Política à mesa: os restaurantes do poder

23-05-2019
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A 6 de outubro de 2015, numa mesa redonda do Brasserie Sixty6, restaurante que é uma espécie de cantina do PS, por se situar pouco acima da sede nacional, na Travessa da Fábrica dos Pentes, em Lisboa, António Costa juntou ao almoço Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva, Porfírio Silva, Duarte Moral, Maria Rui e David Damião. Dois dias antes, tivera uma noite indigesta ao perder as legislativas. Porém, como a coligação Portugal à Frente (PàF, com PSD e CDS) ficara a nove deputados de alcançar a maioria absoluta e passara, entretanto, a existir uma nova relação de forças na Assembleia da República, o secretário-geral socialista estava convicto de que poderia virar o tabuleiro a seu favor.

Nessa terça-feira, como revelaram Márcia Galrão e Rita Tavares no livro Como Costa Montou a Geringonça em 54 Dias, o agora primeiro-ministro transmitiu aos seus mais próximos que acreditava num acordo nunca visto à esquerda, com BE e PCP. Foi aí, à mesa, que Pedro Nuno Santos, defensor de sempre de uma aproximação do PS a bloquistas e a comunistas, atual secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e peça indispensável na engrenagem da maioria, ficou a saber que integraria a equipa que se reuniria com BE e PCP – com sucesso, como ainda hoje se vê.

O episódio ilustra a propensão do primeiro-ministro para desatar nós políticos de garfo e faca na mão. Conhecido pela destreza a confecionar pratos, como o lombo Wellington, o magret de pato, as tripas à moda do Porto ou a moqueca de camarão, Costa é, em simultâneo, um grande connoisseur da geografia dos paladares da capital.

Em 2011, por exemplo, quando instalou o gabinete de presidente da Câmara de Lisboa na antiga fábrica de cerâmica Viúva Lamego, viciou-se nas travessas fartamente servidas com cozido à portuguesa num restaurante vizinho, o Cova Funda, da mesma forma que já era assíduo na cervejaria Ribadouro, na Avenida da Liberdade, outro dos pousos preferidos da família socialista, após noites eleitorais.

Mais recentemente, rendeu-se aos sabores de casas como as de Olivier, José Avillez e Henrique Sá Pessoa – tal como chegou a apreciar, com vários socialistas amigos, os repastos da Tivoli Brasserie –, embora conserve paixões antigas como o Solar dos Presuntos (também uma fixação de Mário Soares) e a Adega da Tia Matilde, em Entrecampos, que começou a frequentar com Ruben de Carvalho, histórico dirigente comunista e mentor da Festa do Avante!

O ecletismo do palato do líder socialista é assinalável. A obsessão com a cozinha italiana não atinge o nível da de José Sócrates – habitué do antigo Mezzaluna, do Il Gattopardo, no topo do Hotel D. Pedro, de que Paulo Portas é igualmente apreciador, e também do La Trattoria, todos na zona das Amoreiras –, mas o Il Matriciano, na Rua de São Bento, foi o local escolhido para o almoço que antecedeu a eleição de Eduardo Ferro Rodrigues como presidente da Assembleia da República. À mesa, bem-disposta e indiferente aos olhares e cochichos dos jornalistas, estava a troika socialista: Costa, Ferro e Carlos César. Estávamos a 23 de outubro de 2015 e, horas depois, a maioria de esquerda daria o primeiro sinal a Aníbal Cavaco Silva de que não viabilizaria um governo chefiado por Pedro Passos Coelho.

O desvio de Passos e os convivas de Montenegro

A história do ex-líder do PSD também se cruza com a gastronomia – lisboeta e não só. Conta quem o conhece bem que realizou vários almoços com jornalistas no já desaparecido O Latino, no Saldanha, quando preparava a candidatura à sucessão de Manuela Ferreira Leite. Chegado à São Caetano, rua onde se situa a sede do PSD, em Lisboa, Passos fez de O Comilão uma extensão da sede social-democrata. Não utilizava a política como pretexto para ir àquela cave, onde líderes anteriores trataram do quotidiano do partido, mas sabia de cor os dias da feijoada, dos panados, do cozido à portuguesa ou do arroz de polvo. No próprio dia em que tomou posse pela primeira vez, a 21 de junho de 2011, apressou-se a deixar o Palácio da Ajuda e levou os familiares e o seu círculo mais restrito a almoçar naquela famosa cave, de que somente Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite não terão desfrutado.

Já em São Bento, na residência oficial, não foram raras as vezes em que convocou todo o seu staff para ir fazer uma visita ao senhor Cardoso. Também consagrado pela cozinha tradicional portuguesa, o Probe era local de paragem obrigatória para as pataniscas e o arroz de cabidela.

A paixão pelos sabores nacionais chegou mesmo a levar o agora professor universitário a fintar “meio” Governo aquando da 27ª Cimeira Ibérica, que decorreu em 2014 em Vidago, Chaves. Na véspera do arranque do encontro, a 3 de junho, vários ministros e secretários de Estado esperavam que Passos entrasse no hotel para jantarem, mas este preferiu fugir à rotina institucional. Avisou os membros do seu Executivo de que chegaria mais tarde, pediu aos membros do seu gabinete que encontrassem um local a caminho e acabou na frugal Tasca do Tó, junto à EN 2, em Vila Pouca de Aguiar, a comer carne barrosã, alheiras, feijocas e cogumelos.

Mais estreito é o leque de opções de Pedro Santana Lopes. Ao ex-primeiro-ministro e construtor da nova Aliança basta que sirvam um bife com batatas fritas e ovo estrelado. Não pede mais. Com o decorrer dos anos e o excesso de exposição a que se foi sujeitando, viu-se forçado a resguardar-se e pouco trata de política fora dos locais que elege como quartéis-generais.

No final do ano passado, antes de anunciar que seria candidato à presidência do seu PPD, juntou alguns, poucos, dos indefetíveis num restaurante fora do circuito mais badalado de Lisboa, o Guarda-Mor, na Madragoa, e fechou a decisão. O mesmo sucedeu algumas vezes já durante a campanha para as diretas quando decidia ir ao sushi na Av. da República.

Ainda entre as hostes sociais-democratas, o Jockey, no hipódromo do Campo Grande, também serve como local para a federação de descontentamentos. Luís Montenegro, a quem atribuem o mérito de fazer uma sopa de peixe sem paralelo, aprecia as inúmeras carnes nacionais e os sortidos de peixe ali servidos, e costuma sentar consigo os amigos e deputados Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, já contando com as “visitas”, entre outros, de Miguel Relvas, Luís Mira Amaral e Luís Marques Mendes.

Este último, hoje dedicado à advocacia e ao comentário político, ficou célebre pelos bifes tardios no Café de São Bento, quando, por força da condição de líder do PSD ou de ministro, queimava tantos quilómetros quanto calorias por dia. O Conventual, na Praça das Flores, o Pabe, na Duque de Palmela, ou o Café In, em Belém, ficaram conhecidos como outras das predileções do conselheiro de Estado.

Quanto a Miguel Relvas, apesar de estar hoje mais distante dos holofotes da política e entregue ao universo dos negócios, não pode deixar de ser considerado um político-gastrónomo. Não raras vezes foi visto no Solar dos Presuntos na companhia de Durão Barroso e, assim que voltou de férias, após a demissão do último governo PSD-CDS, jantou com o homem que ajudou a chegar a chefe do Executivo naquele local, que abriu em 1974 – o ano da Revolução dos Cravos…

As seduções de Guterres e a dissolução de Soares

Recuemos, contudo, aos finais da década de 80, quando António Guterres era um dos conspiradores-mor do PS. Assim sucedeu em 1987, quando o agora secretário-geral da ONU convidou Hermínio Martinho para um almoço discreto num restaurante junto ao Mosteiro de São Vicente de Fora e da Igreja de Santa Engrácia, com a missão secreta de conquistar o apoio do PRD para um governo minoritário do PS, na sequência da crise provocada pela queda do primeiro Executivo chefiado por Cavaco, como contou Adelino Cunha na biografia Os Segredos do Poder. Sem sucesso.

Já em 1992, na liderança do PS, o antigo primeiro-ministro iniciara a conquista tranquila da esquerda. O que, na semântica política, se traduz na sedução dos dissidentes comunistas, em choque com a reação do partido ao golpe de Moscovo. Em novembro de 1991, foram expulsos Barros Moura, Mário Lino e Raimundo Narciso. José Luís Judas, Osvaldo Castro e Joaquim Pina Moura saem por iniciativa própria, antes que fosse tarde. No PS, Guterres rompera com Sampaio e propunha a abertura às várias esquerdas contra o afunilamento estratégico sampaísta. A escolha do Conventual, perto da Assembleia da República, decorado com obras resgatadas de um convento, não foi inocente. Guterres, o conciliador, abraçava Pina Moura, que viria a ser o seu ministro das Finanças e da Economia e cognominado de “O Cardeal”…

De Mário Soares também há muito a referir no que à gastronomia diz respeito. Ou, por outras palavras, apenas que se lhe colou o epíteto de maior gastrónomo da política nacional. Do Aviz, onde em junho de 1993 chegou a reunir os seus mais amigos e conselheiros para jantar e discutir a dissolução da segunda maioria de Cavaco, ao Nobre, antigamente na Calçada da Ajuda, para, já fora de horas, despachar um cozido à portuguesa, passando pelo Gambrinus, onde discutia regularmente com empresários e banqueiros, passou por todo o lado e provou quase tudo o que havia para provar.

O nascimento do Bloco

Quem acompanha a história das ementas políticas recorda-se também dos momentos fundacionais do Bloco de Esquerda. Terá sido no restaurante Oh! Lacerda, na Avenida de Berna, famoso pelo bife à cortador, que Francisco Louçã, Miguel Portas, Luís Fazenda e Fernando Rosas começaram a partir pedra para o acordo que, em 1999, viria a unir PSR, UDP e Política XXI.

Atualmente, a cúpula bloquista costuma jantar em conjunto semanalmente (antes das reuniões do Secretariado) ou quinzenalmente (nas horas que antecedem as reuniões da Comissão Política) nas imediações da sede, na Rua da Palma – ora no Barcabela ora no chinês Dao.

Menos dado a repastos é o CDS de Assunção Cristas. As reuniões da Comissão Executiva por norma ocorrem às sextas-feiras, e os gastos com comida costumam ser feitos com parcimónia – os centristas têm de se contentar com sanduíches ou arroz de pato.

Porto: das conspirações ao Líder

No Café Piolho, no Porto (onde as francesinhas ainda seduzem indígenas e jovens universitários de geografias várias), borbulhou parte das lutas estudantis contra a ditadura. Conforme recorda Alfredo Mendes no livro Café d’Ouro – Piolho, Um Século de Vivências, as conspirações contra o regime salazarista e as fervuras revolucionárias, com mais ou menos molho, serviram-se naquelas mesas. Alberto Martins, Albino Aroso, Óscar Lopes, Zeferino Coelho, Helena Medina, Francisco Sardo, Pedro Baptista, Pacheco Pereira, Jorge Lima Barreto e Manuel António Pina foram personalidades da vida política, intelectual e artística que, clandestinamente ou às claras, alimentaram, a partir do Piolho, o sistema nervoso da cidade e do País.

Os indefetíveis das esquerdas mais radicais não se refastelavam em mesa farta, por falta de hábito ou de recursos. Daí ter saído fortalecido o circuito dos cafés. Ceuta, Aviz e Progresso foram palco de efervescências de mão dada com os ventos políticos. No roteiro entrava o hoje elitista, turístico e inacessível Majestic, outrora local de encontro de figuras do meio cultural e de estudantes da Escola Artística Soares dos Reis.

Ainda assim, os anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 também tiveram as suas trincheiras gastronómicas, independentemente do que lá se ia cozinhando, mastigando ou bebericando.

A arraia-miúda dos enxofrados de direita fazia do restaurante-confeitaria Cunha, na Baixa da Invicta, zona de conforto, mas alguns dos mandantes do terrorismo bombista que suspiravam por ordem, mando e autoridade à moda antiga sentiam-se protegidos, entre baforadas, no requintado e seleto O Comercial, no Palácio da Bolsa. O espaço nunca perdeu aprumo, mas convoca para as suas mesas ilustres de esquerda e de direita, sem esquecer as hierarquias religiosa e financeira. Na zona da Boavista, a confeitaria Petúlia foi também local de estratégias e de combinações contra o alegado desvario do pós-revolução. E pensar que, a poucas dezenas de metros, no Café Orfeuzinho, se reuniam, como se nada fosse, os homens que lideravam a investigação policial aos operacionais do bombismo, entre os quais o então diretor da PJ do Porto, Guimarães Dias.

Quando, em 1975, o próprio Otelo rumou a norte para tentar acalmar os “incendiários”, foi apupado na Invicta, à saída do restaurante Girassol, em cujas imediações se juntara uma multidão. “As tripas não agradaram”, ironizou-se então no matutino O Comércio do Porto, associando o tradicional prato da Invicta ao clima político, já então indigesto para o “Capitão de Abril”, que via parte do País fazer marcha-atrás aos propósitos da ala mais radical do MFA.

Na outra margem do Douro, o restaurante Casa Branca, na praia de Lavadores (Gaia), era, por essa altura, porto seguro para políticos, empresários e militares – entre eles Mota Freitas (comandante da PSP do Porto) e o general Pires Veloso – que iam torcendo o nariz ao estrugido revolucionário e tinham os ingredientes para apurar a contrarrevolução a partir do Norte. Enquanto se conspirava, o então famoso bacalhau da Adosinda, dona do local, ia fazendo as honras e a fama da casa.

Os tempos foram caminhando a passo de caracol para a dita pacificação do regime, mas o cheiro a enxofre continuou no ar por uns anos e está provado que nem só de brandos lumes e costumes se fez a democracia.

À trágica noite da queda do Cessna em Camarate está, por exemplo, ligado o restaurante Escondidinho, lugar de eleição de Francisco Sá Carneiro. Na tarde desse fatídico 4 de dezembro de 1980, a mesa junto à lareira estava reservada para o então líder do PPD e mais cinco comensais (entre eles Adelino Amaro da Costa, do CDS) que depois deveriam atravessar a rua até ao Coliseu, onde se realizaria o último comício de Soares Carneiro, candidato presidencial apoiado pela AD. O destino não quis assim, mas na memória ficaram os pratos preferidos do fundador do PPD: espetada de lulas e o entrecôte ou bife à Escondidinho, de preferência regados com tinto da casa, de Meda, servido em jarros com bailarinas em relevo.

Outro local de enorme simbolismo para o universo social-democrata é a Estalagem Via Norte, em Leça do Balio (Matosinhos), quase na fronteira do Porto com a Maia. Militantes, dirigentes e autarcas nortenhos do PSD frequentam-na há décadas. Um dos principais clientes era o falecido autarca Vieira de Carvalho. Ali funciona o Clube Via Norte, do qual o atual provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, é o histórico mestre de cerimónias. A tertúlia de reflexão política abrange aquele que, até à chegada da “geringonça”, foi considerado “o arco da governação”. Por ali já passaram, entre outros, Cavaco Silva, Durão Barroso, Paulo Rangel, Rui Moreira, Passos Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa, além de diversos políticos e diplomatas estrangeiros. O restaurante da estalagem é, de resto, poiso para conluios e tramas dentro do universo centro-direita.

Neste momento, porém, o local da mesa mais poderosa da região Norte, para não irmos mais longe, leva precisamente o nome que merece: Líder. Situado na Alameda Eça de Queirós, nas Antas, o restaurante que tem em Manuel Moura, entusiasta da Confraria das Tripas, o seu maestro, junta à mesa, quase todos os dias, a política, a intelectualidade, o empresariado e o futebol. José Sócrates já ali foi homenageado pelos seus indefetíveis. O dirigente socialista Manuel Pizarro e o presidente do FC Porto sabem que têm no Líder a sua casa, sendo tratados como se fossem da família. “Somos a sala de refeições de Pinto da Costa”, assume Manuel Moura, o proprietário. “Lopetegui e Sérgio Conceição comeram aqui com o presidente do FC Porto, antes de assinarem os contratos”, garante.

No Líder, não é difícil dar de caras com a estrutura dirigente do grupo Mota Engil – António Mota à cabeça –, Luís Portela (Bial) e Fernando Gomes (Federação Portuguesa de Futebol). O restaurante ainda acolhe as tertúlias políticas do Clube Alameda, por onde passaram Adriano Moreira e Marcelo Rebelo de Sousa, tendo este anunciado naquelas mesas que não se candidataria a Belém, se Guterres estivesse para aí virado. De Ramalho Eanes a António Costa (que adora os filetes de pescada), passando pelo sportinguista Sousa Cintra ou o advogado Marinho Pinto, o Líder não olha a fronteiras políticas, desportivas ou outras. “Não excluímos ninguém, cabem cá todos aqueles que apreciem a nossa tradição gastronómica e de bem receber”, garante Manuel Moura, que conta já três décadas no governo da casa, quase metade da sua existência.

“O Líder é a minha vida, é o meu menino, símbolo dos dias mais felizes e dos melhores clientes. Não podia desejar melhor.” Das tripas, diárias, ao cabrito assado, passando pelo cozido ou pela perdiz estufada, o restaurante deixou para trás o tempo em que os empregados mudavam de farda três vezes por dia, mas continua a confecionar cinco sopas diárias e mantém-se ligado a diversos momentos e figuras da história da cidade. Ainda há poucos meses, o cardeal-patriarca D. Manuel Clemente lá foi matar saudades.

As agulhas do poder não deixam, no entanto, de estar viradas a outros sabores e aromas. O restaurante Ernesto, na Rua da Picaria (artéria onde viveu e trabalhou Sá Carneiro), e o Cafeína, na Foz, são dois dos locais de eleição do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. Neste último, é possível também encontrar o empresário Mário Ferreira, apreciador do polvo. Em 2012, a ex-Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, também ali almoçou. Na altura, foi até popularizado um tal de “Bacalhau à Dilma”, da autoria do chefe chileno Camilo Jaña, mas as circunstâncias políticas do Brasil acabariam por determinar o apagão do nome do prato na ementa, reduzindo-o apenas àquilo que é: bacalhau gratinado com aioli, migas e radicchio. Na origem da mudança estiveram resmungos e protestos de clientes brasileiros, prova de que nem Dilma nem um bom bacalhau vão bem com todos.

Apesar de uns se considerarem mais líderes do que outros, o poder está bem distribuído pela cidade. A Cozinha do Manel é um desses sítios preferidos de antigos chefes de governo e ex-presidentes, como Jorge Sampaio. Em Braga, o antigo Expositor deu agora lugar ao restaurante Migaitas Fórum, nave-mãe do multifacetado empresário Fernando “Migaitas”, autêntico “arcebispo” da restauração e da hotelaria minhotas. “Os poderes político e empresarial continuam a ser a base da clientela. Ainda há semanas, almoçou no Fórum o ministro Eduardo Cabrita, da Administração Interna”, assinala. Aquele local, a par do Salão Champagne, no Villa Garden, continuam a ser incontornáveis e afamados santuários gastronómicos da região, onde é recorrente encontrar o ex-autarca socialista Mesquita Machado, o presidente da Câmara Ricardo Rio, além de dirigentes da área do bloco central. Migaitas ainda guarda uma das mais blindadas “caixas-fortes” de segredos políticos, desportivos e empresariais da região minhota. E essa é que é mesmo a alma do negócio.

A 6 de outubro de 2015, numa mesa redonda do Brasserie Sixty6, restaurante que é uma espécie de cantina do PS, por se situar pouco acima da sede nacional, na Travessa da Fábrica dos Pentes, em Lisboa, António Costa juntou ao almoço Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva, Porfírio Silva, Duarte Moral, Maria Rui e David Damião. Dois dias antes, tivera uma noite indigesta ao perder as legislativas. Porém, como a coligação Portugal à Frente (PàF, com PSD e CDS) ficara a nove deputados de alcançar a maioria absoluta e passara, entretanto, a existir uma nova relação de forças na Assembleia da República, o secretário-geral socialista estava convicto de que poderia virar o tabuleiro a seu favor.

Nessa terça-feira, como revelaram Márcia Galrão e Rita Tavares no livro Como Costa Montou a Geringonça em 54 Dias, o agora primeiro-ministro transmitiu aos seus mais próximos que acreditava num acordo nunca visto à esquerda, com BE e PCP. Foi aí, à mesa, que Pedro Nuno Santos, defensor de sempre de uma aproximação do PS a bloquistas e a comunistas, atual secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e peça indispensável na engrenagem da maioria, ficou a saber que integraria a equipa que se reuniria com BE e PCP – com sucesso, como ainda hoje se vê.

O episódio ilustra a propensão do primeiro-ministro para desatar nós políticos de garfo e faca na mão. Conhecido pela destreza a confecionar pratos, como o lombo Wellington, o magret de pato, as tripas à moda do Porto ou a moqueca de camarão, Costa é, em simultâneo, um grande connoisseur da geografia dos paladares da capital.

Em 2011, por exemplo, quando instalou o gabinete de presidente da Câmara de Lisboa na antiga fábrica de cerâmica Viúva Lamego, viciou-se nas travessas fartamente servidas com cozido à portuguesa num restaurante vizinho, o Cova Funda, da mesma forma que já era assíduo na cervejaria Ribadouro, na Avenida da Liberdade, outro dos pousos preferidos da família socialista, após noites eleitorais.

Mais recentemente, rendeu-se aos sabores de casas como as de Olivier, José Avillez e Henrique Sá Pessoa – tal como chegou a apreciar, com vários socialistas amigos, os repastos da Tivoli Brasserie –, embora conserve paixões antigas como o Solar dos Presuntos (também uma fixação de Mário Soares) e a Adega da Tia Matilde, em Entrecampos, que começou a frequentar com Ruben de Carvalho, histórico dirigente comunista e mentor da Festa do Avante!

O ecletismo do palato do líder socialista é assinalável. A obsessão com a cozinha italiana não atinge o nível da de José Sócrates – habitué do antigo Mezzaluna, do Il Gattopardo, no topo do Hotel D. Pedro, de que Paulo Portas é igualmente apreciador, e também do La Trattoria, todos na zona das Amoreiras –, mas o Il Matriciano, na Rua de São Bento, foi o local escolhido para o almoço que antecedeu a eleição de Eduardo Ferro Rodrigues como presidente da Assembleia da República. À mesa, bem-disposta e indiferente aos olhares e cochichos dos jornalistas, estava a troika socialista: Costa, Ferro e Carlos César. Estávamos a 23 de outubro de 2015 e, horas depois, a maioria de esquerda daria o primeiro sinal a Aníbal Cavaco Silva de que não viabilizaria um governo chefiado por Pedro Passos Coelho.

O desvio de Passos e os convivas de Montenegro

A história do ex-líder do PSD também se cruza com a gastronomia – lisboeta e não só. Conta quem o conhece bem que realizou vários almoços com jornalistas no já desaparecido O Latino, no Saldanha, quando preparava a candidatura à sucessão de Manuela Ferreira Leite. Chegado à São Caetano, rua onde se situa a sede do PSD, em Lisboa, Passos fez de O Comilão uma extensão da sede social-democrata. Não utilizava a política como pretexto para ir àquela cave, onde líderes anteriores trataram do quotidiano do partido, mas sabia de cor os dias da feijoada, dos panados, do cozido à portuguesa ou do arroz de polvo. No próprio dia em que tomou posse pela primeira vez, a 21 de junho de 2011, apressou-se a deixar o Palácio da Ajuda e levou os familiares e o seu círculo mais restrito a almoçar naquela famosa cave, de que somente Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite não terão desfrutado.

Já em São Bento, na residência oficial, não foram raras as vezes em que convocou todo o seu staff para ir fazer uma visita ao senhor Cardoso. Também consagrado pela cozinha tradicional portuguesa, o Probe era local de paragem obrigatória para as pataniscas e o arroz de cabidela.

A paixão pelos sabores nacionais chegou mesmo a levar o agora professor universitário a fintar “meio” Governo aquando da 27ª Cimeira Ibérica, que decorreu em 2014 em Vidago, Chaves. Na véspera do arranque do encontro, a 3 de junho, vários ministros e secretários de Estado esperavam que Passos entrasse no hotel para jantarem, mas este preferiu fugir à rotina institucional. Avisou os membros do seu Executivo de que chegaria mais tarde, pediu aos membros do seu gabinete que encontrassem um local a caminho e acabou na frugal Tasca do Tó, junto à EN 2, em Vila Pouca de Aguiar, a comer carne barrosã, alheiras, feijocas e cogumelos.

Mais estreito é o leque de opções de Pedro Santana Lopes. Ao ex-primeiro-ministro e construtor da nova Aliança basta que sirvam um bife com batatas fritas e ovo estrelado. Não pede mais. Com o decorrer dos anos e o excesso de exposição a que se foi sujeitando, viu-se forçado a resguardar-se e pouco trata de política fora dos locais que elege como quartéis-generais.

No final do ano passado, antes de anunciar que seria candidato à presidência do seu PPD, juntou alguns, poucos, dos indefetíveis num restaurante fora do circuito mais badalado de Lisboa, o Guarda-Mor, na Madragoa, e fechou a decisão. O mesmo sucedeu algumas vezes já durante a campanha para as diretas quando decidia ir ao sushi na Av. da República.

Ainda entre as hostes sociais-democratas, o Jockey, no hipódromo do Campo Grande, também serve como local para a federação de descontentamentos. Luís Montenegro, a quem atribuem o mérito de fazer uma sopa de peixe sem paralelo, aprecia as inúmeras carnes nacionais e os sortidos de peixe ali servidos, e costuma sentar consigo os amigos e deputados Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, já contando com as “visitas”, entre outros, de Miguel Relvas, Luís Mira Amaral e Luís Marques Mendes.

Este último, hoje dedicado à advocacia e ao comentário político, ficou célebre pelos bifes tardios no Café de São Bento, quando, por força da condição de líder do PSD ou de ministro, queimava tantos quilómetros quanto calorias por dia. O Conventual, na Praça das Flores, o Pabe, na Duque de Palmela, ou o Café In, em Belém, ficaram conhecidos como outras das predileções do conselheiro de Estado.

Quanto a Miguel Relvas, apesar de estar hoje mais distante dos holofotes da política e entregue ao universo dos negócios, não pode deixar de ser considerado um político-gastrónomo. Não raras vezes foi visto no Solar dos Presuntos na companhia de Durão Barroso e, assim que voltou de férias, após a demissão do último governo PSD-CDS, jantou com o homem que ajudou a chegar a chefe do Executivo naquele local, que abriu em 1974 – o ano da Revolução dos Cravos…

As seduções de Guterres e a dissolução de Soares

Recuemos, contudo, aos finais da década de 80, quando António Guterres era um dos conspiradores-mor do PS. Assim sucedeu em 1987, quando o agora secretário-geral da ONU convidou Hermínio Martinho para um almoço discreto num restaurante junto ao Mosteiro de São Vicente de Fora e da Igreja de Santa Engrácia, com a missão secreta de conquistar o apoio do PRD para um governo minoritário do PS, na sequência da crise provocada pela queda do primeiro Executivo chefiado por Cavaco, como contou Adelino Cunha na biografia Os Segredos do Poder. Sem sucesso.

Já em 1992, na liderança do PS, o antigo primeiro-ministro iniciara a conquista tranquila da esquerda. O que, na semântica política, se traduz na sedução dos dissidentes comunistas, em choque com a reação do partido ao golpe de Moscovo. Em novembro de 1991, foram expulsos Barros Moura, Mário Lino e Raimundo Narciso. José Luís Judas, Osvaldo Castro e Joaquim Pina Moura saem por iniciativa própria, antes que fosse tarde. No PS, Guterres rompera com Sampaio e propunha a abertura às várias esquerdas contra o afunilamento estratégico sampaísta. A escolha do Conventual, perto da Assembleia da República, decorado com obras resgatadas de um convento, não foi inocente. Guterres, o conciliador, abraçava Pina Moura, que viria a ser o seu ministro das Finanças e da Economia e cognominado de “O Cardeal”…

De Mário Soares também há muito a referir no que à gastronomia diz respeito. Ou, por outras palavras, apenas que se lhe colou o epíteto de maior gastrónomo da política nacional. Do Aviz, onde em junho de 1993 chegou a reunir os seus mais amigos e conselheiros para jantar e discutir a dissolução da segunda maioria de Cavaco, ao Nobre, antigamente na Calçada da Ajuda, para, já fora de horas, despachar um cozido à portuguesa, passando pelo Gambrinus, onde discutia regularmente com empresários e banqueiros, passou por todo o lado e provou quase tudo o que havia para provar.

O nascimento do Bloco

Quem acompanha a história das ementas políticas recorda-se também dos momentos fundacionais do Bloco de Esquerda. Terá sido no restaurante Oh! Lacerda, na Avenida de Berna, famoso pelo bife à cortador, que Francisco Louçã, Miguel Portas, Luís Fazenda e Fernando Rosas começaram a partir pedra para o acordo que, em 1999, viria a unir PSR, UDP e Política XXI.

Atualmente, a cúpula bloquista costuma jantar em conjunto semanalmente (antes das reuniões do Secretariado) ou quinzenalmente (nas horas que antecedem as reuniões da Comissão Política) nas imediações da sede, na Rua da Palma – ora no Barcabela ora no chinês Dao.

Menos dado a repastos é o CDS de Assunção Cristas. As reuniões da Comissão Executiva por norma ocorrem às sextas-feiras, e os gastos com comida costumam ser feitos com parcimónia – os centristas têm de se contentar com sanduíches ou arroz de pato.

Porto: das conspirações ao Líder

No Café Piolho, no Porto (onde as francesinhas ainda seduzem indígenas e jovens universitários de geografias várias), borbulhou parte das lutas estudantis contra a ditadura. Conforme recorda Alfredo Mendes no livro Café d’Ouro – Piolho, Um Século de Vivências, as conspirações contra o regime salazarista e as fervuras revolucionárias, com mais ou menos molho, serviram-se naquelas mesas. Alberto Martins, Albino Aroso, Óscar Lopes, Zeferino Coelho, Helena Medina, Francisco Sardo, Pedro Baptista, Pacheco Pereira, Jorge Lima Barreto e Manuel António Pina foram personalidades da vida política, intelectual e artística que, clandestinamente ou às claras, alimentaram, a partir do Piolho, o sistema nervoso da cidade e do País.

Os indefetíveis das esquerdas mais radicais não se refastelavam em mesa farta, por falta de hábito ou de recursos. Daí ter saído fortalecido o circuito dos cafés. Ceuta, Aviz e Progresso foram palco de efervescências de mão dada com os ventos políticos. No roteiro entrava o hoje elitista, turístico e inacessível Majestic, outrora local de encontro de figuras do meio cultural e de estudantes da Escola Artística Soares dos Reis.

Ainda assim, os anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 também tiveram as suas trincheiras gastronómicas, independentemente do que lá se ia cozinhando, mastigando ou bebericando.

A arraia-miúda dos enxofrados de direita fazia do restaurante-confeitaria Cunha, na Baixa da Invicta, zona de conforto, mas alguns dos mandantes do terrorismo bombista que suspiravam por ordem, mando e autoridade à moda antiga sentiam-se protegidos, entre baforadas, no requintado e seleto O Comercial, no Palácio da Bolsa. O espaço nunca perdeu aprumo, mas convoca para as suas mesas ilustres de esquerda e de direita, sem esquecer as hierarquias religiosa e financeira. Na zona da Boavista, a confeitaria Petúlia foi também local de estratégias e de combinações contra o alegado desvario do pós-revolução. E pensar que, a poucas dezenas de metros, no Café Orfeuzinho, se reuniam, como se nada fosse, os homens que lideravam a investigação policial aos operacionais do bombismo, entre os quais o então diretor da PJ do Porto, Guimarães Dias.

Quando, em 1975, o próprio Otelo rumou a norte para tentar acalmar os “incendiários”, foi apupado na Invicta, à saída do restaurante Girassol, em cujas imediações se juntara uma multidão. “As tripas não agradaram”, ironizou-se então no matutino O Comércio do Porto, associando o tradicional prato da Invicta ao clima político, já então indigesto para o “Capitão de Abril”, que via parte do País fazer marcha-atrás aos propósitos da ala mais radical do MFA.

Na outra margem do Douro, o restaurante Casa Branca, na praia de Lavadores (Gaia), era, por essa altura, porto seguro para políticos, empresários e militares – entre eles Mota Freitas (comandante da PSP do Porto) e o general Pires Veloso – que iam torcendo o nariz ao estrugido revolucionário e tinham os ingredientes para apurar a contrarrevolução a partir do Norte. Enquanto se conspirava, o então famoso bacalhau da Adosinda, dona do local, ia fazendo as honras e a fama da casa.

Os tempos foram caminhando a passo de caracol para a dita pacificação do regime, mas o cheiro a enxofre continuou no ar por uns anos e está provado que nem só de brandos lumes e costumes se fez a democracia.

À trágica noite da queda do Cessna em Camarate está, por exemplo, ligado o restaurante Escondidinho, lugar de eleição de Francisco Sá Carneiro. Na tarde desse fatídico 4 de dezembro de 1980, a mesa junto à lareira estava reservada para o então líder do PPD e mais cinco comensais (entre eles Adelino Amaro da Costa, do CDS) que depois deveriam atravessar a rua até ao Coliseu, onde se realizaria o último comício de Soares Carneiro, candidato presidencial apoiado pela AD. O destino não quis assim, mas na memória ficaram os pratos preferidos do fundador do PPD: espetada de lulas e o entrecôte ou bife à Escondidinho, de preferência regados com tinto da casa, de Meda, servido em jarros com bailarinas em relevo.

Outro local de enorme simbolismo para o universo social-democrata é a Estalagem Via Norte, em Leça do Balio (Matosinhos), quase na fronteira do Porto com a Maia. Militantes, dirigentes e autarcas nortenhos do PSD frequentam-na há décadas. Um dos principais clientes era o falecido autarca Vieira de Carvalho. Ali funciona o Clube Via Norte, do qual o atual provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, é o histórico mestre de cerimónias. A tertúlia de reflexão política abrange aquele que, até à chegada da “geringonça”, foi considerado “o arco da governação”. Por ali já passaram, entre outros, Cavaco Silva, Durão Barroso, Paulo Rangel, Rui Moreira, Passos Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa, além de diversos políticos e diplomatas estrangeiros. O restaurante da estalagem é, de resto, poiso para conluios e tramas dentro do universo centro-direita.

Neste momento, porém, o local da mesa mais poderosa da região Norte, para não irmos mais longe, leva precisamente o nome que merece: Líder. Situado na Alameda Eça de Queirós, nas Antas, o restaurante que tem em Manuel Moura, entusiasta da Confraria das Tripas, o seu maestro, junta à mesa, quase todos os dias, a política, a intelectualidade, o empresariado e o futebol. José Sócrates já ali foi homenageado pelos seus indefetíveis. O dirigente socialista Manuel Pizarro e o presidente do FC Porto sabem que têm no Líder a sua casa, sendo tratados como se fossem da família. “Somos a sala de refeições de Pinto da Costa”, assume Manuel Moura, o proprietário. “Lopetegui e Sérgio Conceição comeram aqui com o presidente do FC Porto, antes de assinarem os contratos”, garante.

No Líder, não é difícil dar de caras com a estrutura dirigente do grupo Mota Engil – António Mota à cabeça –, Luís Portela (Bial) e Fernando Gomes (Federação Portuguesa de Futebol). O restaurante ainda acolhe as tertúlias políticas do Clube Alameda, por onde passaram Adriano Moreira e Marcelo Rebelo de Sousa, tendo este anunciado naquelas mesas que não se candidataria a Belém, se Guterres estivesse para aí virado. De Ramalho Eanes a António Costa (que adora os filetes de pescada), passando pelo sportinguista Sousa Cintra ou o advogado Marinho Pinto, o Líder não olha a fronteiras políticas, desportivas ou outras. “Não excluímos ninguém, cabem cá todos aqueles que apreciem a nossa tradição gastronómica e de bem receber”, garante Manuel Moura, que conta já três décadas no governo da casa, quase metade da sua existência.

“O Líder é a minha vida, é o meu menino, símbolo dos dias mais felizes e dos melhores clientes. Não podia desejar melhor.” Das tripas, diárias, ao cabrito assado, passando pelo cozido ou pela perdiz estufada, o restaurante deixou para trás o tempo em que os empregados mudavam de farda três vezes por dia, mas continua a confecionar cinco sopas diárias e mantém-se ligado a diversos momentos e figuras da história da cidade. Ainda há poucos meses, o cardeal-patriarca D. Manuel Clemente lá foi matar saudades.

As agulhas do poder não deixam, no entanto, de estar viradas a outros sabores e aromas. O restaurante Ernesto, na Rua da Picaria (artéria onde viveu e trabalhou Sá Carneiro), e o Cafeína, na Foz, são dois dos locais de eleição do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. Neste último, é possível também encontrar o empresário Mário Ferreira, apreciador do polvo. Em 2012, a ex-Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, também ali almoçou. Na altura, foi até popularizado um tal de “Bacalhau à Dilma”, da autoria do chefe chileno Camilo Jaña, mas as circunstâncias políticas do Brasil acabariam por determinar o apagão do nome do prato na ementa, reduzindo-o apenas àquilo que é: bacalhau gratinado com aioli, migas e radicchio. Na origem da mudança estiveram resmungos e protestos de clientes brasileiros, prova de que nem Dilma nem um bom bacalhau vão bem com todos.

Apesar de uns se considerarem mais líderes do que outros, o poder está bem distribuído pela cidade. A Cozinha do Manel é um desses sítios preferidos de antigos chefes de governo e ex-presidentes, como Jorge Sampaio. Em Braga, o antigo Expositor deu agora lugar ao restaurante Migaitas Fórum, nave-mãe do multifacetado empresário Fernando “Migaitas”, autêntico “arcebispo” da restauração e da hotelaria minhotas. “Os poderes político e empresarial continuam a ser a base da clientela. Ainda há semanas, almoçou no Fórum o ministro Eduardo Cabrita, da Administração Interna”, assinala. Aquele local, a par do Salão Champagne, no Villa Garden, continuam a ser incontornáveis e afamados santuários gastronómicos da região, onde é recorrente encontrar o ex-autarca socialista Mesquita Machado, o presidente da Câmara Ricardo Rio, além de dirigentes da área do bloco central. Migaitas ainda guarda uma das mais blindadas “caixas-fortes” de segredos políticos, desportivos e empresariais da região minhota. E essa é que é mesmo a alma do negócio.

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