe em causa excedentes orçamentais. Ao
invés, não obstante o
agravamento da despesa resultante da recuperação integral do tempo de serviço
para todas as carreiras, o Estado continuaria a registar
excedentes orçamentais a partir do próximo ano. Nem a norma que impõe o
pagamento de retroativos da contabilização da predita parcela do tempo de
serviço dos professores já no próximo ano comprometeria um resultado que
seria histórico. Nos termos do
cálculo da UTAO, segundo refere o ECO,
Portugal registaria saldo positivo nas contas públicas de 0,1% do
PIB em 2020, menos duas décimas do previsto por Centeno no PE (conhecido a
15 de abril). Nos anos
seguintes o excedente orçamental também seria menor que o previsto pelo
Governo, mas ainda com resultados robustos. Em 2021 seria de menos uma décima (0,8%), em 2022 menos duas décimas (0,5%) e, em 2023 (quando a medida se reflete na
totalidade), menos 3 décimas (0,4%). Por outro lado, o impacto estrutural desta despesa
não comprometeria o cumprimento das regras orçamentais europeias, visto que se
continua a prever que o Objetivo de Médio Prazo estabelecido para Portugal
(o valor do
saldo estrutural anual para o qual o país tem de caminhar anualmente), de 0%, será atingido já em 2019. E, de 2020 em
diante, a UTAO prevê que, mesmo com este acréscimo de despesa, Portugal teria
saldos estruturais positivos, ainda que perto do equilíbrio.

Assim, a
não aceitação da medida de recuperação integral do tempo de serviço nas
carreiras especiais não tem a ver com as contas, mas com a ideologia reinante
na União Europeia neoliberal do menosprezo pelo valor do trabalho. No caso dos
docentes, inscreve-se também no ataque cerrado da opinião pública publicada aos
professores, que alegadamente sob a égide dum proeminente quadro do PCP,
sepultariam a sociedade no casos, pelo que é conveniente domesticá-los e
sobrecarregá-los, acentuando o matetocentrismo, a patroarquia e a burocracia.    

***

À posição
técnica da UTAO, o Ministro do Trabalho reagiu deixando clara a indisponibilidade do Governo para
alinhar em propostas feitas “sem a devida avaliação”. Frisou que avançar com a recuperação integral do tempo perdido
pelos professores  era condenar
o setor a uma “espécie de montanha russa em que se dá e depois se tira, congela
e depois se descongela”. Disse o governante, em declarações aos jornalistas, esta
manhã, em jeito de justificação:

“O Governo não está disponível
para alinhar em propostas que são feitas sem a devida avaliação, porque
fazê-lo seria condenar esses setores profissionais a uma espécie de montanha
russa em que se dá e depois se tira, congela e depois descongela. Nós o que
definimos foi aquilo que é possível ser feito.”.

O Ministro referiu que, ao invés do que dizem os sindicatos, o Governo não está a pôr os portugueses contra os professores, mas
a aplicar o mesmo racional que foi adotado para as restantes carreiras da
Administração Pública: os 70% do módulo padrão. Lembrou que há outros
profissionais que não trabalham para o Estado e que sofreram com a crise,
esquecendo que o Governo tem uma palavra
a dirigir aos responsáveis pelo dito sofrimento e não a projetá-lo em dobro
nos próprios funcionários. E reforçou que o Executivo “não
tem condições para aceitar alterações tão profundas”, como a implicada
na proposta que foi aprovada na especialidade a 2 de maio. E nisso está
respaldado no largo elogio formulado pela Comissão Europeia.

É sabido que, face a esta decisão dos deputados, o Primeiro-Ministro
comunicou ao país que se demitiria, caso a lei avançasse, já que,
na sua ótica, tal afetaria consideravelmente as contas públicas e a governação. A
esquerda manteve-se firme perante o que entendeu como ultimato, ao passo que a
direita cedeu e fez regressar as condicionantes financeiras, ou seja, PSD e CDS
garantiram que só votarão a favor da contabilização integral se for aprovada
uma salvaguarda que faça depender essa recuperação de critérios económicos e
financeiros. E, apesar do apelo sindical, PCP e BE confirmaram que irão
chumbar esse travão, sendo então expectável que PSD e CDS votem
desfavoravelmente a recuperação integral do tempo “perdido” pelos
docentes. O texto final da proposta está pronto, devendo a votação global
final ser marcada para o dia 10.

***

Também, em comunicado, o Ministério das Finanças –
cujo titular parece preferir a sanidade da governança do Eurogrupo à justa governação
do país (dizem
que terá posto a “hipótese” de demissão quando emergiu a generosidade do
Governo para com as carreiras especiais) – reagiu
de pronto ao cálculo do custo líquido feito pela UTAO, dizendo que “este
cálculo é totalmente arbitrário”, mas não avança valores líquidos. O gabinete de Centeno insiste
nos chavões terríficos elegendo este como o maior aumento de despesa permanente
desde que Portugal aderiu ao euro, em 1999, tanto em termos brutos como em
termos líquidos (disse-o João Leão, Secretário de Estado do Orçamento).

O Governo entende que “este cálculo é totalmente
arbitrário” por duas razões fundamentais.

A primeira tem a ver com a vertente não bruta do valor indicado. Com efeito, o Governo diz que sempre apresentou os valores brutos
das medidas de despesa, “no cumprimento da Lei de Enquadramento Orçamental”,
e que o Governo “é responsável pela orçamentação de todas as despesas, neste
caso das despesas com pessoal”, pelo que o seu valor será acrescido pela
totalidade do impacto bruto que são responsabilidade do Estado enquanto
empregador”. Na verdade, a lei mencionada pelo Governo aplica-se à elaboração
do Orçamento do Estado, mas a lei do Orçamento do
Estado - e o relatório explicativo que a acompanha – não faz referência à
contagem do tempo de serviço, nem ao valor já acordado pelo Governo (e que foi
aprovado num decreto-lei autónomo, o DL n.º 36/2019, de 15 de março), nem ao tempo. A norma que existe na Lei do
Orçamento de 2019 é a replicação da norma que obriga o Governo à negociação. Ora, os 40 milhões de euros a gastar em 2019 com a
contagem dos 2 anos, 9 meses e 18 dias de tempo de serviço relativos às
carreiras especiais sairão da dotação provisional, a dotação para despesas imprevistas
e inadiáveis – onde Centeno reservou este dinheiro.

A outra razão da arbitrariedade apontada pelas
Finanças é o facto de as contribuições sociais serem para financiar a despesa
com pensões e prestações da Segurança Social e este “acréscimo de
contribuições gera responsabilidades e despesa adicional, quer no curto quer no
longo prazo, de montante igual ou superior”, o que a UTAO não considerara. Ora,
segundo o Governo, “descontar este valor ao custo da medida tem o mesmo efeito
de querer gastar duas vezes o mesmo euro” e “seria de uma clara
irresponsabilidade orçamental”, pois apenas geraria a necessidade de emitir
dívida num montante idêntico ou aumentar os impostos para o financiar”. O mesmo
se deve dizer das receitas
de IRS. A este respeito, esclarece o gabinete de Centeno:

“A consignação das receitas de IRS ao
pagamento da reposição do tempo subjacente ao cálculo do valor líquido é
contrário às regras de generalidade da receita fiscal. A receita de IRS
associada a esta despesa com pessoal não é diferente de qualquer outra receita
de IRS obtida com o rendimento de todos os outros portugueses.”.

Desde o início deste debate que o Governo tem usado os valores brutos e
argumentado que as receitas acrescidas não deveriam ser usadas para pagar estas
progressões. Porém, quando apresentou em 2017 o
descongelamento de carreiras dos funcionários públicos, que ninguém pediu em
termos do passado, referiu-se sempre ao custo total da medida como sendo de
cerca de 600 milhões de euros. E, ao invés do que agora sustenta, este era
o valor líquido da medida, não o seu valor bruto, já que este (não
descontando o custo com contribuições para a Segurança Social e os descontos
com IRS) superava, segundo o Governo, os
mil milhões de euros quando acabasse o faseamento previsto na lei. Lê-se, a este respeito, no comunicado do Ministério das Finanças
enviado a 21 de setembro de 2017 aos jornalistas após a reunião com os
sindicatos:

“Os dados demonstram que o descongelamento
das carreiras é um processo complexo, pois incide sobre uma enorme diversidade
de situações. O processo de congelamento teve a duração de sete anos e o
impacto orçamental do descongelamento estima-se superior a 600 milhões de euros.”.

Fátima Fonseca, Secretária de Estado da Administração
Pública, disse, em entrevista à RTP, usando os valores líquidos para estimar o custo do
descongelamento das carreiras.

“O descongelamento das carreiras custa ao
Estado português mais de 600 milhões de euros ao longo de três exercícios
orçamentais”.

O Ministério das Finanças diz também que os 800
milhões de euros que custaria “a reposição dos 9 anos, 4 meses e 2 dias seria a
medida com maior impacto na despesa permanente desde que Portugal entrou no
euro (considerando sempre valores brutos)”. No entanto, na mesma medida de comparação usada pelo
Governo, o custo do descongelamento de carreiras iniciado em 2018 (que
também beneficia os professores), tem
um custo estimado pelo próprio Executivo no Programa de Estabilidade de 1.039,5
milhões de euros, mais 234,5 milhões de euros do que custa a reposição integral
do tempo de serviço das carreiras especiais. E, apesar de contestar este cálculo da UTAO, o Governo usa outros cálculos
destes técnicos – desta feita os relativos ao impacto estrutural – para vincar
os efeitos negativos que a aprovação desta medida teria para as contas públicas
e para o cumprimento das regras orçamentais. Assim, o Ministério das Finanças
frisa:

“Refira-se que a UTAO menciona o impacto
adicional no défice estrutural de 0,17 pontos percentuais, o que levaria o
efeito total da reposição dos nove anos e quatro meses a 0,24 pontos
percentuais do PIB. De acordo com a UTAO agravaria a probabilidade de
incumprimento das regras do saldo estrutural e do esforço de convergência para
o objetivo de médio prazo. Sem mais medidas de mitigação da despesa a ‘regra da
despesa’ do Pacto de Estabilidade e Crescimento seria impossível de cumprir no
contexto do Programa de Estabilidade 2019-2023 apresentado no final de abril na
Assembleia da República.”.

A UTAO adverte que podem ser necessárias mais medidas para cumprir a
trajetória de ajustamento estrutural, mas nos cálculos sobre a evolução do
saldo estrutural entre 2020 e 2023 prevê sempre um saldo positivo, o que
significa que Portugal cumpriria as metas orçamentais europeias. O Objetivo de
Médio Prazo estabelecido por Bruxelas que Portugal tem de atingir é de um saldo
estrutural neutro, ou seja, 0%. A previsão da UTAO é que seja sempre superior.

***

O Bloco de Esquerda proclama, alto e bom som,
que a “UTAO desmente o Governo, demonstra que os valores estão inflacionados”. Como vincou o bloquista Pedro Filipe Soares, no plenário
desta tarde, os números divulgados hoje, dia 8 de maio, pela UTAO sobre a
reposição integral do tempo de serviço dos professores e das restantes
carreiras especiais “desmentem” os cálculos feitos pelo Executivo e demonstram
que os valores estão inflacionados, incluem despesas que já estavam
previstas para outros fins e confundem deliberadamente
valores líquidos e brutos. O deputado acusou o Governo de criar uma
“crise artificial” baseada na “ambição de uma maioria absoluta eleitoral”. E Joana Mortágua acrescentou  que os dados da UTAO
retiram “qualquer argumento” ao PSD e ao CDS “para recuarem”.

Pedro Filipe Soares deixou críticas à direita, defendendo que esse lado do
hemiciclo deu uma cambalhota para manter o Governo em funções,
aduzindo que “o amor do CDS aos professores era conjuntural, oportunista”. E tem razão, pois Assunção Cristas já veio à liça falar da
necessidade de rever a carreira docente, obviamente para a constranger.

Nuno Magalhães, do CDS, reforçou que o Governo
procedeu a uma “farsa política” e disse que o PS tem uma “posição hipócrita” e
a esquerda uma posição “irresponsável de dar tudo a todos”.

Maria Germana Rocha, do PSD, argumentou que os
portugueses “não se deixam enganar” pelos argumentos financeiros, quando o PS, o BE e o PCP se preparam para chumbar
as normas de salvaguarda financeira. E o também socialdemocrata Adão Silva
deixou claro que, se o PS não votar a favor desse travão financeiro, ficará
clara a farsa do Governo e a sua “incoerência”. 

Adão Silva insistiu, por outro lado, que o PSD não procedeu a qualquer recuo
e não tem duas caras, pois sempre previu normas de salvaguarda financeira na
sua proposta de alteração. 

Em resposta, Joana Mortágua sublinhou que as contas avançadas pela UTAO
retiram “qualquer argumento” ao PSD e ao CDS para “dar a palavra dada aos
professores por não dada”, ficando reféns dos números de Mário Centeno. Da
mesma posição partilhou António Filipe, que disse que os socialdemocratas não
querem mesmo a reposição integral do tempo perdido.

Já o socialista Porfírio Silva frisou que o PSD tinha um “duplo objetivo”
neste debate: “iludir os professores e
lançar um novo ataque à escola pública”, vindo a acusá-la de despesismo.
E insistiu que a recuperação do tempo congelado não estava no programa
eleitoral de nenhum partido e deixou críticas aos sindicatos,
que “escolheram o Governo como inimigo e serviram mal os professores”.
E, sobre a atitude de António Costa, vincou que foi “leal aos portugueses” ao
alertar para a “irresponsabilidade” da medida que estava em cima da mesa.

***

É de
anotar que o Governo fala só de 7 anos de tempo congelado e não de 9, dando a
impressão de que só há tempo congelado nos governos passistas, quando o segundo
congelamento foi estipulado pelo segundo governo de Sócrates (obviamente
repercutido em Passos e Costa).

E,
assim, números de anos e de milhões de euros para todos os gostos enredam na
onda neoliberal o direito ao trabalho! Que dirá a isto o Conselho de Finanças
Públicas?

2019.05.08 –
Louro de Carvalho

Para a UTAO (Unidade
Técnica de Apoio Orçamental) a recuperação integral do tempo de serviço das carreiras na
Administração Pública custaria anualmente mais 398 milhões de euros em termos líquidos,
para lá dos 169 milhões que a solução do Governo custa. Estamos a falar não só
dos professores, mas de todos os trabalhadores das carreiras especiais. Ou seja, descontando o que o Estado receberia em
receitas de IRS e contribuições para a Segurança Social, quando a medida se
refletisse na totalidade em 2023, segundo a estimativa da UTAO, estes seriam os
custos líquidos acrescidos caso fosse aprovada em votação final global a
proposta dos deputados do PSD,CDS, BE e PCP na comissão de educação e ciência,
e aumentaria ao todo para 567 milhões de euros o custo da contagem do tempo de
serviço em termos líquidos, valor contrastante com os 800 milhões de euros
brutos que o Governo diz que a medida custaria.

Segundo a análise que a UTAO fez ao PE (Programa de Estabilidade), enviada aos deputados hoje, 8 de maio, o orçamento
teria o impacto inicial de 410 milhões de euros em 2020 devido às mudanças
feitas no pagamento de 2 anos, 9 meses e 18 dias, o tempo aceite no diploma do
Governo, mas agora sem faseamento, a que se junta um quarto da reposição dos
restantes 6 anos e meio. Este valor contrasta com os 540 milhões brutos (não
descontando as receitas acrescidas que teria com IRS e contribuições para a
Segurança Social) como
custos para a medida aprovada no Parlamento.

Em 2021, o acréscimo de despesa seria menor, porque
desaparece a necessidade de pagamento de retroativos dos de 2 anos, 9 meses e 18 dias, passando aos 199 milhões
de euros, e em 2022 para 298 milhões de euros, até que atinge o valor em
velocidade cruzeiro em 2023.

Fica bem claro, do ponto de vista técnico, que a
recuperação do tempo de serviço não põe em causa excedentes orçamentais. Ao
invés, não obstante o
agravamento da despesa resultante da recuperação integral do tempo de serviço
para todas as carreiras, o Estado continuaria a registar
excedentes orçamentais a partir do próximo ano. Nem a norma que impõe o
pagamento de retroativos da contabilização da predita parcela do tempo de
serviço dos professores já no próximo ano comprometeria um resultado que
seria histórico. Nos termos do
cálculo da UTAO, segundo refere o ECO,
Portugal registaria saldo positivo nas contas públicas de 0,1% do
PIB em 2020, menos duas décimas do previsto por Centeno no PE (conhecido a
15 de abril). Nos anos
seguintes o excedente orçamental também seria menor que o previsto pelo
Governo, mas ainda com resultados robustos. Em 2021 seria de menos uma décima (0,8%), em 2022 menos duas décimas (0,5%) e, em 2023 (quando a medida se reflete na
totalidade), menos 3 décimas (0,4%). Por outro lado, o impacto estrutural desta despesa
não comprometeria o cumprimento das regras orçamentais europeias, visto que se
continua a prever que o Objetivo de Médio Prazo estabelecido para Portugal
(o valor do
saldo estrutural anual para o qual o país tem de caminhar anualmente), de 0%, será atingido já em 2019. E, de 2020 em
diante, a UTAO prevê que, mesmo com este acréscimo de despesa, Portugal teria
saldos estruturais positivos, ainda que perto do equilíbrio.

Assim, a
não aceitação da medida de recuperação integral do tempo de serviço nas
carreiras especiais não tem a ver com as contas, mas com a ideologia reinante
na União Europeia neoliberal do menosprezo pelo valor do trabalho. No caso dos
docentes, inscreve-se também no ataque cerrado da opinião pública publicada aos
professores, que alegadamente sob a égide dum proeminente quadro do PCP,
sepultariam a sociedade no casos, pelo que é conveniente domesticá-los e
sobrecarregá-los, acentuando o matetocentrismo, a patroarquia e a burocracia.    

***

À posição
técnica da UTAO, o Ministro do Trabalho reagiu deixando clara a indisponibilidade do Governo para
alinhar em propostas feitas “sem a devida avaliação”. Frisou que avançar com a recuperação integral do tempo perdido
pelos professores  era condenar
o setor a uma “espécie de montanha russa em que se dá e depois se tira, congela
e depois se descongela”. Disse o governante, em declarações aos jornalistas, esta
manhã, em jeito de justificação:

“O Governo não está disponível
para alinhar em propostas que são feitas sem a devida avaliação, porque
fazê-lo seria condenar esses setores profissionais a uma espécie de montanha
russa em que se dá e depois se tira, congela e depois descongela. Nós o que
definimos foi aquilo que é possível ser feito.”.

O Ministro referiu que, ao invés do que dizem os sindicatos, o Governo não está a pôr os portugueses contra os professores, mas
a aplicar o mesmo racional que foi adotado para as restantes carreiras da
Administração Pública: os 70% do módulo padrão. Lembrou que há outros
profissionais que não trabalham para o Estado e que sofreram com a crise,
esquecendo que o Governo tem uma palavra
a dirigir aos responsáveis pelo dito sofrimento e não a projetá-lo em dobro
nos próprios funcionários. E reforçou que o Executivo “não
tem condições para aceitar alterações tão profundas”, como a implicada
na proposta que foi aprovada na especialidade a 2 de maio. E nisso está
respaldado no largo elogio formulado pela Comissão Europeia.

É sabido que, face a esta decisão dos deputados, o Primeiro-Ministro
comunicou ao país que se demitiria, caso a lei avançasse, já que,
na sua ótica, tal afetaria consideravelmente as contas públicas e a governação. A
esquerda manteve-se firme perante o que entendeu como ultimato, ao passo que a
direita cedeu e fez regressar as condicionantes financeiras, ou seja, PSD e CDS
garantiram que só votarão a favor da contabilização integral se for aprovada
uma salvaguarda que faça depender essa recuperação de critérios económicos e
financeiros. E, apesar do apelo sindical, PCP e BE confirmaram que irão
chumbar esse travão, sendo então expectável que PSD e CDS votem
desfavoravelmente a recuperação integral do tempo “perdido” pelos
docentes. O texto final da proposta está pronto, devendo a votação global
final ser marcada para o dia 10.

***

Também, em comunicado, o Ministério das Finanças –
cujo titular parece preferir a sanidade da governança do Eurogrupo à justa governação
do país (dizem
que terá posto a “hipótese” de demissão quando emergiu a generosidade do
Governo para com as carreiras especiais) – reagiu
de pronto ao cálculo do custo líquido feito pela UTAO, dizendo que “este
cálculo é totalmente arbitrário”, mas não avança valores líquidos. O gabinete de Centeno insiste
nos chavões terríficos elegendo este como o maior aumento de despesa permanente
desde que Portugal aderiu ao euro, em 1999, tanto em termos brutos como em
termos líquidos (disse-o João Leão, Secretário de Estado do Orçamento).

O Governo entende que “este cálculo é totalmente
arbitrário” por duas razões fundamentais.

A primeira tem a ver com a vertente não bruta do valor indicado. Com efeito, o Governo diz que sempre apresentou os valores brutos
das medidas de despesa, “no cumprimento da Lei de Enquadramento Orçamental”,
e que o Governo “é responsável pela orçamentação de todas as despesas, neste
caso das despesas com pessoal”, pelo que o seu valor será acrescido pela
totalidade do impacto bruto que são responsabilidade do Estado enquanto
empregador”. Na verdade, a lei mencionada pelo Governo aplica-se à elaboração
do Orçamento do Estado, mas a lei do Orçamento do
Estado - e o relatório explicativo que a acompanha – não faz referência à
contagem do tempo de serviço, nem ao valor já acordado pelo Governo (e que foi
aprovado num decreto-lei autónomo, o DL n.º 36/2019, de 15 de março), nem ao tempo. A norma que existe na Lei do
Orçamento de 2019 é a replicação da norma que obriga o Governo à negociação. Ora, os 40 milhões de euros a gastar em 2019 com a
contagem dos 2 anos, 9 meses e 18 dias de tempo de serviço relativos às
carreiras especiais sairão da dotação provisional, a dotação para despesas imprevistas
e inadiáveis – onde Centeno reservou este dinheiro.

A outra razão da arbitrariedade apontada pelas
Finanças é o facto de as contribuições sociais serem para financiar a despesa
com pensões e prestações da Segurança Social e este “acréscimo de
contribuições gera responsabilidades e despesa adicional, quer no curto quer no
longo prazo, de montante igual ou superior”, o que a UTAO não considerara. Ora,
segundo o Governo, “descontar este valor ao custo da medida tem o mesmo efeito
de querer gastar duas vezes o mesmo euro” e “seria de uma clara
irresponsabilidade orçamental”, pois apenas geraria a necessidade de emitir
dívida num montante idêntico ou aumentar os impostos para o financiar”. O mesmo
se deve dizer das receitas
de IRS. A este respeito, esclarece o gabinete de Centeno:

“A consignação das receitas de IRS ao
pagamento da reposição do tempo subjacente ao cálculo do valor líquido é
contrário às regras de generalidade da receita fiscal. A receita de IRS
associada a esta despesa com pessoal não é diferente de qualquer outra receita
de IRS obtida com o rendimento de todos os outros portugueses.”.

Desde o início deste debate que o Governo tem usado os valores brutos e
argumentado que as receitas acrescidas não deveriam ser usadas para pagar estas
progressões. Porém, quando apresentou em 2017 o
descongelamento de carreiras dos funcionários públicos, que ninguém pediu em
termos do passado, referiu-se sempre ao custo total da medida como sendo de
cerca de 600 milhões de euros. E, ao invés do que agora sustenta, este era
o valor líquido da medida, não o seu valor bruto, já que este (não
descontando o custo com contribuições para a Segurança Social e os descontos
com IRS) superava, segundo o Governo, os
mil milhões de euros quando acabasse o faseamento previsto na lei. Lê-se, a este respeito, no comunicado do Ministério das Finanças
enviado a 21 de setembro de 2017 aos jornalistas após a reunião com os
sindicatos:

“Os dados demonstram que o descongelamento
das carreiras é um processo complexo, pois incide sobre uma enorme diversidade
de situações. O processo de congelamento teve a duração de sete anos e o
impacto orçamental do descongelamento estima-se superior a 600 milhões de euros.”.

Fátima Fonseca, Secretária de Estado da Administração
Pública, disse, em entrevista à RTP, usando os valores líquidos para estimar o custo do
descongelamento das carreiras.

“O descongelamento das carreiras custa ao
Estado português mais de 600 milhões de euros ao longo de três exercícios
orçamentais”.

O Ministério das Finanças diz também que os 800
milhões de euros que custaria “a reposição dos 9 anos, 4 meses e 2 dias seria a
medida com maior impacto na despesa permanente desde que Portugal entrou no
euro (considerando sempre valores brutos)”. No entanto, na mesma medida de comparação usada pelo
Governo, o custo do descongelamento de carreiras iniciado em 2018 (que
também beneficia os professores), tem
um custo estimado pelo próprio Executivo no Programa de Estabilidade de 1.039,5
milhões de euros, mais 234,5 milhões de euros do que custa a reposição integral
do tempo de serviço das carreiras especiais. E, apesar de contestar este cálculo da UTAO, o Governo usa outros cálculos
destes técnicos – desta feita os relativos ao impacto estrutural – para vincar
os efeitos negativos que a aprovação desta medida teria para as contas públicas
e para o cumprimento das regras orçamentais. Assim, o Ministério das Finanças
frisa:

“Refira-se que a UTAO menciona o impacto
adicional no défice estrutural de 0,17 pontos percentuais, o que levaria o
efeito total da reposição dos nove anos e quatro meses a 0,24 pontos
percentuais do PIB. De acordo com a UTAO agravaria a probabilidade de
incumprimento das regras do saldo estrutural e do esforço de convergência para
o objetivo de médio prazo. Sem mais medidas de mitigação da despesa a ‘regra da
despesa’ do Pacto de Estabilidade e Crescimento seria impossível de cumprir no
contexto do Programa de Estabilidade 2019-2023 apresentado no final de abril na
Assembleia da República.”.

A UTAO adverte que podem ser necessárias mais medidas para cumprir a
trajetória de ajustamento estrutural, mas nos cálculos sobre a evolução do
saldo estrutural entre 2020 e 2023 prevê sempre um saldo positivo, o que
significa que Portugal cumpriria as metas orçamentais europeias. O Objetivo de
Médio Prazo estabelecido por Bruxelas que Portugal tem de atingir é de um saldo
estrutural neutro, ou seja, 0%. A previsão da UTAO é que seja sempre superior.

***

O Bloco de Esquerda proclama, alto e bom som,
que a “UTAO desmente o Governo, demonstra que os valores estão inflacionados”. Como vincou o bloquista Pedro Filipe Soares, no plenário
desta tarde, os números divulgados hoje, dia 8 de maio, pela UTAO sobre a
reposição integral do tempo de serviço dos professores e das restantes
carreiras especiais “desmentem” os cálculos feitos pelo Executivo e demonstram
que os valores estão inflacionados, incluem despesas que já estavam
previstas para outros fins e confundem deliberadamente
valores líquidos e brutos. O deputado acusou o Governo de criar uma
“crise artificial” baseada na “ambição de uma maioria absoluta eleitoral”. E Joana Mortágua acrescentou  que os dados da UTAO
retiram “qualquer argumento” ao PSD e ao CDS “para recuarem”.

Pedro Filipe Soares deixou críticas à direita, defendendo que esse lado do
hemiciclo deu uma cambalhota para manter o Governo em funções,
aduzindo que “o amor do CDS aos professores era conjuntural, oportunista”. E tem razão, pois Assunção Cristas já veio à liça falar da
necessidade de rever a carreira docente, obviamente para a constranger.

Nuno Magalhães, do CDS, reforçou que o Governo
procedeu a uma “farsa política” e disse que o PS tem uma “posição hipócrita” e
a esquerda uma posição “irresponsável de dar tudo a todos”.

Maria Germana Rocha, do PSD, argumentou que os
portugueses “não se deixam enganar” pelos argumentos financeiros, quando o PS, o BE e o PCP se preparam para chumbar
as normas de salvaguarda financeira. E o também socialdemocrata Adão Silva
deixou claro que, se o PS não votar a favor desse travão financeiro, ficará
clara a farsa do Governo e a sua “incoerência”. 

Adão Silva insistiu, por outro lado, que o PSD não procedeu a qualquer recuo
e não tem duas caras, pois sempre previu normas de salvaguarda financeira na
sua proposta de alteração. 

Em resposta, Joana Mortágua sublinhou que as contas avançadas pela UTAO
retiram “qualquer argumento” ao PSD e ao CDS para “dar a palavra dada aos
professores por não dada”, ficando reféns dos números de Mário Centeno. Da
mesma posição partilhou António Filipe, que disse que os socialdemocratas não
querem mesmo a reposição integral do tempo perdido.

Já o socialista Porfírio Silva frisou que o PSD tinha um “duplo objetivo”
neste debate: “iludir os professores e
lançar um novo ataque à escola pública”, vindo a acusá-la de despesismo.
E insistiu que a recuperação do tempo congelado não estava no programa
eleitoral de nenhum partido e deixou críticas aos sindicatos,
que “escolheram o Governo como inimigo e serviram mal os professores”.
E, sobre a atitude de António Costa, vincou que foi “leal aos portugueses” ao
alertar para a “irresponsabilidade” da medida que estava em cima da mesa.

***

É de
anotar que o Governo fala só de 7 anos de tempo congelado e não de 9, dando a
impressão de que só há tempo congelado nos governos passistas, quando o segundo
congelamento foi estipulado pelo segundo governo de Sócrates (obviamente
repercutido em Passos e Costa).

E,
assim, números de anos e de milhões de euros para todos os gostos enredam na
onda neoliberal o direito ao trabalho! Que dirá a isto o Conselho de Finanças
Públicas?

2019.05.08 –
Louro de Carvalho

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