Robôs, para que vos queremos?

02-04-2018
marcar artigo

Ainda não estamos na era em que poderá vir a ler-se os pensamentos. Mas se estivéssemos – e tentássemos perscrutar o que vai nos chips deste robô que desliza pelos corredores da tenda montada no centro do Palácio Nacional de Mafra – talvez escutássemos qualquer coisa como: este emprego já era.

É verdade que, para já, o autómato com pouco mais de metro e meio de altura e desenvolvido pela RobotSol pouco mais faz do que percorrer a sala a passo de caracol para distribuir os folhetos do evento. Mas não deixa de ser revelador que esteja no centro do palco no dia em que o tema da 12.ª cimeira da COTEC Europa é exatamente repensar a aliança entre a tecnologia e o homem. E sobretudo o impacto que a quarta revolução tecnológica vai ter no emprego e nas relações sociais.

Hoje distribui panfletos. Mas pelo tom das intervenções desta quarta-feira, 7 de fevereiro, em Mafra não é de excluir que dentro de poucos anos outros robôs como este possam estar a substituir nesta mesma sala muitos outros profissionais. Segurança, catering, apoio de sala, técnicos de som e de imagem – só para nomear alguns. Até os tradutores simultâneos ou o jornalista que escreve estas linhas. Ou mesmo o cão que à entrada cheirava os pertences de quem chegava à sala, em busca de odores suspeitos.

Efeito desconhecido

A verdade é que, como reconheceu a secretária de Estado da Indústria, “ninguém sabe exatamente o que vai ser o trabalho daqui a 20 anos.” Ana Lehmann, que foi uma das intervenientes na cimeira que juntou responsáveis das COTEC Portugal, Espanha e Itália, acredita no entanto que será uma época de criação de riqueza sem precedentes. Mas admite: “Há certamente desafios e perdedores” neste caminho em que vamos cada vez mais cruzar-nos com as máquinas.

Domingos Santos

De acordo com a McKinsey, até 2030 a automatização pode acabar com 800 milhões de empregos no mundo, na medida em que tornará desnecessária a intervenção humana na realização de tarefas. Naquela que é – ainda – a maior economia do mundo, os Estados Unidos, a Forrester prevê que até 2019 um quarto de todos os empregos possam ser entregues a software, robôs ou automação que permite que os clientes se sirvam sozinhos num determinado estabelecimento.

Aconteça o que acontecer, não escaparemos a fortes alterações políticas e sociais neste século, defende Arlindo Oliveira professor no Instituto Superior Técnico (IST). Não serão todos os trabalhos que serão substituídos, mas muitos, sobretudo aqueles que exigem uma componente intelectual significativa, estão condenados à sobreposição.

“Estamos no alto mais entusiasmante de sempre, não é uma moda,” afirma sobre a emergência da inteligência artificial e robotização. “Os sistemas podem aprender por si só tarefas extremamente complexas. (…) Profissões como juristas não vão desaparecer. Mas algumas que fazem trabalho repetitivo, a inteligência artificial poderá fazer”, deixou exposto num dos painéis da cimeira.

Domingos Santos

Competir com o que as máquinas não fazem

Com uma revolução silenciosa instalada, um dos elementos que vai ser determinante para perceber o alcance da mudança é o mesmo que hoje em dia marca cada vez mais o ritmo das relações laborais: o tempo. Ou, melhor dizendo, a velocidade. E se neste fator não conseguimos competir com as máquinas, teremos de concorrer com outros em que sejamos melhores. Como as tarefas mais criativas, a destreza manual, o conhecimento dos ofícios, a empatia e o senso comum, a compreensão profunda das emoções. Características que não é possível repetir fielmente através da máquina.

“Deixemos que as máquinas façam aquilo em que são boas e façamos aquilo em que somos bons,” desafia Carlos Moedas. O comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação desmistifica os robôs como sendo máquinas que apenas equipamos com algoritmos e que não tomarão conta dos humanos. Mas para que a inteligência artificial não nos limite é preciso preparar as novas gerações para o embate, reforçando as suas habilidades digitais como está a acontecer em países como a Finlândia, defende, onde se aproxima a Física e a Digitalização ao sistema educativo.

Pelo meio, há todo um trabalho de alteração de cultura a realizar para levar a arriscar e a vencer a inação. E não são só os cidadãos que têm de ser educados a não ter esse receio: o comissário aponta também os políticos, “habituados a terem medo de tomar decisões.” Cabe a estes protagonistas decidir se as máquinas nos vão substituir ou ajudar-nos a melhorar as nossas competências, defende.A inevitabilidade da demonização da quarta revolução industrial também não pega para o antigo secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, que pede um “olhar total” sobre a sociedade e que também não se gere medo sobre os efeitos destas transformações. “É possível criar milhões de empregos úteis, valorizados e qualificantes. Mas é preciso utilizar a riqueza. A maior parte do desemprego é resultado da crise de acumulação capitalista gerada pela finança,” sublinha. Para isso, defende a entrada em campo das autoridades e da regulação, que ajude também a traçar uma linha na fronteira cada vez mais ténue entre o tempo para o trabalho e para o descanso e o ócio.

Domingos Santos

Desigualdade pode crescer

Apesar do posicionamento privilegiado de Portugal em alguns setores-chave – como a hospitalidade, onde pode ser difícil substituir a componente humana, ou a diversificação das fontes de energia renovável, que pode impulsionar a próxima fase industrial -, a inteligência artificial pode exigir novas competências e eliminar a necessidade de novos quadros superiores nas empresas. Além de poder “criar e acentuar os níveis de desigualdade”, como já aconteceu a partir dos anos 80 com a massificação dos computadores, adverte o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.

Uma vez mais o calendário parece apertar na adaptação das sociedades desenvolvidas à pegada das máquinas. A nível ibérico, a visão está alinhada. Se o rei de Espanha, Felipe VI – um dos chefes de Estado que encerrou a cimeira – reconheceu que ainda vamos a tempo de atuar mas que não há “tempo a perder,” Marcelo Rebelo de Sousa vê a mudança como imparável, mas controlável: “Nada parará a mudança, mas ela poderá ser mais ou menos rápida, duradoura e justa conforme seja acompanhada por uma União Europeia 4.0, por um sistema político 4.0 e por um sistema social 4.0. Um ambiente ajustado à era digital que maximize vantagens e minimize fragilidades.”

Na altura em que o Presidente da República deixou este apelo, numa referência à quarta revolução industrial, já o robô distribuidor de folhetos estava imobilizado e encostado ao canto da sala. Quem sabe se terá processado a mensagem.

Ainda não estamos na era em que poderá vir a ler-se os pensamentos. Mas se estivéssemos – e tentássemos perscrutar o que vai nos chips deste robô que desliza pelos corredores da tenda montada no centro do Palácio Nacional de Mafra – talvez escutássemos qualquer coisa como: este emprego já era.

É verdade que, para já, o autómato com pouco mais de metro e meio de altura e desenvolvido pela RobotSol pouco mais faz do que percorrer a sala a passo de caracol para distribuir os folhetos do evento. Mas não deixa de ser revelador que esteja no centro do palco no dia em que o tema da 12.ª cimeira da COTEC Europa é exatamente repensar a aliança entre a tecnologia e o homem. E sobretudo o impacto que a quarta revolução tecnológica vai ter no emprego e nas relações sociais.

Hoje distribui panfletos. Mas pelo tom das intervenções desta quarta-feira, 7 de fevereiro, em Mafra não é de excluir que dentro de poucos anos outros robôs como este possam estar a substituir nesta mesma sala muitos outros profissionais. Segurança, catering, apoio de sala, técnicos de som e de imagem – só para nomear alguns. Até os tradutores simultâneos ou o jornalista que escreve estas linhas. Ou mesmo o cão que à entrada cheirava os pertences de quem chegava à sala, em busca de odores suspeitos.

Efeito desconhecido

A verdade é que, como reconheceu a secretária de Estado da Indústria, “ninguém sabe exatamente o que vai ser o trabalho daqui a 20 anos.” Ana Lehmann, que foi uma das intervenientes na cimeira que juntou responsáveis das COTEC Portugal, Espanha e Itália, acredita no entanto que será uma época de criação de riqueza sem precedentes. Mas admite: “Há certamente desafios e perdedores” neste caminho em que vamos cada vez mais cruzar-nos com as máquinas.

Domingos Santos

De acordo com a McKinsey, até 2030 a automatização pode acabar com 800 milhões de empregos no mundo, na medida em que tornará desnecessária a intervenção humana na realização de tarefas. Naquela que é – ainda – a maior economia do mundo, os Estados Unidos, a Forrester prevê que até 2019 um quarto de todos os empregos possam ser entregues a software, robôs ou automação que permite que os clientes se sirvam sozinhos num determinado estabelecimento.

Aconteça o que acontecer, não escaparemos a fortes alterações políticas e sociais neste século, defende Arlindo Oliveira professor no Instituto Superior Técnico (IST). Não serão todos os trabalhos que serão substituídos, mas muitos, sobretudo aqueles que exigem uma componente intelectual significativa, estão condenados à sobreposição.

“Estamos no alto mais entusiasmante de sempre, não é uma moda,” afirma sobre a emergência da inteligência artificial e robotização. “Os sistemas podem aprender por si só tarefas extremamente complexas. (…) Profissões como juristas não vão desaparecer. Mas algumas que fazem trabalho repetitivo, a inteligência artificial poderá fazer”, deixou exposto num dos painéis da cimeira.

Domingos Santos

Competir com o que as máquinas não fazem

Com uma revolução silenciosa instalada, um dos elementos que vai ser determinante para perceber o alcance da mudança é o mesmo que hoje em dia marca cada vez mais o ritmo das relações laborais: o tempo. Ou, melhor dizendo, a velocidade. E se neste fator não conseguimos competir com as máquinas, teremos de concorrer com outros em que sejamos melhores. Como as tarefas mais criativas, a destreza manual, o conhecimento dos ofícios, a empatia e o senso comum, a compreensão profunda das emoções. Características que não é possível repetir fielmente através da máquina.

“Deixemos que as máquinas façam aquilo em que são boas e façamos aquilo em que somos bons,” desafia Carlos Moedas. O comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação desmistifica os robôs como sendo máquinas que apenas equipamos com algoritmos e que não tomarão conta dos humanos. Mas para que a inteligência artificial não nos limite é preciso preparar as novas gerações para o embate, reforçando as suas habilidades digitais como está a acontecer em países como a Finlândia, defende, onde se aproxima a Física e a Digitalização ao sistema educativo.

Pelo meio, há todo um trabalho de alteração de cultura a realizar para levar a arriscar e a vencer a inação. E não são só os cidadãos que têm de ser educados a não ter esse receio: o comissário aponta também os políticos, “habituados a terem medo de tomar decisões.” Cabe a estes protagonistas decidir se as máquinas nos vão substituir ou ajudar-nos a melhorar as nossas competências, defende.A inevitabilidade da demonização da quarta revolução industrial também não pega para o antigo secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, que pede um “olhar total” sobre a sociedade e que também não se gere medo sobre os efeitos destas transformações. “É possível criar milhões de empregos úteis, valorizados e qualificantes. Mas é preciso utilizar a riqueza. A maior parte do desemprego é resultado da crise de acumulação capitalista gerada pela finança,” sublinha. Para isso, defende a entrada em campo das autoridades e da regulação, que ajude também a traçar uma linha na fronteira cada vez mais ténue entre o tempo para o trabalho e para o descanso e o ócio.

Domingos Santos

Desigualdade pode crescer

Apesar do posicionamento privilegiado de Portugal em alguns setores-chave – como a hospitalidade, onde pode ser difícil substituir a componente humana, ou a diversificação das fontes de energia renovável, que pode impulsionar a próxima fase industrial -, a inteligência artificial pode exigir novas competências e eliminar a necessidade de novos quadros superiores nas empresas. Além de poder “criar e acentuar os níveis de desigualdade”, como já aconteceu a partir dos anos 80 com a massificação dos computadores, adverte o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.

Uma vez mais o calendário parece apertar na adaptação das sociedades desenvolvidas à pegada das máquinas. A nível ibérico, a visão está alinhada. Se o rei de Espanha, Felipe VI – um dos chefes de Estado que encerrou a cimeira – reconheceu que ainda vamos a tempo de atuar mas que não há “tempo a perder,” Marcelo Rebelo de Sousa vê a mudança como imparável, mas controlável: “Nada parará a mudança, mas ela poderá ser mais ou menos rápida, duradoura e justa conforme seja acompanhada por uma União Europeia 4.0, por um sistema político 4.0 e por um sistema social 4.0. Um ambiente ajustado à era digital que maximize vantagens e minimize fragilidades.”

Na altura em que o Presidente da República deixou este apelo, numa referência à quarta revolução industrial, já o robô distribuidor de folhetos estava imobilizado e encostado ao canto da sala. Quem sabe se terá processado a mensagem.

marcar artigo