As garantias de Costa e as linhas vermelhas da esquerda

17-02-2016
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Dias depois de assinados os acordos com BE, PCP e PEV, em novembro, que permitiram a viabilização do seu Governo, António Costa deu uma entrevista à RTP em que garantiu estar bem ciente dos limites para conseguir aprovar o Orçamento do Estado (OE) para 2016 com os partidos à sua esquerda. “Sabemos que não podemos cortar salários, nem pensões, nem aumentar os impostos sobre o trabalho, nem os impostos indiretos sobre alguns bens essenciais”, afirmou.

Numa altura em que se sucedem as dúvidas, a vários níveis, sobre a exequibilidade da estratégia orçamental, com a Comissão Europeia a confirmar, esta segunda-feira, que persistem “grandes diferenças” nas discussões com o Governo português sobre o OE e os analistas a admitirem a eventualidade de o Executivo ter de recorrer a medidas adicionais para contentar Bruxelas, o Expresso voltou aos acordos assinados em novembro para tentar responder à pergunta: Costa poderá aumentar impostos (ou proceder a cortes) sem pôr em causa o compromisso assumido com os seus parceiros parlamentares?

O próprio assegura que isso não está sequer em causa. Em declarações ao “Público”, esta deomingo, o primeiro-ministro voltou a desdramatizar as conversas com Bruxelas (como já havia feito na passada sexta-feira, no debate quinzenal): “O diálogo técnico decorre sereno e positivo”, afirmou. Sobre “os compromissos eleitorais e com os parceiros do acordo” foi taxativo: “Não estão em causa”.

Fonte do Governo já afirmara ao Expresso, esta sábado: “Haja o que houver, nunca poremos em causa os nossos compromissos com o Bloco de Esquerda e com o PCP nem, claro, com o nosso eleitorado e o programa do PS”. “Não vai haver nada que permita que as pessoas digam que o Governo foi posto na ordem pela Comissão Europeia ou que não conseguiu virar a página da austeridade”, garantiu a mesma fonte.

Já na sexta-feira, durante o debate quinzenal, António Costa deixara a garantia de que cumprirá os compromissos que assumiu com os portugueses e com os partidos da esquerda que o apoiam. Cederá só, e se for necessário, nos “20%” em que ele e a essa esquerda não concordam.

Bloco exclui “medidas de compensação”

No BE, a colocação de baias relativamente ao Orçamento deste ano foi reafirmada na convenção nacional (o órgão máximo do partido entre convenções), realizada no domingo. A resolução aprovada tem, aliás, a sugestiva designação de “O Bloco preparado para o segundo combate com a troika”. Com efeito, os bloquistas denunciam “a chantagem europeia contra as medidas de recuperação de rendimentos”.

Sobre o documento, o BE refere-se às suas “limitações”, tanto no “esforço de recuperação de rendimentos e do Estado Social, como ainda no investimento para gerar emprego”. Neste quadro, o BE “será a garantia da exigência da proteção de salários e pensões, de uma alternativa pelo emprego, pelo Estado social e pela transparência”.

MARCOS BORGA

No entanto, só quando questionada pelos jornalistas é que Catarina Martins foi mais direta relativamente às linhas vermelhas que o BE não aceitará que sejam transpostas. Assim, o BE rejeitará “medidas de compensação” que sirvam para atenuar ou anular o que será ganho com propostas acordadas entre os partidos de esquerda.

“A nossa preocupação é que não haja medidas de compensação que retirem às pessoas a possibilidade de devolução de parte dos rendimentos que lhes foram tirados pela austeridade”, disse Catarina Martins.

“O Bloco de Esquerda leva a sério os seus compromissos e não volta atrás com a sua palavra. Há pontos que são para nós complexos e até preocupantes, [mas] estamos a negociar com o Governo no quadro do acordo firmado [com o PS]. E, enquanto for neste quadro, o Bloco de Esquerda naturalmente não falha. Negociaremos cada um desses pontos”, afirmou ainda.

PCP não negoceia, dá contribuições

Os comunistas também já fixaram os seus limites para a viabilização do OE de 2016. O comité central pôs, na semana passada, duas condições: o “cumprimento das matérias acordadas” com os socialistas e, de uma forma mais vaga, que o Orçamento traduza “o sentido geral de inversão da política (...) do Governo PSD/CDS”.

MARCOS BORGA

Jerónimo não adiantou muito mais. Nem na conferência de Imprensa dada no dia da reunião do comité central, nem nas duas intervenções em comícios que fez, este fim de semana, no Seixal e em Coimbra. O líder comunista acha mesmo que nos encontros entre os dois partidos têm sido dados “passos” e está a ser feito “um esforço sério” para um entendimento.

Mas recusa qualquer margem de dúvidas sobre a posição do PCP. “Não há negociação com o PS, há contribuições”, disse Jerónimo, que promete igualmente que o seu partido “agirá ativa e seriamente” se o OE não responder “a aspirações e direitos dos trabalhadores e do povo”.

A reposição de rendimentos e de direitos são ponto de honra. Tal como o BE, também o PCP garante: “Não nos desviaremos do caminho traçado”, disse também Jerónimo. E, na verdade, só promete apoiar “medidas positivas”. As outras, ou seja, as propostas que “forem negativas para os trabalhadores e para o povo” contarão “naturalmente” com o “voto contra” dos comunistas.

Mas, em nome da “postura reservada” que o PCP prometeu manter nas conversas com o PS, Jerónimo recusou concretizar as medidas que podem comprometer o Orçamento do Estado.

[Texto publicado no Expresso Diário de 1 de fevereiro de 2016]

Dias depois de assinados os acordos com BE, PCP e PEV, em novembro, que permitiram a viabilização do seu Governo, António Costa deu uma entrevista à RTP em que garantiu estar bem ciente dos limites para conseguir aprovar o Orçamento do Estado (OE) para 2016 com os partidos à sua esquerda. “Sabemos que não podemos cortar salários, nem pensões, nem aumentar os impostos sobre o trabalho, nem os impostos indiretos sobre alguns bens essenciais”, afirmou.

Numa altura em que se sucedem as dúvidas, a vários níveis, sobre a exequibilidade da estratégia orçamental, com a Comissão Europeia a confirmar, esta segunda-feira, que persistem “grandes diferenças” nas discussões com o Governo português sobre o OE e os analistas a admitirem a eventualidade de o Executivo ter de recorrer a medidas adicionais para contentar Bruxelas, o Expresso voltou aos acordos assinados em novembro para tentar responder à pergunta: Costa poderá aumentar impostos (ou proceder a cortes) sem pôr em causa o compromisso assumido com os seus parceiros parlamentares?

O próprio assegura que isso não está sequer em causa. Em declarações ao “Público”, esta deomingo, o primeiro-ministro voltou a desdramatizar as conversas com Bruxelas (como já havia feito na passada sexta-feira, no debate quinzenal): “O diálogo técnico decorre sereno e positivo”, afirmou. Sobre “os compromissos eleitorais e com os parceiros do acordo” foi taxativo: “Não estão em causa”.

Fonte do Governo já afirmara ao Expresso, esta sábado: “Haja o que houver, nunca poremos em causa os nossos compromissos com o Bloco de Esquerda e com o PCP nem, claro, com o nosso eleitorado e o programa do PS”. “Não vai haver nada que permita que as pessoas digam que o Governo foi posto na ordem pela Comissão Europeia ou que não conseguiu virar a página da austeridade”, garantiu a mesma fonte.

Já na sexta-feira, durante o debate quinzenal, António Costa deixara a garantia de que cumprirá os compromissos que assumiu com os portugueses e com os partidos da esquerda que o apoiam. Cederá só, e se for necessário, nos “20%” em que ele e a essa esquerda não concordam.

Bloco exclui “medidas de compensação”

No BE, a colocação de baias relativamente ao Orçamento deste ano foi reafirmada na convenção nacional (o órgão máximo do partido entre convenções), realizada no domingo. A resolução aprovada tem, aliás, a sugestiva designação de “O Bloco preparado para o segundo combate com a troika”. Com efeito, os bloquistas denunciam “a chantagem europeia contra as medidas de recuperação de rendimentos”.

Sobre o documento, o BE refere-se às suas “limitações”, tanto no “esforço de recuperação de rendimentos e do Estado Social, como ainda no investimento para gerar emprego”. Neste quadro, o BE “será a garantia da exigência da proteção de salários e pensões, de uma alternativa pelo emprego, pelo Estado social e pela transparência”.

MARCOS BORGA

No entanto, só quando questionada pelos jornalistas é que Catarina Martins foi mais direta relativamente às linhas vermelhas que o BE não aceitará que sejam transpostas. Assim, o BE rejeitará “medidas de compensação” que sirvam para atenuar ou anular o que será ganho com propostas acordadas entre os partidos de esquerda.

“A nossa preocupação é que não haja medidas de compensação que retirem às pessoas a possibilidade de devolução de parte dos rendimentos que lhes foram tirados pela austeridade”, disse Catarina Martins.

“O Bloco de Esquerda leva a sério os seus compromissos e não volta atrás com a sua palavra. Há pontos que são para nós complexos e até preocupantes, [mas] estamos a negociar com o Governo no quadro do acordo firmado [com o PS]. E, enquanto for neste quadro, o Bloco de Esquerda naturalmente não falha. Negociaremos cada um desses pontos”, afirmou ainda.

PCP não negoceia, dá contribuições

Os comunistas também já fixaram os seus limites para a viabilização do OE de 2016. O comité central pôs, na semana passada, duas condições: o “cumprimento das matérias acordadas” com os socialistas e, de uma forma mais vaga, que o Orçamento traduza “o sentido geral de inversão da política (...) do Governo PSD/CDS”.

MARCOS BORGA

Jerónimo não adiantou muito mais. Nem na conferência de Imprensa dada no dia da reunião do comité central, nem nas duas intervenções em comícios que fez, este fim de semana, no Seixal e em Coimbra. O líder comunista acha mesmo que nos encontros entre os dois partidos têm sido dados “passos” e está a ser feito “um esforço sério” para um entendimento.

Mas recusa qualquer margem de dúvidas sobre a posição do PCP. “Não há negociação com o PS, há contribuições”, disse Jerónimo, que promete igualmente que o seu partido “agirá ativa e seriamente” se o OE não responder “a aspirações e direitos dos trabalhadores e do povo”.

A reposição de rendimentos e de direitos são ponto de honra. Tal como o BE, também o PCP garante: “Não nos desviaremos do caminho traçado”, disse também Jerónimo. E, na verdade, só promete apoiar “medidas positivas”. As outras, ou seja, as propostas que “forem negativas para os trabalhadores e para o povo” contarão “naturalmente” com o “voto contra” dos comunistas.

Mas, em nome da “postura reservada” que o PCP prometeu manter nas conversas com o PS, Jerónimo recusou concretizar as medidas que podem comprometer o Orçamento do Estado.

[Texto publicado no Expresso Diário de 1 de fevereiro de 2016]

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