Ediçao Revista e Aumentada

26-01-2016
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O JURI ANUNCIA:

Concorrente Nº1: Miss BCP-BPI

Concorrente Nº2: Miss SONAE - PT

Concorrente Nº3: Miss Berardo - SLB

Conccorrente Nº4: Miss Estupidez & Despotismo - Portugal

O JURI DELIBERA:

(...)

O JURI COMUNICA:

Dado o Sucesso estrondoso dos seus argumentos reais, a Concorrente Nº4 é a grande vencedora deste concurso, tornando-se, até ver, Miss Opa Vitalícia 2007 e Além; Exactamente pelos mesmos motivos de adesão e maioria, este Juri, devidamente vigiado e orientado pela Grande Entidade Reguladora dos Mercados e Concursos de Beleza Económico-Social, aconselha fortemente (isto é, obriga a) a imediata aquisição potestativa das restantes (e poucas) mentes livres e inteligentes deste belo país, de modo a harmonizar pela homogenização.

A todos e à Vencedora em particular, o Juri aufere os seus Parabéns e desejos de muito Sucesso.

Fim de Sessão.

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

Faz um frio de rachar. E eu sem conseguir pegar no sono… Que tristeza, amor! Que solidão estar sem ti! Tenho a impressão, por vezes, de que toda esta geada nasceu da tua ausência! Não queres sair dessa distância insuportável de raínha do gelo para vires até aqui à minha beira calar o meu sofrimento? Toda a primavera começa com um beijo, cantou uma vez certo bardo junto à torre do castelo da princesa mais bela, nas pradarias imensas da Bretanha… Fico então deitado, curando a minha insónia, sonhando, não dormindo, com esse momento ideal e sublime em que tu me beijasses. E o beijo enfim a acontece. Ainda bem que era um sonho. Imagina que tudo acontecia de facto: A primavera seria então eterna, e para sempre duraria a minha felicidade. E eu, miserável e humano, que aborrecimento enorme sentiria desse idílio do sonho! E que saudades daquele frio que me rachava os ossos e me deixava vazio e infeliz! E eu sem conseguir pegar no sono! Que tristeza amor! Que solidão nesta Beleza Infinita em que a perfeição domina todas as coisas! Tenho a impressão, talvez, de que este sol me nasceu do inferno que carrego na alma… Não queres voltar a essa distância inalcançável para me trazeres de novo aquele gelo que tanta falta me faz? Todo o Inverno do Homem surgiu de um imenso bocejo… disse-me um dia um certo sábio a quem eu dei de comer… Fico então deitado, curando a minha insónia, sonhando, não dormindo, com esse momento ideal e sublime em que a treva voltasse. E a noite enfim acontece. Ainda bem que era um sonho. Imagina que tudo acontecia de facto: A treva seria então eterna e para sempre duraria a minha infelicidade. E eu, miserável e humano, que aborrecimento enorme sentiria dessa dor repetida! Sim, faz um frio de rachar. E eu sem conseguir pegar no sono…

(Lisboa, 07/12/99).

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

A coroa é um símbolo-objecto

Deposto na cabeça de um monarca.

O jugo é o púlpito-dejecto

Que nos impõem e nos deixa marcas.

O povo é o último-excesso

Da revolta que tarda e nos trespassa.

II

Segunda hipótese figurada da ruína

Marcada no verso da moeda;

Altura elevada da bebida

Em que se aposta a Vida que nos resta...

III

MacBeth foste Rei de Tanto e de tão Pouco Perdeste a tua lei, ficaste louco, Dentro de ti corria uma serpente: Uma mulher, mesquinha e prepotente.

Lady Macbeth é a tua consciência, A tua alma é toda a tua ciência, Não há desculpa num gesto além de ti: A tua culpa és tu e o horror em si.

As bruxas são vontades, não destinos, Disseram-te só sonhos que tiveste, O que fizeste foram teus desejos...

A côroa ensanguentada e os seus hinos, São gritos dessa dôr e dessa peste Que é governar sem dominar ensejos...

Lisboa, 06/01/99

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Cada um de nós tem uma cara

Em que se esconde o medo que há em nós;

Cada um de nós tem uma máscara

Que vai mudando quando está a sós.

Lisboa, 06/01/98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

a) A vida é um tango em que procuramos seduzir as coisas que inventámos para continuarmos a amar os nossos passos, as nossas invenções fastidiosas; e nós somos o instrumento por meio do qual ela adquire essa música…

(Lisboa, 06/12/99)

b) A vida é um tango; dancêmo-lo.

(Henrique Esteves, um amigo, dos melhores; Campolide, 07/05/06)

Que Farei Com Estes Gumes?: conselhos úteis

Directora de Centro de Saúde de Vieira do Minho demitida por "quebrar dever de lealdade"

28.06.2007 - 19h53 Lusa

In Público:

«A Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N) disse hoje que a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, Maria Celeste Cardoso, foi demitida porque "quebrou o dever de lealdade" com o ministro da Saúde.

A directora do centro de saúde foi exonerada pelo ministro Correia de Campos, sob proposta da Sub-região de Saúde de Braga, por não ter retirado das instalações do centro um cartaz contendo declarações do ministro Correia de Campos "em termos jocosos". O assessor de imprensa da ARS-N, Antonino Leite, indicou que "foi rejeitada qualquer comparação" com o caso da suspensão de funções na Direcção Regional de Educação do Norte do professor Fernando Charrua. "Não se pode colar um caso ao outro. Aqui há um caso de violação de um dever de lealdade", disse o responsável.O assessor reconheceu que não foi Maria Celeste Cardoso quem colocou ou mandar colocar o cartaz de que o ministro não gostou. "Mas a directora tinha a obrigação de averiguar quem o colocou e o motivo por que o fez num espaço onde se prestam cuidados de saúde. Também deveria dar conhecimento dessa diligência à hierarquia", sublinhou Antonino Leite.O responsável acrescentou que "conhecedor da situação, o ministro destituiu-a por entender que estava a ser violado dever de lealdade com quem a colocou no cargo".»

Porque o Gume se cansou do despotismo, porque o Gume começa a ficar com as narinas a esfumaçar enxofre com a fúria que lhe anda a subir às ventas ao assistir a tamanha colecção de barbáries por parte da inclassificável parafernália de cavalgaduras governamentais, a mensagem de hoje é extremamente pictórica:

Obrigado Luiz Pacheco!

Cavalgaduras! - Bem hajam!

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Não devias ter vindo.

Estava a tentar esquecer-te.

Na verdade já tinha conseguido conceber um naufrágio onde te afundavas

E lamentavelmente padecias sob a força das águas.

Naturalmente chorei-te:

Uma mulher tão bonita e tão nova! – Pensei com os restantes convivas – Que dor de [alma!

E chorámos todos.

Foi depois a vez do padre:

Sacrementou-te, latinizou-te, perdoou-te o imperdoável;

E a terra comeu-te.

Foi bonito…

Por volta das duas fomos beber e comer.

Os mais alegres contaram umas anedotas.

Os mais tristes riram-se.

A tarde passava agradavelmente.

O sol brilhava.

Um ou outro corvo pousava sobre as campas,

Saltitando,

Rebicando,

Esvoaçando.

Um ou outro fato preto punha flores na terra que te cobria.

Sentiu-se paz. Dormi. Foi um bom dia.

Mas hoje reapareces como um fantasma para recuperar os movéis que nem são bem teus,

E para rasgar o retrato em que sorrimos juntos,

E para exigir a tua presença material onde ela não pode existir.

Chegaste mesmo a falar.

Chegaste mesmo a proferir palavras com uma voz metálica e um desdém nos lábios.

Não me lembro exactamente como foi.

Eu tinha acabado de acordar, alucinava…

Balbuciei «Amo-te»

Suplicante, patético, infeliz.

Olhas-te-me de lado, de forma glaciar.

Sibiláste: «Vai para o Diabo!»

Estive mesmo para responder:

«A sério!, eu tentei!,

Mas ele não me quiz…»

Achei porém que te ririas de mim.

Por isso calei-me.

Tu, por tua vez, tiraste o que querias e foste embora sem me dizer mais palavra.

Foi então que me ri de mim próprio.

Bruxelas, 13/05/04

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

O inesperado é o elixir mágico com que anulamos o tédio e nos sentimos novos sob o peso das horas inefáveis...

(Lisboa, 04/12/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

- Sabes, ouvi dizer que saiu hoje o "Livro Branco"...

- Sim, parece que foi aprovado... - O Ministro veio avisar sobre o desemprego... Pode subir... - Sim, parece que pode... - Talvez até a riqueza desça... - Sim, talvez... Mas é só para alguns... - Sim, claro, só para alguns... - E que disse mais o Ministro? - Veio também dizer que sará precisa maior flexibilidade... - Maior flexibilidade? - Sim. Para empresários e colaboradores... - Como assim? - Bem, parece que os de baixo vão ter de se baixar mais um pouco para preservar os empregos, e os de cima, por causa da distância, e para evitarem os gritos, vão ter de se baixar um pouco mais para se fazerem ouvir... - Caramba! Com a breca! Em qualquer dos casos, que grande jogo de espinha! - E há mais... - Então? - Consta que vêm mais facilitadas as regras de dispensação. Há uma medida extraordinária contra a burocracia: Simplificam-se os trâmites do despedimento. - Isso quase que parece bom... - Sim, quase... Não fosse ser tão precário podia ser uma medida extraordinária... Há no entanto apenas um ponto que eu considero realmente curioso... - Qual? - Porque não se aplicam as vantagens desse "Livro Branco" na Educação, na Justiça, na Saúde? Parece-me um pouco facciosa e restritiva esta nova Lei Laboral que está mesmo quase para sair... - Não te preocupes. Tenho a certeza de que está tudo a ser tratado. As coisas avançam já nesse sentido. Acabei de mandar um sms aos meus sindicatos: CGTPÊ e UGTÊ, e eles já me tranquilizaram. - Então, sempre vão conseguir impedir o avanço da Lei? Corrigir alguma coisa?! - Não. Mas garantiram-me que já entrou em vigor nas suas leis internas o Novo Código de Trabalho antes mesmo de ser apresentado oficialmente. - Entrou em vigor? Que queres dizer com isso? - Que, pelo menos nos Sidicatos, que se têm vindo a modernizar a grande ritmo, a decisão da comissão deliberadora já está a ser tomada e já teve, inclusivé, aplicação prática... - Aplicação prática? Que aplicação? Porquê? Como? Onde está isso registado? - Bom, a aplicação é um despedimento. Incapazes de se oporem ao sistema, cada vez mais os Sindicatos fazem por se juntar a ele... Quanto ao como... soube tudo por tradição oral... Infelizmente a actualização não pôde ser registada por terem despedido, precisamente, o notário...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

De súbito, com uma aspereza impossível, caiu o assombro das árvores. Sobre as folhas sêcas, a meus pés, desceu, pesadamente, uma poeira negra; a mágoa inteira dos séculos tombava sobre os mortais. E foi então que eu, o viajante casual dessas passagens, senti (que não sentisse, ò Cloé, quem me dera!) com uma consternação inconsolada, a comprida antiguidade dessa angústia aterrar, como um despiste, no mais fundo lugar da minha alma…

(Lisboa, 03/12/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Aqui,

Acorrentado

Ao muro de silêncio,

Jazo

Com o pus a escorrer-me das chagas abertas.

Eu vi o chicote desses fariseus

A vergastar-me a fome,

A doer-me as costas descobertas;

Eu vi o cheiro do dinheiro

A tilintar nas suas mãos ínfames

Quando me rasgavam a pele e a fronte,

Quando me venderam

E, depois,

Quando enforcaram o arrependimento na árvore mais próxima;

Eu vi-lhes o medo que me tinham

De lhes vir a ocupar o seu lugar;

Eu vi-lhes a sentença;

Sorvi-lhes a doença na retina,

E senti-lhes o ódio no olhar;

E vejo ao longe o monte (a despontar)

Esquecido totalmente pela luz.

Suspiro.

Sinto o cheiro da morte. –

De sorte que já vejo ao longe aproximar-se

Aquele que me vai passar a cruz...

Lisboa, 14-06-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

- Olhe, minha senhora... Sinceramente, não percebo... Eu não compreendo... Não percebo... Ele é um anão, quer-se dizer! É um anãozinho, um insignificante! Não percebo! Que posso eu dizer-lhe? Sei lá! Não percebo! Olhe, só sei isto: Fui traído! Fui abalroado! Agora percebo o Santana: Nada é o que parece ser. O que julgamos ser uma formiga, dá-nos patadas de elefante! É um assombro! É uma verognha! É uma tristeza! Lisboa, minha senhora, Lisboa, esta bonita e tão descurada cidade, e não por mim, minha senhora, não por mim, anda cheia de facadas nas costas... *Foto elefante Reuters apud Publico. - Então Doutor Carmona, que queda esta desde que se fez Presidente da Câmara desta Cidade! Que foi que lhe aconteceu?

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Nesta mesa onde me sento,

Onde repouso e descanso,

Neste pensar que é tão denso

E ao mesmo tempo tão manso,

Eu julgo ter percebido

Que nada sei sobre mim:

Sou um mistério insurgido

De um fogo ingente e carmim.

Quero mais e mais me falta

A cada querer que eu anseio.

A minha fome vai alta,

O meu prazer vai a meio...

Quero ir além de tudo

O que existir p'ra passar:

Além do céu negro e mudo,

Da superfície lunar.

Mas se além chego outra mágoa

Vem constrangir-me sem dó:

Insaciado na água,

Acompanhado e tão só!

Do outro lado de tudo

É tudo tal como aqui:

Tal como o céu, negro e mudo,

E tão ausente de si!

Evoluir é um abismo,

Não vejo bem no Progresso;

Tudo me surge num ismo,

Tudo me sabe a Regresso...

Volto atrás sem perspectivas

Nas perspectivas de mim...

Ando às voltas, à deriva,

Circulo em torno do fim...

Ser ou não ser este homem,

Com corpo e mente e razão.

Cinco sentidos que dormem

Sobre um fugaz coração...

Chegado o dia do termo,

O que fiz eu que me importe?

Sou um lugar sêco e ermo,

Deserto vago de Morte!

Passam por mim caravanas

Sobre os meus sonhos reais;

Mudam-se areias e ganas,

Mudam-se os tempos sid'rais...

Elas vão além da linha

Do Horizonte sombrio;

Vão vender isso que eu tinha

Antes de ser tão vazio:

A minha alma corrupta

Por tanto desejo vil;

A minha fé resoluta,

O meu céptico perfil.

Vão vender na feira laica

Os perfumes do além;

Rezas negras da Jamaica,

Ritos do Mal e do Bem;

Vão vender a Aventura,

O Amor e a Saudade;

Vão promover a Ventura,

Pôr na praça a Liberdade;

São os vendilhões do templo

(E esse templo sou eu)

Dão o pregão - um exemplo:

«A cinco tostões o Céu!»

As gentes, ávidas, correm

E acorrem à chamada;

As gentes ávidas dormem...

Vão a tudo, vêm nada...

E é assim com a vida

Que sem notar experimentamos:

A cada gesto uma ida -

É um cais que abandonamos;

Damos por nós, certo dia,

E já corremos um mar…

Mas onde fomos? Sabia

Muito melhor bolinar!

Que o vento então decidisse

O port' aonde acostar;

Que Deus então me surgisse,

Me desse forma e lugar!

Toma, ò Génio, esta costela:

Eu tenho andado tão só!

Eva perdeu-se à janela

Do sonho que se fez pó…

Dá-me outra deusa que tenha

O mesmo virus mortal:

Uma fome vil e estranha

Pelo espaço Universal!

Alguém que veja na vida

Mais que um ponto de passagem;

Que se prefira engolida

Pela boca da voragem!

Que queira tudo, além-tudo,

Que veja ter tudo em mim:

Mesmo send'eu negro e mudo,

Mesmo send' eu isto: assim...

A permanência inconstante,

Ou a excepção trivial:

Nada nos serve o bastante;

Tudo é dif'rente e igual...

Muda-se tanto e tão pouco,

Somos de tudo e de nada;

Somos o sábio e o louco,

A vida bruta e parada.

Somos esta carne sêca

Entre a areia do Deserto,

Carcassa errante que peca

Sob as estrelas do Incerto;

Somos isto que quisermos

Sem valor além de letras;

Espectros que remam, enfermos,

Por rias frias e pretas;

Viajamos sobre o Letes,

O Letes viaja em nós:

Soterrada, entre ciprestes

Deixámos a nossa voz.

Para quê cantar mais tempo

Se também deixou Orfeu

A lira, por um lamento,

Soterrada sob o céu?

E seguimos sob o monte,

Rio abaixo navegamos:

Dar a grinalda a Caronte,

Pagar o óbolo vamos...

Cérbero já se vislumbra,

Além, ao fundo do rio;

Cérebro, pára!, é a tumba!

Já falta pouco... Que frio!

Vou na barca do Inferno

E ninguém me viu passar;

Sigo em frente sem governo

E já não penso em parar.

Pedi a Deus uma deusa,

E vejo Lídia na margem;

Lídia é de Reis! A mim, Neusa!

Amar-te-ei de passagem...

Bato à Porta do Tormento,

Peç' ao Diabo p'r'entrar;

E vem-me abrir, sonolento,

Um demónio feito d' ar;

Digo a senha, faço figas,

Diz-me que sim e que não;

Mostra-me sete barrigas,

Tem sete pés, sete mãos.

E por sete bocas feias

Fala do fundo do assmobro:

«As sete covas estão cheias!

Olhe por trás do meu ombro!

Vá bater a outra porta:

O Inferno está lotado!»

Continuei - E que importa?!

Hei-d' ancorar noutro lado!

Para um morto - e eu estou morto!,

Nem burros à andaluza,

Nem canapés (nem um porto!),

Nem cetins, nem uma blusa

Trazem conforto eficaz.

Não faz diferença, não cansa -

É mal ou bem? Tanto faz...

Mais à frente há outra dança!

E rio abaixo e acima,

Nos pesadelos de mim,

Eu passo Baía e Lima,

Paris, Lisboa e Pequim!

Atravesso todo o globo

No meu sonho glaciar:

Na Morte forjo-me um lobo -

Um velho lobo do mar...

Moby Dick, já estou perto!

Meu inimigo mortal!

Meu vão delírio desperto,

Minha ilusão capital!

Um de nós há-de acabar

No grande eclipse final!

Um de nós há-de gritar:

«O que fui eu afinal?!»

Ser ou não ser o agente

Nesta mesa em que me sento,

Deste pedaço de gente,

Sonho que pensa tão denso;

Neste lugar de pesquisa,

Onde repouso e descanso,

Onde me sopra uma brisa,

E me afaga um vento manso,

Eu julgo ter percebido

Que nada sei sobre mim:

Sou um mistério insurgido

De um fogo ingente e carmim…

E nada do que me crie

Ou do que me queira crer

Fará com que contrarie

A minha forma de ser:

Este mistério insolúvel

Este tremendo vulcão;

Est'astro breve e volúvel,

Asteróide em colisão;

Este foguetão pousando

Na superfície lunar;

Este adagio triste e brando

Ou este enorme rufar!

Este coração com vida

Que anseia, pula e que dança!

Esta «bola colorida

Entre as mãos de uma criança!»

Eu sou de tudo e de nada,

Tudo o que vês está em mim:

Se não há mais, rompo a estrada:

Neófito, não há Fim!

Lisboa, (Sapadores), 26 de Junho de 2007.

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Um grande acontecimento aproxima-se, na História da Humanidade, o que vem exigindo muitas celebrações, elocubrações, planeamentos. Dizem os jornais, as televisões, as emissões radiofónicas, festeja-se (a medo) o final do milénio, o final de um governo (algures no mundo muda sempre um governo), o fim de Timor como província Indonésia (isto é, agora palco da exploração geral)... No fundo, tudo se resume a essa empolgante engrenagem da Política, a esse tic-tac inconfundível das múltiplas rodas do Poder. É a Democracia Universal, máscara do Despotismo, num eufórico e popular movimento.

E eu, como sempre, passo alheado a essas manifestações, como quem passa pelo sujeito do Metro que nos estende um panfleto ou nos vende pensos e revistas em nome da sempi-eterna pobreza dos miseráveis. O meu egoísmo não admite complacências, e, na maioria dos casos, o meu egoísmo está certo. A minha consciência, ainda jovem e esquiva, vem, por enquanto, sustendo bem os seus erros.

Parece então que o sujeito comum e o incomum se preparam, unindo esforços, para a recepção com pompa desta promessa nova. Mas que posso eu fazer, eu que desprezo e abomino toda e qualquer promessa? Eu que me cansei de prometer e esperar, e de falhar nas promessas e nas esperas? O que cabe fazer ao Homem Desesperado, ao Homem Lógico, doentiamente racional e infeliz? Nestas horas de promessa para os outros, o que lhe resta é então a imitação de São João, na sua visão do Apocalipse. Ao Homem, porém, mais modesto (ou mais impotente do que o ideal de profeta ou de santo), não se admite mais do que a contemplação do termo de si próprio.

Preparo-me então para o fim de mim mesmo com a mesma determinação com que as beatas (ainda e sempre por apagar, ò paciência!) se preparam, remoendo rezas, para o fim colossal de todo o Mundo… O resultado disso será imprevisível como qualquer fim, nem poderei eu reportá-lo. Pois que ser neste mundo estagnado tem o dom (ó lamentável limitação da lógica!) de relatar o termo de si próprio?! (Lisboa, 02/12/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

I

Quiz ser o que não sou;

O que eu não sei, o que não posso ser.

Vivi-me, simulei-me um outro:

Um estranho a mim que em mim se sedentou,

Forçando algo, aí, a perecer…

Mas onde está o dono do meu corpo?

Lisboa, 27/04/97

II

ESBOÇO DE UM EPITÁFIO:

Aqui jaz a alma que eu não tinha

A impressão de um ser independente.

A consciência que tenho não é minha:

Morreu o que eu era realmente…

Bruxelles, 28/08/04

III

Estou morto por dentro.

Como uma noz que só tem de bom a casca.

O meu Poder Estatal tem no seu centro

Um terrorista em prol da causa basca.

Por isso tenho o espírito em estilhaços.

Por isso provo tanta solidão.

Dás-me o teu coração, abres-me os braços,

Mas não consegues cobrir a multidão

De eus e pessoas que eu possuo.

Tenho uma sombra que me está pregada

Que me corrói com o gesto mais ruim,

Que me extermina pelas horas más:

Bombas me lança do seu antro escuro,

Arde-me os dias, faz-me cinza e nada,

Por mais que o povo imenso que há em mim

Se junte e em coro clame pela paz…

Lisboa, 06/03/01 Quiz ser o que não sou;O que eu não sei, o que não posso ser.Vivi-me, simulei-me um outro:Um estranho a mim que em mim se sedentou,Forçando algo, aí, a perecer…Mas onde está o dono do meu corpo?Lisboa, 27/04/97IIESBOÇO DE UM EPITÁFIO: Aqui jaz a alma que eu não tinhaA impressão de um ser independente.A consciência que tenho não é minha:Morreu o que eu era realmente…Bruxelles, 28/08/04IIIEstou morto por dentro.Como uma noz que só tem de bom a casca. O meu Poder Estatal tem no seu centroUm terrorista em prol da causa basca.Por isso tenho o espírito em estilhaços.Por isso provo tanta solidão.Dás-me o teu coração, abres-me os braços,Mas não consegues cobrir a multidãoDe eus e pessoas que eu possuo.Tenho uma sombra que me está pregadaQue me corrói com o gesto mais ruim,Que me extermina pelas horas más:Bombas me lança do seu antro escuro,Arde-me os dias, faz-me cinza e nada,Por mais que o povo imenso que há em mimSe junte e em coro clame pela paz…Lisboa, 06/03/01

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

I

… E há-de vir o Cristo

Para o Julgamento

É aquilo ou isto

O que eu sou por dentro?

Vejo um monstro negro

Vejo um anjo branco;

Será um bruxedo

Ou apenas espanto?

Anjos e demónios

E uma assembleia.

O público espera

Alguém da plateia.

Quem falta chegar

Dessa gente ilustre?

O Papa está cá:

Mas era um embuste…

Ninguém da Igreja

A falar p’lo povo?!

Pode ser que eu veja

Um cardeal novo!

Mas ah! Eis que estão

Os bispos e os padres!

Mas oh! Um grilhão

Os prende a uma trave?!

Pobre gente nobre

Que se vê cativa!

Depois dos trabalhos

Que lhes deu a vida!

Todos os mortais

Estão aqui presentes –

Mas dos imortais

Há alguém ausente!

Oh! Supremo Engano!

Ò Deus Criador!

Faltarás neste ano

À festa maior?

Este é o Carnaval

Porque tu esperavas!

É este o arraial

Que tanto ansiavas!

Veste então o fato

De Rei dos truões

E junta-te a nós

Nas Celebrações!

É como, o teu jogo,

Da Justiça Eterna?

– «Este para a suite

Esse p’r’á cisterna!? –

Tu verás o sol,

Tu o calabouço;

Tu saltas à corda,

Tu tem-la ao pescoço;

P’ra ti o calor

D’álegria imensa,

Para ti a dor

De uma chama intensa;

Tu serás feliz

Porque estás comigo;

Tu serás um rico,

E tu um mendigo.

Para ti fartura,

Para ti a fome,

P’ra ti a amargura

De ouvires o meu nome».

Mais eis que me surge

Uma mão por tráz:

«És tu, ò barbudo!

Pois então por cá?!»

«Pois não perderia

Tamanha festança!

Já não dormiria

Com tamanha errança!

Queres então saber

Das coisas que faço?

E o que vem a ser

O plano que traço?

E como tómo eu

Estas decisões?

Ora, é segredo,

São as convenções…

Assunto de Estado –

Não vou revelar…

Mas vá, tu insistes,

Sou bom, vou contar:

Eu tenho aqui dados

Dentro do meu bolso

A que dou valores

P’ra este e p’ró outro;

Consoante calha

Traço o seu destino –

E se algo falha?

Foi um deus Maligno!

P’ra isso o Demónio

Dá bastante jeito –

Era um pandemónio

Sem esse sujeito!

Por vezes altero

Este meu sistema

Se acaso me surge,

Assim, uma piquena,

Com pernita cheia

E bem torneada,

Ou um jovem loiro

De tez bronzeada…

Que posso eu fazer?!

São as tentações!

E em casos destes

Há negociações

Com o meu colega

Do andar de baixo:

Também ele os pega!

É um berbicaxo!

‘Inda pode haver

Outra circunstância

Em que uns certos herren

Com muita jactância

Nos fazem propostas

Tão irresistíveis

Que os deixamos ir

P’ra onde pedirem:

Oferecem-nos vinho,

Licores, iguarias:

Um ou dois meninos,

E fotografias…

Por vezes nós vamos

Para as Tulherias,

Onde já formámos

Uma Confraria;

É o Paraíso

Como podes ver;

Se tiveres tal passe

Podes lá viver!

Mas no fundo o Inferno

Não é tão diferente:

Só faz mais calor

E tem lá mais gente;

E há menos luz –

Mas lá te habituas…

E também seduz:

Belas jovens nuas,

Altivos mangalhos,

Soberbas orgias…

Não só de trabalho

Se fazem os dias!»

«E até quando a Vida

Na tua Injustiça?

Até quando escravos

Da tua preguiça?»

«Até querer o Homem

Na sua aflição,

Pois apenas vivo

Na Imaginação».

Bruxelas, 30/05/04

II

E há-de vir o Cristo

Com uma balança

Pesar as obras,

Medir os Homens;

Essa Hora é um misto

De desesperança

Que se alastra noutras

Que depressa somem…

Bruxelas, 30/05/04

III

«Julgar os Homens!,

Abrir os Tribunais!,

Deixar entrar a Nave dos Dementes!»

§

«…Eu te condeno e aos mosntros que te comem

A cultivar a dor nestes quintais

Que hão-de produzir eternamente…»

Bruxelas, 30/05/04

IV

Depois dos Tribunais

É o medo

E o grito

Da revolta.

Depois dos Tribunais

Vem a angústia

De assistir à verdade assassinada.

Depois dos Tribunais

Volta o choro de lágrimas e sangue

Rotina de uma infância violada.

Depois dos Tribunais

Vem a cegueira

De ter visto a deturpação dos factos

Constante

Repetida

Perdoada.

Depois dos Tribunais

Vem o carrasco

Do Homem

E da balança viciada.

Depois dos Tribunais

Somos nós

Sem sermos

Porque nos tiraram tudo

E o sono

E a esperança

E a pele espancada

E os sinais.

Depois dos Tribunais

É a vingança

Afiada no gume dos punhais.

Depois dos Tribunais

É a lembrança

Asfixiada para nunca mais!

Lisboa, 05-06-98

Oh!. Quem tanto pudera, que fartasse

Este meu duro génio de vinganças!

Lisboa, algures no séc. XVI, Luís Vaz de Camões

V

Arder!,

Arder!,

Que há já tardança! Bruxelas, 30/05/04

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

«Porque ficou oceânico o escasso

Momento de nós?»[1]

Toda a nossa História: Sermos sós...

Que podes querer da vida em movimento?

Cada minuto uma fracção do que nos resta...

Somos o palco, o drama e o elenco...

Escrevemos nós a peça!

Haja festa pela noite dentro! Haja festa! Haja festa!

Tragam os copos!

Queimem o incenso!

Vamos arder as horas mais funestas!

Ouves dançar ao fundo? E o silêncio... Ouves cantar ao fundo? E a tempesta...

O mar subiu à terra, A dôr ao coração... Estou em guerra com a guerra Da emoção...

Vivo em constante mutação... Vamos viver a vida como vivem

Os brutos condenados!

Vamos viver a vida como vivem Os loucos no hospício! Vamos viver a vida como vivem Os homens em delírio! Vamos viver a vida como vivem As extáticas bacantes!

Vamos viver simplesmente, Avante! Avante! É viver antes Qu'isso da vida passe e que pereça!

Avante!, Avante! Vamos! Antes

Que esta vontade intensa desvaneça!.

Lisboa, 26-05-98

P.S.1: Eis as minhas gentis interpretações: a) Porque se dissolveu (em água) o escasso momento de nós? – isto é, da nossa existência… b) Porque se alastrou até à indefinição (profunda e misteriosa como o Oceano), a nossa escassa circunstância de ser? Aguardo apenas que a Madama Neto-Jorge se digne (se necessário da tumba) a vir agradecer-me os estoicismos: a) De ler a sua poesia; b) De, à la Madre Teresa de Calcutá (que alguém a tenha!) ou São Francisco de Assis (o do quadro de Bellini, por exemplo!), b1) A melhorar b2) A partilhar com a restante comunidade de fieis.

P.S.2: Aceito contribuição/ donativos para a minha conta bancária e/ ou estátua pedestre em praça pública.

P.S.3: Pela arrogância petulante e intolerável demonstrada nesta nota de rodapé, estou já há 35 dias em jejum, a pão e água e ainda sob um pesado sermão epsicopal de hora e meia com subsquente penitência de 700 Pais Nossos e 930 Avé-Marias. A indulgência obrigou-me igualmente a uma coima de 50 contos (o correspondente, nestes dias de progresso da ilusão europeia, a 250 euros). De facto é custoso o caminho do céu… [1] Que o sentido oculto desta difícil pergunta se procure em Luísa Neto-Jorge. Que na busca o leitor não conserve esperanças. Nesta má poetisa (em que este verso é, aliàs, dos melhores pela sua estimulante sonoridade) não deve, na verdade, procurar-se um sentido, mas apenas sentir-se e brincar com um fácil jogo de sons, fingindo a descoberta do mundo como, por norma, o fazem as crianças…P.S.1: Eis as minhas gentis interpretações: a) Porque se dissolveu (em água) o escasso momento de nós? – isto é, da nossa existência… b) Porque se alastrou até à indefinição (profunda e misteriosa como o Oceano), a nossa escassa circunstância de ser? Aguardo apenas que a Madama Neto-Jorge se digne (se necessário da tumba) a vir agradecer-me os estoicismos: a) De ler a sua poesia; b) De, à la Madre Teresa de Calcutá (que alguém a tenha!) ou São Francisco de Assis (o do quadro de Bellini, por exemplo!), b1) A melhorar b2) A partilhar com a restante comunidade de fieis.P.S.2: Aceito contribuição/ donativos para a minha conta bancária e/ ou estátua pedestre em praça pública.P.S.3: Pela arrogância petulante e intolerável demonstrada nesta nota de rodapé, estou já há 35 dias em jejum, a pão e água e ainda sob um pesado sermão epsicopal de hora e meia com subsquente penitência de 700 Pais Nossos e 930 Avé-Marias. A indulgência obrigou-me igualmente a uma coima de 50 contos (o correspondente, nestes dias de progresso da ilusão europeia, a 250 euros). De facto é custoso o caminho do céu…

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Lembro a origem de tudo: Estavas no cruzamento entre o céu e o mar, e bebias insaciavelmente a paisagem. Eu passava de barco, como passo às vezes, disfarçando a minha solidão. Fingi-me um pescador em águas agitadas, e lancei uma rede ao teu perfil de sereia abandonada, deixando no ar essa proposta em que pedia que tu fosses minha. Porque o ideal do amor é sempre livre mas o desejo pede a propriedade, anulando, assim, o ideal.

Foi talvez por me fingir ser outro que esqueci os vários perigos do mar. Esse barco em que digo que passeio, como todo o barco que passeia, estava destinado à tempestade. E a sereia que o teu canto sugeriu, foi tirada da fábula de Ulisses e surgiu-me diante dos meus olhos com o propósito singular e cruel de me enfeitiçar para o confim dos Tempos. No alvoraçar do meu desejo, eu fui em busca da minha vontade, e fiz-me predador para cumpri-la. Mal sabia, ò perfida visão!, que a eterna maldição do caçador é ser tornado na presa que ele caça…

(Lisboa, 30/11/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

Carlos Drummond de Andrade é tido como o grande poeta brasileiro, o Fernando Pessoa do Brasil. Como muito da literatura brasileira, eu tenho-o como um poeta menor. Ele escreveu textos lindíssimos. Isto é inegável. «Segredo» é dos melhores poemas que já alguma vez lí. Tem frases de uma beleza incomparável. Era um homem sensível de certo talento. Mas não façam dele o gigante que não é. «No meio do caminho tinha uma pedra… etc.,» tem uma única frase poética: "nunca esquecerei esse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas…" Este é o poema. A pedra e o caminho repetidos ad nauseam são traços pessoais válidos, mas erros da literatura. O poema, porém, que o é a custo, tornou-se um marco na Poesia Lusófona, seja lá isso o que fôr. Mas o que motivou o poema da pedra? O que obrigou Drummond a essa interminável repetição? Que espécie de desespero não literário (e o desespero é, por norma, literário – a literatura sempre apreciou uma boa tragédia) assolou o poeta ocasional que era Drummond, de modo a que ele arruinasse as duas linhas supra-citadas com um simples calhau repousado num qualquer percurso? É evidente que o caminho era a vida do poeta e o calhau em questão um obstáculo intransponível ou uma tragédia pessoal, naquele momento, inultrapassável ou com a qual o sujeito poético (como é do agrado das academias) não se conformava. Mas vingar-se no leitor inocente para lhe impôr de modo tão cru o calhau da sua dôr pessoal, não será demasiado egoísta, mesmo por parte de um autor aclamado? De acordo com certas interpretações, a pedra no meio do caminho confunde-se, de algum modo, com o Destino, tendo este, por sua vez, ditado a morte de um filho de Drummond. Ora, quem acredita no Destino, afirma que, nessa inevitabilidade entediante, há um propósito superior inquestionável e interrompível, com um sentido demasiado grande para a limitada compreensão humana. Como é porém possível que, 2000 anos depois da barbárie das civilizações que nos precederam, continue a haver quem entenda ser justificável, de acordo com uma visão superior, o sacrifício de Isac? Não será consolação demasiado cobarde para o espírito atormentado pela dôr pessoal? Eu que não acredito no Destino, que digo que a vida não é um caminho mas uma partida de xadrês e que sou eu que movimento as minhas peças em direção ao derradeiro xeque-mate (e com quem jogo senão comigo mesmo? Sim, estou condenado a vencer-me mas esse é o prazer do jogo e só assim ele se torna possível), eu sinto, inexplicável e paradoxalmente, embrenhada, entre tantas certezas, esta confusão tão característica de mim mesmo: de que lado estou quando jogo as peças? Como lidar com as minhas escolhas na esquizofrenia das minhas personalidades? Quando o acaso ou o erro me torturam, e os desgostos se acumulam sobre o corpo, como viver tudo isso? Como recuperar a peça perdida, ou, na linguagem de Drummond, como passar além da pedra que nos impede ou nos espanta o caminho? A pergunta é uma incógnita a que só a circunstância particular do que se vive poderá responder. Porque nenhuma realidade, nenhum problema é passível a generalizações. É por querer generalizar as suas soluções que o homem falha a resposta a todos os seus problemas. E se, por hipótese, eu falhar a reparação do erro? Errar ao corrigir um erro já cometido, não será o cúmulo da incapacidade? E quantas vezes falhamos a correcção anterior! A nossa vida é então uma sequência de jogadas ou de passos em falso. Assim, no meu tabuleiro de xadrês, a derrota é garantida para qualquer um dos lados do tabuleiro, e no caminho de Drummond haverá sempre uma pedra a impedir a passagem, que se multiplica noutras pedras suas iguais e se hiperboliza numa pedra maior até se tornar num rochedo intransponível. Que força de Homem, interior ou exterior, pode derrubar um rochedo? Onde está o mito de Hercules nessas horas? É neste momento de contemplação da derrota que eu tenho pena das minhas limitações de mortal e, consequentemente, de mim mesmo. E, por força dessas desilusões, vou-me tornando cada vez mais insensível. Julgo então que foi neste espírito de crescente insensibilidade, que eu encarei, Drummond, a revelação de ser, a pedra que assombrou o teu caminho, o teu filho nado-morto. Também aqui tive pena. Mas não me parece que fosse essa a tua vontade. Nem tampouco a minha. A minha pena por ti não te consola nem me torna a mim em alguém melhor. Pelo contrário. Tu tornas-te ridículo e patético e eu torno-me vil por te dar a entender, por meio da minha pena, que sou melhor do que tu. Assim, eu passo a ser a pedra no meio do teu caminho, e tu a assombração permanente da minha própria derrota. Tu com o teu rochedo intransponível, eu com a ameaça constante de um mate que não desejo. O maior inconveniente da dôr é termos de vivê-la contra a nossa vontade. O Destino dá a ilusão de um desígnio. O meu egoísmo dá-lhe a ilusão de uma escolha. O melhor seria ignorares a tua pedra e eu ignorar o meu jogo, esquecer as suas regras, ignorar que o Rei pode ser posto em cheque e perder o jogo. É esta, creio eu, a prova de que não existe um Destino: Se ignorarmos todas as regras por que, normalmente, se regem as coisas, podemos criar um Universo paralelo em que somos nós que decidimos o resultado dos dados: O Deus que nos tornaremos passará a brincar às probabilidades por saber de antemão o resultado. É nessa quebra que reside a verdadeira poesia. Quando deixáste de falar directamente da pedra para dizeres que não te esquecerias dela, foi quando efectivamente te esqueceste dela e a tua escrita respirou como um poema. Depois o nome da pedra voltou para amordaçar a poesia. Não existe pedra, não existe caminho, tu passas por todo o lado. E eu não vivo em nen hum tabuleiro, não sei o que é um Rei, uma torre é um bloco de cimento onde as princesas sobem para apreciar a paisagem, tudo é fácil e belo, o dicionário de línguas não contempla o que poderia ter sido a palavra: xadrês… Este é o poema.

(Lisboa, 29/11/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Fui à tela ver a vida de Oscar Wilde…Ah, meu doce irlandês insuportável! Meu amor ideal sem efectividade alguma! Minha fraqueza animal! Bem dito, nem fui ver-te... Eu mesmo fiz rodar o teu filme numa sala de cinema antigo; pouca gente foi ver... as cadeiras vazias e eu de alma cheia a admirar-te... Porfim tudo acaba, e a magia das coisas excepcionais teima, por força, em querer desaparecer... Mas eu estava possesso, extasiado, doido! Fui a correr pelas ruas a gritar o teu nome! Já em casa, na minha cave húmida e sombria, deitei-me sobre o colchão de molas que rangem e guincham como velhas loucas e olhei os livros da minha biblioteca... Imaginei então o excepcional que seria que tu saísses deles por artes do oculto e te sentasses sobre o bordo da minha cama a ranger, e que os dois nos deixássemos por horas a falar sobre tudo e sobre nada... Os nossos gostos, as nossas ideias, as ideias dos outros, mesquinhos e banais... pensar como um modo de falar, falar como um modo de pensar... depois um brandy, um absinto, uma tertúlia... eu leria as tuas peças de teatro de ironias finas e mordazes, e tu os meus poemas de bolso em edição privada de autor anónimo e menor... Ah, meu Wilde! não o sabes, não o imaginas sequer, nem isso que não sabes e que não imaginas te interessa (muito menos agora que estás morto), mas partilhamos as fúrias e os medos... As campas, é sabido, não devolvem os corpos do deserto onde descansam, como Plutão não devolve as suas presas... Por isso, tu não podes ouvir-me e eu falo para um papel que nada tem para me dar; e falar assim para um papel, e dá-lo a ler a outros é ridículo e inútil; mas o que há de mais belo e de mais significativo no mundo é, normalmente, ridículo e inútil. Porque esse é o espelho da nossa natureza… Assim, ridícula e inutilmente te confesso a minha inclassificável admiração por ti, a coragem com que sempre enfrentáste os brutos da tua altura. Todas as eras têm brutos. O génio é aquele que, com grandeza, se destaca dos seus... E se tu, meu adorado, tinhas génio! E se tu tinhas carácter! Em nada te eram melhores e tu, homem faltoso e soberbo, eras melhor em tudo! Que tinham eles, os dandys, os patetas, que não tivesses tu?! Eu digo-to, que o sei! - A podridão da alma! A tua eloquência sublime é ainda hoje imortal e prevalece, mesmo estando tu morto, na oralidade e na escrita. A tua elegância, o teu paradoxo profundo, a beleza poética de tudo o que escrevias são Hinos à inexistente alma Humana. Sim, Oscar, talvez (eu sonho ainda, enquanto, depois do teu filme naquela frágil tela, projecto a minha vida além de mim), talvez o teu fantasma pudesse surgir-me um dia para discutirmos a natureza do Tempo; pois tu entenderias, melhor do que ninguém, que, entre dois seres inteligentes, isso é afinal tão arbitrário e tão poético, no jogo infindável da linguagem, quanto o, por exemplo, falar-se de amor… E então, quem sabe, também tu me terias admirado, e também tu virias, ridícula e inutilmente, escrever um qualquer texto num cadarnado esfolado, que louvasse com saudade amargurada o filme singular da minha vida… (Lisboa, 28/11/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

E chego enfim ao teu Jardim Suspenso;

Vislumbro-te estendida sobre as flores.

Falamos de segredos empilhados,

De sonhos e desejos arrancados

À Ilha dos Amores...

São estes silêncios penetrantes

Soando repentinos no ouvido

Que me dão esta fome altissonante

De falar contigo...

Juraste ler nas linhas que há na terra

A Face Universal da Poesia. Disseste conhecer um tal feitiço Que acaba com a dor e com o enguiço Como que por Magia...

São estes silêncios inocentes Soando repentinos no ouvido

Que me dão a vontade inconsciente

De estar contigo.

Entornámos, nervosos, as palavras

Sobre toalhas tímidas, coradas;

Tricotámos os dedos que tremiam,

Entrelaçámos braços que fremiam, Cantámos cem baladas...

São estes silêncios fabricados

Soando repentinos no ouvido,

Que me dão o desejo incontrolado

De dormir contigo.

Quiseste então sondar-me o coração. Falaste-me de Deus e das marés – Beijaste-me no rosto envergonhado, Saraste-me essas chagas do Passado, Deitáste-te a meus pés...

São estes silêncios estonteantes

Soando repentinos no ouvido

Que me dão o desígnio hilariante

De morrer contigo...

Lisboa, 26-05-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Porque preferiste ignorar que respiras e adormecer,

Porque também desprezas ser um entre iguais e o próprio ser,

Porque tu te julgas ser injustiçado neste Julgamento,

Porque queres pôr à prova o inteiro Sistema e o que tem dentro,

Porque tu te vês num Império de armas, numa enorme cruz,

Porque desse Mundo que o Demo te mostra nada te seduz,

Porque tu já sofreste e já viste o sangue e sentiste a dor,

Porque foi o teu, o braço do mito, que abateu Heitor,

Porque a Vida é curta mas o Sonho é longo e é a Treva imensa,

Porque ainda há luta e alguém que chora de uma angústia intensa,

Porque é tudo triste e tudo consiste no seres Moribundo,

Vais escolher ser nada onde nada existe nem como conceito,

Vais ser como estrada com princípio e fim no teu próprio peito,

Vais ser o Messias que a Fé te negava, desprezando o Mundo…

Bruxelas, 10/05/04

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Conheço muito do que sei que sentiste. Na minha carne de bibliotecário sozinho que também lê e escreve e cai eternamente do cimo dos seus sonhos, sinto as tuas feridas e também as minhas a agravá-las; nestas veias segue o mesmo sangue estragado, febril e irregular desde o berço; nestas mãos nervosas e sem força o mesmo frémito de patologia me leva a escrever versos e delírios; neste absurdo de ser, há a mesma dôr confusa a badalar os dobres dos seus sinos sonoros, colossais... Assim, porque não, Fernando, o mesmo génio, se partilhamos, helàs, os mesmos ais??!

(Lisboa, 10/09/99) Guardo a Mensagem do Fernando junto a mim. «É a hora!», «É a hora!», olha, «É a hora!»... Tarde me avisáste. Tarde, sim... A hora já passou há muito tempo... Mas no vazio de outras horas tento achar um sentido profundo para essa velha mensagem. A cada dia um texto, como se fosse ele a necessidade do corpo e não a carne e o peixe ou outras exigências orgânicas... e em cada leitura tento achar-me um outro, reinventar-me, fugir o mais possível desse cansaço de mim. Já nem sei quantas vezes te reli, Fernando… Eras um génio. Ultrapassavas em tudo a dimensão de Pessoa. E as pessoas comuns que nunca se transcendem, insultam-te nas ruas, amaldiçoam-te nas salas de estudo, largam-te com alívio e com nojo nos lavabos, na ressaca dos desgostos da vida… Quase ninguém te entendeu. Mesmo aqueles que te autopsiaram os poemas, que te rasgaram o quotidiano e a alma, que te dissecaram os sonhos que não tornáste visíveis chegaram ao mais sentido e verdadeiro de ti: Para todos os efeitos és um louco com problemas de personalidade. Eis o resultado e pores diante do espelho a tua longa coleccção de retratos, as manifestações completas dos teus eus. Puseste a hipocrisia de lado e decidiste encarar a dureza de ser. É verdade que por vezes te cansavas e tomávas o alcoól como refúgio. Mas mais do que isso tem valor a tua fúria divina à secretária. Quando te sentavas, ou te punhas de pé, ou de cócoras, ou de pino, ou de pés e mãos para o ar ou como diabo te punhas, áquela mesa que tão bem conheceste, ou à cadeira em que te sentaste, ou à tona do sonho onde vinhas sorver o ar libertador desse sufôco tributário das horas e dos dias, com o teu alcoól, o teu café, o teu cigarro, naquele quarto ou no torpôr d’A Brasileira, quando te vias com a folha e a caneta na mão, e a febre na mente, eras um animal enjaulado rebentando as grades, transpondo barreiras, matando a fome à Solidão que entendias como poucos a entendem…Conheço muito do que sei que sentiste. Na minha carne de bibliotecário sozinho que também lê e escreve e cai eternamente do cimo dos seus sonhos, sinto as tuas feridas e também as minhas a agravá-las; nestas veias segue o mesmo sangue estragado, febril e irregular desde o berço; nestas mãos nervosas e sem força o mesmo frémito de patologia me leva a escrever versos e delírios; neste absurdo de ser, há a mesma dôr confusa a badalar os dobres dos seus sinos sonoros, colossais... Assim, porque não, Fernando, o mesmo génio, se partilhamos, helàs, os mesmos ais??!

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

O GOVERNO CANTA BEM E É SÓ ISTO QUE VOS RESTA: SE ELE CANTA, VOCÊS DANCEM, MESMO SE A HORA É FUNESTA!

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

«Vidas paralelas*Elas as há mais públicas que outras. As vidas paralelas que um gajo vive no outro mundo, o virtual. Ele é os MIRCs, os fóruns, o MSN, o Hi5, e seus semelhantes, os blogs, o Hattrick e o Second Life. Umas acessíveis a toda a gente e por isso mais públicas e outras só para alguns e por isso mais intimistas. E muitas vezes mais até do que com os próprios amigos, os desta vida. Como estas espécies de comunidades deve haver muitas mais que assim de repente não estou a ver. São horas e horas passadas na net. Eles os há Orkuts e semelhantes que se não são para manter relações virtuais são para recuperar relações passadas. Não sei se querer revisitar o passado não será pior... Também não sei se a Internet é - neste caso concreto, naturalmente... - como os correios, que aproximam as pessoas, ou se pelo contrário as afasta da realidade e as aproxima do outro mundo, o virtual, sem grandes contactos físicos, sem obrigações que não a de estar online todos os dias e portanto sem grande sofrimento. Ainda que se sintam as coisas da mesma maneira - caneco, sempre é gente que está do outro lado do teclado - até se amua e tudo mas quando um gajo não quer mais, desaparece e pronto. Felizmente para alguns é, como a roupa em excesso, o iPod ou o ginásio, apenas um complemento de uma vida real, esta sim com confrontos directos. Sem intervalo, advertências ou cartões. E muito menos tempo extra. É bem pior, é todo tempo do mundo. Mesmo que não nos apeteça.Uma pessoa normal, que não viva enfiada numa redoma, leva uns chapadões pla vida fora, faz parte. Uns mais puxados atrás do que outros mas vai levando. Eles os há que se aguentam melhor à bronca. Outros pior. E são estes últimos que, digo eu, se agarram mais a vidas paralelas. Porque um gajo cansa-se de levar na tromba e deixa de estar para isso. Também os há tímidos, complexados com a própria imagem, sem grande coisa a que se agarrar nesta vida e por aí fora. E vive-se mesmo de e para uma e outra vida paralela. Porque não se tem uma vida cá fora mas também não se está sozinho. Há alguém do outro lado do teclado, que pode estar do outro lado do mundo ou ali na Bica, que nos ouve, lê e fala connsco. Ali, no outro mundo, há sempre alguém disponível, o que nem sempre acontece com os mais chegados, porque a vidinha é assim mesmo. E um gajo cai em si no dia em que alguém fica 3 ou 4 dias, uma semana ou 15 dias, sem aparecer e não dá para passar lá por casa a ver se há luz.A porra, para alguns, é que por enquanto um gajo vive obrigatoriamente num mundo real e, se não quiser comido vivo, é bom que saia da toca de vez em quando.E infelizmente, para os mesmos, é que o mundo virtual é nos muito próximo mas não nos chega a tocar. E um gajo às vezes precisa mesmo e só de um ombro.

*Revisto e ampliado»

Ascrupulosamente surripiado ao Eça é que Hesse ( Ascrupulosamente surripiado ao Eça é que Hesse ( http://www.ecaequeeessa.blogspot.com/ ) - Isa perdoa-me!

Parece que o shakespereano «we are such stuff as dreams are made on, and our little life is Parece que o shakespereano «we are such stuff as dreams are made on, and our little life is rounded with a sleep» «The T.», Act IV, Scene I, vs. 156-8, de Prospero, no final d'A Tempestade, se transformou hoje em dia em algo como: «As nossas pequenas vidas estão envolvidas num sono, tecido pelos cabos de mil computadores, que nos disfarçam as frustrações quotidianas e nos transformam a realidadde num sonho...» Gregor, Gregor, onde estás? Olhei-me e vi-me um insecto horrível! Já viste o que o Progresso fez de mim??!!

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

Estou doente. Doente. É por isso que escrevo. Mas não sei por quanto tempo mais irei escrever. Porque tenho vontades, mas não domino nunca as minhas vontades. Nem elas se mantêm as mesmas. Como não sei quanto durará esta caneta, nem se durarei eu o necessário até que ela acabe, para que a sinta acabar, para que a veja acabar, para que me preocupe, eventualmente, com o ela acabar…

(Lisboa, 18/05/99) Escrevo a preto no caderno branco e sinto-me mudado. Tenho medo do Fim. Não da Morte: do Fim. Do que direi, do que farei, se me saberei comportar. Porque parece que a Morte comporta consigo uma certa ideia de aprumo. E, para atingir tal aprumo, onde meterei eu esta raiva que me acompanha durante os dias, e o tédio, e a inércia, e o sono, e o sono, e o sono, e o sono???Estou doente. Doente. É por isso que escrevo. Mas não sei por quanto tempo mais irei escrever. Porque tenho vontades, mas não domino nunca as minhas vontades. Nem elas se mantêm as mesmas. Como não sei quanto durará esta caneta, nem se durarei eu o necessário até que ela acabe, para que a sinta acabar, para que a veja acabar, para que me preocupe, eventualmente, com o ela acabar…

Nas horas de crise, nos cafés.

Como tudo na vida, há um morto

A flutuar na baixa das marés.

Como tudo na vida, há um sopro,

Suspiro final do que se vê:

Quando se apagar a chama nesta vela

Quando tomarmos essa caravela

Rumo ao desconhecido

Estaremos longe…

Que seja unidos!

Como tudo na vida, há um barco

Que se afunda na ponta de um coral.

Como tudo na vida, há um charco

Que ensombra os sonhos na sua espiral.

Como tudo na vida, há um parco

Corredor, fantástico e fatal:

Quando se apagar a chama nesta vela

Quando galoparmos nessa sela

Rumo ao desconhecido

Estaremos longe…

Que seja unidos!

Como tudo na vida, há um teatro

Que se vive e se dorme e se sente.

Como tudo na vida, há um retrato

Passado angustiante que nos prende.

Como tudo na vida, há um abraço

Que nos envolve o corpo inconsciente:

Quando se apagar a chama nesta vela

Quando subir banal àquela estrela

Rumo ao desconhecido

Estarei longe...

Fosse contigo!

Lisboa, 25-05-98 Como tudo na vida, há um copoNas horas de crise, nos cafés.Como tudo na vida, há um mortoA flutuar na baixa das marés.Como tudo na vida, há um sopro,Suspiro final do que se vê:Quando se apagar a chama nesta velaQuando tomarmos essa caravelaRumo ao desconhecidoEstaremos longe…Que seja unidos!Como tudo na vida, há um barcoQue se afunda na ponta de um coral.Como tudo na vida, há um charcoQue ensombra os sonhos na sua espiral.Como tudo na vida, há um parcoCorredor, fantástico e fatal:Quando se apagar a chama nesta velaQuando galoparmos nessa selaRumo ao desconhecidoEstaremos longe…Que seja unidos!Como tudo na vida, há um teatroQue se vive e se dorme e se sente.Como tudo na vida, há um retratoPassado angustiante que nos prende.Como tudo na vida, há um abraçoQue nos envolve o corpo inconsciente:Quando se apagar a chama nesta velaQuando subir banal àquela estrelaRumo ao desconhecidoEstarei longe...Fosse contigo!Lisboa, 25-05-98

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

a) Uma silhueta ao fundo que se aproxima. Lentamente. Cada dia mais perto. Cresce. Mais nítida, sempre mais nítida… Que quererá de mim?

b) Era o carteiro? Era o fiscal? Era a polícia?

c) Era o Fim…

(Lisboa, 17/09/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Abre a porta, sai, vai ver a rua!

Não fiques sempre aí trancado!

Não é tão negro, o Mundo, já não dura

A chuva que caía ‘inda há bocado!

Tem coragem, sossega, enfrenta o Sol! –

Sente o vento soprar-te nos cabelos:

Abre os teus braços como um girassol,

Abre a mente, cria novos elos…

Abre a janela! Força! Vê por ela

A vida que esqueceste lá por fora!

Não dês tant' importância a essa dôr!

Mas logo um espirro… Vá, fecha a janela…

A diversão? O gozo? Sim, ignora…

Chega mais p’ra cima o cobertor…

Lisboa, 30/04/00

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

L.: Joe? Joe? Isto é má altura, agora, Joe! Agora estou aqui a meio de uma patuscada de lagostim, pá! Não podes ligar mais tarde, pá?! Agora tenho aqui a malta toda, pá! A minha mulher, o Eusébio, o Simãozinho, o Rui, o Engenheiro do Penta, até o chato do Vilarinho está cá, pá! Estamos a festejar o fantástico terceiro lugar do maior clube português, pá! Que foi um milagre, pá, com o que jogámos, um milagre! J.: Epá, é isso pá! Eu também houve aí uma altura que estava a ver que o Braga e o Paços de Ferreira nos iam passar a perna, pá, foi constrangedor! L.: Nem me lembres, pa! Nem me lembres! Não venhas cá estragar-me a digestão, pá! J.: Epá, ò Luís, pá, é que é mesmo por causa disso, pá! Eu tenho aqui uma ideiazinha, pá!, que, bem..., nem te conto! L.: Vá, pá, desembucha de vez, pá! J.: Bem, sabes, as acções do SLB... L.: Mas olha lá, ò Joe! Tu queres arruinar-me o lagostim! As acções a descerem a pique 40 e tal por cento ãh?, anda alguém aí a prejudicar intencionalmente de forma voluntariamente propositada, ãh, a grande instituição que é o Spór Lisboa e Benfica, ãh?, e tu, pá, ãh?, e tu a arruinares-me o lagostim? Ãh?! Mas tu mudaste-te para o FCP? Ãh? Viraste a casaca Joe?!! J.: Épá, não é nada disso pá! É mesmo por causa disso, pá! É que eu tive uma ideia de géni o, pá! Como tu sabes eu sou pôdre... L.: Sim, pá, eu sei isso, Joe... Isso é mais um motivo para não me arruinares o lagostim! J.: De rico, pá! Pôdre de rico, pá! Eu sou o maior bilionário do Mundo... português, depois do Bill Gates e do Belmiro, pá! Vá, e do tio Adalberto... E então, pá, agora com esta mania das OPAs com que o pessoal está a ficar pá, tive esta ideia, pá: Porque não, pá, ãh?, porque não OPAr também eu o glorioso SLB? Ãh, pá?! L.: Mas, ò Joe... tu desculpa lá a pergunta, pá! Mas tu estiveste a fumar com o Adalberto, pá?! Foste outra vez para a Folia com o Grande Pai Madeirense? Estás grogue?! Ãh, pá? J.: Não pá! Não estás a ver a cena, pá! Eu OPO o Glorioso, pá, e as acções que agora estão a pique para baixo, vão - zumba!, para cima, só por causa da especulação, pá! Vai ser alí sempre a galopar à grande! E as outras SADs vai de amochar com a pujança benfiquista, pá! Estás a ver a jogada? L.: Eh, lá, ò Joe! Tu estiveste a fumar, mas a droga era boa! Conta lá mais disso! J.: Epá, a ideia é simples, pá: Eu vai de anunciar, assim à grande, à paxá de feira, uma OPAzinha ao SLB. As acções que andam zuca, zuca, a murchar, a murchar, passam a andar zupa!, zupa! a arrepiar que nem umas malucas. Eu prevejo por volta de uns 56% de valorização na Bolsa - Sobre isto consultei, inclusivé, o Grande Professor Caramba!, que, em troca de um Mercedes e duas brasileiras me deu toda a razão e me confirmou que era isso mesmo que confirmavam as estrelas - portanto, tudo bate certo, pá! Proponho a OPA lá para os 60% para a CMVM vir dizer que não pode ser muito bem os 60, que tenho de te OPAr para os 100%... L.: Opá, OPAr-me a mim, não, pá! Ao Glorioso ainda vá, pá!, mas a mim não, pá!, ãh?, a mim não pá! J.: Epá, não era isso que eu queria dizer, pá!, claro pá, era o Glorioso, pá, está claro, pá! Mas, pronto, pá, como eu dizia, pá, então... enquanto andamos nesta dança, e vocês fazem a reuniãozinha geral de emergência para de emergência decidirem que não vendem, e a CMVM reúne de urgência para nos mandar OPAr a 100% ou provar que temos justificações para os 60, e nós reunimos de urgência para deliberar se conseguimos justificar os 60 ou OPAmos a 100 ou não OPAmos porque é muita areia para a nossa camioneta madeirense, o Benfica anda nas bocas do Mundo, pá, estás a ver, os Media não nos largam, mandamos assim em Conferência de Imprensa umas postas de pesacada, pá, estás a ver, pá, e as acções, entre descer um bocadinho e subir um bocadão vão andar aí arribar que é uma beleza! Ãh? Que tal, ò Luís, ãh? Que tal, pá?! L.: Épá, ò Joe, pá, agora é que te esmeraste, pá!... J.: E não é só isso, pá! O melhor ainda vem aí, pá! O melhor nem é eu poder mostrar ao Cont'nent que sou pôdre de rico, pá! Nem poder disparatar para a Imprensa que o Benfica é o melhor Clube do Mundo! Nem sequer é, pá, valorizarmos essas moribundas acções do Benfica que estavam a afundar por incompetência financeira! O melhor, pá, o mais genial desta minha ideia brilhante, pá!, é que, com isto, pá, a malta lixa o Vilavinho com uma limpeza que é de artista, pá! Com uma limpeza, eh lá! cuidado!, pá! Estás a ver, pá?! Ãh?! Estás a ver, ò Luís?! O maior accionista, com isto, semi-caput! Estás a ver, pá! Não é de génio???? Ãh, ãh, ãh? L.: Maluco! Assim é que é! Que nem ginjas, pá! Só por causa disso, pá, estás convidado para as sobras do lagostim, pá! Isso é que foi animares-me a digestão! Quando queres, Joe, és um copincha pá! Bem haja, pá! Bem haja! Traz para cá esses ossos mal tu possas, pá!, e faz lá isso da OPA! Eu logo faço daqui as minhas jogadas, pá! Abração grande, ãh?, pá! J.: Assim é que é falar, ò Luís! Grande abraço! E espera por amanhã! Que grande dia!

AQUI O GUME PERDEU A LIGAÇÃO...

O Gume acrescenta, a título de curiosidade científica, que o lagostim é um excelente comedor de algas. Portanto, se tiver excesso de algas lá em casa...

E foi a dica da semana... J.: Tou, Luís? Luís? Sim, Luís, pá, sou eu pá! Epá, ò Luís, pá, tive uma ideia brilhante, pá!

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Sabes, Hamlet?, a vida perdeu o Norte. Seres ou não seres são dúvidas antigas... Os dias são pegadas dos teus passos, poeira das horas que deixaste de ter.... A Morte é o destino desses passos... Que ironia profunda há em viver!

(Lisboa, 16/09/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

Passos...

Ouço passos, lá fora, ò Solidão!

Corro a ver de quem são,

Quem chega - Não me viu, não o vi…

Nada...

Nada, nem ninguém...

Só passos rápidos de alguém

Que não vem por aqui...

Tenho a vida presa (que prisão!)

Desde que nasci...

Tenho uma ansiedade, inquietação...

Mas já passou, já esqueci...

Lisboa, 22/11/95

II

Sim, descansa...

Foi só um sobressalto.

Podes voltar a essa enorme angústia

Que define a tua natureza...

Pois quem virá comer à tua mesa?

Só esta hidra que voa dos planaltos,[1]

Só este monstro do medo e da incerteza…

A Solidão?

Que vileza!

A Solidão?

Que vileza!

Podes voltar a essa enorme angústia

Que define a tua natureza...

A Solidão?

Que vileza...

Lausanne, 22/09/04

[1] Nota do Crítico: Nova incongruência deste autor menor. Como é do conhecimento geral, as hidras não voam. Cf. National Geographic, programa XII, série 237, 19xx.

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Como fui insensato em quebrar-te o riso!...

Mas, como poderia adivinhar?!...

Como é triste ver-te deprimida!

Chega querida! Pára de chorar…

Lisboa, 29-05-96

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

A tua saia

Redonda

Desmaia

Nas ondas

Maleáveis

Das marés.

O meu corpo

Inerte

Sem forças

Perece

Em frente

A teus pés.

O teu rosto

Escarnece

Do meu

Que apodrece

E se esquece

Que é.

Pudera

Eu ser grande,

Tal como

Um gigante

Domina

As alturas!

Mas, enfim,

Sou triste!

No ser mau

Consiste

A minha

Figura!

E por isso

Jazo

Sob o teu

Vestido

Que me dá

Tonturas…

Lisboa, 20-05-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

O Original:

Agnus Dei qui tolis peccata Mundi ora pro nobis!

A Tradução:

Cordeiro de Deus, tiraste os pecados do Mundo... E então e nós???!!!

Lisboa, 20-05-98

Nota do Crítico Especializado: Inútil especificar que o autor errou a tradução do latim. Tanto trabalho (pretensamente poético) foi, afinal, consideravelmente vão. Felizmente, para urbi et orbi, o artista em questão não se dedicou à filologia - Por certo, redefiniria o vocábulo caos. Por Santa Ingrácia! Que o Céu me perdoe o pensamento tão escassamente cristão... Mas como eu tenho raiva a todo o autor menor!!! [1] Nota do Crítico Especializado: Inútil especificar que o autor errou a tradução do latim. Tanto trabalho (pretensamente poético) foi, afinal, consideravelmente vão. Felizmente, para urbi et orbi, o artista em questão não se dedicou à filologia - Por certo, redefiniria o vocábulo caos. Por Santa Ingrácia! Que o Céu me perdoe o pensamento tão escassamente cristão... Mas como eu tenho raiva a todo o autor menor!!!

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Ah! Senhora, que chama me consome!

Como me alucino em convulsões!

É esse olhar, esse gesto, o sobrenome

Bordado nesses míticos brasões.

Não como. Não durmo. Não reajo.

Apodreço-me nas mesas dos cafés

A admirá-la, de longe, acorbadado

Envolta em lacaios, de librés...

Como os invejo! Bastar-me-ia tocar a vossa capa,

Seguir-vos fiel por toda a parte,

Como um vosso adorno, como um louco! –

Se amor é um fogo e cruel mata,

Então, grave mulher, de assim amar-te,

Não devia já de estar eu morto?

Lisboa, 14/10/94 – 14/03/98

P.S.: Odete, cara Odete,

Essa dama da Côrte que, por vezes, você veste,

Ainda que exaure sempre um'aura comunista,

Arrepia-me a pele de fundo entusiasmo!

Mesmo que, por norma, você seja uma peste,

Com uma tendência 'stranha para teatro e revista,

É o remédio perfeito p'r'ó marasmo...

É por isso qu'eu, sem ponta de talento,

Apenas por respeito e admiração,

Vos dedico (Odete, vem de dentro!),

O meu «Deslumbramentos» - simples composição...

Pode desdenhá-la, armar um pé de vento...

Mas foi pensada com o coração...

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Ora, o provérbio, era como, ao certo? … Quem tudo quer, na vida… tudo perco…

(Lisboa, 18/07/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

A força das marés arrasa os portos–

Destroços são a marca inquestionável.

A força das marés desfaz colossos –

A areia é a matéria irrefutável.

A força das marés revolve os corpos –

O sangue é uma prova insofismável.

II

A

Estar sozinho

Abraçado

Com o silêncio;

B

Conhecer

O suplício

De ser múltiplo;

C

Conviver

Com o lento

Movimento

D

Da vida

Que me abriga

No seu túmulo.

III

Vivo no abismo

Entre a terra e a onda,

Meu Negro Ostracismo

É seguir na Sombra…

IV

Então Deus criou a Terra

(Que me encerra)

E os Monstros

(São os outros!)

E os Quatro Elementos

(A Fúria, a Fome, a Sede e o Tormento)

E os pecados, que são três

(Sonho, Poente e Eternidade),

E inventou essa vil dualidade

De ser de uma só vez

Abel, Caim…

Nós descobrimos,

Ainda que a despeito da vontade,

Que não choramos apenas, também rimos[1],

Que não foi do mesmo ventre que provimos[2],

Que, por certo, a vida tem um fim[3].

Lisboa, 11-05-98

Notas do Autor: [1] O Ridículo

[2] A Imperfeição

[3] O Desespero

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Jud. de S.: Boa noite, hoje temos connosco o Dr. Paulo Portas que vem falar-nos do que considera ser uma situação muito grave da Democracia Portuguesa. Boa noite, Dr. Paulo Portas...

P.P.: Boa noite Judite...

Jud. de S.: Explique-nos então o caso, Dr. ...

P.P.: Bom, Judite, o caso é gravíssimo. Como você bem disse, trata-se de um ataque profundo à Democracia Portuguesa...

Jud. de S.: Perdão, Dr. Portas, o que eu disse...

P.P.: Precisamente. Disse-o e disse-o muito bem. O que...

Jud. de S.: Mas...

P.P.: Evidentemente. Tem toda a razão. E o que me mais me preocupa nesta situação é o que este ataque particular ao meu partido, símbolo primeiro da Democracia Nacional, representa de nocivo para todo o português por quem sempre fiz tudo o que estava ao meu alcance, desde jornalista a professor; de professor a deputado; de deputado a líder partidário; de líder partidário a Ministro; de Ministro a pessoa risível, para defender e proteger. Se me dá licença, Judite, adianto-lhe desde já que me considero, nesse aspecto, o Zorro de Portugal...

Jud. de S.: Mas explique-me, por favor, Dr. Paulo Portas, e aos blogospectadores lá em casa em particular, de que se trata esse ataque...

P.P.: Com certeza que explico Judite. E com provas. Vim preparado com provas, para lhe mostrar, e aos blogospectadores, por A mais B, como há organizada uma Cabala contra a digna instituição democrática que eu tenho a honra de liderar e representar que é o CDS-PP.

Jud. de S.: Que tipo de Cabala, Dr.?

P.P.: Bom, é uma Cabala que é muito simples, Judite, muito simples e extremamente complexa, que é uma Cabala de interesses que andam a engendrar para nos prejudicar e que diz particularmente respeito áquela situação do endividamento contraído alegadamente indevidamente mais ou menos generalizado dos partidos políticos, ou não é bem um endividamento, vá, mas mais um branqueamento, por assim dizer, um branqueamento ligeiro, vá um alegado ligeiro branquemento de capitais, vá falcatruamento, assim é que é, em relação às contas de 2004.

Jud. de S.: Notícia já devidamente blogonoticiada pelo Gume a 5 de Junho de 2007...

P.P.: Exactamente, Judite, é mesmo isso... Ora, o vergonhoso desta situação é que isso é tudo uma grande mentira, pelo menos no que respeita ao meu partido...

Jud. de S.: Como assim, Dr.?

P.P.: Pelo seguinte motivo, Judite: O CDS-PP, em 2004, altura aliás em que era eu o seu líder, apresentou todas as suas contas sem qualquer tipo de incompletude ou irregularidade, e, repare, eu tenho aqui as provas, ora, dê-me só um instante... portanto... ora, isto não é que é a receita do médico... também não, o ticket do parque de estacionamento... não é isto, talão do clube de vídeo... isto também não é, o recibo da Almedina... não, a conta do restaurante... não, não, bilhete de cinema, talão da lavandaria... ora,... cá está!... Não, isto é o discurso para o meu irmão - nós vamos convergindo as nossas divergências por vermos que a magia da política é reduzir de sobremaneira as diferenças entre a quase-extrema-direita e a quase-extrema-esquerda -... olhe, não, está difícil Judite, mas bom, a prova, como vê, está visível aqui nestes papéis, e toda a gente lá em casa pôde comprová-lo sem dificuldades. E era precisamente isto que eu lhe queria mostrar a si e aos blogoespectadores, e aos Tribunais deste país e à Comunidade Internacional: Que, como acabei de mostrar, estamos a ser intimidados com o propósito maléfico e anti-democrático de arruinar a imagem deste partido indispensável à evolução da sociedade portuguesa e o seu líder, em particular, que sou eu...

Jud. de S.: Bom, não chegámos bem a ver as provas, Dr. Port...

P.P.: Não chegaram bem? Não chegaram bem?! Oh Judite, francamente, não me diga que também está metida na Cabala! O Gume também está metido na Cabala? Isso é que não Judite! Então não viu os papéis?!

Jud. de S.: Não claro!, de maneira nenhuma! E sim, vi os papéis, mas...

P.P.: Ah!, óptimo! Por momentos assustou-me! Está então tudo provado, como vê! Estamos inocentes e a ser perseguidos e intimidados! E eu tenho aqui, veja, eu trouxe comigo, a prova da Cabala, que já tiveram, inclusivé, o descaramento de editar! Esta gente, Judite, nem sequer tenta esconder-se! Ora leia, ora leia!:

Viu bem?

Jud. de S.: Realmente, pode ser suspeito... E o Dr. está de facto a parecer-me um pouco assustadiço. Sente-se mesmo intimidado?

P.P.: Pois naturalmente que sim, Judite! Numa situação destas?! Claro que sim! A Judite sabe, ãh?, a Judite sabe que apanhámos 3 indivíduos suspeitos a cirandar a nossa Sede ontem à noite? Ãh? Sabe? E eu tenho aqui fotografias! Ora repare: ... ora esta não que é da minha irmã com 14 anos numa passagem de modelos... esta sou eu em Ibiza, por acaso aqui o bronze ficou bem... mas não, também não é esta... ora... um pôr do sol em Cascais... o meu canapé na Assembleia da República... o protótipo do mig29 que guardei para expôr na minha sala de quando fui Ministro da Defesa... o Piloto, o cão de um bom amigo... as minhas meias brancas de verão, para a praia... não, bom não é nada disto... mas estão aqui entre estas fotografias e são mais uma prova gritante, como vê, do que estou a dizer. Porque nós, Judite, não estamos a brincar, e temos tudo registado. Nós, no CDS-PP (PP de Paulo Portas, naturalmente), trabalhamos por Portugal, e não brincamos. E como acabou de testemunhar, temos tudo registado... E já nos lançaram mastins, e mandaram cartas anónimas a ameaçar as nossas famílias, eu, em particular, recebi isto, por exemplo, olhe, olhe!:

e disseram-nos que ainda nos obrigavam a ir ao Big Brother com a Cinha Jardim, a Lili Caneças, o João Baião, o Canto e Castro, o Castelo Branco, a Catarina Furtado, a Teresa Guilherme, o Manuel Luís Goucha e a Manuela Moura Guedes! Se isto não é intimidação, então desculpe, Judite, não sei o que possa ser...

Jud. de S.: Bom, realmente o último exemplo, a ser verdade... E que medidas tomou?

P.P.: Olhe, não sei, de tudo um pouco. É claro que isto é um caso de polícia. Já particpei o caso às autoridades, claro está. Mas confesso-me, quero dizer, confesso-lhe, perdão, que, por agora, sinto-me assim pequenino!:

Jud. de S.: Caramba! Isso é realmente muito pequeno! Mas o Dr. Paulo, sentir-se assim, logo o Dr., que tem um ego deste tamanhão!!!:

P.P.: Ora aí está Judite! Só me ajuda! Está precisamente a provar o que lhe digo! Para eu que tenho um ego assim:

Estar a sentir-me assim:

Imagine!

Jud. de S.: Realmente deve ser muito complicado... E a acusação que lhe apresentam consiste mais especificamente em quê?

P.P.: Olhe Judite, vou ler-lhe mesmo a notícia do Público: Cá está: «T6, vista p'r'ó mar, bons acabamentos, bonitas assoalhadas...»... Não, desculpe, este é o «Regiões.».. Só um instante... Ah!: «Usado, como novo, Jaguar impecável, azul metalizado, 275 cavalos, pneus a estrear, uma pexinxa...»... Também não é este, desculpe, este é o «Ocasião»... Mais um instante...: « Miguel Veloso seduzido pela Premier League...»... Não, o «Record»... Ah, sim, agora é que é!: «(...)uma campanha de "intimidação" as notícias de alegadas irregularidades nos donativos ao partido(...)». Está a ver? Isto é uma notícia do jornal «Público» de hoje dia 16, e, como pôde ver pelo que eu li (o resto não interessa) a frase não foi retirada do contexto em que se encontrava. Isto vem mostrar que até os jornalistas do Público perceberam que se trata de uma intimidação que as nossas irregularidades são alegadas, que não existem! Trouxe inclusivé, para lho mostrar com todo o rigor, as contas do partido de agora e de 2004 e de antes disso - o que está riscado é o que não interessa, - para que veja, Judite, o descalabro a que isto está a chegar... E u fiz as contas todas, como pode ver aqui neste papel rabiscado, olhe, aqui, está a ver...

Jud. de S.: Sim, bom ,não, isto está um pouco baralhado, estas contas não parecem bater certo....

P.P.: Não, não, Judite, não é nada disso, está a olhar para o rascunho... Isso fui eu a testar a prova dos nove, não é isso...

Jud. de S.: Ah estranhei... O Dr. sempre foi tão bom com números... Quando era deputado apresentava com tanto rigor e sempre na ponta da língua todos aqueles dados entre o conjecturado e o deslocado da Solidariedade e Segurança Social...

P.P.: Ah, Judite!, Bons velhos tempos! Nessa altura tinha o Nobre Guedes a meu lado! Que belo apoio! Que saudades! Mas já tive os meus problemas com números... olhe o caso da Moderna... Só aqui entre nós, Judite, as contas sempre me baralharam muito... Mas bom, neste caso tenho a certeza de estar tudo bem, e também a Judite pode vê-lo. E é garantido, como mostrei a toda a gente, e também o Público veio mostrar pela frase que citei ipsis verbis e que, repito, não retirei, de maneira nenhuma, de contexto, - palavra de escuteiro democrata-cristão!, - que há uma Cabala vergonhosa contra nós e por isso, sendo contra nós, contra o povo português. Mas uma coisa lhe garanto, Judite: Palavra de democrata, isto não vai ficar assim!

Jud. de S.: Muito bem, senhor blogospectador, resta-me agradecer ao Dr. Paulo Portas a sua presença e os seus esclarecimentos e a si a sua atenção e fidelidade ao Gume e ao nosso programa. Até uma próxima «Grande Entrevista "à La Revista"», boa noite, e fique bem, com...

O SEGUNDO GUME! Até sempre... P.P.: Ora aí está Judite! Só me ajuda! Está precisamente a provar o que lhe digo! Para eu que tenho um ego assim:Estar a sentir-me assim:Jud. de S.: Sim, bom ,não, isto está um pouco baralhado, estas contas não parecem bater certo....P.P.: Não, não, Judite, não é nada disso, está a olhar para o rascunho... Isso fui eu a testar a prova dos nove, não é isso...Jud. de S.: Ah estranhei... O Dr. sempre foi tão bom com números... Quando era deputado apresentava com tanto rigor e sempre na ponta da língua todos aqueles dados entre o conjecturado e o deslocado da Solidariedade e Segurança Social...P.P.: Ah, Judite!, Bons velhos tempos! Nessa altura tinha o Nobre Guedes a meu lado! Que belo apoio! Que saudades! Mas já tive os meus problemas com números... olhe o caso da Moderna... Só aqui entre nós, Judite, as contas sempre me baralharam muito... Mas bom, neste caso tenho a certeza de estar tudo bem, e também a Judite pode vê-lo. E é garantido, como mostrei a toda a gente, e também o Público veio mostrar pela frase que citei ipsis verbis e que, repito, não retirei, de maneira nenhuma, de contexto, - palavra de escuteiro democrata-cristão!, - que há uma Cabala vergonhosa contra nós e por isso, sendo contra nós, contra o povo português. Mas uma coisa lhe garanto, Judite: Palavra de democrata, isto não vai ficar assim!Jud. de S.: Muito bem, senhor blogospectador, resta-me agradecer ao Dr. Paulo Portas a sua presença e os seus esclarecimentos e a si a sua atenção e fidelidade ao Gume e ao nosso programa. Até uma próxima «Grande Entrevista "à La Revista"», boa noite, e fique bem, com...O SEGUNDO GUME!Até sempre... Jud. de S.: Caramba! Isso é realmente muito pequeno! Mas o Dr. Paulo, sentir-se assim, logo o Dr., que tem um ego deste tamanhão!!!:

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Sigo aos tropeções nas avenidas; passo sem acerto pelas calçadas sujas; empurro os transeuntes domingueiros por me doer o terem um domingo e o gozarem, assim, tão levemente; ofendo sem justificação plausível o agente da autoridade, pondo em causa a autoridade de que ele se diz ser agente; espanco brutalmente os mendigos que se insurgem contra a minha pobreza; grito às casas mortas a minha solidão: «Ò Gentes, venham às portas!, às janelas!, quero pão! Se pão já não tiverem, não dão um beijo, não?». Ninguém. Ninguém! Tanta vileza! A Vida está aqui, eu estou além. A Vida está alí, eu estou aquém. Isto é suspeito: Vivo sem Norte na bússola do peito… Vivo sem Norte... Que mágoa a incerteza!

– Não, não, … claro… é garantido!, passo aí para fechar o negócio amanhã…

– Vê por’ond’andas, cretino!

– Se eu mandei a carta? Mas se só ontem recebi o teu telefonema!

– Sim, amor, eu estou em casa, talvez, antes das dez… muito trabalho sabes… Espera, tenho outra chamada… Olá Mónica! Jantar hoje, sim, não, não me esqueci, está tudo tratado… si m, ela julga que eu estou a trabalhar…

Vvvvvvrrrrrrrrrrrruuuuuummmmmm… PpppAaaaMmmm!!!

– OOOooooohhhhHHHHHH!!!!!!

– Não há nada para ver! Circulem! Circulem!

– Para a Sé?

– À direita… à esquerda… contorna… depois… e passando os semáforos… então sempre em frente… e vira na esquina da… com a… e então a direito… é muito fácil…

– E para a Morte? Para a Morte? Para a Morte?

– À direita… à esquerda… contorna… é muito fácil…

(Lisboa, 17/07/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Quanto é preferível ao ódio o amor! O amor apaga-se. O ódio não...

(Lisboa, 05/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

Tão só estirado com os sonhos no Poente,

Tão só galgando esta ponte de medo,

Remando rumo ao Cabo,

Cruzando e enfrentando monstros mudos,

Com os olhos postos no Capitão do Fim...

Tão só na rota do ouro do Oriente,

Nesta São Gabriel dos Portugueses.

No mar acobardado,

Deus conduz pela própria mão estes marujos

Que buscam Fama e Glória em Bombaím...

II

No Oriente do Oriente do Oriente, Eu busquei Fama e Glória, insanamente, Amei sobre lençóis de bom cetim, Fumei o ópio, a planta transcendente, Comi desses manjares de mandarim, Provei todo o prazer inconsequente, Vesti um manto branco, à Serafim, Planei a ombros sobre a pobre gente, Impûs a minha Lei suja e ruim, Ganhei, pilhei, matei, impunemente, Ladrei, rosnei, ferrei como um mastim, E um dia dei por mim, tragicamente, A entender que não dava por mim...

III

Fui conquistar o Mar do Oriente, Goa, Calcutá, Omã, Cochim, E vi-me escravo um dia desse intento, E naufraguei no mar que havia em mim...

IV

Eu Portugal (eu, Miguel!), Eu fui em S. Gabriel, Eu fui em S. Rafael, Eu fui no Berrio além-mar.

Eu fui e vim sem me ver Fui procurar e querer, Fui encontrar e perder, Fui quebrar ventos e ar.

E depois de ter partido, E depois de ter voltado, Dei por mim roto, exaurido, Pobre, fraco, acobardado,

Dei por mim na Solidão, Sem sentido e sem razão, Sem ouro, barca ou padrão, A chorar o meu Passado;

E vou boiando, abatido, No paúl adormecido, No charco mudo e esquecido Do meu país estagnado...

Ontem fui Rei Sem Juízo, Hoje sou Bôbo com Guizo, Peito farto, bolso liso, E c'o miolo parado...

«Tenho pena, tenho pena, Mas não tenho melhor Fado!» [1]

Lisboa, 15/09/98

Nota do Autor: Para entendimento dos versos entre aspas, Cf. «Surrealismo Por Correspondência». [1] Nota do Autor: Para entendimento dos versos entre aspas, Cf. «Surrealismo Por Correspondência».

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

Novo acesso de tédio –

É uma constante.

Desisto.

E desta vez é a sério.

Tenho medo.

Mas o medo

Permuta-se.

Abro-me e transformo-me em cicuta:

Beberei o veneno do meu próprio sangue...

Lisboa, 02-04-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Numa equação matemática, o Homem, figura fixa, está no centro de tudo. A Vida e a Morte são as variáveis.

(Lisboa, 04/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

In Público, 13/06/07: «Apito Dourado: Pinto da Costa acusado de corrupç ão desportiva

O presidente do FC Porto, Pinto da Costa, foi hoje acusado do crime de corrupção desportiva no âmbito das investigações do processo Apito Dourado ao jogo com o Estrela da Amadora, na época de 2004».

Eu não me conformo, amigos, simplesmente não me conformo com esta acusão ignominiosa. O Sr. Pinto da Costa nunca fez mal a ninguém. O Sr. Pinto da Costa é honesto e idóneo. O Sr. Pinto da Costa é justo. O Sr. Pinto da Costa é regrado. O Sr. Pinto da Costa é cívico. Se acaso ofereceu o que dizem que terá oferecido, e eu não acredito em boatos, nem nas provas improvadas que vêm apresentando, o Sr. Pinto da Costa só fez bem. Se fez o que dizem que fez, o Sr. Pinto da Costa distribuiu felicidade: viagens, riqueza, romenas de perna cheia, brasileiras de pele morena, francesas de peito farto, russas de mãos de fada, licores, charutos, festas privadas e públicas, boas relações camarárias em todos os sentidos do termo... Se fez o que dizem que fez (e eu, por minha fé, não acredito que o tenha feito), o Sr. Pinto da Costa foi o Pai Natal português e merecia ser referenciado como homem modelo para as criancinhas. Se fez o que dizem que fez (que não fez, por certo, estou seguro), o Sr. Pinto da Costa é um mãos largas, uma alma de ouro, um coração de manteiga... e... se fez o que dizem que fez (que não fez!, que não fez!) o senhor Pinto da Costa esteve a alimentar a gula desse povo e a mim, seu admirador mais profundo, nada deu, nunca, em tempo algum... A mim, eu, Leandro Braz Palmeirim, que tanto o quero e lhe quero bem, que tanto o estimo, que tanto o defendi, que tanto fiz por ele sem que ele o suspeitasse, que tenho as paredes das minhas águas furtadas forradas com as fotografias e recortes de jornais e revistas das suas aparições, dos seus discursos, das suas vitórias, das suas alegrias, das suas necessidades, eu, nada recebi, nem um incentivo, nem um abraço, nem um convite, nem um obrigado... E é então que me sobe uma amargura ao peito, e o amor se mostra no seu maior egoismo: Vem-me à boca o acre do insulto, às mãos sobe-me a fúria de o esganar, aos pés o incentivo do biqueiro, à mente o desejo de cumprir as maiores vilanias. E por causa desse amor que lhe tenho, nunca compensado, nem com a mais leve sombra de conforto, nunca valorizado por esse Deus absoluto do futebol português (e não só, e não só), por causa dele, desejo profundamente que esse homem inocente, esse mártir, esse santo patriarca dos mortais lusitanos (e um dia dos mortais do mundo) seja acusado pelos crimes mais soturnos e castigado do modo mais cruel, e enjaulado, e sodomizado à bruta na masmorra de Caxias pelos reclusos mais feios e selvagens. E que depois seja extraditado para as minas da Sibéria, onde trabalhará descalço e a tronco nu sobre o gelo frio daquela profundidade demoníaca. E que nunca mais possa voltar para, com a sua ingratidão insuportável, consporcar o meu coração sensível... E que entenda, como eu o peço, que entenda!, que tudo isto é feito por amor... E que, cumprido este caminho necessário para a sua santidade absoluta, o Sr. Pinto terá o meu perdão...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Na Gramática da Vida, morrer é um verbo que se conjuga no Tempo Imperativo.

(Lisboa, 02/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

I – Transformação Lavoisier catalizado de inocências, Eu ganho-me E perco-me E transformo-me! Procuro-me, inconstante, nas experiências Que ensaio, Provo E desvario… Buscar-me só me causa impaciência E não me achar impõe-me calafrios ... Entro no jogo de amar, que inconsciência! Perdi-me,

Achei-me, Falta qualquer parte! Faltas tu, figura que imagino, Artéria do meu orgão doentio Que bate insanamente por amar-te… Lisboa, 16-03-98 II – Esperança Estar contigo, quem sabe, Para sempre, quem sabe, Se durarmos sempre (quem sabe?) Se existir um sempre (quem sabe?) Em que quem sabe amar que ame esse que sabe (quem sabe?) Para eu te ter (quem sabe?) E tu me teres (quem sabe?) E uma metade completar outra metade (quem sabe?) Viver contigo, quem sabe, Como um abrigo, quem sabe, Livre da dor (quem sabe?) De andar tão só (quem sabe?) E então com isso conseguir a claridade (quem sabe?) Para me teres (quem sabe?) E eu te ter (quem sabe?) E tendo, sempre, experimentar a Liberdade… (quem sabe?!) III – Busca Onde o vazio começa e a terra acaba Busquei o que buscava não sabendo Que o que buscava já nesse ante-nada Já o buscava em ânsias de entre-sendo. Na própria consciência, essa Nababa, Que vive, qual Raínha, amolecendo, Eu embrenhei na Terra Abandonada, Onde o seu chão ao chão vai carcomendo. Caminho sobre a argila requeimada, Por sóis abrasadores de meios-dias Mais quentes e mortais que qualquer lume! Mas juro, mesmo assim, sobre esta espada, Provar em mil Infernos agonias Apenas p’ra sentir o teu perfume… Lisboa, 05/09/02 IV - Encontro Surgiste quand’ eu já não te esperava, Quando negara, amor, que tu viesses Quand’ eu não te suponha além do sonho, Tão vívida, tangível e carnal! Sou um vulcão (repara) e isto é lava. O que não É ouviu as minhas preces, O que não pode pôs-te onde me ponho, O que é Ideia, só, fez-te real… Lisboa, 20/03/02 V - Partilha O meu amor fechou-se subtil como as palavras – O meu amor é daqueles que não revela o seu mundo. Espera amor! – Fecharemos juntos este livro imundo; Folhearemos, rasgaremos juntos estas páginas! O meu amor! Fechou-se subtil como as palavras! Guardou-se a sós na terra que nos espanta! Espera amor! Fecharemos juntos esta campa! Choraremos juntos estas mágoas! O meu amor fechou-se subtil. Como as palavras, Encarcerou-se nesses manuscritos, Contos apócrifos de parcas existências. O meu amor fechou-se. Subtil como as palavras, Bebeu-se em sangue lúbrico dos ritos; Espera amor! Vivamos juntos a sobrevivência! Lisboa, 16-03-98 VI – Não-Fim Senti que me faltavas: Encontrei-te E vivemos. Cavámos uma cova Juntos E morremos. Tapámo-nos com a terra E na terra Dormimos. Nas mãos, flores de cidreira E, nos lábios, Sorrimos. Por mais que os anos corram Sobre os nossos Sentidos (Ou vermes que nos roam!), Estaremos Unidos... Lisboa, 28-03-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

In Publico, 12/06/07: Associação de Matemática foi convidada a deixar comissão após criticar ministra:

«Um comunicado da Associação de Professores de Matemática (APM) em que criticava declarações proferidas pela ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, levou o ministério a sugerir à organização o abandono da comissão de acompanhamento do Plano da Matemática.

"Pela primeira vez o país associará os resultados não apenas à performance dos alunos, mas também ao trabalho das escolas e dos professores, para o melhor e para o pior", disse a ministra a propósito dos exames nacionais do 9.º ano, no final de uma reunião de balanço do primeiro ano do Plano da Matemática, a 11 de Maio. Poucos dias depois, a APM reagia em comunicado, criticando a "ausência de sentido pedagógico" e a "leitura muito simplista e redutora do que é esse trabalho e a educação."

"No dia em que a notícia saiu no PÚBLICO, recebemos um telefonema do director-geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular [, o dr. Luís Capucha,] a dizer que deveríamos sair da comissão", conta Rita Bastos, presidente da APM. »

Os Cravos já eram. Os tanques vêm já a seguir...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Viveste como o Sol numa Alvorada E o Sol anoiteceu. Na noite vagueaste sem morada E Deus criou o céu. -------- Coloquei a minha casa sobre o nada; É por isso que o Mundo inteiro é meu... (Johann Wolfgang von Goëthe, 1749-1832)

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

E prossiga a Vida, filha do Acaso, escrava do Capricho, géma da Demência, perdição do Homem!

(Lisboa, 01/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Que enigma, no teu seio, amor, havia? Qual o mistério ocluso em tua boca? Teu brilho, teu olhar, escurece o dia! De ti defronte, Laura abaixa a touca! Que mágico poder foi celebrado? Que fera abocanhou os meus sentidos? Meu coração, esse motor, parado! A vida, esse acidente, posta em perigo! Mal eu te vi, fiquei petrificado, Sorvendo esse teu rosto de Medusa!, Agradecendo a Deus tamanha graça: De estar alí, esperando ser pisado, Num transe irregular de paixão pura, Sob o teu pé de deusa, em plena Praça...

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Desejar a Morte é dar desculpas à razão para que esta se mantenha viva...

(Lisboa, 28/03/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

I O Homem: A noite é escura e nada faz sentido; E eu, sem sentido, ando à espera d’alguém. Dentro de mim ouço um grito incontido – Mas dentro de mim não existe ninguém. Nem longe, nem perto ou à minha beira; Nem nos meus sonhos, no meu pensamento; A vida é parte d’outra parte inteira, E eu, parte à parte, um breve momento… A Mulher: É dia alto e nada aqui se explica: Não haver ninguém, haver quem não chega! Anos sentada sobre esta barrica, Só tédio, tédio, que mais me aconchega? Nem sonho feliz ou bom pensamento; Nem Lord ou herói de magra algibeira; É tanto o que sinto! Quase rebento! Mas sinto-o sempre da mesma maneira… II O Homem: Já vai longa a espera e ainda estou comigo; Não existe a Paz. Mesmo assim há estrada e por isso sigo – Já tanto me faz. Talvez ‘inda encontre uma outra alma Que se ajuste à minha; E entretanto o Tempo envelhece e palma A vida qu’eu tinha. A Mulher: Estou a sós comigo, só pó e vento – A Paz não existe! Porque sou Humana não me contento E sou sempre triste… Mas irei em frente p’la estrada fora Até ao Abismo. Porque há outro Tempo p’ra lá da Hora E é nesse que cismo. O Homem: Porque há outro Tempo além do que vivo Viverei Além; Nâo me importa a dor com que (hélas!) convivo Não m’ela contém. Nessa Terra vasta, val’ sem limites, Cavarei um prado. E saciarei esses apetites Que roubou o Fado! A Mulher: Oh Deus tu nos deste o mais negro fardo: Ser mulher e mãe! Mas tenho uma força, e cá dentro a guardo: Viverei Além! Onde a terra é seca e a luz se apaga Porei uma flor. E há-de ter forma essa coisa vaga Que se chama “Amor”…

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

I

Deus quer, a mulher sonha, o Homem nasce. Depois lavam as mãos dessa vergonha, Adormecem neutrais como Pilatos...

II

A tragédia nasceu com a invenção do espelho. Eu, Ballester, é claro, não sou eu; Apenas o terror a que assemelho...

III

Dionísio inventou o frenesim das uvas, Deu-nos a beber esse licor, Para esquecer o fustigar das chuvas, O vergastar da dor...

Mas não esquecemos, mágico, o horror!

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Escrevo directamente no papel com uma caneta nova. Anoto as sensações tal como as recebo, sem reparos, correcções ou ajustes de razão e de estilo. Escrevo por escrever, sem um motivo. Isto equivale a dizer que o faço porque tal é, para mim, absolutamente necessário. Penso um pouco nas coisas. O que é estar aqui? Um bocejo… Expectativa apenas, um denso nevoeiro que esconde dos sentidos o que a vida nos dá.

Tão tarde! Duas da manhã… E pensar que tenho preguiça de dormir! Que absurdo!

Gostaria de deixar neste texto a marca do meu génio imaginado, do meu génio presumido de ser grande, maior do que a minha altura (como dizia o Caeiro), uma mensagem profunda e simples que enchesse o coração dos homens. Mas nenhuma mensagem de nenhum génio poderá preencher tamanho vazio…

Imagino-me um artista, e penso, no contexto dessa imaginação, como gostaria de ser original. Mas a originalidade é cada vez mais inviável como tema - pois já tudo foi dito. O original limitou-se ao como e não ao objecto exacto de que se fala. Eu sou portanto a repetição de um protótipo de homem que de tanto se manifestar é degradação e tédio, e a minha unicidade consiste apenas na minha teimosia em declarar-me único. A prova de isto ser mentira está no meu inevitável enquadramento no sistema. A prova de isto ser verdade está na minha inegável e tortuosa inadaptação. Qual das duas provas me está a mentir?

Cheguei há pouco ao quarto… Lembro que saí para ver a paisagem urbana. Caramba, que frio! Como odeio o Inverno! Ter de passar os dias com a paisagem a brincar maldosamente ao Negro Espelho do Homem! Quase dez anos volvidos, releio o texto, revejo a paisagem e vejo Lisboa a nevar como já não se via há 49 anos! Há 49 anos! Ena! Nunca tinha visto Lisboa a nevar… Quase dez anos depois reentro no quarto (mas esse quarto não é já o mesmo e também eu sou diferente) e lembro o quarto de há dez anos atrás, em que a lâmpada se fundiu quando premi o interruptor e me deixou às escuras: «Foi Deus que me deixou às escuras», pensei para comigo, «foi Deus». Um culpado tem forçosamente de existir se não puder ser eu… Um culpado, um culpado… Porque nos consola tanto a transmissão da culpa para um outro, a justificação das nossas frustrações?

Viver é simplesmente limpar o pó à tristeza, puxar o lustro à amargura, sacudir os trapos do sono, alinhar o vinco das estrelas em que pomos a sorte que dizemos faltar, dar graxa aos sapatos da resignação, sacudir as solas do conformismo à entrada da casa de luto que escolhemos ter. E pensar que de uma janela aberta poderia entrar luz! Mas como vencer o obstáculo das longas persianas?

Tantas contrariedades às nossas determinações! E há quem diga ser possível ser feliz!

Improbabilidades, coisas impossíveis… e ei-las sempre por aí a acontecer! A normalidade é então a anomalia repetida dos nossos imprevistos. O anormal é a excepção da estabilidade. Mas como poder estar estável se o Universo é um corpo em movimento?

Tanta raiva! Bonito serviço! Mais uma lâmpada fundida! No meu quarto de há dez anos parti um objecto que me era caro. No meu quarto de hoje parti o coração de quem me achava bom. E se eu te contasse que todo eu sou Inferno? Estou perdido como Dante, sem um Virigílio na vida que me guie. A verdade é essa. Olho em redor, contemplando, friamente, indiferentemente, as marcas de toda a destruição: uma tábua com pregos, uma tábua com pregos, uma tábua com pregos, tirar os pregos e gostar da tábua, assim, como ela está, esburacada e inútil, feia, arruinada. Comprazer-me com a ideia cruel de que essa tábua é o meu peito ou melhor, melhor, a ideia de que ela é o peito de um outro. Amar ser cruel como quem ama o amor, como quem ama uma mulher ou um homem. Imaginar atrocidades incríveis com um sorriso nos lábios.

O meu quarto de hoje: estou acompanhado como se estivesse só.

O meu quarto de há dez anos atrás, em que não era senão um sonho de um homem: Cacos de algo de que antes gostei e que agora não tem mais modo de me cativar. Olhei então em redor: estava só como quem estava acompanhado. Espelhei a minha fúria no vidro e vi-me monstruoso no reflexo da janela entreaberta. Escondi o rosto para não me olhar: acobardei-me com medo do monstro. Fechei-me em copas dentro do meu mundo e joguei espadas (para o defender) no mundo dos outros. Estou num jogo de cartas, somos quatro (como convém nos grandes jogos de cartas). Sentados na mesa quadrada ao centro do quarto pequeno, da esquerda para a direita: Eu, o Meu Deus, o Meu Demónio, Eu. Da direita para a esquerda: Eu, o Meu Demónio, o Meu Deus, Eu. Invariavelmente: Eu, Eu, Eu, Eu. Copas, copas, corações destroçados; ouros, ouros, subornos à Ventura; espadas, espadas, os outros chacinados; paus, paus, a raiva que perdura… E eu sempre perdendo na aventura, e eu sempre perdendo na aventura…

Essa derrota que vislumbro de longe (na distância inefável de dez longos anos) vê-se nas coisas mais simples.

Desejei ser sublime. Lembrei o mito de Deus: o mito que evapora como o vinho, o mito que sou eu…

No meu quarto de outrora: a lâmpada fundida, a solidão profunda, a vida triste… Gritei então original e divino: «Faça-se luz!» - e a luz fez-se. Depois sentei-me, dividi-me em dois, e a minha alma partiu-se…

No meu quarto de hoje abro a gaveta da mesa de cabeceira e tiro uma capa velha de cartão. Solto os elásticos que a mantinham fechada e tiro dela as folhas que continha. Aí estão guardadas com cuidado extremo essas colagens da alma que era minha. Mas juntá-la de novo era um esforço que não quero ter. Ela partiu-se, pronto!, não vale a pena falar mais no caso. Guardei por recordação e nostalgia essa relíquia dos restos que a compunham como um excêntrico zeloso dos seus antepassados guarda num frasco, embalsamados, os restos dos seus tetra-tetra-avós. É no fundo uma coisa de museu. No máximo é de contratar um historiador ou antropólogo que queira sacudir-lhe a poeira e traçar-lhe o retrato. Até lá está muito bem onde a deixei, colada, fechada e poeirenta. De que me serve uma alma se afinal, com ou sem ela, a vida é vazia e triste e lazarenta?

Oh, sim, no meu quarto de hoje, no meu quarto de outrora, o mesmo quarto, outro quarto, eu o mesmo de a criança de ontem, ou o homem de hoje que ainda parece um menino mas está velho e triste e se fez vil, que importa?! Tudo não resulta em mais do que impressões num texto com caneta nova anotando memórias muito antigas, coisas vagas que se confundem no tempo, anotando impressões por simplesmente anotá-las ou por simples necessidade ridícula de compensar o meu enorme absurdo de existir, que não tem razões que o justifiquem nem precisa delas! Que me importa tudo isto afinal?

Porque a razão sucumbe ao medo que a devora, como sempre o Bem sucumbe ao Mal…

(Lisboa, 24/03/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

«Pinochet em Câmara Ardente» - Há uns meses, notícia dos media.

Logo a seguir, na TVI: «Explosao no Iraq mata 80 pessoas» A reflexão possível: TODOS OS PORCOS MORREM COMO HOMENS. SÓ OS HOMENS MORREM COMO PORCOS...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

A pior solidão é quando sentimos falta de nós próprios. (Lisboa, 07/10/97)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

I

Georgette é a filha da vizinha

Do prédio em frente, no terceiro andar;

Por norma está no quarto ou na cozinha,

(Locais onde a mulher costuma estar);

É bonita; sempre penteada;

Não tem irmãos, nem cão, nem namorado;

Discute muitas vezes com a criada

Sobre a Política Interna do Guisado.

Fala muito; especialmente ao telefone.

(Talvez por ele busque um sobrenome…)

Gosta de gatos, planta girassóis.

É arrogante; tola, impertigada.

Costuma passear sempre alheada,

E pensar muito com os seus caracóis…

Lisboa, 25/05/97 – Lausanne, 03/09/04.

II

Georgette tem de permanentemente fazer permanente

Para poder continuar inteligente.

III

Mas eu amo Georgette.

E não me envergonho de amá-la.

Eu grito: Eu amo Georgette!

O meu grito: Eu amo Georgette!

Meu grito: Eu amo Georgette!

Magrito (como sou), amo Georgette.

Também ama Georgette?

Mas grite: Amo Georgette!

Magritte ama Georgette.

Georgette ama Magritte?

Georgette não ama Magritte.

Georgette não ama ninnguém.

Georgette não ama.

Ninguém ama ninguém.

Ninguém ama.

Nem mesmo Magritte amou.

Magritte pintou:

Le Mal du Pays.

Le Mal du Plat Pays.

Le Mal de la Belgique.

Le Mal:

La Belgique.

Magritte pintou o Inferno.

Que tem isso com amor?

Georgette…

IV

Georgette,

Georgette,

Georgette,

Três vezes o teu nome se repete

Pelas três ocasiões em que te vi.

Cansaço enorme de gostar de ti!

V

Omelete, Gay da Dinamarca,

Desenhou com sua espada a marca

Com que me defini.

Era um Z de Zorro e de Zapata.

O Z tocou-me.

O Gay gritou-lhe: – «Mata!». –

O aço rasgou-me a vil carcaça

E eu morri…

VI

Amar,

A mar,

A Marte.

Três zonas por que a mágoa se reparte…

VII

Estavas num terceiro andar a penteares-te;

Estavas num carreiro a andar, depois tombaste;

Estavas a dar, depois nunca mais daste;

Estavas-te a dar, mas logo t’acabaste.

VIII

– O que é tacabar?

– Do latim taco, tacas, tacare, tacaui, tacatum est;

Significa um pouco este delírio que alastra como a peste.

IX

– Como suportá-lo?

– Estar imóvel.

Ser como uma estaca.

Ser um móvel,

Ser objecto.

Ser estátua.

Admirem-me!

Venham ver-me!

Sou uma Obra de Arte!

Contemplem-me!

Contemplem-me!

Contemplem-me!

Olhem-me sempre:

Quero morrer com um enfarte de gente,

Quero morrer com um enfarte de gente,

Quero morrer com um enfarte de gente,

Quero morrer com um enfarte…

Se não doer,

Se não doer…

Se doer quero esquecer

Que já o tive ou senti.

Se doer prefiro ver

Que ele se dá em ti…

Tornei-m

O JURI ANUNCIA:

Concorrente Nº1: Miss BCP-BPI

Concorrente Nº2: Miss SONAE - PT

Concorrente Nº3: Miss Berardo - SLB

Conccorrente Nº4: Miss Estupidez & Despotismo - Portugal

O JURI DELIBERA:

(...)

O JURI COMUNICA:

Dado o Sucesso estrondoso dos seus argumentos reais, a Concorrente Nº4 é a grande vencedora deste concurso, tornando-se, até ver, Miss Opa Vitalícia 2007 e Além; Exactamente pelos mesmos motivos de adesão e maioria, este Juri, devidamente vigiado e orientado pela Grande Entidade Reguladora dos Mercados e Concursos de Beleza Económico-Social, aconselha fortemente (isto é, obriga a) a imediata aquisição potestativa das restantes (e poucas) mentes livres e inteligentes deste belo país, de modo a harmonizar pela homogenização.

A todos e à Vencedora em particular, o Juri aufere os seus Parabéns e desejos de muito Sucesso.

Fim de Sessão.

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

Faz um frio de rachar. E eu sem conseguir pegar no sono… Que tristeza, amor! Que solidão estar sem ti! Tenho a impressão, por vezes, de que toda esta geada nasceu da tua ausência! Não queres sair dessa distância insuportável de raínha do gelo para vires até aqui à minha beira calar o meu sofrimento? Toda a primavera começa com um beijo, cantou uma vez certo bardo junto à torre do castelo da princesa mais bela, nas pradarias imensas da Bretanha… Fico então deitado, curando a minha insónia, sonhando, não dormindo, com esse momento ideal e sublime em que tu me beijasses. E o beijo enfim a acontece. Ainda bem que era um sonho. Imagina que tudo acontecia de facto: A primavera seria então eterna, e para sempre duraria a minha felicidade. E eu, miserável e humano, que aborrecimento enorme sentiria desse idílio do sonho! E que saudades daquele frio que me rachava os ossos e me deixava vazio e infeliz! E eu sem conseguir pegar no sono! Que tristeza amor! Que solidão nesta Beleza Infinita em que a perfeição domina todas as coisas! Tenho a impressão, talvez, de que este sol me nasceu do inferno que carrego na alma… Não queres voltar a essa distância inalcançável para me trazeres de novo aquele gelo que tanta falta me faz? Todo o Inverno do Homem surgiu de um imenso bocejo… disse-me um dia um certo sábio a quem eu dei de comer… Fico então deitado, curando a minha insónia, sonhando, não dormindo, com esse momento ideal e sublime em que a treva voltasse. E a noite enfim acontece. Ainda bem que era um sonho. Imagina que tudo acontecia de facto: A treva seria então eterna e para sempre duraria a minha infelicidade. E eu, miserável e humano, que aborrecimento enorme sentiria dessa dor repetida! Sim, faz um frio de rachar. E eu sem conseguir pegar no sono…

(Lisboa, 07/12/99).

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

A coroa é um símbolo-objecto

Deposto na cabeça de um monarca.

O jugo é o púlpito-dejecto

Que nos impõem e nos deixa marcas.

O povo é o último-excesso

Da revolta que tarda e nos trespassa.

II

Segunda hipótese figurada da ruína

Marcada no verso da moeda;

Altura elevada da bebida

Em que se aposta a Vida que nos resta...

III

MacBeth foste Rei de Tanto e de tão Pouco Perdeste a tua lei, ficaste louco, Dentro de ti corria uma serpente: Uma mulher, mesquinha e prepotente.

Lady Macbeth é a tua consciência, A tua alma é toda a tua ciência, Não há desculpa num gesto além de ti: A tua culpa és tu e o horror em si.

As bruxas são vontades, não destinos, Disseram-te só sonhos que tiveste, O que fizeste foram teus desejos...

A côroa ensanguentada e os seus hinos, São gritos dessa dôr e dessa peste Que é governar sem dominar ensejos...

Lisboa, 06/01/99

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Cada um de nós tem uma cara

Em que se esconde o medo que há em nós;

Cada um de nós tem uma máscara

Que vai mudando quando está a sós.

Lisboa, 06/01/98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

a) A vida é um tango em que procuramos seduzir as coisas que inventámos para continuarmos a amar os nossos passos, as nossas invenções fastidiosas; e nós somos o instrumento por meio do qual ela adquire essa música…

(Lisboa, 06/12/99)

b) A vida é um tango; dancêmo-lo.

(Henrique Esteves, um amigo, dos melhores; Campolide, 07/05/06)

Que Farei Com Estes Gumes?: conselhos úteis

Directora de Centro de Saúde de Vieira do Minho demitida por "quebrar dever de lealdade"

28.06.2007 - 19h53 Lusa

In Público:

«A Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N) disse hoje que a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, Maria Celeste Cardoso, foi demitida porque "quebrou o dever de lealdade" com o ministro da Saúde.

A directora do centro de saúde foi exonerada pelo ministro Correia de Campos, sob proposta da Sub-região de Saúde de Braga, por não ter retirado das instalações do centro um cartaz contendo declarações do ministro Correia de Campos "em termos jocosos". O assessor de imprensa da ARS-N, Antonino Leite, indicou que "foi rejeitada qualquer comparação" com o caso da suspensão de funções na Direcção Regional de Educação do Norte do professor Fernando Charrua. "Não se pode colar um caso ao outro. Aqui há um caso de violação de um dever de lealdade", disse o responsável.O assessor reconheceu que não foi Maria Celeste Cardoso quem colocou ou mandar colocar o cartaz de que o ministro não gostou. "Mas a directora tinha a obrigação de averiguar quem o colocou e o motivo por que o fez num espaço onde se prestam cuidados de saúde. Também deveria dar conhecimento dessa diligência à hierarquia", sublinhou Antonino Leite.O responsável acrescentou que "conhecedor da situação, o ministro destituiu-a por entender que estava a ser violado dever de lealdade com quem a colocou no cargo".»

Porque o Gume se cansou do despotismo, porque o Gume começa a ficar com as narinas a esfumaçar enxofre com a fúria que lhe anda a subir às ventas ao assistir a tamanha colecção de barbáries por parte da inclassificável parafernália de cavalgaduras governamentais, a mensagem de hoje é extremamente pictórica:

Obrigado Luiz Pacheco!

Cavalgaduras! - Bem hajam!

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Não devias ter vindo.

Estava a tentar esquecer-te.

Na verdade já tinha conseguido conceber um naufrágio onde te afundavas

E lamentavelmente padecias sob a força das águas.

Naturalmente chorei-te:

Uma mulher tão bonita e tão nova! – Pensei com os restantes convivas – Que dor de [alma!

E chorámos todos.

Foi depois a vez do padre:

Sacrementou-te, latinizou-te, perdoou-te o imperdoável;

E a terra comeu-te.

Foi bonito…

Por volta das duas fomos beber e comer.

Os mais alegres contaram umas anedotas.

Os mais tristes riram-se.

A tarde passava agradavelmente.

O sol brilhava.

Um ou outro corvo pousava sobre as campas,

Saltitando,

Rebicando,

Esvoaçando.

Um ou outro fato preto punha flores na terra que te cobria.

Sentiu-se paz. Dormi. Foi um bom dia.

Mas hoje reapareces como um fantasma para recuperar os movéis que nem são bem teus,

E para rasgar o retrato em que sorrimos juntos,

E para exigir a tua presença material onde ela não pode existir.

Chegaste mesmo a falar.

Chegaste mesmo a proferir palavras com uma voz metálica e um desdém nos lábios.

Não me lembro exactamente como foi.

Eu tinha acabado de acordar, alucinava…

Balbuciei «Amo-te»

Suplicante, patético, infeliz.

Olhas-te-me de lado, de forma glaciar.

Sibiláste: «Vai para o Diabo!»

Estive mesmo para responder:

«A sério!, eu tentei!,

Mas ele não me quiz…»

Achei porém que te ririas de mim.

Por isso calei-me.

Tu, por tua vez, tiraste o que querias e foste embora sem me dizer mais palavra.

Foi então que me ri de mim próprio.

Bruxelas, 13/05/04

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

O inesperado é o elixir mágico com que anulamos o tédio e nos sentimos novos sob o peso das horas inefáveis...

(Lisboa, 04/12/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

- Sabes, ouvi dizer que saiu hoje o "Livro Branco"...

- Sim, parece que foi aprovado... - O Ministro veio avisar sobre o desemprego... Pode subir... - Sim, parece que pode... - Talvez até a riqueza desça... - Sim, talvez... Mas é só para alguns... - Sim, claro, só para alguns... - E que disse mais o Ministro? - Veio também dizer que sará precisa maior flexibilidade... - Maior flexibilidade? - Sim. Para empresários e colaboradores... - Como assim? - Bem, parece que os de baixo vão ter de se baixar mais um pouco para preservar os empregos, e os de cima, por causa da distância, e para evitarem os gritos, vão ter de se baixar um pouco mais para se fazerem ouvir... - Caramba! Com a breca! Em qualquer dos casos, que grande jogo de espinha! - E há mais... - Então? - Consta que vêm mais facilitadas as regras de dispensação. Há uma medida extraordinária contra a burocracia: Simplificam-se os trâmites do despedimento. - Isso quase que parece bom... - Sim, quase... Não fosse ser tão precário podia ser uma medida extraordinária... Há no entanto apenas um ponto que eu considero realmente curioso... - Qual? - Porque não se aplicam as vantagens desse "Livro Branco" na Educação, na Justiça, na Saúde? Parece-me um pouco facciosa e restritiva esta nova Lei Laboral que está mesmo quase para sair... - Não te preocupes. Tenho a certeza de que está tudo a ser tratado. As coisas avançam já nesse sentido. Acabei de mandar um sms aos meus sindicatos: CGTPÊ e UGTÊ, e eles já me tranquilizaram. - Então, sempre vão conseguir impedir o avanço da Lei? Corrigir alguma coisa?! - Não. Mas garantiram-me que já entrou em vigor nas suas leis internas o Novo Código de Trabalho antes mesmo de ser apresentado oficialmente. - Entrou em vigor? Que queres dizer com isso? - Que, pelo menos nos Sidicatos, que se têm vindo a modernizar a grande ritmo, a decisão da comissão deliberadora já está a ser tomada e já teve, inclusivé, aplicação prática... - Aplicação prática? Que aplicação? Porquê? Como? Onde está isso registado? - Bom, a aplicação é um despedimento. Incapazes de se oporem ao sistema, cada vez mais os Sindicatos fazem por se juntar a ele... Quanto ao como... soube tudo por tradição oral... Infelizmente a actualização não pôde ser registada por terem despedido, precisamente, o notário...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

De súbito, com uma aspereza impossível, caiu o assombro das árvores. Sobre as folhas sêcas, a meus pés, desceu, pesadamente, uma poeira negra; a mágoa inteira dos séculos tombava sobre os mortais. E foi então que eu, o viajante casual dessas passagens, senti (que não sentisse, ò Cloé, quem me dera!) com uma consternação inconsolada, a comprida antiguidade dessa angústia aterrar, como um despiste, no mais fundo lugar da minha alma…

(Lisboa, 03/12/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Aqui,

Acorrentado

Ao muro de silêncio,

Jazo

Com o pus a escorrer-me das chagas abertas.

Eu vi o chicote desses fariseus

A vergastar-me a fome,

A doer-me as costas descobertas;

Eu vi o cheiro do dinheiro

A tilintar nas suas mãos ínfames

Quando me rasgavam a pele e a fronte,

Quando me venderam

E, depois,

Quando enforcaram o arrependimento na árvore mais próxima;

Eu vi-lhes o medo que me tinham

De lhes vir a ocupar o seu lugar;

Eu vi-lhes a sentença;

Sorvi-lhes a doença na retina,

E senti-lhes o ódio no olhar;

E vejo ao longe o monte (a despontar)

Esquecido totalmente pela luz.

Suspiro.

Sinto o cheiro da morte. –

De sorte que já vejo ao longe aproximar-se

Aquele que me vai passar a cruz...

Lisboa, 14-06-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

- Olhe, minha senhora... Sinceramente, não percebo... Eu não compreendo... Não percebo... Ele é um anão, quer-se dizer! É um anãozinho, um insignificante! Não percebo! Que posso eu dizer-lhe? Sei lá! Não percebo! Olhe, só sei isto: Fui traído! Fui abalroado! Agora percebo o Santana: Nada é o que parece ser. O que julgamos ser uma formiga, dá-nos patadas de elefante! É um assombro! É uma verognha! É uma tristeza! Lisboa, minha senhora, Lisboa, esta bonita e tão descurada cidade, e não por mim, minha senhora, não por mim, anda cheia de facadas nas costas... *Foto elefante Reuters apud Publico. - Então Doutor Carmona, que queda esta desde que se fez Presidente da Câmara desta Cidade! Que foi que lhe aconteceu?

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Nesta mesa onde me sento,

Onde repouso e descanso,

Neste pensar que é tão denso

E ao mesmo tempo tão manso,

Eu julgo ter percebido

Que nada sei sobre mim:

Sou um mistério insurgido

De um fogo ingente e carmim.

Quero mais e mais me falta

A cada querer que eu anseio.

A minha fome vai alta,

O meu prazer vai a meio...

Quero ir além de tudo

O que existir p'ra passar:

Além do céu negro e mudo,

Da superfície lunar.

Mas se além chego outra mágoa

Vem constrangir-me sem dó:

Insaciado na água,

Acompanhado e tão só!

Do outro lado de tudo

É tudo tal como aqui:

Tal como o céu, negro e mudo,

E tão ausente de si!

Evoluir é um abismo,

Não vejo bem no Progresso;

Tudo me surge num ismo,

Tudo me sabe a Regresso...

Volto atrás sem perspectivas

Nas perspectivas de mim...

Ando às voltas, à deriva,

Circulo em torno do fim...

Ser ou não ser este homem,

Com corpo e mente e razão.

Cinco sentidos que dormem

Sobre um fugaz coração...

Chegado o dia do termo,

O que fiz eu que me importe?

Sou um lugar sêco e ermo,

Deserto vago de Morte!

Passam por mim caravanas

Sobre os meus sonhos reais;

Mudam-se areias e ganas,

Mudam-se os tempos sid'rais...

Elas vão além da linha

Do Horizonte sombrio;

Vão vender isso que eu tinha

Antes de ser tão vazio:

A minha alma corrupta

Por tanto desejo vil;

A minha fé resoluta,

O meu céptico perfil.

Vão vender na feira laica

Os perfumes do além;

Rezas negras da Jamaica,

Ritos do Mal e do Bem;

Vão vender a Aventura,

O Amor e a Saudade;

Vão promover a Ventura,

Pôr na praça a Liberdade;

São os vendilhões do templo

(E esse templo sou eu)

Dão o pregão - um exemplo:

«A cinco tostões o Céu!»

As gentes, ávidas, correm

E acorrem à chamada;

As gentes ávidas dormem...

Vão a tudo, vêm nada...

E é assim com a vida

Que sem notar experimentamos:

A cada gesto uma ida -

É um cais que abandonamos;

Damos por nós, certo dia,

E já corremos um mar…

Mas onde fomos? Sabia

Muito melhor bolinar!

Que o vento então decidisse

O port' aonde acostar;

Que Deus então me surgisse,

Me desse forma e lugar!

Toma, ò Génio, esta costela:

Eu tenho andado tão só!

Eva perdeu-se à janela

Do sonho que se fez pó…

Dá-me outra deusa que tenha

O mesmo virus mortal:

Uma fome vil e estranha

Pelo espaço Universal!

Alguém que veja na vida

Mais que um ponto de passagem;

Que se prefira engolida

Pela boca da voragem!

Que queira tudo, além-tudo,

Que veja ter tudo em mim:

Mesmo send'eu negro e mudo,

Mesmo send' eu isto: assim...

A permanência inconstante,

Ou a excepção trivial:

Nada nos serve o bastante;

Tudo é dif'rente e igual...

Muda-se tanto e tão pouco,

Somos de tudo e de nada;

Somos o sábio e o louco,

A vida bruta e parada.

Somos esta carne sêca

Entre a areia do Deserto,

Carcassa errante que peca

Sob as estrelas do Incerto;

Somos isto que quisermos

Sem valor além de letras;

Espectros que remam, enfermos,

Por rias frias e pretas;

Viajamos sobre o Letes,

O Letes viaja em nós:

Soterrada, entre ciprestes

Deixámos a nossa voz.

Para quê cantar mais tempo

Se também deixou Orfeu

A lira, por um lamento,

Soterrada sob o céu?

E seguimos sob o monte,

Rio abaixo navegamos:

Dar a grinalda a Caronte,

Pagar o óbolo vamos...

Cérbero já se vislumbra,

Além, ao fundo do rio;

Cérebro, pára!, é a tumba!

Já falta pouco... Que frio!

Vou na barca do Inferno

E ninguém me viu passar;

Sigo em frente sem governo

E já não penso em parar.

Pedi a Deus uma deusa,

E vejo Lídia na margem;

Lídia é de Reis! A mim, Neusa!

Amar-te-ei de passagem...

Bato à Porta do Tormento,

Peç' ao Diabo p'r'entrar;

E vem-me abrir, sonolento,

Um demónio feito d' ar;

Digo a senha, faço figas,

Diz-me que sim e que não;

Mostra-me sete barrigas,

Tem sete pés, sete mãos.

E por sete bocas feias

Fala do fundo do assmobro:

«As sete covas estão cheias!

Olhe por trás do meu ombro!

Vá bater a outra porta:

O Inferno está lotado!»

Continuei - E que importa?!

Hei-d' ancorar noutro lado!

Para um morto - e eu estou morto!,

Nem burros à andaluza,

Nem canapés (nem um porto!),

Nem cetins, nem uma blusa

Trazem conforto eficaz.

Não faz diferença, não cansa -

É mal ou bem? Tanto faz...

Mais à frente há outra dança!

E rio abaixo e acima,

Nos pesadelos de mim,

Eu passo Baía e Lima,

Paris, Lisboa e Pequim!

Atravesso todo o globo

No meu sonho glaciar:

Na Morte forjo-me um lobo -

Um velho lobo do mar...

Moby Dick, já estou perto!

Meu inimigo mortal!

Meu vão delírio desperto,

Minha ilusão capital!

Um de nós há-de acabar

No grande eclipse final!

Um de nós há-de gritar:

«O que fui eu afinal?!»

Ser ou não ser o agente

Nesta mesa em que me sento,

Deste pedaço de gente,

Sonho que pensa tão denso;

Neste lugar de pesquisa,

Onde repouso e descanso,

Onde me sopra uma brisa,

E me afaga um vento manso,

Eu julgo ter percebido

Que nada sei sobre mim:

Sou um mistério insurgido

De um fogo ingente e carmim…

E nada do que me crie

Ou do que me queira crer

Fará com que contrarie

A minha forma de ser:

Este mistério insolúvel

Este tremendo vulcão;

Est'astro breve e volúvel,

Asteróide em colisão;

Este foguetão pousando

Na superfície lunar;

Este adagio triste e brando

Ou este enorme rufar!

Este coração com vida

Que anseia, pula e que dança!

Esta «bola colorida

Entre as mãos de uma criança!»

Eu sou de tudo e de nada,

Tudo o que vês está em mim:

Se não há mais, rompo a estrada:

Neófito, não há Fim!

Lisboa, (Sapadores), 26 de Junho de 2007.

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Um grande acontecimento aproxima-se, na História da Humanidade, o que vem exigindo muitas celebrações, elocubrações, planeamentos. Dizem os jornais, as televisões, as emissões radiofónicas, festeja-se (a medo) o final do milénio, o final de um governo (algures no mundo muda sempre um governo), o fim de Timor como província Indonésia (isto é, agora palco da exploração geral)... No fundo, tudo se resume a essa empolgante engrenagem da Política, a esse tic-tac inconfundível das múltiplas rodas do Poder. É a Democracia Universal, máscara do Despotismo, num eufórico e popular movimento.

E eu, como sempre, passo alheado a essas manifestações, como quem passa pelo sujeito do Metro que nos estende um panfleto ou nos vende pensos e revistas em nome da sempi-eterna pobreza dos miseráveis. O meu egoísmo não admite complacências, e, na maioria dos casos, o meu egoísmo está certo. A minha consciência, ainda jovem e esquiva, vem, por enquanto, sustendo bem os seus erros.

Parece então que o sujeito comum e o incomum se preparam, unindo esforços, para a recepção com pompa desta promessa nova. Mas que posso eu fazer, eu que desprezo e abomino toda e qualquer promessa? Eu que me cansei de prometer e esperar, e de falhar nas promessas e nas esperas? O que cabe fazer ao Homem Desesperado, ao Homem Lógico, doentiamente racional e infeliz? Nestas horas de promessa para os outros, o que lhe resta é então a imitação de São João, na sua visão do Apocalipse. Ao Homem, porém, mais modesto (ou mais impotente do que o ideal de profeta ou de santo), não se admite mais do que a contemplação do termo de si próprio.

Preparo-me então para o fim de mim mesmo com a mesma determinação com que as beatas (ainda e sempre por apagar, ò paciência!) se preparam, remoendo rezas, para o fim colossal de todo o Mundo… O resultado disso será imprevisível como qualquer fim, nem poderei eu reportá-lo. Pois que ser neste mundo estagnado tem o dom (ó lamentável limitação da lógica!) de relatar o termo de si próprio?! (Lisboa, 02/12/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

I

Quiz ser o que não sou;

O que eu não sei, o que não posso ser.

Vivi-me, simulei-me um outro:

Um estranho a mim que em mim se sedentou,

Forçando algo, aí, a perecer…

Mas onde está o dono do meu corpo?

Lisboa, 27/04/97

II

ESBOÇO DE UM EPITÁFIO:

Aqui jaz a alma que eu não tinha

A impressão de um ser independente.

A consciência que tenho não é minha:

Morreu o que eu era realmente…

Bruxelles, 28/08/04

III

Estou morto por dentro.

Como uma noz que só tem de bom a casca.

O meu Poder Estatal tem no seu centro

Um terrorista em prol da causa basca.

Por isso tenho o espírito em estilhaços.

Por isso provo tanta solidão.

Dás-me o teu coração, abres-me os braços,

Mas não consegues cobrir a multidão

De eus e pessoas que eu possuo.

Tenho uma sombra que me está pregada

Que me corrói com o gesto mais ruim,

Que me extermina pelas horas más:

Bombas me lança do seu antro escuro,

Arde-me os dias, faz-me cinza e nada,

Por mais que o povo imenso que há em mim

Se junte e em coro clame pela paz…

Lisboa, 06/03/01 Quiz ser o que não sou;O que eu não sei, o que não posso ser.Vivi-me, simulei-me um outro:Um estranho a mim que em mim se sedentou,Forçando algo, aí, a perecer…Mas onde está o dono do meu corpo?Lisboa, 27/04/97IIESBOÇO DE UM EPITÁFIO: Aqui jaz a alma que eu não tinhaA impressão de um ser independente.A consciência que tenho não é minha:Morreu o que eu era realmente…Bruxelles, 28/08/04IIIEstou morto por dentro.Como uma noz que só tem de bom a casca. O meu Poder Estatal tem no seu centroUm terrorista em prol da causa basca.Por isso tenho o espírito em estilhaços.Por isso provo tanta solidão.Dás-me o teu coração, abres-me os braços,Mas não consegues cobrir a multidãoDe eus e pessoas que eu possuo.Tenho uma sombra que me está pregadaQue me corrói com o gesto mais ruim,Que me extermina pelas horas más:Bombas me lança do seu antro escuro,Arde-me os dias, faz-me cinza e nada,Por mais que o povo imenso que há em mimSe junte e em coro clame pela paz…Lisboa, 06/03/01

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

I

… E há-de vir o Cristo

Para o Julgamento

É aquilo ou isto

O que eu sou por dentro?

Vejo um monstro negro

Vejo um anjo branco;

Será um bruxedo

Ou apenas espanto?

Anjos e demónios

E uma assembleia.

O público espera

Alguém da plateia.

Quem falta chegar

Dessa gente ilustre?

O Papa está cá:

Mas era um embuste…

Ninguém da Igreja

A falar p’lo povo?!

Pode ser que eu veja

Um cardeal novo!

Mas ah! Eis que estão

Os bispos e os padres!

Mas oh! Um grilhão

Os prende a uma trave?!

Pobre gente nobre

Que se vê cativa!

Depois dos trabalhos

Que lhes deu a vida!

Todos os mortais

Estão aqui presentes –

Mas dos imortais

Há alguém ausente!

Oh! Supremo Engano!

Ò Deus Criador!

Faltarás neste ano

À festa maior?

Este é o Carnaval

Porque tu esperavas!

É este o arraial

Que tanto ansiavas!

Veste então o fato

De Rei dos truões

E junta-te a nós

Nas Celebrações!

É como, o teu jogo,

Da Justiça Eterna?

– «Este para a suite

Esse p’r’á cisterna!? –

Tu verás o sol,

Tu o calabouço;

Tu saltas à corda,

Tu tem-la ao pescoço;

P’ra ti o calor

D’álegria imensa,

Para ti a dor

De uma chama intensa;

Tu serás feliz

Porque estás comigo;

Tu serás um rico,

E tu um mendigo.

Para ti fartura,

Para ti a fome,

P’ra ti a amargura

De ouvires o meu nome».

Mais eis que me surge

Uma mão por tráz:

«És tu, ò barbudo!

Pois então por cá?!»

«Pois não perderia

Tamanha festança!

Já não dormiria

Com tamanha errança!

Queres então saber

Das coisas que faço?

E o que vem a ser

O plano que traço?

E como tómo eu

Estas decisões?

Ora, é segredo,

São as convenções…

Assunto de Estado –

Não vou revelar…

Mas vá, tu insistes,

Sou bom, vou contar:

Eu tenho aqui dados

Dentro do meu bolso

A que dou valores

P’ra este e p’ró outro;

Consoante calha

Traço o seu destino –

E se algo falha?

Foi um deus Maligno!

P’ra isso o Demónio

Dá bastante jeito –

Era um pandemónio

Sem esse sujeito!

Por vezes altero

Este meu sistema

Se acaso me surge,

Assim, uma piquena,

Com pernita cheia

E bem torneada,

Ou um jovem loiro

De tez bronzeada…

Que posso eu fazer?!

São as tentações!

E em casos destes

Há negociações

Com o meu colega

Do andar de baixo:

Também ele os pega!

É um berbicaxo!

‘Inda pode haver

Outra circunstância

Em que uns certos herren

Com muita jactância

Nos fazem propostas

Tão irresistíveis

Que os deixamos ir

P’ra onde pedirem:

Oferecem-nos vinho,

Licores, iguarias:

Um ou dois meninos,

E fotografias…

Por vezes nós vamos

Para as Tulherias,

Onde já formámos

Uma Confraria;

É o Paraíso

Como podes ver;

Se tiveres tal passe

Podes lá viver!

Mas no fundo o Inferno

Não é tão diferente:

Só faz mais calor

E tem lá mais gente;

E há menos luz –

Mas lá te habituas…

E também seduz:

Belas jovens nuas,

Altivos mangalhos,

Soberbas orgias…

Não só de trabalho

Se fazem os dias!»

«E até quando a Vida

Na tua Injustiça?

Até quando escravos

Da tua preguiça?»

«Até querer o Homem

Na sua aflição,

Pois apenas vivo

Na Imaginação».

Bruxelas, 30/05/04

II

E há-de vir o Cristo

Com uma balança

Pesar as obras,

Medir os Homens;

Essa Hora é um misto

De desesperança

Que se alastra noutras

Que depressa somem…

Bruxelas, 30/05/04

III

«Julgar os Homens!,

Abrir os Tribunais!,

Deixar entrar a Nave dos Dementes!»

§

«…Eu te condeno e aos mosntros que te comem

A cultivar a dor nestes quintais

Que hão-de produzir eternamente…»

Bruxelas, 30/05/04

IV

Depois dos Tribunais

É o medo

E o grito

Da revolta.

Depois dos Tribunais

Vem a angústia

De assistir à verdade assassinada.

Depois dos Tribunais

Volta o choro de lágrimas e sangue

Rotina de uma infância violada.

Depois dos Tribunais

Vem a cegueira

De ter visto a deturpação dos factos

Constante

Repetida

Perdoada.

Depois dos Tribunais

Vem o carrasco

Do Homem

E da balança viciada.

Depois dos Tribunais

Somos nós

Sem sermos

Porque nos tiraram tudo

E o sono

E a esperança

E a pele espancada

E os sinais.

Depois dos Tribunais

É a vingança

Afiada no gume dos punhais.

Depois dos Tribunais

É a lembrança

Asfixiada para nunca mais!

Lisboa, 05-06-98

Oh!. Quem tanto pudera, que fartasse

Este meu duro génio de vinganças!

Lisboa, algures no séc. XVI, Luís Vaz de Camões

V

Arder!,

Arder!,

Que há já tardança! Bruxelas, 30/05/04

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

«Porque ficou oceânico o escasso

Momento de nós?»[1]

Toda a nossa História: Sermos sós...

Que podes querer da vida em movimento?

Cada minuto uma fracção do que nos resta...

Somos o palco, o drama e o elenco...

Escrevemos nós a peça!

Haja festa pela noite dentro! Haja festa! Haja festa!

Tragam os copos!

Queimem o incenso!

Vamos arder as horas mais funestas!

Ouves dançar ao fundo? E o silêncio... Ouves cantar ao fundo? E a tempesta...

O mar subiu à terra, A dôr ao coração... Estou em guerra com a guerra Da emoção...

Vivo em constante mutação... Vamos viver a vida como vivem

Os brutos condenados!

Vamos viver a vida como vivem Os loucos no hospício! Vamos viver a vida como vivem Os homens em delírio! Vamos viver a vida como vivem As extáticas bacantes!

Vamos viver simplesmente, Avante! Avante! É viver antes Qu'isso da vida passe e que pereça!

Avante!, Avante! Vamos! Antes

Que esta vontade intensa desvaneça!.

Lisboa, 26-05-98

P.S.1: Eis as minhas gentis interpretações: a) Porque se dissolveu (em água) o escasso momento de nós? – isto é, da nossa existência… b) Porque se alastrou até à indefinição (profunda e misteriosa como o Oceano), a nossa escassa circunstância de ser? Aguardo apenas que a Madama Neto-Jorge se digne (se necessário da tumba) a vir agradecer-me os estoicismos: a) De ler a sua poesia; b) De, à la Madre Teresa de Calcutá (que alguém a tenha!) ou São Francisco de Assis (o do quadro de Bellini, por exemplo!), b1) A melhorar b2) A partilhar com a restante comunidade de fieis.

P.S.2: Aceito contribuição/ donativos para a minha conta bancária e/ ou estátua pedestre em praça pública.

P.S.3: Pela arrogância petulante e intolerável demonstrada nesta nota de rodapé, estou já há 35 dias em jejum, a pão e água e ainda sob um pesado sermão epsicopal de hora e meia com subsquente penitência de 700 Pais Nossos e 930 Avé-Marias. A indulgência obrigou-me igualmente a uma coima de 50 contos (o correspondente, nestes dias de progresso da ilusão europeia, a 250 euros). De facto é custoso o caminho do céu… [1] Que o sentido oculto desta difícil pergunta se procure em Luísa Neto-Jorge. Que na busca o leitor não conserve esperanças. Nesta má poetisa (em que este verso é, aliàs, dos melhores pela sua estimulante sonoridade) não deve, na verdade, procurar-se um sentido, mas apenas sentir-se e brincar com um fácil jogo de sons, fingindo a descoberta do mundo como, por norma, o fazem as crianças…P.S.1: Eis as minhas gentis interpretações: a) Porque se dissolveu (em água) o escasso momento de nós? – isto é, da nossa existência… b) Porque se alastrou até à indefinição (profunda e misteriosa como o Oceano), a nossa escassa circunstância de ser? Aguardo apenas que a Madama Neto-Jorge se digne (se necessário da tumba) a vir agradecer-me os estoicismos: a) De ler a sua poesia; b) De, à la Madre Teresa de Calcutá (que alguém a tenha!) ou São Francisco de Assis (o do quadro de Bellini, por exemplo!), b1) A melhorar b2) A partilhar com a restante comunidade de fieis.P.S.2: Aceito contribuição/ donativos para a minha conta bancária e/ ou estátua pedestre em praça pública.P.S.3: Pela arrogância petulante e intolerável demonstrada nesta nota de rodapé, estou já há 35 dias em jejum, a pão e água e ainda sob um pesado sermão epsicopal de hora e meia com subsquente penitência de 700 Pais Nossos e 930 Avé-Marias. A indulgência obrigou-me igualmente a uma coima de 50 contos (o correspondente, nestes dias de progresso da ilusão europeia, a 250 euros). De facto é custoso o caminho do céu…

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Lembro a origem de tudo: Estavas no cruzamento entre o céu e o mar, e bebias insaciavelmente a paisagem. Eu passava de barco, como passo às vezes, disfarçando a minha solidão. Fingi-me um pescador em águas agitadas, e lancei uma rede ao teu perfil de sereia abandonada, deixando no ar essa proposta em que pedia que tu fosses minha. Porque o ideal do amor é sempre livre mas o desejo pede a propriedade, anulando, assim, o ideal.

Foi talvez por me fingir ser outro que esqueci os vários perigos do mar. Esse barco em que digo que passeio, como todo o barco que passeia, estava destinado à tempestade. E a sereia que o teu canto sugeriu, foi tirada da fábula de Ulisses e surgiu-me diante dos meus olhos com o propósito singular e cruel de me enfeitiçar para o confim dos Tempos. No alvoraçar do meu desejo, eu fui em busca da minha vontade, e fiz-me predador para cumpri-la. Mal sabia, ò perfida visão!, que a eterna maldição do caçador é ser tornado na presa que ele caça…

(Lisboa, 30/11/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

Carlos Drummond de Andrade é tido como o grande poeta brasileiro, o Fernando Pessoa do Brasil. Como muito da literatura brasileira, eu tenho-o como um poeta menor. Ele escreveu textos lindíssimos. Isto é inegável. «Segredo» é dos melhores poemas que já alguma vez lí. Tem frases de uma beleza incomparável. Era um homem sensível de certo talento. Mas não façam dele o gigante que não é. «No meio do caminho tinha uma pedra… etc.,» tem uma única frase poética: "nunca esquecerei esse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas…" Este é o poema. A pedra e o caminho repetidos ad nauseam são traços pessoais válidos, mas erros da literatura. O poema, porém, que o é a custo, tornou-se um marco na Poesia Lusófona, seja lá isso o que fôr. Mas o que motivou o poema da pedra? O que obrigou Drummond a essa interminável repetição? Que espécie de desespero não literário (e o desespero é, por norma, literário – a literatura sempre apreciou uma boa tragédia) assolou o poeta ocasional que era Drummond, de modo a que ele arruinasse as duas linhas supra-citadas com um simples calhau repousado num qualquer percurso? É evidente que o caminho era a vida do poeta e o calhau em questão um obstáculo intransponível ou uma tragédia pessoal, naquele momento, inultrapassável ou com a qual o sujeito poético (como é do agrado das academias) não se conformava. Mas vingar-se no leitor inocente para lhe impôr de modo tão cru o calhau da sua dôr pessoal, não será demasiado egoísta, mesmo por parte de um autor aclamado? De acordo com certas interpretações, a pedra no meio do caminho confunde-se, de algum modo, com o Destino, tendo este, por sua vez, ditado a morte de um filho de Drummond. Ora, quem acredita no Destino, afirma que, nessa inevitabilidade entediante, há um propósito superior inquestionável e interrompível, com um sentido demasiado grande para a limitada compreensão humana. Como é porém possível que, 2000 anos depois da barbárie das civilizações que nos precederam, continue a haver quem entenda ser justificável, de acordo com uma visão superior, o sacrifício de Isac? Não será consolação demasiado cobarde para o espírito atormentado pela dôr pessoal? Eu que não acredito no Destino, que digo que a vida não é um caminho mas uma partida de xadrês e que sou eu que movimento as minhas peças em direção ao derradeiro xeque-mate (e com quem jogo senão comigo mesmo? Sim, estou condenado a vencer-me mas esse é o prazer do jogo e só assim ele se torna possível), eu sinto, inexplicável e paradoxalmente, embrenhada, entre tantas certezas, esta confusão tão característica de mim mesmo: de que lado estou quando jogo as peças? Como lidar com as minhas escolhas na esquizofrenia das minhas personalidades? Quando o acaso ou o erro me torturam, e os desgostos se acumulam sobre o corpo, como viver tudo isso? Como recuperar a peça perdida, ou, na linguagem de Drummond, como passar além da pedra que nos impede ou nos espanta o caminho? A pergunta é uma incógnita a que só a circunstância particular do que se vive poderá responder. Porque nenhuma realidade, nenhum problema é passível a generalizações. É por querer generalizar as suas soluções que o homem falha a resposta a todos os seus problemas. E se, por hipótese, eu falhar a reparação do erro? Errar ao corrigir um erro já cometido, não será o cúmulo da incapacidade? E quantas vezes falhamos a correcção anterior! A nossa vida é então uma sequência de jogadas ou de passos em falso. Assim, no meu tabuleiro de xadrês, a derrota é garantida para qualquer um dos lados do tabuleiro, e no caminho de Drummond haverá sempre uma pedra a impedir a passagem, que se multiplica noutras pedras suas iguais e se hiperboliza numa pedra maior até se tornar num rochedo intransponível. Que força de Homem, interior ou exterior, pode derrubar um rochedo? Onde está o mito de Hercules nessas horas? É neste momento de contemplação da derrota que eu tenho pena das minhas limitações de mortal e, consequentemente, de mim mesmo. E, por força dessas desilusões, vou-me tornando cada vez mais insensível. Julgo então que foi neste espírito de crescente insensibilidade, que eu encarei, Drummond, a revelação de ser, a pedra que assombrou o teu caminho, o teu filho nado-morto. Também aqui tive pena. Mas não me parece que fosse essa a tua vontade. Nem tampouco a minha. A minha pena por ti não te consola nem me torna a mim em alguém melhor. Pelo contrário. Tu tornas-te ridículo e patético e eu torno-me vil por te dar a entender, por meio da minha pena, que sou melhor do que tu. Assim, eu passo a ser a pedra no meio do teu caminho, e tu a assombração permanente da minha própria derrota. Tu com o teu rochedo intransponível, eu com a ameaça constante de um mate que não desejo. O maior inconveniente da dôr é termos de vivê-la contra a nossa vontade. O Destino dá a ilusão de um desígnio. O meu egoísmo dá-lhe a ilusão de uma escolha. O melhor seria ignorares a tua pedra e eu ignorar o meu jogo, esquecer as suas regras, ignorar que o Rei pode ser posto em cheque e perder o jogo. É esta, creio eu, a prova de que não existe um Destino: Se ignorarmos todas as regras por que, normalmente, se regem as coisas, podemos criar um Universo paralelo em que somos nós que decidimos o resultado dos dados: O Deus que nos tornaremos passará a brincar às probabilidades por saber de antemão o resultado. É nessa quebra que reside a verdadeira poesia. Quando deixáste de falar directamente da pedra para dizeres que não te esquecerias dela, foi quando efectivamente te esqueceste dela e a tua escrita respirou como um poema. Depois o nome da pedra voltou para amordaçar a poesia. Não existe pedra, não existe caminho, tu passas por todo o lado. E eu não vivo em nen hum tabuleiro, não sei o que é um Rei, uma torre é um bloco de cimento onde as princesas sobem para apreciar a paisagem, tudo é fácil e belo, o dicionário de línguas não contempla o que poderia ter sido a palavra: xadrês… Este é o poema.

(Lisboa, 29/11/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Fui à tela ver a vida de Oscar Wilde…Ah, meu doce irlandês insuportável! Meu amor ideal sem efectividade alguma! Minha fraqueza animal! Bem dito, nem fui ver-te... Eu mesmo fiz rodar o teu filme numa sala de cinema antigo; pouca gente foi ver... as cadeiras vazias e eu de alma cheia a admirar-te... Porfim tudo acaba, e a magia das coisas excepcionais teima, por força, em querer desaparecer... Mas eu estava possesso, extasiado, doido! Fui a correr pelas ruas a gritar o teu nome! Já em casa, na minha cave húmida e sombria, deitei-me sobre o colchão de molas que rangem e guincham como velhas loucas e olhei os livros da minha biblioteca... Imaginei então o excepcional que seria que tu saísses deles por artes do oculto e te sentasses sobre o bordo da minha cama a ranger, e que os dois nos deixássemos por horas a falar sobre tudo e sobre nada... Os nossos gostos, as nossas ideias, as ideias dos outros, mesquinhos e banais... pensar como um modo de falar, falar como um modo de pensar... depois um brandy, um absinto, uma tertúlia... eu leria as tuas peças de teatro de ironias finas e mordazes, e tu os meus poemas de bolso em edição privada de autor anónimo e menor... Ah, meu Wilde! não o sabes, não o imaginas sequer, nem isso que não sabes e que não imaginas te interessa (muito menos agora que estás morto), mas partilhamos as fúrias e os medos... As campas, é sabido, não devolvem os corpos do deserto onde descansam, como Plutão não devolve as suas presas... Por isso, tu não podes ouvir-me e eu falo para um papel que nada tem para me dar; e falar assim para um papel, e dá-lo a ler a outros é ridículo e inútil; mas o que há de mais belo e de mais significativo no mundo é, normalmente, ridículo e inútil. Porque esse é o espelho da nossa natureza… Assim, ridícula e inutilmente te confesso a minha inclassificável admiração por ti, a coragem com que sempre enfrentáste os brutos da tua altura. Todas as eras têm brutos. O génio é aquele que, com grandeza, se destaca dos seus... E se tu, meu adorado, tinhas génio! E se tu tinhas carácter! Em nada te eram melhores e tu, homem faltoso e soberbo, eras melhor em tudo! Que tinham eles, os dandys, os patetas, que não tivesses tu?! Eu digo-to, que o sei! - A podridão da alma! A tua eloquência sublime é ainda hoje imortal e prevalece, mesmo estando tu morto, na oralidade e na escrita. A tua elegância, o teu paradoxo profundo, a beleza poética de tudo o que escrevias são Hinos à inexistente alma Humana. Sim, Oscar, talvez (eu sonho ainda, enquanto, depois do teu filme naquela frágil tela, projecto a minha vida além de mim), talvez o teu fantasma pudesse surgir-me um dia para discutirmos a natureza do Tempo; pois tu entenderias, melhor do que ninguém, que, entre dois seres inteligentes, isso é afinal tão arbitrário e tão poético, no jogo infindável da linguagem, quanto o, por exemplo, falar-se de amor… E então, quem sabe, também tu me terias admirado, e também tu virias, ridícula e inutilmente, escrever um qualquer texto num cadarnado esfolado, que louvasse com saudade amargurada o filme singular da minha vida… (Lisboa, 28/11/99)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

E chego enfim ao teu Jardim Suspenso;

Vislumbro-te estendida sobre as flores.

Falamos de segredos empilhados,

De sonhos e desejos arrancados

À Ilha dos Amores...

São estes silêncios penetrantes

Soando repentinos no ouvido

Que me dão esta fome altissonante

De falar contigo...

Juraste ler nas linhas que há na terra

A Face Universal da Poesia. Disseste conhecer um tal feitiço Que acaba com a dor e com o enguiço Como que por Magia...

São estes silêncios inocentes Soando repentinos no ouvido

Que me dão a vontade inconsciente

De estar contigo.

Entornámos, nervosos, as palavras

Sobre toalhas tímidas, coradas;

Tricotámos os dedos que tremiam,

Entrelaçámos braços que fremiam, Cantámos cem baladas...

São estes silêncios fabricados

Soando repentinos no ouvido,

Que me dão o desejo incontrolado

De dormir contigo.

Quiseste então sondar-me o coração. Falaste-me de Deus e das marés – Beijaste-me no rosto envergonhado, Saraste-me essas chagas do Passado, Deitáste-te a meus pés...

São estes silêncios estonteantes

Soando repentinos no ouvido

Que me dão o desígnio hilariante

De morrer contigo...

Lisboa, 26-05-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Porque preferiste ignorar que respiras e adormecer,

Porque também desprezas ser um entre iguais e o próprio ser,

Porque tu te julgas ser injustiçado neste Julgamento,

Porque queres pôr à prova o inteiro Sistema e o que tem dentro,

Porque tu te vês num Império de armas, numa enorme cruz,

Porque desse Mundo que o Demo te mostra nada te seduz,

Porque tu já sofreste e já viste o sangue e sentiste a dor,

Porque foi o teu, o braço do mito, que abateu Heitor,

Porque a Vida é curta mas o Sonho é longo e é a Treva imensa,

Porque ainda há luta e alguém que chora de uma angústia intensa,

Porque é tudo triste e tudo consiste no seres Moribundo,

Vais escolher ser nada onde nada existe nem como conceito,

Vais ser como estrada com princípio e fim no teu próprio peito,

Vais ser o Messias que a Fé te negava, desprezando o Mundo…

Bruxelas, 10/05/04

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Conheço muito do que sei que sentiste. Na minha carne de bibliotecário sozinho que também lê e escreve e cai eternamente do cimo dos seus sonhos, sinto as tuas feridas e também as minhas a agravá-las; nestas veias segue o mesmo sangue estragado, febril e irregular desde o berço; nestas mãos nervosas e sem força o mesmo frémito de patologia me leva a escrever versos e delírios; neste absurdo de ser, há a mesma dôr confusa a badalar os dobres dos seus sinos sonoros, colossais... Assim, porque não, Fernando, o mesmo génio, se partilhamos, helàs, os mesmos ais??!

(Lisboa, 10/09/99) Guardo a Mensagem do Fernando junto a mim. «É a hora!», «É a hora!», olha, «É a hora!»... Tarde me avisáste. Tarde, sim... A hora já passou há muito tempo... Mas no vazio de outras horas tento achar um sentido profundo para essa velha mensagem. A cada dia um texto, como se fosse ele a necessidade do corpo e não a carne e o peixe ou outras exigências orgânicas... e em cada leitura tento achar-me um outro, reinventar-me, fugir o mais possível desse cansaço de mim. Já nem sei quantas vezes te reli, Fernando… Eras um génio. Ultrapassavas em tudo a dimensão de Pessoa. E as pessoas comuns que nunca se transcendem, insultam-te nas ruas, amaldiçoam-te nas salas de estudo, largam-te com alívio e com nojo nos lavabos, na ressaca dos desgostos da vida… Quase ninguém te entendeu. Mesmo aqueles que te autopsiaram os poemas, que te rasgaram o quotidiano e a alma, que te dissecaram os sonhos que não tornáste visíveis chegaram ao mais sentido e verdadeiro de ti: Para todos os efeitos és um louco com problemas de personalidade. Eis o resultado e pores diante do espelho a tua longa coleccção de retratos, as manifestações completas dos teus eus. Puseste a hipocrisia de lado e decidiste encarar a dureza de ser. É verdade que por vezes te cansavas e tomávas o alcoól como refúgio. Mas mais do que isso tem valor a tua fúria divina à secretária. Quando te sentavas, ou te punhas de pé, ou de cócoras, ou de pino, ou de pés e mãos para o ar ou como diabo te punhas, áquela mesa que tão bem conheceste, ou à cadeira em que te sentaste, ou à tona do sonho onde vinhas sorver o ar libertador desse sufôco tributário das horas e dos dias, com o teu alcoól, o teu café, o teu cigarro, naquele quarto ou no torpôr d’A Brasileira, quando te vias com a folha e a caneta na mão, e a febre na mente, eras um animal enjaulado rebentando as grades, transpondo barreiras, matando a fome à Solidão que entendias como poucos a entendem…Conheço muito do que sei que sentiste. Na minha carne de bibliotecário sozinho que também lê e escreve e cai eternamente do cimo dos seus sonhos, sinto as tuas feridas e também as minhas a agravá-las; nestas veias segue o mesmo sangue estragado, febril e irregular desde o berço; nestas mãos nervosas e sem força o mesmo frémito de patologia me leva a escrever versos e delírios; neste absurdo de ser, há a mesma dôr confusa a badalar os dobres dos seus sinos sonoros, colossais... Assim, porque não, Fernando, o mesmo génio, se partilhamos, helàs, os mesmos ais??!

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

O GOVERNO CANTA BEM E É SÓ ISTO QUE VOS RESTA: SE ELE CANTA, VOCÊS DANCEM, MESMO SE A HORA É FUNESTA!

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

«Vidas paralelas*Elas as há mais públicas que outras. As vidas paralelas que um gajo vive no outro mundo, o virtual. Ele é os MIRCs, os fóruns, o MSN, o Hi5, e seus semelhantes, os blogs, o Hattrick e o Second Life. Umas acessíveis a toda a gente e por isso mais públicas e outras só para alguns e por isso mais intimistas. E muitas vezes mais até do que com os próprios amigos, os desta vida. Como estas espécies de comunidades deve haver muitas mais que assim de repente não estou a ver. São horas e horas passadas na net. Eles os há Orkuts e semelhantes que se não são para manter relações virtuais são para recuperar relações passadas. Não sei se querer revisitar o passado não será pior... Também não sei se a Internet é - neste caso concreto, naturalmente... - como os correios, que aproximam as pessoas, ou se pelo contrário as afasta da realidade e as aproxima do outro mundo, o virtual, sem grandes contactos físicos, sem obrigações que não a de estar online todos os dias e portanto sem grande sofrimento. Ainda que se sintam as coisas da mesma maneira - caneco, sempre é gente que está do outro lado do teclado - até se amua e tudo mas quando um gajo não quer mais, desaparece e pronto. Felizmente para alguns é, como a roupa em excesso, o iPod ou o ginásio, apenas um complemento de uma vida real, esta sim com confrontos directos. Sem intervalo, advertências ou cartões. E muito menos tempo extra. É bem pior, é todo tempo do mundo. Mesmo que não nos apeteça.Uma pessoa normal, que não viva enfiada numa redoma, leva uns chapadões pla vida fora, faz parte. Uns mais puxados atrás do que outros mas vai levando. Eles os há que se aguentam melhor à bronca. Outros pior. E são estes últimos que, digo eu, se agarram mais a vidas paralelas. Porque um gajo cansa-se de levar na tromba e deixa de estar para isso. Também os há tímidos, complexados com a própria imagem, sem grande coisa a que se agarrar nesta vida e por aí fora. E vive-se mesmo de e para uma e outra vida paralela. Porque não se tem uma vida cá fora mas também não se está sozinho. Há alguém do outro lado do teclado, que pode estar do outro lado do mundo ou ali na Bica, que nos ouve, lê e fala connsco. Ali, no outro mundo, há sempre alguém disponível, o que nem sempre acontece com os mais chegados, porque a vidinha é assim mesmo. E um gajo cai em si no dia em que alguém fica 3 ou 4 dias, uma semana ou 15 dias, sem aparecer e não dá para passar lá por casa a ver se há luz.A porra, para alguns, é que por enquanto um gajo vive obrigatoriamente num mundo real e, se não quiser comido vivo, é bom que saia da toca de vez em quando.E infelizmente, para os mesmos, é que o mundo virtual é nos muito próximo mas não nos chega a tocar. E um gajo às vezes precisa mesmo e só de um ombro.

*Revisto e ampliado»

Ascrupulosamente surripiado ao Eça é que Hesse ( Ascrupulosamente surripiado ao Eça é que Hesse ( http://www.ecaequeeessa.blogspot.com/ ) - Isa perdoa-me!

Parece que o shakespereano «we are such stuff as dreams are made on, and our little life is Parece que o shakespereano «we are such stuff as dreams are made on, and our little life is rounded with a sleep» «The T.», Act IV, Scene I, vs. 156-8, de Prospero, no final d'A Tempestade, se transformou hoje em dia em algo como: «As nossas pequenas vidas estão envolvidas num sono, tecido pelos cabos de mil computadores, que nos disfarçam as frustrações quotidianas e nos transformam a realidadde num sonho...» Gregor, Gregor, onde estás? Olhei-me e vi-me um insecto horrível! Já viste o que o Progresso fez de mim??!!

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

Estou doente. Doente. É por isso que escrevo. Mas não sei por quanto tempo mais irei escrever. Porque tenho vontades, mas não domino nunca as minhas vontades. Nem elas se mantêm as mesmas. Como não sei quanto durará esta caneta, nem se durarei eu o necessário até que ela acabe, para que a sinta acabar, para que a veja acabar, para que me preocupe, eventualmente, com o ela acabar…

(Lisboa, 18/05/99) Escrevo a preto no caderno branco e sinto-me mudado. Tenho medo do Fim. Não da Morte: do Fim. Do que direi, do que farei, se me saberei comportar. Porque parece que a Morte comporta consigo uma certa ideia de aprumo. E, para atingir tal aprumo, onde meterei eu esta raiva que me acompanha durante os dias, e o tédio, e a inércia, e o sono, e o sono, e o sono, e o sono???Estou doente. Doente. É por isso que escrevo. Mas não sei por quanto tempo mais irei escrever. Porque tenho vontades, mas não domino nunca as minhas vontades. Nem elas se mantêm as mesmas. Como não sei quanto durará esta caneta, nem se durarei eu o necessário até que ela acabe, para que a sinta acabar, para que a veja acabar, para que me preocupe, eventualmente, com o ela acabar…

Nas horas de crise, nos cafés.

Como tudo na vida, há um morto

A flutuar na baixa das marés.

Como tudo na vida, há um sopro,

Suspiro final do que se vê:

Quando se apagar a chama nesta vela

Quando tomarmos essa caravela

Rumo ao desconhecido

Estaremos longe…

Que seja unidos!

Como tudo na vida, há um barco

Que se afunda na ponta de um coral.

Como tudo na vida, há um charco

Que ensombra os sonhos na sua espiral.

Como tudo na vida, há um parco

Corredor, fantástico e fatal:

Quando se apagar a chama nesta vela

Quando galoparmos nessa sela

Rumo ao desconhecido

Estaremos longe…

Que seja unidos!

Como tudo na vida, há um teatro

Que se vive e se dorme e se sente.

Como tudo na vida, há um retrato

Passado angustiante que nos prende.

Como tudo na vida, há um abraço

Que nos envolve o corpo inconsciente:

Quando se apagar a chama nesta vela

Quando subir banal àquela estrela

Rumo ao desconhecido

Estarei longe...

Fosse contigo!

Lisboa, 25-05-98 Como tudo na vida, há um copoNas horas de crise, nos cafés.Como tudo na vida, há um mortoA flutuar na baixa das marés.Como tudo na vida, há um sopro,Suspiro final do que se vê:Quando se apagar a chama nesta velaQuando tomarmos essa caravelaRumo ao desconhecidoEstaremos longe…Que seja unidos!Como tudo na vida, há um barcoQue se afunda na ponta de um coral.Como tudo na vida, há um charcoQue ensombra os sonhos na sua espiral.Como tudo na vida, há um parcoCorredor, fantástico e fatal:Quando se apagar a chama nesta velaQuando galoparmos nessa selaRumo ao desconhecidoEstaremos longe…Que seja unidos!Como tudo na vida, há um teatroQue se vive e se dorme e se sente.Como tudo na vida, há um retratoPassado angustiante que nos prende.Como tudo na vida, há um abraçoQue nos envolve o corpo inconsciente:Quando se apagar a chama nesta velaQuando subir banal àquela estrelaRumo ao desconhecidoEstarei longe...Fosse contigo!Lisboa, 25-05-98

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

a) Uma silhueta ao fundo que se aproxima. Lentamente. Cada dia mais perto. Cresce. Mais nítida, sempre mais nítida… Que quererá de mim?

b) Era o carteiro? Era o fiscal? Era a polícia?

c) Era o Fim…

(Lisboa, 17/09/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Abre a porta, sai, vai ver a rua!

Não fiques sempre aí trancado!

Não é tão negro, o Mundo, já não dura

A chuva que caía ‘inda há bocado!

Tem coragem, sossega, enfrenta o Sol! –

Sente o vento soprar-te nos cabelos:

Abre os teus braços como um girassol,

Abre a mente, cria novos elos…

Abre a janela! Força! Vê por ela

A vida que esqueceste lá por fora!

Não dês tant' importância a essa dôr!

Mas logo um espirro… Vá, fecha a janela…

A diversão? O gozo? Sim, ignora…

Chega mais p’ra cima o cobertor…

Lisboa, 30/04/00

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

L.: Joe? Joe? Isto é má altura, agora, Joe! Agora estou aqui a meio de uma patuscada de lagostim, pá! Não podes ligar mais tarde, pá?! Agora tenho aqui a malta toda, pá! A minha mulher, o Eusébio, o Simãozinho, o Rui, o Engenheiro do Penta, até o chato do Vilarinho está cá, pá! Estamos a festejar o fantástico terceiro lugar do maior clube português, pá! Que foi um milagre, pá, com o que jogámos, um milagre! J.: Epá, é isso pá! Eu também houve aí uma altura que estava a ver que o Braga e o Paços de Ferreira nos iam passar a perna, pá, foi constrangedor! L.: Nem me lembres, pa! Nem me lembres! Não venhas cá estragar-me a digestão, pá! J.: Epá, ò Luís, pá, é que é mesmo por causa disso, pá! Eu tenho aqui uma ideiazinha, pá!, que, bem..., nem te conto! L.: Vá, pá, desembucha de vez, pá! J.: Bem, sabes, as acções do SLB... L.: Mas olha lá, ò Joe! Tu queres arruinar-me o lagostim! As acções a descerem a pique 40 e tal por cento ãh?, anda alguém aí a prejudicar intencionalmente de forma voluntariamente propositada, ãh, a grande instituição que é o Spór Lisboa e Benfica, ãh?, e tu, pá, ãh?, e tu a arruinares-me o lagostim? Ãh?! Mas tu mudaste-te para o FCP? Ãh? Viraste a casaca Joe?!! J.: Épá, não é nada disso pá! É mesmo por causa disso, pá! É que eu tive uma ideia de géni o, pá! Como tu sabes eu sou pôdre... L.: Sim, pá, eu sei isso, Joe... Isso é mais um motivo para não me arruinares o lagostim! J.: De rico, pá! Pôdre de rico, pá! Eu sou o maior bilionário do Mundo... português, depois do Bill Gates e do Belmiro, pá! Vá, e do tio Adalberto... E então, pá, agora com esta mania das OPAs com que o pessoal está a ficar pá, tive esta ideia, pá: Porque não, pá, ãh?, porque não OPAr também eu o glorioso SLB? Ãh, pá?! L.: Mas, ò Joe... tu desculpa lá a pergunta, pá! Mas tu estiveste a fumar com o Adalberto, pá?! Foste outra vez para a Folia com o Grande Pai Madeirense? Estás grogue?! Ãh, pá? J.: Não pá! Não estás a ver a cena, pá! Eu OPO o Glorioso, pá, e as acções que agora estão a pique para baixo, vão - zumba!, para cima, só por causa da especulação, pá! Vai ser alí sempre a galopar à grande! E as outras SADs vai de amochar com a pujança benfiquista, pá! Estás a ver a jogada? L.: Eh, lá, ò Joe! Tu estiveste a fumar, mas a droga era boa! Conta lá mais disso! J.: Epá, a ideia é simples, pá: Eu vai de anunciar, assim à grande, à paxá de feira, uma OPAzinha ao SLB. As acções que andam zuca, zuca, a murchar, a murchar, passam a andar zupa!, zupa! a arrepiar que nem umas malucas. Eu prevejo por volta de uns 56% de valorização na Bolsa - Sobre isto consultei, inclusivé, o Grande Professor Caramba!, que, em troca de um Mercedes e duas brasileiras me deu toda a razão e me confirmou que era isso mesmo que confirmavam as estrelas - portanto, tudo bate certo, pá! Proponho a OPA lá para os 60% para a CMVM vir dizer que não pode ser muito bem os 60, que tenho de te OPAr para os 100%... L.: Opá, OPAr-me a mim, não, pá! Ao Glorioso ainda vá, pá!, mas a mim não, pá!, ãh?, a mim não pá! J.: Epá, não era isso que eu queria dizer, pá!, claro pá, era o Glorioso, pá, está claro, pá! Mas, pronto, pá, como eu dizia, pá, então... enquanto andamos nesta dança, e vocês fazem a reuniãozinha geral de emergência para de emergência decidirem que não vendem, e a CMVM reúne de urgência para nos mandar OPAr a 100% ou provar que temos justificações para os 60, e nós reunimos de urgência para deliberar se conseguimos justificar os 60 ou OPAmos a 100 ou não OPAmos porque é muita areia para a nossa camioneta madeirense, o Benfica anda nas bocas do Mundo, pá, estás a ver, os Media não nos largam, mandamos assim em Conferência de Imprensa umas postas de pesacada, pá, estás a ver, pá, e as acções, entre descer um bocadinho e subir um bocadão vão andar aí arribar que é uma beleza! Ãh? Que tal, ò Luís, ãh? Que tal, pá?! L.: Épá, ò Joe, pá, agora é que te esmeraste, pá!... J.: E não é só isso, pá! O melhor ainda vem aí, pá! O melhor nem é eu poder mostrar ao Cont'nent que sou pôdre de rico, pá! Nem poder disparatar para a Imprensa que o Benfica é o melhor Clube do Mundo! Nem sequer é, pá, valorizarmos essas moribundas acções do Benfica que estavam a afundar por incompetência financeira! O melhor, pá, o mais genial desta minha ideia brilhante, pá!, é que, com isto, pá, a malta lixa o Vilavinho com uma limpeza que é de artista, pá! Com uma limpeza, eh lá! cuidado!, pá! Estás a ver, pá?! Ãh?! Estás a ver, ò Luís?! O maior accionista, com isto, semi-caput! Estás a ver, pá! Não é de génio???? Ãh, ãh, ãh? L.: Maluco! Assim é que é! Que nem ginjas, pá! Só por causa disso, pá, estás convidado para as sobras do lagostim, pá! Isso é que foi animares-me a digestão! Quando queres, Joe, és um copincha pá! Bem haja, pá! Bem haja! Traz para cá esses ossos mal tu possas, pá!, e faz lá isso da OPA! Eu logo faço daqui as minhas jogadas, pá! Abração grande, ãh?, pá! J.: Assim é que é falar, ò Luís! Grande abraço! E espera por amanhã! Que grande dia!

AQUI O GUME PERDEU A LIGAÇÃO...

O Gume acrescenta, a título de curiosidade científica, que o lagostim é um excelente comedor de algas. Portanto, se tiver excesso de algas lá em casa...

E foi a dica da semana... J.: Tou, Luís? Luís? Sim, Luís, pá, sou eu pá! Epá, ò Luís, pá, tive uma ideia brilhante, pá!

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Sabes, Hamlet?, a vida perdeu o Norte. Seres ou não seres são dúvidas antigas... Os dias são pegadas dos teus passos, poeira das horas que deixaste de ter.... A Morte é o destino desses passos... Que ironia profunda há em viver!

(Lisboa, 16/09/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

Passos...

Ouço passos, lá fora, ò Solidão!

Corro a ver de quem são,

Quem chega - Não me viu, não o vi…

Nada...

Nada, nem ninguém...

Só passos rápidos de alguém

Que não vem por aqui...

Tenho a vida presa (que prisão!)

Desde que nasci...

Tenho uma ansiedade, inquietação...

Mas já passou, já esqueci...

Lisboa, 22/11/95

II

Sim, descansa...

Foi só um sobressalto.

Podes voltar a essa enorme angústia

Que define a tua natureza...

Pois quem virá comer à tua mesa?

Só esta hidra que voa dos planaltos,[1]

Só este monstro do medo e da incerteza…

A Solidão?

Que vileza!

A Solidão?

Que vileza!

Podes voltar a essa enorme angústia

Que define a tua natureza...

A Solidão?

Que vileza...

Lausanne, 22/09/04

[1] Nota do Crítico: Nova incongruência deste autor menor. Como é do conhecimento geral, as hidras não voam. Cf. National Geographic, programa XII, série 237, 19xx.

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Como fui insensato em quebrar-te o riso!...

Mas, como poderia adivinhar?!...

Como é triste ver-te deprimida!

Chega querida! Pára de chorar…

Lisboa, 29-05-96

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

A tua saia

Redonda

Desmaia

Nas ondas

Maleáveis

Das marés.

O meu corpo

Inerte

Sem forças

Perece

Em frente

A teus pés.

O teu rosto

Escarnece

Do meu

Que apodrece

E se esquece

Que é.

Pudera

Eu ser grande,

Tal como

Um gigante

Domina

As alturas!

Mas, enfim,

Sou triste!

No ser mau

Consiste

A minha

Figura!

E por isso

Jazo

Sob o teu

Vestido

Que me dá

Tonturas…

Lisboa, 20-05-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

O Original:

Agnus Dei qui tolis peccata Mundi ora pro nobis!

A Tradução:

Cordeiro de Deus, tiraste os pecados do Mundo... E então e nós???!!!

Lisboa, 20-05-98

Nota do Crítico Especializado: Inútil especificar que o autor errou a tradução do latim. Tanto trabalho (pretensamente poético) foi, afinal, consideravelmente vão. Felizmente, para urbi et orbi, o artista em questão não se dedicou à filologia - Por certo, redefiniria o vocábulo caos. Por Santa Ingrácia! Que o Céu me perdoe o pensamento tão escassamente cristão... Mas como eu tenho raiva a todo o autor menor!!! [1] Nota do Crítico Especializado: Inútil especificar que o autor errou a tradução do latim. Tanto trabalho (pretensamente poético) foi, afinal, consideravelmente vão. Felizmente, para urbi et orbi, o artista em questão não se dedicou à filologia - Por certo, redefiniria o vocábulo caos. Por Santa Ingrácia! Que o Céu me perdoe o pensamento tão escassamente cristão... Mas como eu tenho raiva a todo o autor menor!!!

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Ah! Senhora, que chama me consome!

Como me alucino em convulsões!

É esse olhar, esse gesto, o sobrenome

Bordado nesses míticos brasões.

Não como. Não durmo. Não reajo.

Apodreço-me nas mesas dos cafés

A admirá-la, de longe, acorbadado

Envolta em lacaios, de librés...

Como os invejo! Bastar-me-ia tocar a vossa capa,

Seguir-vos fiel por toda a parte,

Como um vosso adorno, como um louco! –

Se amor é um fogo e cruel mata,

Então, grave mulher, de assim amar-te,

Não devia já de estar eu morto?

Lisboa, 14/10/94 – 14/03/98

P.S.: Odete, cara Odete,

Essa dama da Côrte que, por vezes, você veste,

Ainda que exaure sempre um'aura comunista,

Arrepia-me a pele de fundo entusiasmo!

Mesmo que, por norma, você seja uma peste,

Com uma tendência 'stranha para teatro e revista,

É o remédio perfeito p'r'ó marasmo...

É por isso qu'eu, sem ponta de talento,

Apenas por respeito e admiração,

Vos dedico (Odete, vem de dentro!),

O meu «Deslumbramentos» - simples composição...

Pode desdenhá-la, armar um pé de vento...

Mas foi pensada com o coração...

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Ora, o provérbio, era como, ao certo? … Quem tudo quer, na vida… tudo perco…

(Lisboa, 18/07/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

A força das marés arrasa os portos–

Destroços são a marca inquestionável.

A força das marés desfaz colossos –

A areia é a matéria irrefutável.

A força das marés revolve os corpos –

O sangue é uma prova insofismável.

II

A

Estar sozinho

Abraçado

Com o silêncio;

B

Conhecer

O suplício

De ser múltiplo;

C

Conviver

Com o lento

Movimento

D

Da vida

Que me abriga

No seu túmulo.

III

Vivo no abismo

Entre a terra e a onda,

Meu Negro Ostracismo

É seguir na Sombra…

IV

Então Deus criou a Terra

(Que me encerra)

E os Monstros

(São os outros!)

E os Quatro Elementos

(A Fúria, a Fome, a Sede e o Tormento)

E os pecados, que são três

(Sonho, Poente e Eternidade),

E inventou essa vil dualidade

De ser de uma só vez

Abel, Caim…

Nós descobrimos,

Ainda que a despeito da vontade,

Que não choramos apenas, também rimos[1],

Que não foi do mesmo ventre que provimos[2],

Que, por certo, a vida tem um fim[3].

Lisboa, 11-05-98

Notas do Autor: [1] O Ridículo

[2] A Imperfeição

[3] O Desespero

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Jud. de S.: Boa noite, hoje temos connosco o Dr. Paulo Portas que vem falar-nos do que considera ser uma situação muito grave da Democracia Portuguesa. Boa noite, Dr. Paulo Portas...

P.P.: Boa noite Judite...

Jud. de S.: Explique-nos então o caso, Dr. ...

P.P.: Bom, Judite, o caso é gravíssimo. Como você bem disse, trata-se de um ataque profundo à Democracia Portuguesa...

Jud. de S.: Perdão, Dr. Portas, o que eu disse...

P.P.: Precisamente. Disse-o e disse-o muito bem. O que...

Jud. de S.: Mas...

P.P.: Evidentemente. Tem toda a razão. E o que me mais me preocupa nesta situação é o que este ataque particular ao meu partido, símbolo primeiro da Democracia Nacional, representa de nocivo para todo o português por quem sempre fiz tudo o que estava ao meu alcance, desde jornalista a professor; de professor a deputado; de deputado a líder partidário; de líder partidário a Ministro; de Ministro a pessoa risível, para defender e proteger. Se me dá licença, Judite, adianto-lhe desde já que me considero, nesse aspecto, o Zorro de Portugal...

Jud. de S.: Mas explique-me, por favor, Dr. Paulo Portas, e aos blogospectadores lá em casa em particular, de que se trata esse ataque...

P.P.: Com certeza que explico Judite. E com provas. Vim preparado com provas, para lhe mostrar, e aos blogospectadores, por A mais B, como há organizada uma Cabala contra a digna instituição democrática que eu tenho a honra de liderar e representar que é o CDS-PP.

Jud. de S.: Que tipo de Cabala, Dr.?

P.P.: Bom, é uma Cabala que é muito simples, Judite, muito simples e extremamente complexa, que é uma Cabala de interesses que andam a engendrar para nos prejudicar e que diz particularmente respeito áquela situação do endividamento contraído alegadamente indevidamente mais ou menos generalizado dos partidos políticos, ou não é bem um endividamento, vá, mas mais um branqueamento, por assim dizer, um branqueamento ligeiro, vá um alegado ligeiro branquemento de capitais, vá falcatruamento, assim é que é, em relação às contas de 2004.

Jud. de S.: Notícia já devidamente blogonoticiada pelo Gume a 5 de Junho de 2007...

P.P.: Exactamente, Judite, é mesmo isso... Ora, o vergonhoso desta situação é que isso é tudo uma grande mentira, pelo menos no que respeita ao meu partido...

Jud. de S.: Como assim, Dr.?

P.P.: Pelo seguinte motivo, Judite: O CDS-PP, em 2004, altura aliás em que era eu o seu líder, apresentou todas as suas contas sem qualquer tipo de incompletude ou irregularidade, e, repare, eu tenho aqui as provas, ora, dê-me só um instante... portanto... ora, isto não é que é a receita do médico... também não, o ticket do parque de estacionamento... não é isto, talão do clube de vídeo... isto também não é, o recibo da Almedina... não, a conta do restaurante... não, não, bilhete de cinema, talão da lavandaria... ora,... cá está!... Não, isto é o discurso para o meu irmão - nós vamos convergindo as nossas divergências por vermos que a magia da política é reduzir de sobremaneira as diferenças entre a quase-extrema-direita e a quase-extrema-esquerda -... olhe, não, está difícil Judite, mas bom, a prova, como vê, está visível aqui nestes papéis, e toda a gente lá em casa pôde comprová-lo sem dificuldades. E era precisamente isto que eu lhe queria mostrar a si e aos blogoespectadores, e aos Tribunais deste país e à Comunidade Internacional: Que, como acabei de mostrar, estamos a ser intimidados com o propósito maléfico e anti-democrático de arruinar a imagem deste partido indispensável à evolução da sociedade portuguesa e o seu líder, em particular, que sou eu...

Jud. de S.: Bom, não chegámos bem a ver as provas, Dr. Port...

P.P.: Não chegaram bem? Não chegaram bem?! Oh Judite, francamente, não me diga que também está metida na Cabala! O Gume também está metido na Cabala? Isso é que não Judite! Então não viu os papéis?!

Jud. de S.: Não claro!, de maneira nenhuma! E sim, vi os papéis, mas...

P.P.: Ah!, óptimo! Por momentos assustou-me! Está então tudo provado, como vê! Estamos inocentes e a ser perseguidos e intimidados! E eu tenho aqui, veja, eu trouxe comigo, a prova da Cabala, que já tiveram, inclusivé, o descaramento de editar! Esta gente, Judite, nem sequer tenta esconder-se! Ora leia, ora leia!:

Viu bem?

Jud. de S.: Realmente, pode ser suspeito... E o Dr. está de facto a parecer-me um pouco assustadiço. Sente-se mesmo intimidado?

P.P.: Pois naturalmente que sim, Judite! Numa situação destas?! Claro que sim! A Judite sabe, ãh?, a Judite sabe que apanhámos 3 indivíduos suspeitos a cirandar a nossa Sede ontem à noite? Ãh? Sabe? E eu tenho aqui fotografias! Ora repare: ... ora esta não que é da minha irmã com 14 anos numa passagem de modelos... esta sou eu em Ibiza, por acaso aqui o bronze ficou bem... mas não, também não é esta... ora... um pôr do sol em Cascais... o meu canapé na Assembleia da República... o protótipo do mig29 que guardei para expôr na minha sala de quando fui Ministro da Defesa... o Piloto, o cão de um bom amigo... as minhas meias brancas de verão, para a praia... não, bom não é nada disto... mas estão aqui entre estas fotografias e são mais uma prova gritante, como vê, do que estou a dizer. Porque nós, Judite, não estamos a brincar, e temos tudo registado. Nós, no CDS-PP (PP de Paulo Portas, naturalmente), trabalhamos por Portugal, e não brincamos. E como acabou de testemunhar, temos tudo registado... E já nos lançaram mastins, e mandaram cartas anónimas a ameaçar as nossas famílias, eu, em particular, recebi isto, por exemplo, olhe, olhe!:

e disseram-nos que ainda nos obrigavam a ir ao Big Brother com a Cinha Jardim, a Lili Caneças, o João Baião, o Canto e Castro, o Castelo Branco, a Catarina Furtado, a Teresa Guilherme, o Manuel Luís Goucha e a Manuela Moura Guedes! Se isto não é intimidação, então desculpe, Judite, não sei o que possa ser...

Jud. de S.: Bom, realmente o último exemplo, a ser verdade... E que medidas tomou?

P.P.: Olhe, não sei, de tudo um pouco. É claro que isto é um caso de polícia. Já particpei o caso às autoridades, claro está. Mas confesso-me, quero dizer, confesso-lhe, perdão, que, por agora, sinto-me assim pequenino!:

Jud. de S.: Caramba! Isso é realmente muito pequeno! Mas o Dr. Paulo, sentir-se assim, logo o Dr., que tem um ego deste tamanhão!!!:

P.P.: Ora aí está Judite! Só me ajuda! Está precisamente a provar o que lhe digo! Para eu que tenho um ego assim:

Estar a sentir-me assim:

Imagine!

Jud. de S.: Realmente deve ser muito complicado... E a acusação que lhe apresentam consiste mais especificamente em quê?

P.P.: Olhe Judite, vou ler-lhe mesmo a notícia do Público: Cá está: «T6, vista p'r'ó mar, bons acabamentos, bonitas assoalhadas...»... Não, desculpe, este é o «Regiões.».. Só um instante... Ah!: «Usado, como novo, Jaguar impecável, azul metalizado, 275 cavalos, pneus a estrear, uma pexinxa...»... Também não é este, desculpe, este é o «Ocasião»... Mais um instante...: « Miguel Veloso seduzido pela Premier League...»... Não, o «Record»... Ah, sim, agora é que é!: «(...)uma campanha de "intimidação" as notícias de alegadas irregularidades nos donativos ao partido(...)». Está a ver? Isto é uma notícia do jornal «Público» de hoje dia 16, e, como pôde ver pelo que eu li (o resto não interessa) a frase não foi retirada do contexto em que se encontrava. Isto vem mostrar que até os jornalistas do Público perceberam que se trata de uma intimidação que as nossas irregularidades são alegadas, que não existem! Trouxe inclusivé, para lho mostrar com todo o rigor, as contas do partido de agora e de 2004 e de antes disso - o que está riscado é o que não interessa, - para que veja, Judite, o descalabro a que isto está a chegar... E u fiz as contas todas, como pode ver aqui neste papel rabiscado, olhe, aqui, está a ver...

Jud. de S.: Sim, bom ,não, isto está um pouco baralhado, estas contas não parecem bater certo....

P.P.: Não, não, Judite, não é nada disso, está a olhar para o rascunho... Isso fui eu a testar a prova dos nove, não é isso...

Jud. de S.: Ah estranhei... O Dr. sempre foi tão bom com números... Quando era deputado apresentava com tanto rigor e sempre na ponta da língua todos aqueles dados entre o conjecturado e o deslocado da Solidariedade e Segurança Social...

P.P.: Ah, Judite!, Bons velhos tempos! Nessa altura tinha o Nobre Guedes a meu lado! Que belo apoio! Que saudades! Mas já tive os meus problemas com números... olhe o caso da Moderna... Só aqui entre nós, Judite, as contas sempre me baralharam muito... Mas bom, neste caso tenho a certeza de estar tudo bem, e também a Judite pode vê-lo. E é garantido, como mostrei a toda a gente, e também o Público veio mostrar pela frase que citei ipsis verbis e que, repito, não retirei, de maneira nenhuma, de contexto, - palavra de escuteiro democrata-cristão!, - que há uma Cabala vergonhosa contra nós e por isso, sendo contra nós, contra o povo português. Mas uma coisa lhe garanto, Judite: Palavra de democrata, isto não vai ficar assim!

Jud. de S.: Muito bem, senhor blogospectador, resta-me agradecer ao Dr. Paulo Portas a sua presença e os seus esclarecimentos e a si a sua atenção e fidelidade ao Gume e ao nosso programa. Até uma próxima «Grande Entrevista "à La Revista"», boa noite, e fique bem, com...

O SEGUNDO GUME! Até sempre... P.P.: Ora aí está Judite! Só me ajuda! Está precisamente a provar o que lhe digo! Para eu que tenho um ego assim:Estar a sentir-me assim:Jud. de S.: Sim, bom ,não, isto está um pouco baralhado, estas contas não parecem bater certo....P.P.: Não, não, Judite, não é nada disso, está a olhar para o rascunho... Isso fui eu a testar a prova dos nove, não é isso...Jud. de S.: Ah estranhei... O Dr. sempre foi tão bom com números... Quando era deputado apresentava com tanto rigor e sempre na ponta da língua todos aqueles dados entre o conjecturado e o deslocado da Solidariedade e Segurança Social...P.P.: Ah, Judite!, Bons velhos tempos! Nessa altura tinha o Nobre Guedes a meu lado! Que belo apoio! Que saudades! Mas já tive os meus problemas com números... olhe o caso da Moderna... Só aqui entre nós, Judite, as contas sempre me baralharam muito... Mas bom, neste caso tenho a certeza de estar tudo bem, e também a Judite pode vê-lo. E é garantido, como mostrei a toda a gente, e também o Público veio mostrar pela frase que citei ipsis verbis e que, repito, não retirei, de maneira nenhuma, de contexto, - palavra de escuteiro democrata-cristão!, - que há uma Cabala vergonhosa contra nós e por isso, sendo contra nós, contra o povo português. Mas uma coisa lhe garanto, Judite: Palavra de democrata, isto não vai ficar assim!Jud. de S.: Muito bem, senhor blogospectador, resta-me agradecer ao Dr. Paulo Portas a sua presença e os seus esclarecimentos e a si a sua atenção e fidelidade ao Gume e ao nosso programa. Até uma próxima «Grande Entrevista "à La Revista"», boa noite, e fique bem, com...O SEGUNDO GUME!Até sempre... Jud. de S.: Caramba! Isso é realmente muito pequeno! Mas o Dr. Paulo, sentir-se assim, logo o Dr., que tem um ego deste tamanhão!!!:

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Sigo aos tropeções nas avenidas; passo sem acerto pelas calçadas sujas; empurro os transeuntes domingueiros por me doer o terem um domingo e o gozarem, assim, tão levemente; ofendo sem justificação plausível o agente da autoridade, pondo em causa a autoridade de que ele se diz ser agente; espanco brutalmente os mendigos que se insurgem contra a minha pobreza; grito às casas mortas a minha solidão: «Ò Gentes, venham às portas!, às janelas!, quero pão! Se pão já não tiverem, não dão um beijo, não?». Ninguém. Ninguém! Tanta vileza! A Vida está aqui, eu estou além. A Vida está alí, eu estou aquém. Isto é suspeito: Vivo sem Norte na bússola do peito… Vivo sem Norte... Que mágoa a incerteza!

– Não, não, … claro… é garantido!, passo aí para fechar o negócio amanhã…

– Vê por’ond’andas, cretino!

– Se eu mandei a carta? Mas se só ontem recebi o teu telefonema!

– Sim, amor, eu estou em casa, talvez, antes das dez… muito trabalho sabes… Espera, tenho outra chamada… Olá Mónica! Jantar hoje, sim, não, não me esqueci, está tudo tratado… si m, ela julga que eu estou a trabalhar…

Vvvvvvrrrrrrrrrrrruuuuuummmmmm… PpppAaaaMmmm!!!

– OOOooooohhhhHHHHHH!!!!!!

– Não há nada para ver! Circulem! Circulem!

– Para a Sé?

– À direita… à esquerda… contorna… depois… e passando os semáforos… então sempre em frente… e vira na esquina da… com a… e então a direito… é muito fácil…

– E para a Morte? Para a Morte? Para a Morte?

– À direita… à esquerda… contorna… é muito fácil…

(Lisboa, 17/07/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Quanto é preferível ao ódio o amor! O amor apaga-se. O ódio não...

(Lisboa, 05/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

I

Tão só estirado com os sonhos no Poente,

Tão só galgando esta ponte de medo,

Remando rumo ao Cabo,

Cruzando e enfrentando monstros mudos,

Com os olhos postos no Capitão do Fim...

Tão só na rota do ouro do Oriente,

Nesta São Gabriel dos Portugueses.

No mar acobardado,

Deus conduz pela própria mão estes marujos

Que buscam Fama e Glória em Bombaím...

II

No Oriente do Oriente do Oriente, Eu busquei Fama e Glória, insanamente, Amei sobre lençóis de bom cetim, Fumei o ópio, a planta transcendente, Comi desses manjares de mandarim, Provei todo o prazer inconsequente, Vesti um manto branco, à Serafim, Planei a ombros sobre a pobre gente, Impûs a minha Lei suja e ruim, Ganhei, pilhei, matei, impunemente, Ladrei, rosnei, ferrei como um mastim, E um dia dei por mim, tragicamente, A entender que não dava por mim...

III

Fui conquistar o Mar do Oriente, Goa, Calcutá, Omã, Cochim, E vi-me escravo um dia desse intento, E naufraguei no mar que havia em mim...

IV

Eu Portugal (eu, Miguel!), Eu fui em S. Gabriel, Eu fui em S. Rafael, Eu fui no Berrio além-mar.

Eu fui e vim sem me ver Fui procurar e querer, Fui encontrar e perder, Fui quebrar ventos e ar.

E depois de ter partido, E depois de ter voltado, Dei por mim roto, exaurido, Pobre, fraco, acobardado,

Dei por mim na Solidão, Sem sentido e sem razão, Sem ouro, barca ou padrão, A chorar o meu Passado;

E vou boiando, abatido, No paúl adormecido, No charco mudo e esquecido Do meu país estagnado...

Ontem fui Rei Sem Juízo, Hoje sou Bôbo com Guizo, Peito farto, bolso liso, E c'o miolo parado...

«Tenho pena, tenho pena, Mas não tenho melhor Fado!» [1]

Lisboa, 15/09/98

Nota do Autor: Para entendimento dos versos entre aspas, Cf. «Surrealismo Por Correspondência». [1] Nota do Autor: Para entendimento dos versos entre aspas, Cf. «Surrealismo Por Correspondência».

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Que Farei Com Estes Gumes?: and now for a little cartoon...

Novo acesso de tédio –

É uma constante.

Desisto.

E desta vez é a sério.

Tenho medo.

Mas o medo

Permuta-se.

Abro-me e transformo-me em cicuta:

Beberei o veneno do meu próprio sangue...

Lisboa, 02-04-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Numa equação matemática, o Homem, figura fixa, está no centro de tudo. A Vida e a Morte são as variáveis.

(Lisboa, 04/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

In Público, 13/06/07: «Apito Dourado: Pinto da Costa acusado de corrupç ão desportiva

O presidente do FC Porto, Pinto da Costa, foi hoje acusado do crime de corrupção desportiva no âmbito das investigações do processo Apito Dourado ao jogo com o Estrela da Amadora, na época de 2004».

Eu não me conformo, amigos, simplesmente não me conformo com esta acusão ignominiosa. O Sr. Pinto da Costa nunca fez mal a ninguém. O Sr. Pinto da Costa é honesto e idóneo. O Sr. Pinto da Costa é justo. O Sr. Pinto da Costa é regrado. O Sr. Pinto da Costa é cívico. Se acaso ofereceu o que dizem que terá oferecido, e eu não acredito em boatos, nem nas provas improvadas que vêm apresentando, o Sr. Pinto da Costa só fez bem. Se fez o que dizem que fez, o Sr. Pinto da Costa distribuiu felicidade: viagens, riqueza, romenas de perna cheia, brasileiras de pele morena, francesas de peito farto, russas de mãos de fada, licores, charutos, festas privadas e públicas, boas relações camarárias em todos os sentidos do termo... Se fez o que dizem que fez (e eu, por minha fé, não acredito que o tenha feito), o Sr. Pinto da Costa foi o Pai Natal português e merecia ser referenciado como homem modelo para as criancinhas. Se fez o que dizem que fez (que não fez, por certo, estou seguro), o Sr. Pinto da Costa é um mãos largas, uma alma de ouro, um coração de manteiga... e... se fez o que dizem que fez (que não fez!, que não fez!) o senhor Pinto da Costa esteve a alimentar a gula desse povo e a mim, seu admirador mais profundo, nada deu, nunca, em tempo algum... A mim, eu, Leandro Braz Palmeirim, que tanto o quero e lhe quero bem, que tanto o estimo, que tanto o defendi, que tanto fiz por ele sem que ele o suspeitasse, que tenho as paredes das minhas águas furtadas forradas com as fotografias e recortes de jornais e revistas das suas aparições, dos seus discursos, das suas vitórias, das suas alegrias, das suas necessidades, eu, nada recebi, nem um incentivo, nem um abraço, nem um convite, nem um obrigado... E é então que me sobe uma amargura ao peito, e o amor se mostra no seu maior egoismo: Vem-me à boca o acre do insulto, às mãos sobe-me a fúria de o esganar, aos pés o incentivo do biqueiro, à mente o desejo de cumprir as maiores vilanias. E por causa desse amor que lhe tenho, nunca compensado, nem com a mais leve sombra de conforto, nunca valorizado por esse Deus absoluto do futebol português (e não só, e não só), por causa dele, desejo profundamente que esse homem inocente, esse mártir, esse santo patriarca dos mortais lusitanos (e um dia dos mortais do mundo) seja acusado pelos crimes mais soturnos e castigado do modo mais cruel, e enjaulado, e sodomizado à bruta na masmorra de Caxias pelos reclusos mais feios e selvagens. E que depois seja extraditado para as minas da Sibéria, onde trabalhará descalço e a tronco nu sobre o gelo frio daquela profundidade demoníaca. E que nunca mais possa voltar para, com a sua ingratidão insuportável, consporcar o meu coração sensível... E que entenda, como eu o peço, que entenda!, que tudo isto é feito por amor... E que, cumprido este caminho necessário para a sua santidade absoluta, o Sr. Pinto terá o meu perdão...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Na Gramática da Vida, morrer é um verbo que se conjuga no Tempo Imperativo.

(Lisboa, 02/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

I – Transformação Lavoisier catalizado de inocências, Eu ganho-me E perco-me E transformo-me! Procuro-me, inconstante, nas experiências Que ensaio, Provo E desvario… Buscar-me só me causa impaciência E não me achar impõe-me calafrios ... Entro no jogo de amar, que inconsciência! Perdi-me,

Achei-me, Falta qualquer parte! Faltas tu, figura que imagino, Artéria do meu orgão doentio Que bate insanamente por amar-te… Lisboa, 16-03-98 II – Esperança Estar contigo, quem sabe, Para sempre, quem sabe, Se durarmos sempre (quem sabe?) Se existir um sempre (quem sabe?) Em que quem sabe amar que ame esse que sabe (quem sabe?) Para eu te ter (quem sabe?) E tu me teres (quem sabe?) E uma metade completar outra metade (quem sabe?) Viver contigo, quem sabe, Como um abrigo, quem sabe, Livre da dor (quem sabe?) De andar tão só (quem sabe?) E então com isso conseguir a claridade (quem sabe?) Para me teres (quem sabe?) E eu te ter (quem sabe?) E tendo, sempre, experimentar a Liberdade… (quem sabe?!) III – Busca Onde o vazio começa e a terra acaba Busquei o que buscava não sabendo Que o que buscava já nesse ante-nada Já o buscava em ânsias de entre-sendo. Na própria consciência, essa Nababa, Que vive, qual Raínha, amolecendo, Eu embrenhei na Terra Abandonada, Onde o seu chão ao chão vai carcomendo. Caminho sobre a argila requeimada, Por sóis abrasadores de meios-dias Mais quentes e mortais que qualquer lume! Mas juro, mesmo assim, sobre esta espada, Provar em mil Infernos agonias Apenas p’ra sentir o teu perfume… Lisboa, 05/09/02 IV - Encontro Surgiste quand’ eu já não te esperava, Quando negara, amor, que tu viesses Quand’ eu não te suponha além do sonho, Tão vívida, tangível e carnal! Sou um vulcão (repara) e isto é lava. O que não É ouviu as minhas preces, O que não pode pôs-te onde me ponho, O que é Ideia, só, fez-te real… Lisboa, 20/03/02 V - Partilha O meu amor fechou-se subtil como as palavras – O meu amor é daqueles que não revela o seu mundo. Espera amor! – Fecharemos juntos este livro imundo; Folhearemos, rasgaremos juntos estas páginas! O meu amor! Fechou-se subtil como as palavras! Guardou-se a sós na terra que nos espanta! Espera amor! Fecharemos juntos esta campa! Choraremos juntos estas mágoas! O meu amor fechou-se subtil. Como as palavras, Encarcerou-se nesses manuscritos, Contos apócrifos de parcas existências. O meu amor fechou-se. Subtil como as palavras, Bebeu-se em sangue lúbrico dos ritos; Espera amor! Vivamos juntos a sobrevivência! Lisboa, 16-03-98 VI – Não-Fim Senti que me faltavas: Encontrei-te E vivemos. Cavámos uma cova Juntos E morremos. Tapámo-nos com a terra E na terra Dormimos. Nas mãos, flores de cidreira E, nos lábios, Sorrimos. Por mais que os anos corram Sobre os nossos Sentidos (Ou vermes que nos roam!), Estaremos Unidos... Lisboa, 28-03-98

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

In Publico, 12/06/07: Associação de Matemática foi convidada a deixar comissão após criticar ministra:

«Um comunicado da Associação de Professores de Matemática (APM) em que criticava declarações proferidas pela ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, levou o ministério a sugerir à organização o abandono da comissão de acompanhamento do Plano da Matemática.

"Pela primeira vez o país associará os resultados não apenas à performance dos alunos, mas também ao trabalho das escolas e dos professores, para o melhor e para o pior", disse a ministra a propósito dos exames nacionais do 9.º ano, no final de uma reunião de balanço do primeiro ano do Plano da Matemática, a 11 de Maio. Poucos dias depois, a APM reagia em comunicado, criticando a "ausência de sentido pedagógico" e a "leitura muito simplista e redutora do que é esse trabalho e a educação."

"No dia em que a notícia saiu no PÚBLICO, recebemos um telefonema do director-geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular [, o dr. Luís Capucha,] a dizer que deveríamos sair da comissão", conta Rita Bastos, presidente da APM. »

Os Cravos já eram. Os tanques vêm já a seguir...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

Viveste como o Sol numa Alvorada E o Sol anoiteceu. Na noite vagueaste sem morada E Deus criou o céu. -------- Coloquei a minha casa sobre o nada; É por isso que o Mundo inteiro é meu... (Johann Wolfgang von Goëthe, 1749-1832)

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

E prossiga a Vida, filha do Acaso, escrava do Capricho, géma da Demência, perdição do Homem!

(Lisboa, 01/04/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

Que enigma, no teu seio, amor, havia? Qual o mistério ocluso em tua boca? Teu brilho, teu olhar, escurece o dia! De ti defronte, Laura abaixa a touca! Que mágico poder foi celebrado? Que fera abocanhou os meus sentidos? Meu coração, esse motor, parado! A vida, esse acidente, posta em perigo! Mal eu te vi, fiquei petrificado, Sorvendo esse teu rosto de Medusa!, Agradecendo a Deus tamanha graça: De estar alí, esperando ser pisado, Num transe irregular de paixão pura, Sob o teu pé de deusa, em plena Praça...

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Desejar a Morte é dar desculpas à razão para que esta se mantenha viva...

(Lisboa, 28/03/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

I O Homem: A noite é escura e nada faz sentido; E eu, sem sentido, ando à espera d’alguém. Dentro de mim ouço um grito incontido – Mas dentro de mim não existe ninguém. Nem longe, nem perto ou à minha beira; Nem nos meus sonhos, no meu pensamento; A vida é parte d’outra parte inteira, E eu, parte à parte, um breve momento… A Mulher: É dia alto e nada aqui se explica: Não haver ninguém, haver quem não chega! Anos sentada sobre esta barrica, Só tédio, tédio, que mais me aconchega? Nem sonho feliz ou bom pensamento; Nem Lord ou herói de magra algibeira; É tanto o que sinto! Quase rebento! Mas sinto-o sempre da mesma maneira… II O Homem: Já vai longa a espera e ainda estou comigo; Não existe a Paz. Mesmo assim há estrada e por isso sigo – Já tanto me faz. Talvez ‘inda encontre uma outra alma Que se ajuste à minha; E entretanto o Tempo envelhece e palma A vida qu’eu tinha. A Mulher: Estou a sós comigo, só pó e vento – A Paz não existe! Porque sou Humana não me contento E sou sempre triste… Mas irei em frente p’la estrada fora Até ao Abismo. Porque há outro Tempo p’ra lá da Hora E é nesse que cismo. O Homem: Porque há outro Tempo além do que vivo Viverei Além; Nâo me importa a dor com que (hélas!) convivo Não m’ela contém. Nessa Terra vasta, val’ sem limites, Cavarei um prado. E saciarei esses apetites Que roubou o Fado! A Mulher: Oh Deus tu nos deste o mais negro fardo: Ser mulher e mãe! Mas tenho uma força, e cá dentro a guardo: Viverei Além! Onde a terra é seca e a luz se apaga Porei uma flor. E há-de ter forma essa coisa vaga Que se chama “Amor”…

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

I

Deus quer, a mulher sonha, o Homem nasce. Depois lavam as mãos dessa vergonha, Adormecem neutrais como Pilatos...

II

A tragédia nasceu com a invenção do espelho. Eu, Ballester, é claro, não sou eu; Apenas o terror a que assemelho...

III

Dionísio inventou o frenesim das uvas, Deu-nos a beber esse licor, Para esquecer o fustigar das chuvas, O vergastar da dor...

Mas não esquecemos, mágico, o horror!

Que Farei Com Estes Gumes?: na carroça dos poetas

Escrevo directamente no papel com uma caneta nova. Anoto as sensações tal como as recebo, sem reparos, correcções ou ajustes de razão e de estilo. Escrevo por escrever, sem um motivo. Isto equivale a dizer que o faço porque tal é, para mim, absolutamente necessário. Penso um pouco nas coisas. O que é estar aqui? Um bocejo… Expectativa apenas, um denso nevoeiro que esconde dos sentidos o que a vida nos dá.

Tão tarde! Duas da manhã… E pensar que tenho preguiça de dormir! Que absurdo!

Gostaria de deixar neste texto a marca do meu génio imaginado, do meu génio presumido de ser grande, maior do que a minha altura (como dizia o Caeiro), uma mensagem profunda e simples que enchesse o coração dos homens. Mas nenhuma mensagem de nenhum génio poderá preencher tamanho vazio…

Imagino-me um artista, e penso, no contexto dessa imaginação, como gostaria de ser original. Mas a originalidade é cada vez mais inviável como tema - pois já tudo foi dito. O original limitou-se ao como e não ao objecto exacto de que se fala. Eu sou portanto a repetição de um protótipo de homem que de tanto se manifestar é degradação e tédio, e a minha unicidade consiste apenas na minha teimosia em declarar-me único. A prova de isto ser mentira está no meu inevitável enquadramento no sistema. A prova de isto ser verdade está na minha inegável e tortuosa inadaptação. Qual das duas provas me está a mentir?

Cheguei há pouco ao quarto… Lembro que saí para ver a paisagem urbana. Caramba, que frio! Como odeio o Inverno! Ter de passar os dias com a paisagem a brincar maldosamente ao Negro Espelho do Homem! Quase dez anos volvidos, releio o texto, revejo a paisagem e vejo Lisboa a nevar como já não se via há 49 anos! Há 49 anos! Ena! Nunca tinha visto Lisboa a nevar… Quase dez anos depois reentro no quarto (mas esse quarto não é já o mesmo e também eu sou diferente) e lembro o quarto de há dez anos atrás, em que a lâmpada se fundiu quando premi o interruptor e me deixou às escuras: «Foi Deus que me deixou às escuras», pensei para comigo, «foi Deus». Um culpado tem forçosamente de existir se não puder ser eu… Um culpado, um culpado… Porque nos consola tanto a transmissão da culpa para um outro, a justificação das nossas frustrações?

Viver é simplesmente limpar o pó à tristeza, puxar o lustro à amargura, sacudir os trapos do sono, alinhar o vinco das estrelas em que pomos a sorte que dizemos faltar, dar graxa aos sapatos da resignação, sacudir as solas do conformismo à entrada da casa de luto que escolhemos ter. E pensar que de uma janela aberta poderia entrar luz! Mas como vencer o obstáculo das longas persianas?

Tantas contrariedades às nossas determinações! E há quem diga ser possível ser feliz!

Improbabilidades, coisas impossíveis… e ei-las sempre por aí a acontecer! A normalidade é então a anomalia repetida dos nossos imprevistos. O anormal é a excepção da estabilidade. Mas como poder estar estável se o Universo é um corpo em movimento?

Tanta raiva! Bonito serviço! Mais uma lâmpada fundida! No meu quarto de há dez anos parti um objecto que me era caro. No meu quarto de hoje parti o coração de quem me achava bom. E se eu te contasse que todo eu sou Inferno? Estou perdido como Dante, sem um Virigílio na vida que me guie. A verdade é essa. Olho em redor, contemplando, friamente, indiferentemente, as marcas de toda a destruição: uma tábua com pregos, uma tábua com pregos, uma tábua com pregos, tirar os pregos e gostar da tábua, assim, como ela está, esburacada e inútil, feia, arruinada. Comprazer-me com a ideia cruel de que essa tábua é o meu peito ou melhor, melhor, a ideia de que ela é o peito de um outro. Amar ser cruel como quem ama o amor, como quem ama uma mulher ou um homem. Imaginar atrocidades incríveis com um sorriso nos lábios.

O meu quarto de hoje: estou acompanhado como se estivesse só.

O meu quarto de há dez anos atrás, em que não era senão um sonho de um homem: Cacos de algo de que antes gostei e que agora não tem mais modo de me cativar. Olhei então em redor: estava só como quem estava acompanhado. Espelhei a minha fúria no vidro e vi-me monstruoso no reflexo da janela entreaberta. Escondi o rosto para não me olhar: acobardei-me com medo do monstro. Fechei-me em copas dentro do meu mundo e joguei espadas (para o defender) no mundo dos outros. Estou num jogo de cartas, somos quatro (como convém nos grandes jogos de cartas). Sentados na mesa quadrada ao centro do quarto pequeno, da esquerda para a direita: Eu, o Meu Deus, o Meu Demónio, Eu. Da direita para a esquerda: Eu, o Meu Demónio, o Meu Deus, Eu. Invariavelmente: Eu, Eu, Eu, Eu. Copas, copas, corações destroçados; ouros, ouros, subornos à Ventura; espadas, espadas, os outros chacinados; paus, paus, a raiva que perdura… E eu sempre perdendo na aventura, e eu sempre perdendo na aventura…

Essa derrota que vislumbro de longe (na distância inefável de dez longos anos) vê-se nas coisas mais simples.

Desejei ser sublime. Lembrei o mito de Deus: o mito que evapora como o vinho, o mito que sou eu…

No meu quarto de outrora: a lâmpada fundida, a solidão profunda, a vida triste… Gritei então original e divino: «Faça-se luz!» - e a luz fez-se. Depois sentei-me, dividi-me em dois, e a minha alma partiu-se…

No meu quarto de hoje abro a gaveta da mesa de cabeceira e tiro uma capa velha de cartão. Solto os elásticos que a mantinham fechada e tiro dela as folhas que continha. Aí estão guardadas com cuidado extremo essas colagens da alma que era minha. Mas juntá-la de novo era um esforço que não quero ter. Ela partiu-se, pronto!, não vale a pena falar mais no caso. Guardei por recordação e nostalgia essa relíquia dos restos que a compunham como um excêntrico zeloso dos seus antepassados guarda num frasco, embalsamados, os restos dos seus tetra-tetra-avós. É no fundo uma coisa de museu. No máximo é de contratar um historiador ou antropólogo que queira sacudir-lhe a poeira e traçar-lhe o retrato. Até lá está muito bem onde a deixei, colada, fechada e poeirenta. De que me serve uma alma se afinal, com ou sem ela, a vida é vazia e triste e lazarenta?

Oh, sim, no meu quarto de hoje, no meu quarto de outrora, o mesmo quarto, outro quarto, eu o mesmo de a criança de ontem, ou o homem de hoje que ainda parece um menino mas está velho e triste e se fez vil, que importa?! Tudo não resulta em mais do que impressões num texto com caneta nova anotando memórias muito antigas, coisas vagas que se confundem no tempo, anotando impressões por simplesmente anotá-las ou por simples necessidade ridícula de compensar o meu enorme absurdo de existir, que não tem razões que o justifiquem nem precisa delas! Que me importa tudo isto afinal?

Porque a razão sucumbe ao medo que a devora, como sempre o Bem sucumbe ao Mal…

(Lisboa, 24/03/98)

Que Farei Com Estes Gumes?: da distante alexandria

«Pinochet em Câmara Ardente» - Há uns meses, notícia dos media.

Logo a seguir, na TVI: «Explosao no Iraq mata 80 pessoas» A reflexão possível: TODOS OS PORCOS MORREM COMO HOMENS. SÓ OS HOMENS MORREM COMO PORCOS...

Que Farei Com Estes Gumes?: satyricon

A pior solidão é quando sentimos falta de nós próprios. (Lisboa, 07/10/97)

Que Farei Com Estes Gumes?: pensaminando...

I

Georgette é a filha da vizinha

Do prédio em frente, no terceiro andar;

Por norma está no quarto ou na cozinha,

(Locais onde a mulher costuma estar);

É bonita; sempre penteada;

Não tem irmãos, nem cão, nem namorado;

Discute muitas vezes com a criada

Sobre a Política Interna do Guisado.

Fala muito; especialmente ao telefone.

(Talvez por ele busque um sobrenome…)

Gosta de gatos, planta girassóis.

É arrogante; tola, impertigada.

Costuma passear sempre alheada,

E pensar muito com os seus caracóis…

Lisboa, 25/05/97 – Lausanne, 03/09/04.

II

Georgette tem de permanentemente fazer permanente

Para poder continuar inteligente.

III

Mas eu amo Georgette.

E não me envergonho de amá-la.

Eu grito: Eu amo Georgette!

O meu grito: Eu amo Georgette!

Meu grito: Eu amo Georgette!

Magrito (como sou), amo Georgette.

Também ama Georgette?

Mas grite: Amo Georgette!

Magritte ama Georgette.

Georgette ama Magritte?

Georgette não ama Magritte.

Georgette não ama ninnguém.

Georgette não ama.

Ninguém ama ninguém.

Ninguém ama.

Nem mesmo Magritte amou.

Magritte pintou:

Le Mal du Pays.

Le Mal du Plat Pays.

Le Mal de la Belgique.

Le Mal:

La Belgique.

Magritte pintou o Inferno.

Que tem isso com amor?

Georgette…

IV

Georgette,

Georgette,

Georgette,

Três vezes o teu nome se repete

Pelas três ocasiões em que te vi.

Cansaço enorme de gostar de ti!

V

Omelete, Gay da Dinamarca,

Desenhou com sua espada a marca

Com que me defini.

Era um Z de Zorro e de Zapata.

O Z tocou-me.

O Gay gritou-lhe: – «Mata!». –

O aço rasgou-me a vil carcaça

E eu morri…

VI

Amar,

A mar,

A Marte.

Três zonas por que a mágoa se reparte…

VII

Estavas num terceiro andar a penteares-te;

Estavas num carreiro a andar, depois tombaste;

Estavas a dar, depois nunca mais daste;

Estavas-te a dar, mas logo t’acabaste.

VIII

– O que é tacabar?

– Do latim taco, tacas, tacare, tacaui, tacatum est;

Significa um pouco este delírio que alastra como a peste.

IX

– Como suportá-lo?

– Estar imóvel.

Ser como uma estaca.

Ser um móvel,

Ser objecto.

Ser estátua.

Admirem-me!

Venham ver-me!

Sou uma Obra de Arte!

Contemplem-me!

Contemplem-me!

Contemplem-me!

Olhem-me sempre:

Quero morrer com um enfarte de gente,

Quero morrer com um enfarte de gente,

Quero morrer com um enfarte de gente,

Quero morrer com um enfarte…

Se não doer,

Se não doer…

Se doer quero esquecer

Que já o tive ou senti.

Se doer prefiro ver

Que ele se dá em ti…

Tornei-m

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