Um vencedor derrotado: o manual de instruções do passismo

05-04-2016
marcar artigo

Em programa que ganha (mas não vinga), não se mexe. Em estratégia que ganha (mas não vinga) também não se mexe? Aparentemente não. Entre manter a tão afamada “coerência” ou mudar de registo, entre manter a passividade ou tornar-se agressivo, pensar na “geringonça” a médio prazo ou apostar as fichas todas no seu desmembramento, eis o estado de espírito das hostes sociais-democratas por estes dias que antecedem o congresso de Espinho: todos duvidam da eficácia da estratégia mas poucos ousam contestar o líder recém-eleito. “Temos um programa, ganhámos eleições, o programa é este e todos conhecem”, resume ao Observador um alto dirigente do partido. Tudo como dantes.

O momento é de reflexão. É para isso que servem os congressos: para delinear a orientação política do partido para os dois anos que se seguem. “O congresso é um período importante de transição da mensagem política”, explica ao Observador um vice-presidente social-democrata, sublinhando que o PSD “era Governo, ganhou as eleições, mas agora está a liderar a oposição” e, portanto, tem de se organizar enquanto tal. Outro vice, José de Matos Correia, alinha pela mesma ideia, mas todos recusam que essa necessária “transição” passe por uma “mudança de estratégia”.

É lógico que se estamos no Governo a estratégia tem de estar em linha com o Governo, se estamos na oposição a estratégia tem de ser outra. É preciso fazer essa transição mas não não deve haver mudança de estratégia”, diz Matos Correia.

“O PSD ganhou as eleições e os portugueses sabem muito bem o que defendemos e o qual é a nossa estratégia para o país”, acrescenta ao Observador Hugo Soares, vice da bancada social-democrata. A verdade é que a moção global com que Passos se vai apresentar ao congresso – “Compromisso Reformista” -, e que vai ser eleita como a estratégia para os próximos dois anos, passa muito pouco por mudar e muito mais por manter o rumo que dizem ter sido interrompido quando a aliança da esquerda chegou ao Governo.

A estratégia de que se fala é uma: evidenciar as diferenças entre o que está a ser feito pelo PS e aquilo que o PSD faria se ainda estivesse no Governo (estes “ses” preenchem, de resto, um capítulo inteiro da moção), chamando a atenção para os “erros” da governação. E esperar por eleições – antecipadas ou não. “Nós não concordamos com o modelo económico escolhido por este Governo, continuamos a defender o nosso modelo de crescimento com base nas exportações, no aumento do investimento privado, e no robustecimento do papel das empresas para criar emprego e riqueza de forma sustentada. Vamos manter-nos fiéis a esta linha”, insiste Matos Correia.

O mesmo defende o deputado Sérgio Azevedo, vice-presidente da bancada do PSD. “Devemos continuar a demonstrar que o acordo de esquerda não funciona e que não é bom para os portugueses”, diz ao Observador. É esta posição de não legitimar uma política que o PSD acredita ser má para o país que Passos tem mantido desde o dia um e que os seus mais próximos dizem não fazer sentido mudar. “É coerente” e “é responsável”, é o que mais se ouve pelos corredores laranja.

Não é mudança, é uma questão de eficácia

Há, no entanto, quem admita que é preciso afinar agulhas. Depois da chuva de críticas por o PSD se ter mantido “à margem” do debate do Orçamento do Estado, chumbando tudo de cruz, o deputado Sérgio Azevedo defende ao Observador que “o desafio agora é fazer com que as pessoas percebam o porquê de termos feito isso”. Ou seja, a mensagem não deve mudar, o que deve mudar é a “eficácia” na forma de a transmitir.

Não podemos mudar o discurso, temos de ser coerentes, é preciso é apostar na eficácia da mensagem”, diz.

E isso passa por apostar em novas bandeiras ou vincar determinadas bandeiras como prioritárias? Nem por isso. É certo que do congresso sairão temas-chave que vão passar a fazer parte do discurso diário do PSD, mas mais do que propostas concretas o enfoque do PSD na oposição vai continuar a ser o caminho errado da “geringonça”. “Não vamos andar aos berros na rua ou fazer propostas diferentes só para dar um ar de mudança e agradar à comunicação social ou àqueles que dizem que o PSD se demitiu do debate político“, atira um dirigente.

Está tudo, portanto, dependente da “geringonça”. Ou, noutra perspetiva, de Bruxelas e da maior ou menor pressão que vá exercer. “Se a Europa mantiver a intransigência que tem tido para com o grupo de partidos onde Portugal se insere, então vai-lhes correr mal de certeza”, afirma um deputado ao Observador, defendendo que, se assim for, haverá um “crise política a curto prazo em Portugal”. Por outro lado, “se a Europa tirar o pé do acelerador, se arrepiar caminho, então isso jogará a favor do Governo”. Hipótese que é vista por esta fonte como pouco provável.

Os timings são analisados numa base quase semestral. Depois de passado o teste do Orçamento do Estado para 2016, há no PSD quem acredite seriamente na hipótese de eleições antecipadas em 2017. Isto porque vai haver a discussão sobre o Programa de Estabilidade, que poderá levar Bruxelas a pedir um plano B, que poderá levar a um orçamento retificativo, que por sua vez vai exigir ginástica redobrada à esquerda. Que pode não chegar. “Estes são os fatores desconhecidos que vão ter uma influência muito grande no futuro do Governo”, afirma ao Observador outro responsável social-democrata.

Passos isolado, PSD aos pulos na cadeira

Mas Passos sabe que as hostes já se mexem na cadeira, impacientes e irrequietas. Olham para o lado e veem um CDS em mudança, renovado, com novo discurso e agenda. Olham para cima e está lá um Presidente da República, que deveria ser seu (da direita) muito mais alinhado com o primeiro-ministro António Costa. E olham para dentro e tendem a ver o “passado”. Pelo menos é essa a imagem que está a passar para fora. Esta quarta-feira, durante o debate quinzenal no Parlamento, Passos teve de ouvir a crítica da boca do seu maior rival: “Sempre que falamos do futuro, o senhor vem-nos falar do passado. Em vez de falar sobre o que o país precisa, comporta-se como guardião das reformas que fez enquanto Governo”, disse Costa. Mais ou menos como o fantasma do passado que assombra Mr. Scrooge no Conto de Natal.

Compromisso Reformista” é, de resto, o título da moção global de estratégia que Passos leva ao congresso.

Certo é que, desde o célebre episódio das duras críticas de Passos Coelho sobre a interferência do Governo nos negócios da banca, o líder do PSD tende a parecer uma voz isolada em público. Passos fez um brilharete, criticou publicamente a “interferência” do PM e do PR e pôs a bancada social-democrata a pôr por escrito oito perguntas para encostar o primeiro-ministro à parede – mas acabou a falar sozinho quando foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa que saiu em defesa de António Costa dando a cara contra a espanholização da banca.

Ainda com o pin da bandeira de Portugal na lapela e com o hábito de, por exemplo, enviar notas de condolências pelos imigrantes que morreram nas estradas de França, como fez esta semana, o ex-primeiro-ministro tem vindo nestes dias de pré-congresso a reduzir a agenda e as aparições públicas. Para a comunicação social saem poucas informações sobre quem vão ser os novos nomes da direção de Passos, e a palavra de ordem parece ser não levantar ondas até ao congresso. Daí, espera-se, sairá um líder entronizado, com uma direção renovada, bandeiras mais definidas e um partido unido (pelo menos nas aparências) para preparar o processo eleitoral autárquico que aí vem.

Esta terça-feira o PSD divulgou até, numa nota enviada aos jornalistas, alguns dados que se espera serem animadores para dentro: entre 4 de outubro de 2015, dia das últimas eleições, e 24 de março de 2016, o PSD recebeu 4 mil novos militantes. “Sobretudo jovens, os novos membros da família social-democrata reforçam a natureza interclassista e o caráter dinâmico do PSD. Um partido amplo e abrangente, que se renova a partir das bases e tem nos militantes a sua principal força”, lê-se na nota que o Observador teve acesso esta semana. O que prova, dizem os próprios, que “os portugueses continuam a confiar no projeto liderado por Pedro Passos Coelho”. Ou seja, está tudo bem como está, até estamos a crescer.

As sondagens, a que as máquinas dos partidos têm acesso numa base regular, também não fazem disparar os alarmes. Portanto, é manter a imagem de partido responsável e rezar por dias melhores. José de Matos Correia, vice-presidente, dá voz a esta ideia. “Não tem de haver mudança de estratégia. Temos a mesma liderança, que é uma liderança incontestada, os indicadores das sondagens também se mantém bons…Temos uma linha definida, um modelo económico que defendemos, não há razão para mudar”, diz ao Observador.

Certo é que, depois de ter sido eleito em diretas com 95,02% dos votos, dificilmente se pode dizer que Passos Coelho é um líder contestado. “Neste momento quem ousar contestar a liderança cai no ridículo”, diz ao Observador Hugo Soares. “Falar na comunicação social é uma coisa, mas mobilizar o partido é outra”, completa Sérgio Azevedo. Por isso não há adversários nem concorrentes. Para já. Seguem-se as autárquicas e o Orçamento do Estado para 2017 que muitos acreditam poder acabar com o acordo de Governo. Se assim for, Passos estará lá. Se não for, pode mesmo não sobreviver a mais dois anos de espera.

Continuar a ler

Em programa que ganha (mas não vinga), não se mexe. Em estratégia que ganha (mas não vinga) também não se mexe? Aparentemente não. Entre manter a tão afamada “coerência” ou mudar de registo, entre manter a passividade ou tornar-se agressivo, pensar na “geringonça” a médio prazo ou apostar as fichas todas no seu desmembramento, eis o estado de espírito das hostes sociais-democratas por estes dias que antecedem o congresso de Espinho: todos duvidam da eficácia da estratégia mas poucos ousam contestar o líder recém-eleito. “Temos um programa, ganhámos eleições, o programa é este e todos conhecem”, resume ao Observador um alto dirigente do partido. Tudo como dantes.

O momento é de reflexão. É para isso que servem os congressos: para delinear a orientação política do partido para os dois anos que se seguem. “O congresso é um período importante de transição da mensagem política”, explica ao Observador um vice-presidente social-democrata, sublinhando que o PSD “era Governo, ganhou as eleições, mas agora está a liderar a oposição” e, portanto, tem de se organizar enquanto tal. Outro vice, José de Matos Correia, alinha pela mesma ideia, mas todos recusam que essa necessária “transição” passe por uma “mudança de estratégia”.

É lógico que se estamos no Governo a estratégia tem de estar em linha com o Governo, se estamos na oposição a estratégia tem de ser outra. É preciso fazer essa transição mas não não deve haver mudança de estratégia”, diz Matos Correia.

“O PSD ganhou as eleições e os portugueses sabem muito bem o que defendemos e o qual é a nossa estratégia para o país”, acrescenta ao Observador Hugo Soares, vice da bancada social-democrata. A verdade é que a moção global com que Passos se vai apresentar ao congresso – “Compromisso Reformista” -, e que vai ser eleita como a estratégia para os próximos dois anos, passa muito pouco por mudar e muito mais por manter o rumo que dizem ter sido interrompido quando a aliança da esquerda chegou ao Governo.

A estratégia de que se fala é uma: evidenciar as diferenças entre o que está a ser feito pelo PS e aquilo que o PSD faria se ainda estivesse no Governo (estes “ses” preenchem, de resto, um capítulo inteiro da moção), chamando a atenção para os “erros” da governação. E esperar por eleições – antecipadas ou não. “Nós não concordamos com o modelo económico escolhido por este Governo, continuamos a defender o nosso modelo de crescimento com base nas exportações, no aumento do investimento privado, e no robustecimento do papel das empresas para criar emprego e riqueza de forma sustentada. Vamos manter-nos fiéis a esta linha”, insiste Matos Correia.

O mesmo defende o deputado Sérgio Azevedo, vice-presidente da bancada do PSD. “Devemos continuar a demonstrar que o acordo de esquerda não funciona e que não é bom para os portugueses”, diz ao Observador. É esta posição de não legitimar uma política que o PSD acredita ser má para o país que Passos tem mantido desde o dia um e que os seus mais próximos dizem não fazer sentido mudar. “É coerente” e “é responsável”, é o que mais se ouve pelos corredores laranja.

Não é mudança, é uma questão de eficácia

Há, no entanto, quem admita que é preciso afinar agulhas. Depois da chuva de críticas por o PSD se ter mantido “à margem” do debate do Orçamento do Estado, chumbando tudo de cruz, o deputado Sérgio Azevedo defende ao Observador que “o desafio agora é fazer com que as pessoas percebam o porquê de termos feito isso”. Ou seja, a mensagem não deve mudar, o que deve mudar é a “eficácia” na forma de a transmitir.

Não podemos mudar o discurso, temos de ser coerentes, é preciso é apostar na eficácia da mensagem”, diz.

E isso passa por apostar em novas bandeiras ou vincar determinadas bandeiras como prioritárias? Nem por isso. É certo que do congresso sairão temas-chave que vão passar a fazer parte do discurso diário do PSD, mas mais do que propostas concretas o enfoque do PSD na oposição vai continuar a ser o caminho errado da “geringonça”. “Não vamos andar aos berros na rua ou fazer propostas diferentes só para dar um ar de mudança e agradar à comunicação social ou àqueles que dizem que o PSD se demitiu do debate político“, atira um dirigente.

Está tudo, portanto, dependente da “geringonça”. Ou, noutra perspetiva, de Bruxelas e da maior ou menor pressão que vá exercer. “Se a Europa mantiver a intransigência que tem tido para com o grupo de partidos onde Portugal se insere, então vai-lhes correr mal de certeza”, afirma um deputado ao Observador, defendendo que, se assim for, haverá um “crise política a curto prazo em Portugal”. Por outro lado, “se a Europa tirar o pé do acelerador, se arrepiar caminho, então isso jogará a favor do Governo”. Hipótese que é vista por esta fonte como pouco provável.

Os timings são analisados numa base quase semestral. Depois de passado o teste do Orçamento do Estado para 2016, há no PSD quem acredite seriamente na hipótese de eleições antecipadas em 2017. Isto porque vai haver a discussão sobre o Programa de Estabilidade, que poderá levar Bruxelas a pedir um plano B, que poderá levar a um orçamento retificativo, que por sua vez vai exigir ginástica redobrada à esquerda. Que pode não chegar. “Estes são os fatores desconhecidos que vão ter uma influência muito grande no futuro do Governo”, afirma ao Observador outro responsável social-democrata.

Passos isolado, PSD aos pulos na cadeira

Mas Passos sabe que as hostes já se mexem na cadeira, impacientes e irrequietas. Olham para o lado e veem um CDS em mudança, renovado, com novo discurso e agenda. Olham para cima e está lá um Presidente da República, que deveria ser seu (da direita) muito mais alinhado com o primeiro-ministro António Costa. E olham para dentro e tendem a ver o “passado”. Pelo menos é essa a imagem que está a passar para fora. Esta quarta-feira, durante o debate quinzenal no Parlamento, Passos teve de ouvir a crítica da boca do seu maior rival: “Sempre que falamos do futuro, o senhor vem-nos falar do passado. Em vez de falar sobre o que o país precisa, comporta-se como guardião das reformas que fez enquanto Governo”, disse Costa. Mais ou menos como o fantasma do passado que assombra Mr. Scrooge no Conto de Natal.

Compromisso Reformista” é, de resto, o título da moção global de estratégia que Passos leva ao congresso.

Certo é que, desde o célebre episódio das duras críticas de Passos Coelho sobre a interferência do Governo nos negócios da banca, o líder do PSD tende a parecer uma voz isolada em público. Passos fez um brilharete, criticou publicamente a “interferência” do PM e do PR e pôs a bancada social-democrata a pôr por escrito oito perguntas para encostar o primeiro-ministro à parede – mas acabou a falar sozinho quando foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa que saiu em defesa de António Costa dando a cara contra a espanholização da banca.

Ainda com o pin da bandeira de Portugal na lapela e com o hábito de, por exemplo, enviar notas de condolências pelos imigrantes que morreram nas estradas de França, como fez esta semana, o ex-primeiro-ministro tem vindo nestes dias de pré-congresso a reduzir a agenda e as aparições públicas. Para a comunicação social saem poucas informações sobre quem vão ser os novos nomes da direção de Passos, e a palavra de ordem parece ser não levantar ondas até ao congresso. Daí, espera-se, sairá um líder entronizado, com uma direção renovada, bandeiras mais definidas e um partido unido (pelo menos nas aparências) para preparar o processo eleitoral autárquico que aí vem.

Esta terça-feira o PSD divulgou até, numa nota enviada aos jornalistas, alguns dados que se espera serem animadores para dentro: entre 4 de outubro de 2015, dia das últimas eleições, e 24 de março de 2016, o PSD recebeu 4 mil novos militantes. “Sobretudo jovens, os novos membros da família social-democrata reforçam a natureza interclassista e o caráter dinâmico do PSD. Um partido amplo e abrangente, que se renova a partir das bases e tem nos militantes a sua principal força”, lê-se na nota que o Observador teve acesso esta semana. O que prova, dizem os próprios, que “os portugueses continuam a confiar no projeto liderado por Pedro Passos Coelho”. Ou seja, está tudo bem como está, até estamos a crescer.

As sondagens, a que as máquinas dos partidos têm acesso numa base regular, também não fazem disparar os alarmes. Portanto, é manter a imagem de partido responsável e rezar por dias melhores. José de Matos Correia, vice-presidente, dá voz a esta ideia. “Não tem de haver mudança de estratégia. Temos a mesma liderança, que é uma liderança incontestada, os indicadores das sondagens também se mantém bons…Temos uma linha definida, um modelo económico que defendemos, não há razão para mudar”, diz ao Observador.

Certo é que, depois de ter sido eleito em diretas com 95,02% dos votos, dificilmente se pode dizer que Passos Coelho é um líder contestado. “Neste momento quem ousar contestar a liderança cai no ridículo”, diz ao Observador Hugo Soares. “Falar na comunicação social é uma coisa, mas mobilizar o partido é outra”, completa Sérgio Azevedo. Por isso não há adversários nem concorrentes. Para já. Seguem-se as autárquicas e o Orçamento do Estado para 2017 que muitos acreditam poder acabar com o acordo de Governo. Se assim for, Passos estará lá. Se não for, pode mesmo não sobreviver a mais dois anos de espera.

Continuar a ler

marcar artigo