Um ano depois, PS virou à esquerda?

27-02-2017
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O PS virou à esquerda. A geringonça vai a reboque do PCP e do BE. O Governo cedeu à esquerda radical. Nalguma opinião publicada e nos partidos da direita o diagnóstico dos últimos 10 meses está feito. Como diz ao Expresso o eurodeputado do PSD Paulo Rangel: “Depois da surpresa inicial pela solução encontrada à esquerda, e da segunda surpresa por essa solução não ter caído em pouco tempo, há uma terceira surpresa, que é o aparecimento de uma agenda ideológica que vai muito mais longe do que apenas as reversões de políticas. Quando aparece este ensaio de ataque ao sistema capitalista, com o ataque ao património (e não apenas à riqueza), o protagonismo do BE introduz um dado novo no equilíbrio que existia até agora, com consequências para o PS e que poderá recolocar a questão sobre a estabilidade desta solução”.

NUNO VEIGA/ Lusa

Luís Montenegro, líder parlamentar social-democrata, também não tem dúvidas: “Um ano depois, tenho de dar os parabéns ao PCP e ao BE, porque, embora tenham engolido uns sapinhos pelo meio, conseguiram domesticar o PS. A grande verdade é que o PS se aproximou do PCP e do BE, e não contrário”.

E no Governo e no PS, o que pensam os socialistas? “Parece-me claro que não existe qualquer aprisionamento. Há um acordo e partes que se comprometeram em cumpri-lo. E ninguém até agora incumpriu uma linha sequer. Por isso é que a chamada geringonça está tão sólida”, diz ao Expresso o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Não está, então, este PS a governar mais à esquerda? “O superlativo ‘mais’ pressupõe uma comparação. Mas eu vejo o PS atual no território que sempre foi o seu, o da esquerda democrática”, defende Santos Silva, reiterando que o país tem “um governo minoritário no parlamento, que é pró-europeu, pró-NATO e pró-consolidação orçamental” e que tem “um apoio maioritário fundado em compromissos recíprocos em matéria de reposição de rendimentos, política orçamental e proteção social”.

© Rafael Marchante / Reuters

Sobre as divergências públicas com o BE e o PCP, Santos Silva garante que “um dos segredos da força do acordo é que não é um acordo de fusão, é um entendimento sobre áreas concretas”. E socorre-se do que “o PCP e o BE dizem” publicamente, para justificar a sua análise. “Eles dizem que o entendimento com o PS sobre áreas concretas tem para eles um valor que justifica que apoiem um governo em cujas políticas não se reveem no geral”, sintetiza, antes de assumir-se “convicto de que teremos o segundo, o terceiro e um quarto orçamento na legislatura”.

RUI DUARTE SILVA

Já Pedro Nuno Santos afirma com convicção que a única mudança para o PS é a que resultou da nova política de alianças: “Acabou a dependência do PSD para podermos governar”. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares admite que isso tenha consequências na forma como o PS governa: “O PCP e o BE não têm a mesma perspetiva de privatização do Estado social que o PSD e o CDS”, exemplifica. Mas daí a dizer que o PS governa como governa por causa dos seus parceiros vai uma longa distância: “Tudo o que é estruturante na governação socialista estava já no programa eleitoral”. Quando muito, concede, houve uma “aceleração de ritmo” em relação ao que estava previsto, diz, referindo-se à reposição dos salários da função pública, à devolução da sobretaxa do IRS, à reposição dos feriados e das 35 horas. Mas, repete, “não houve nenhuma cedência [às esquerdas] tudo isto estava no nosso programa, incluindo o imposto sobre o património”, mesmo que referido sob a expressão “progressividade no IMI”. Sublinha: “O que está a ser feito é verdadeiramente social-democrata. Até porque só há um partido social-democrata em Portugal e é o PS”.

Alberto Frias

Um ano depois, Francisco Assis continua a estar contra esta solução de Governo, mas porque crê que “é má para o país”, não para o PS. “A minha crítica é que isto conduz a uma paralisia. Qualquer reforma, por mais pequena que seja, suscita reações adversas do BE e do PCP, como se viu agora com a questão da Uber ou das demolições na Ria Formosa”. O BE e o PCP “são partidos fechados e conservadores” e condicionam o Governo: “É o preço que o país paga por esta solução”. Para o eurodeputado, que ainda ponderou liderar um movimento de oposição a António Costa, “o risco de o PS se confundir ou mesmo de se deixar subalternizar por BE e PCP não existe”. Se, ainda assim, “o PS evoluiu num sentido negativo, o essencial não foi posto em causa e, se for, há uma reação, como se viu aquando da interpelação de Mariana Mortágua na conferência de Coimbra”. Reação que nunca será de molde a provocar uma cisão no PS: “Mais facilmente acaba esta solução de Governo do que isso acontece”, faz fé.

Concorda com Pedro Nuno Santos: “O PS ocupou sempre o espaço da social-democracia neste país (enquanto o PSD representa o centro e a direita)”. A prova vê-a no comportamento de António Costa ao longo destes dez meses de Governo: “É clara a opção de não entrar em rutura com o projeto europeu”. À custa, admite, “do investimento público e do crescimento económico”.

Pedro Adão e Silva também diz que há um “erro de avaliação” em quem defende uma viragem do PS à esquerda. Porque, diz, a nova realidade “decorre por força de uma expressão social e eleitoral e não pela existência de entendimentos com estes ou aqueles partidos”. “O que se passa em toda a Europa é que as bases políticas estão a mudar. Basta olhar para Espanha, por exemplo. E os partidos têm de responder a essa mudança. Quem não o faz corre o risco de erosão”.

Para o sociólogo e comentador político, os acordos entre PS, BE, PCP e Os Verdes são, por isso, “reflexo de transformações que estão a ocorrer” e estão longe de poder representar uma perda de identidade nos partidos. “Há um ano dizia-se que o PS seria penalizado pelo eleitorado e que seria mau para o PCP. Mas o que as sondagens nos dizem é precisamente o contrário. O que condenaria eleitoralmente os três partidos, porque os eleitores não o perceberiam, era que alguém precipitasse o fim desta solução”, defende.

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 1 de outubro de 2016

O PS virou à esquerda. A geringonça vai a reboque do PCP e do BE. O Governo cedeu à esquerda radical. Nalguma opinião publicada e nos partidos da direita o diagnóstico dos últimos 10 meses está feito. Como diz ao Expresso o eurodeputado do PSD Paulo Rangel: “Depois da surpresa inicial pela solução encontrada à esquerda, e da segunda surpresa por essa solução não ter caído em pouco tempo, há uma terceira surpresa, que é o aparecimento de uma agenda ideológica que vai muito mais longe do que apenas as reversões de políticas. Quando aparece este ensaio de ataque ao sistema capitalista, com o ataque ao património (e não apenas à riqueza), o protagonismo do BE introduz um dado novo no equilíbrio que existia até agora, com consequências para o PS e que poderá recolocar a questão sobre a estabilidade desta solução”.

NUNO VEIGA/ Lusa

Luís Montenegro, líder parlamentar social-democrata, também não tem dúvidas: “Um ano depois, tenho de dar os parabéns ao PCP e ao BE, porque, embora tenham engolido uns sapinhos pelo meio, conseguiram domesticar o PS. A grande verdade é que o PS se aproximou do PCP e do BE, e não contrário”.

E no Governo e no PS, o que pensam os socialistas? “Parece-me claro que não existe qualquer aprisionamento. Há um acordo e partes que se comprometeram em cumpri-lo. E ninguém até agora incumpriu uma linha sequer. Por isso é que a chamada geringonça está tão sólida”, diz ao Expresso o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Não está, então, este PS a governar mais à esquerda? “O superlativo ‘mais’ pressupõe uma comparação. Mas eu vejo o PS atual no território que sempre foi o seu, o da esquerda democrática”, defende Santos Silva, reiterando que o país tem “um governo minoritário no parlamento, que é pró-europeu, pró-NATO e pró-consolidação orçamental” e que tem “um apoio maioritário fundado em compromissos recíprocos em matéria de reposição de rendimentos, política orçamental e proteção social”.

© Rafael Marchante / Reuters

Sobre as divergências públicas com o BE e o PCP, Santos Silva garante que “um dos segredos da força do acordo é que não é um acordo de fusão, é um entendimento sobre áreas concretas”. E socorre-se do que “o PCP e o BE dizem” publicamente, para justificar a sua análise. “Eles dizem que o entendimento com o PS sobre áreas concretas tem para eles um valor que justifica que apoiem um governo em cujas políticas não se reveem no geral”, sintetiza, antes de assumir-se “convicto de que teremos o segundo, o terceiro e um quarto orçamento na legislatura”.

RUI DUARTE SILVA

Já Pedro Nuno Santos afirma com convicção que a única mudança para o PS é a que resultou da nova política de alianças: “Acabou a dependência do PSD para podermos governar”. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares admite que isso tenha consequências na forma como o PS governa: “O PCP e o BE não têm a mesma perspetiva de privatização do Estado social que o PSD e o CDS”, exemplifica. Mas daí a dizer que o PS governa como governa por causa dos seus parceiros vai uma longa distância: “Tudo o que é estruturante na governação socialista estava já no programa eleitoral”. Quando muito, concede, houve uma “aceleração de ritmo” em relação ao que estava previsto, diz, referindo-se à reposição dos salários da função pública, à devolução da sobretaxa do IRS, à reposição dos feriados e das 35 horas. Mas, repete, “não houve nenhuma cedência [às esquerdas] tudo isto estava no nosso programa, incluindo o imposto sobre o património”, mesmo que referido sob a expressão “progressividade no IMI”. Sublinha: “O que está a ser feito é verdadeiramente social-democrata. Até porque só há um partido social-democrata em Portugal e é o PS”.

Alberto Frias

Um ano depois, Francisco Assis continua a estar contra esta solução de Governo, mas porque crê que “é má para o país”, não para o PS. “A minha crítica é que isto conduz a uma paralisia. Qualquer reforma, por mais pequena que seja, suscita reações adversas do BE e do PCP, como se viu agora com a questão da Uber ou das demolições na Ria Formosa”. O BE e o PCP “são partidos fechados e conservadores” e condicionam o Governo: “É o preço que o país paga por esta solução”. Para o eurodeputado, que ainda ponderou liderar um movimento de oposição a António Costa, “o risco de o PS se confundir ou mesmo de se deixar subalternizar por BE e PCP não existe”. Se, ainda assim, “o PS evoluiu num sentido negativo, o essencial não foi posto em causa e, se for, há uma reação, como se viu aquando da interpelação de Mariana Mortágua na conferência de Coimbra”. Reação que nunca será de molde a provocar uma cisão no PS: “Mais facilmente acaba esta solução de Governo do que isso acontece”, faz fé.

Concorda com Pedro Nuno Santos: “O PS ocupou sempre o espaço da social-democracia neste país (enquanto o PSD representa o centro e a direita)”. A prova vê-a no comportamento de António Costa ao longo destes dez meses de Governo: “É clara a opção de não entrar em rutura com o projeto europeu”. À custa, admite, “do investimento público e do crescimento económico”.

Pedro Adão e Silva também diz que há um “erro de avaliação” em quem defende uma viragem do PS à esquerda. Porque, diz, a nova realidade “decorre por força de uma expressão social e eleitoral e não pela existência de entendimentos com estes ou aqueles partidos”. “O que se passa em toda a Europa é que as bases políticas estão a mudar. Basta olhar para Espanha, por exemplo. E os partidos têm de responder a essa mudança. Quem não o faz corre o risco de erosão”.

Para o sociólogo e comentador político, os acordos entre PS, BE, PCP e Os Verdes são, por isso, “reflexo de transformações que estão a ocorrer” e estão longe de poder representar uma perda de identidade nos partidos. “Há um ano dizia-se que o PS seria penalizado pelo eleitorado e que seria mau para o PCP. Mas o que as sondagens nos dizem é precisamente o contrário. O que condenaria eleitoralmente os três partidos, porque os eleitores não o perceberiam, era que alguém precipitasse o fim desta solução”, defende.

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 1 de outubro de 2016

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