O dia em que a Geringonça subscreveu a TINA

03-10-2019
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O dia em que a Geringonça subscreveu a TINA

Rodrigo Adão da Fonseca

2 anos ago

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No início de 2010 foi-me pedido pelo então líder parlamentar do PSD, José Pedro Aguiar-Branco, opinião sobre porque razão os preços dos “credit default swaps” (“CDS’s”) estavam a subir a pique, antecipando aquilo que viria a ser a décalage completa da nossa dívida pública que redundou no resgate e na intervenção da Troika.Para poder responder adequadamente, fui estudar e conclui sem grandes dificuldades que, à data de 2010, o cenário era claro e óbvio:O volume da nossa dívida pública face ao PIB era insustentável a preços de mercado, pelo que o prémio de risco a exigir pelos investidores seria elevado, não havendo hipóteses de o inverter no curto prazo;
A nossa contabilidade pública dava indícios de ter responsabilidades não registadas, o que aumentava ainda mais a percepção sobre o nosso risco-país por parte dos investidores institucionais;
Os desequilíbrios orçamentais apontavam para que, no curto prazo, dificilmente Portugal tivesse acesso aos mercados em condições adequadas, sendo inevitável recorrer a uma intervenção externa.
A meu ver era também evidente o caminho que teríamos de seguir para garantir uma inversão da tendência negativa que pairava sobre Portugal:Restaurar a confiança junto dos credores, melhorando os mecanismos de registo orçamental das responsabilidades do Estado, para que a Contabilidade Pública, de uma forma transparente e previsível, representasse fielmente o risco-país;
Negociar com as instituições multilaterais um financiamento que permitisse que Portugal ficasse afastado dos mercados de dívida enquanto corrigia em ambiente protegido da especulação financeira os seus desequilíbrios orçamentais.
Para mim era claro, já em 2010, que o stock de dívida acumulado representava – como representa – um enorme fardo para as gerações futuras, pelo que seria importante encontrar os melhores mecanismos possíveis para a remunerar e reembolsar, num quadro de renegociação com os credores. Tal, porém, só deveria ser equacionado quando Portugal fosse capaz de apresentar uma situação orçamental estável e um nível de solidez e transparência na preparação das suas contas públicas, sem incerteza sobre o seu risco-país. Sem condições de base e credibilidade Portugal nunca conseguirá ser bem-sucedido numa negociação com os credores.Tudo o que era já óbvio e claro em 2010, não precisando ser um visionário ou um grande especialista para o antecipar e perceber, só em 2017 passou a ser consenso em Portugal.Durante os anos da intervenção da Troika, Pedro Passos Coelho liderou um governo que procurou restaurar a confiança sobre a transparência das suas contas públicas, iniciando um processo exigente de consolidação orçamental. Durante esses anos, os Partidos da esquerda tudo fizeram para desvalorizar esse esforço, apresentando alternativas políticas que passavam pela denúncia unilateral da dívida, e até a saída de Portugal do euro, apesar das consequências previsíveis se o país optasse por seguir esse tipo de soluções. Durante vários anos, quem defendia o óbvio, como foi o meu caso, era apresentado e visto pela inteligência económica nacional como uma espécie de bête noire, que não compreendia o dano que se estava a causar ao país.O que o Relatório do Grupo de Trabalho sobre a sustentabilidade das dívidas externa e pública nos vem agora dizer é que, afinal, os partidos da Geringonça aceitam ser fundamental que Portugal permaneça no euro e que seja capaz de gerar saldos orçamentais primários positivos. Sendo essa a mensagem que o Primeiro-Ministro tem procurado enfatizar, para minimizar alguns disparates, com menor impacto, que o Relatório também incorpora.Que tenha sido necessário esperar seis anos e assistir a uma tomada do Poder por parte da esquerda para que se forme um consenso sobre algo que há muito deveria ser óbvio, algo que não é de esquerda nem de direita, mas de bom-senso financeiro, diz muito sobre a caducidade do nosso sistema político, das nossas elites que seguiram teses contrárias, e de muitos dos seus atores, e da sua incapacidade de resposta em tempo útil: são maus representantes do povo que os elege; não processam as suas políticas ou opiniões com honestidade intelectual; e nas suas ações não pensam naquilo que são as suas responsabilidades perante os cidadãos. Só assim se explica a naturalidade com que hoje se enuncia em versão Relatório tudo o que sempre se negou. Sem que o país sequer se escandalize.Portugal tem desafios críticos para solucionar, sobretudo os resultantes do envelhecimento e da disrupção tecnológica, com impacto nas Pensões, na assistência na saúde, na educação, no emprego, na programação das nossas cidades para que estas possam ser competitivas no quadro da quarta revolução industrial (ou Indústria 4.0). Que tenhamos perdido tanto tempo a discutir algo que deveria ser consensual, e óbvio, em vez de concentrarmos esforços na preparação das políticas que nos poderão permitir ganhar o futuro mostra que não temos apenas que nos livrar da dívida, mas também de uma certa classe política e de algumas elites que parasitam às nossas custas, e de um jornalismo subserviente e acrítico que em vez de vigiar, e pressionar para o que é evidente, segue de forma ordeira as agendas de uma certa esquerda.Renegociação da dívida? Não se faz em relatórios, mas cumprindo metas. Não se atinge com proclamações, mas com ações que terão de ser executadas a seu tempo: quando restaurarmos integralmente a confiança dos credores. Até lá, o que se espera dos responsáveis políticos é que sejam capazes de prosseguir o esforço de consolidação orçamental, de estabilidade e transparência nas contas públicas. Fazendo política, sim, mas nos temas que marcam o futuro. Porque do ponto de vista monetário, “There Is No Alternative“ que não seja o do rigor orçamental e de fortalecimento da nossa economia no quadro do Euro. Não para agradar aos credores, mas em benefício dos portugueses e de Portugal.Da imprensa o que se espera é que perguntem aos responsáveis políticos porque demoraram seis anos a consensualizar algo que, pelos vistos, é óbvio para todos. E que indaguem o que levou a esquerda a mudar tão radicalmente a sua visão sobre um tema que parece afinal tão pacífico, acicatando durante anos ódios e conduzindo tantos portugueses a um estado de negação, dificultanto quem na governação teve de tomar medidas muito exigentes.

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Rodrigo Adão da Fonseca

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No início de 2010 foi-me pedido pelo então líder parlamentar do PSD, José Pedro Aguiar-Branco, opinião sobre porque razão os preços dos “credit default swaps” (“CDS’s”) estavam a subir a pique, antecipando aquilo que viria a ser a décalage completa da nossa dívida pública que redundou no resgate e na intervenção da Troika.Para poder responder adequadamente, fui estudar e conclui sem grandes dificuldades que, à data de 2010, o cenário era claro e óbvio:O volume da nossa dívida pública face ao PIB era insustentável a preços de mercado, pelo que o prémio de risco a exigir pelos investidores seria elevado, não havendo hipóteses de o inverter no curto prazo;
A nossa contabilidade pública dava indícios de ter responsabilidades não registadas, o que aumentava ainda mais a percepção sobre o nosso risco-país por parte dos investidores institucionais;
Os desequilíbrios orçamentais apontavam para que, no curto prazo, dificilmente Portugal tivesse acesso aos mercados em condições adequadas, sendo inevitável recorrer a uma intervenção externa.
A meu ver era também evidente o caminho que teríamos de seguir para garantir uma inversão da tendência negativa que pairava sobre Portugal:Restaurar a confiança junto dos credores, melhorando os mecanismos de registo orçamental das responsabilidades do Estado, para que a Contabilidade Pública, de uma forma transparente e previsível, representasse fielmente o risco-país;
Negociar com as instituições multilaterais um financiamento que permitisse que Portugal ficasse afastado dos mercados de dívida enquanto corrigia em ambiente protegido da especulação financeira os seus desequilíbrios orçamentais.
Para mim era claro, já em 2010, que o stock de dívida acumulado representava – como representa – um enorme fardo para as gerações futuras, pelo que seria importante encontrar os melhores mecanismos possíveis para a remunerar e reembolsar, num quadro de renegociação com os credores. Tal, porém, só deveria ser equacionado quando Portugal fosse capaz de apresentar uma situação orçamental estável e um nível de solidez e transparência na preparação das suas contas públicas, sem incerteza sobre o seu risco-país. Sem condições de base e credibilidade Portugal nunca conseguirá ser bem-sucedido numa negociação com os credores.Tudo o que era já óbvio e claro em 2010, não precisando ser um visionário ou um grande especialista para o antecipar e perceber, só em 2017 passou a ser consenso em Portugal.Durante os anos da intervenção da Troika, Pedro Passos Coelho liderou um governo que procurou restaurar a confiança sobre a transparência das suas contas públicas, iniciando um processo exigente de consolidação orçamental. Durante esses anos, os Partidos da esquerda tudo fizeram para desvalorizar esse esforço, apresentando alternativas políticas que passavam pela denúncia unilateral da dívida, e até a saída de Portugal do euro, apesar das consequências previsíveis se o país optasse por seguir esse tipo de soluções. Durante vários anos, quem defendia o óbvio, como foi o meu caso, era apresentado e visto pela inteligência económica nacional como uma espécie de bête noire, que não compreendia o dano que se estava a causar ao país.O que o Relatório do Grupo de Trabalho sobre a sustentabilidade das dívidas externa e pública nos vem agora dizer é que, afinal, os partidos da Geringonça aceitam ser fundamental que Portugal permaneça no euro e que seja capaz de gerar saldos orçamentais primários positivos. Sendo essa a mensagem que o Primeiro-Ministro tem procurado enfatizar, para minimizar alguns disparates, com menor impacto, que o Relatório também incorpora.Que tenha sido necessário esperar seis anos e assistir a uma tomada do Poder por parte da esquerda para que se forme um consenso sobre algo que há muito deveria ser óbvio, algo que não é de esquerda nem de direita, mas de bom-senso financeiro, diz muito sobre a caducidade do nosso sistema político, das nossas elites que seguiram teses contrárias, e de muitos dos seus atores, e da sua incapacidade de resposta em tempo útil: são maus representantes do povo que os elege; não processam as suas políticas ou opiniões com honestidade intelectual; e nas suas ações não pensam naquilo que são as suas responsabilidades perante os cidadãos. Só assim se explica a naturalidade com que hoje se enuncia em versão Relatório tudo o que sempre se negou. Sem que o país sequer se escandalize.Portugal tem desafios críticos para solucionar, sobretudo os resultantes do envelhecimento e da disrupção tecnológica, com impacto nas Pensões, na assistência na saúde, na educação, no emprego, na programação das nossas cidades para que estas possam ser competitivas no quadro da quarta revolução industrial (ou Indústria 4.0). Que tenhamos perdido tanto tempo a discutir algo que deveria ser consensual, e óbvio, em vez de concentrarmos esforços na preparação das políticas que nos poderão permitir ganhar o futuro mostra que não temos apenas que nos livrar da dívida, mas também de uma certa classe política e de algumas elites que parasitam às nossas custas, e de um jornalismo subserviente e acrítico que em vez de vigiar, e pressionar para o que é evidente, segue de forma ordeira as agendas de uma certa esquerda.Renegociação da dívida? Não se faz em relatórios, mas cumprindo metas. Não se atinge com proclamações, mas com ações que terão de ser executadas a seu tempo: quando restaurarmos integralmente a confiança dos credores. Até lá, o que se espera dos responsáveis políticos é que sejam capazes de prosseguir o esforço de consolidação orçamental, de estabilidade e transparência nas contas públicas. Fazendo política, sim, mas nos temas que marcam o futuro. Porque do ponto de vista monetário, “There Is No Alternative“ que não seja o do rigor orçamental e de fortalecimento da nossa economia no quadro do Euro. Não para agradar aos credores, mas em benefício dos portugueses e de Portugal.Da imprensa o que se espera é que perguntem aos responsáveis políticos porque demoraram seis anos a consensualizar algo que, pelos vistos, é óbvio para todos. E que indaguem o que levou a esquerda a mudar tão radicalmente a sua visão sobre um tema que parece afinal tão pacífico, acicatando durante anos ódios e conduzindo tantos portugueses a um estado de negação, dificultanto quem na governação teve de tomar medidas muito exigentes.

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