Regionalizar como e quando?

04-09-2019
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|Joaquim Duarte, editorial jornal O Ribatejo, 16 de Julho de 2010|

Se o referendo que chumbou a regionalização tivesse passado, que país seriamos hoje? A pergunta é pertinente. Não apenas como exercício retórico. Será que a estrutura administrativa do Estado estaria em melhores condições de responder à crise que a corrói, ou à economia que nos estremece e à qualidade das elites políticas de que nos queixamos?

A passagem do tempo é sempre de uma grande ajuda ao exercício de uma leitura mais desapaixonada dos acontecimentos. A esta distância, decorridos que vão doze anos sobre o confronto político e emocional que foi o referendo à regionalização, é razoável interrogarmo-nos se foi ou não uma oportunidade histórica perdida.

O ministro Jorge Lacão julga que sim. Afirmou-o no debate promovido em Santarém (ver página 15 desta edição). Antes, avivou-nos a memória política, numa viagem didáctica ao modo como surgiu o referendo, imposto pelo então líder social-democrata, Marcelo Rebelo de Sousa, e inscrito também por imposição sua na revisão constitucional. O PS cedeu. E o PSD liderou depois a campanha do contra, com o sucesso que se sabe. Sendo isto passado, está contudo bem longe de um ponto final.

O debate da regionalização do país está a voltar, paulatinamente, ao palco do debate político. E a conferência de Santarém teve o condão, entre outras evidências, de nos ajudar a perceber a posição actual dos dois maiores partidos sobre a regionalização: Qual a visão actual do PS e do PSD sobre tão sensível matéria política e cultural e até onde estão dispostos a ir.

Luís Campos Ferreira, o deputado social-democrata presente no debate, explicitou as três condições base do PSD. A saber: qual o número de regiões e a sua definição geográfica (sendo que as cinco NUTS II já são praticamente consensuais); a definição das suas competências (que partilha da governação estão a administração central e o poder local dispostos a ceder); e, por último, que modelo de financiamento (sem aumentar os custos actuais da administração do Estado). Percebeu-se-lhe ainda no discurso que gostaria de por fim à obrigatoriedade constitucional da simultaneidade das regiões – eventualmente a sonhar com uma experiência piloto no Algarve.

Já o modelo de regionalização defendido por Jorge Lacão pareceu-nos agora bem mais mitigado do que o anteriormente apresentado pelo PS: uma regionalização apenas com funções de planeamento regional, continuando a caber às autarquias e ao governo da nação a exclusividade das funções executivas. Ou seja, um parlamento regional, sem governo.

No debate em curso sobre a regionalização está também, em boa hora, a colocar-se a necessidade de rever o número de municípios e de freguesias. A ideia percorre alguma consensualidade política nas super-estruturas partidárias. O pior vai ser cá em baixo, nas bases mais clientelares.

Há 170 anos que neste país não se extingue um concelho ou uma freguesia, apesar de neste entretanto de mais de século e meio ter aparecido o comboio, o carro e a internet. A crónica assinada aqui na página ao lado pelo Dr. Eurico Heitor Consciência é, na sua habitual bonomia, a explicação do motivo porque não passamos da cepa torta. Ao menos podíamos aproveitar esta crise para fazer bem o que temos de fazer: uma reforma administrativa decente e mais funcional do território.
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|Joaquim Duarte, editorial jornal O Ribatejo, 16 de Julho de 2010|

Se o referendo que chumbou a regionalização tivesse passado, que país seriamos hoje? A pergunta é pertinente. Não apenas como exercício retórico. Será que a estrutura administrativa do Estado estaria em melhores condições de responder à crise que a corrói, ou à economia que nos estremece e à qualidade das elites políticas de que nos queixamos?

A passagem do tempo é sempre de uma grande ajuda ao exercício de uma leitura mais desapaixonada dos acontecimentos. A esta distância, decorridos que vão doze anos sobre o confronto político e emocional que foi o referendo à regionalização, é razoável interrogarmo-nos se foi ou não uma oportunidade histórica perdida.

O ministro Jorge Lacão julga que sim. Afirmou-o no debate promovido em Santarém (ver página 15 desta edição). Antes, avivou-nos a memória política, numa viagem didáctica ao modo como surgiu o referendo, imposto pelo então líder social-democrata, Marcelo Rebelo de Sousa, e inscrito também por imposição sua na revisão constitucional. O PS cedeu. E o PSD liderou depois a campanha do contra, com o sucesso que se sabe. Sendo isto passado, está contudo bem longe de um ponto final.

O debate da regionalização do país está a voltar, paulatinamente, ao palco do debate político. E a conferência de Santarém teve o condão, entre outras evidências, de nos ajudar a perceber a posição actual dos dois maiores partidos sobre a regionalização: Qual a visão actual do PS e do PSD sobre tão sensível matéria política e cultural e até onde estão dispostos a ir.

Luís Campos Ferreira, o deputado social-democrata presente no debate, explicitou as três condições base do PSD. A saber: qual o número de regiões e a sua definição geográfica (sendo que as cinco NUTS II já são praticamente consensuais); a definição das suas competências (que partilha da governação estão a administração central e o poder local dispostos a ceder); e, por último, que modelo de financiamento (sem aumentar os custos actuais da administração do Estado). Percebeu-se-lhe ainda no discurso que gostaria de por fim à obrigatoriedade constitucional da simultaneidade das regiões – eventualmente a sonhar com uma experiência piloto no Algarve.

Já o modelo de regionalização defendido por Jorge Lacão pareceu-nos agora bem mais mitigado do que o anteriormente apresentado pelo PS: uma regionalização apenas com funções de planeamento regional, continuando a caber às autarquias e ao governo da nação a exclusividade das funções executivas. Ou seja, um parlamento regional, sem governo.

No debate em curso sobre a regionalização está também, em boa hora, a colocar-se a necessidade de rever o número de municípios e de freguesias. A ideia percorre alguma consensualidade política nas super-estruturas partidárias. O pior vai ser cá em baixo, nas bases mais clientelares.

Há 170 anos que neste país não se extingue um concelho ou uma freguesia, apesar de neste entretanto de mais de século e meio ter aparecido o comboio, o carro e a internet. A crónica assinada aqui na página ao lado pelo Dr. Eurico Heitor Consciência é, na sua habitual bonomia, a explicação do motivo porque não passamos da cepa torta. Ao menos podíamos aproveitar esta crise para fazer bem o que temos de fazer: uma reforma administrativa decente e mais funcional do território.
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