Autoridades portuguesas surpreendidas com presença militar espanhola

27-08-2017
marcar artigo

Um grupo de militares e várias viaturas do Exército espanhol estiveram em Portugal, na zona de Pedrógão Grande, logo após os grandes incêndios que atingiram aquele concelho em junho. O contingente militar será do equivalente espanhol à Unidade de Apoio Militar de Emergência e terá passado a fronteira portuguesa alegadamente para prestar apoio de transmissões ao corpo de bombeiros que, do país vizinho, veio ajudar a Proteção Civil no combate aos fogos do Pinhal Interior. Segundo o Expresso apurou, os responsáveis militares portugueses foram surpreendidos pela presença de tropas espanholas em território nacional. O Ministério da Defesa não esclarece a situação.

“Sem resposta”. É assim que o gabinete de Azeredo Lopes respondeu às perguntas colocadas, na quarta-feira, pelo Expresso, com o objetivo de esclarecer se a entrada de militares espanhóis em Portugal tinha sido comunicada previamente e sujeita a autorização das autoridades portuguesas (ver caixa ao lado). Perante as mesmas perguntas, o Estado-Maior do Exército remeteu quaisquer esclarecimentos para o Ministério da Defesa. O Estado-Maior-General das Forças Armadas não respondeu até à hora de fecho desta edição.

A presença da força militar espanhola foi confirmada por várias fontes ao Expresso. Entre elas, deputados da Comissão Parlamentar da Defesa que, no dia 23 de junho (seis dias depois do início do grande incêndio) se deslocaram a Pedrógão. A delegação parlamentar esteve com o Exército para se inteirar das operações e da situação no terreno, devastado pelo fogo, que provou a morte de, pelo menos, 64 pessoas. Jorge Machado, do PCP, foi um dos deputados presentes. Ao Expresso confirmou que “constatámos a presença de espanhóis, cujo estatuto suscitou dúvidas”.

Embora a presença espanhola “não fosse ostensivamente militar”, parecendo a ação estar integrada no apoio aos bombeiros, os deputados quiseram esclarecimentos adicionais. “Ficou de ser feita uma averiguação por parte da estrutura militar portuguesa”, garante Jorge Machado. Ao que o Expresso apurou, foi evidente a surpresa e desagrado de elementos militares portugueses ao depararem-se com a presença espanhola. “Suscitou dúvidas à hierarquia militar”, confirma o deputado comunista, que testemunhou o episódio. Os militares portugueses terão tomado a iniciativa de esclarecer a situação mas, segundo Jorge Machado, “o resultado dessa averiguação ainda não chegou a ser-nos comunicado”.

“É importante verificar a natureza da participação destes elementos espanhóis, assim como o enquadramento em que foi feita a sua atuação”, diz ainda o deputado comunista, que sublinha “nada ter contra a ajuda internacional”, sendo certo que o que está em causa é a forma como foi autorizada a entrada das tropas e o seu acompanhamento.

Fontes conhecedoras do processo, ouvidas pelo Expresso sob anonimato, confirmaram que a falta de informação sobre a entrada de militares espanhóis causou mal-estar do lado português — sobretudo pela descoordenação que revela com a Autoridade Nacional de Proteção Civil, que não informou que a ajuda do país vizinho integrava elementos do Exército.

Presidente da comissão até tirou fotografias

João Soares, do PS, foi outro dos deputados da delegação parlamentar que estiveram em Pedrógão Grande. Ao Expresso garante não se ter apercebido da presença espanhola. “Não vi nem ouvi nada acerca disso”, afirma. No entanto, é para ele claro que o protocolo da entrada de estrangeiros tem de ser cumprido. “Há sempre comunicação e autorização para a entrada de forças policiais ou militares em território português”, diz. “Era só o que faltava que alguém armado passasse as fronteiras sem informação prévia das autoridades”, conclui, lembrando que mesmo a presença de guarda-costas das entidades estrangeiras que visitam o país a convite oficial é sempre sujeita a controlo e autorização prévia de entrada.

Marco António Costa, o deputado social-democrata que preside à Comissão Parlamentar de Defesa, confirmou também ter testemunhado a presença do contingente espanhol enquanto circulavam por Pedrógão Grande. “Vi e até fotografei com o meu telemóvel”, diz Marco António Costa, contando que as viaturas lhe chamaram a atenção “pelos meios sofisticados que ali estavam”. A pedido do Expresso, o presidente da Comissão Parlamentar de Defesa facultou algumas dessas fotografias, das quais se publicam duas nesta página, sendo bem visível a bandeira espanhola na viatura de transmissões.

A delegação parlamentar esteve em Pedrógão Grande e em Abrantes, onde está sediado o Regimento de Apoio Militar de Emergência. Integrou ainda o vice-presidente da Comissão, Miranda Calha, e os deputados Miguel Medeiros, do PS, e Carlos Costa Neves, do PSD. Um relatório sobre a deslocação será apresentado na reabertura dos trabalhos parlamentares.

‘Bomberos’ foram barrados

No dia 19 de junho, logo a seguir à deflagração do fogo de Pedrógão Grande, um grupo de mais de sessenta bombeiros e técnicos florestais da Galiza mobilizou-se para ajudar os colegas portugueses, mas a ajuda foi recusada. De acordo com o jornal “El Correo Gallego”, que na altura avançou a notícia, o grupo chegou a preparar dois camiões cisterna com capacidade para 30 mil litros de água cada, partindo pela uma da manhã de segunda-feira, 19, para Portugal. Mas a receção foi fria: quando chegaram à fronteira de Valença do Minho, os operacionais foram parados pelas autoridades portuguesas, que disseram “não poder permitir a entrada de mais ajuda”. Ao mesmo jornal, um dos bombeiros dizia ter sentido “uma sensação agridoce”: “Estamos conscientes da situação que estão a passar em Portugal, estamos preparados para intervir e por uma razão burocrática impediram-nos de lutar contra um grave problema que acabou com tantas vidas”. A decisão seria explicada pela ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, na terça-feira, dia 20, justificando que não seria “aconselhável” contar com bombeiros que não conhecessem o terreno: “O que acontece por vezes é que há pessoas com excesso de voluntarismo e podem querer empenhar-se sem ter qualquer tipo de enquadramento nos teatros de operações”, explicou a ministra. “Temos de assegurar condições de segurança para os nossos combatentes”. Logo nessa terça-feira, o mesmo Ministério anunciava a chegada de 80 bombeiros espanhóis, 40 deles da Galiza, para ajudar a combater os incêndios que assolavam Góis.

Mariana Lima Cunha

Perguntas que ficaram por responder

O Expresso enviou, quarta-feira, as seguintes questões ao gabinete de Imprensa do Ministério da Defesa:

Sabe o Expresso que, por altura dos incêndios de Pedrógão, em junho passado, entraram em território português várias viaturas e forças militares espanholas para apoio às transmissões dos bombeiros espanhóis que apoiaram os bombeiros portugueses no combate às chamas.

1. Teve o Governo português, nomeadamente através do Ministério da Defesa, conhecimento da entrada desse contingente militar em território nacional? Em caso afirmativo, quando?

2. Participou o Governo essa informação às chefias militares portuguesas?

3. A entrada de tropas estrangeiras em território nacional tem de ser sujeita a comunicação e autorização prévias?

Um grupo de militares e várias viaturas do Exército espanhol estiveram em Portugal, na zona de Pedrógão Grande, logo após os grandes incêndios que atingiram aquele concelho em junho. O contingente militar será do equivalente espanhol à Unidade de Apoio Militar de Emergência e terá passado a fronteira portuguesa alegadamente para prestar apoio de transmissões ao corpo de bombeiros que, do país vizinho, veio ajudar a Proteção Civil no combate aos fogos do Pinhal Interior. Segundo o Expresso apurou, os responsáveis militares portugueses foram surpreendidos pela presença de tropas espanholas em território nacional. O Ministério da Defesa não esclarece a situação.

“Sem resposta”. É assim que o gabinete de Azeredo Lopes respondeu às perguntas colocadas, na quarta-feira, pelo Expresso, com o objetivo de esclarecer se a entrada de militares espanhóis em Portugal tinha sido comunicada previamente e sujeita a autorização das autoridades portuguesas (ver caixa ao lado). Perante as mesmas perguntas, o Estado-Maior do Exército remeteu quaisquer esclarecimentos para o Ministério da Defesa. O Estado-Maior-General das Forças Armadas não respondeu até à hora de fecho desta edição.

A presença da força militar espanhola foi confirmada por várias fontes ao Expresso. Entre elas, deputados da Comissão Parlamentar da Defesa que, no dia 23 de junho (seis dias depois do início do grande incêndio) se deslocaram a Pedrógão. A delegação parlamentar esteve com o Exército para se inteirar das operações e da situação no terreno, devastado pelo fogo, que provou a morte de, pelo menos, 64 pessoas. Jorge Machado, do PCP, foi um dos deputados presentes. Ao Expresso confirmou que “constatámos a presença de espanhóis, cujo estatuto suscitou dúvidas”.

Embora a presença espanhola “não fosse ostensivamente militar”, parecendo a ação estar integrada no apoio aos bombeiros, os deputados quiseram esclarecimentos adicionais. “Ficou de ser feita uma averiguação por parte da estrutura militar portuguesa”, garante Jorge Machado. Ao que o Expresso apurou, foi evidente a surpresa e desagrado de elementos militares portugueses ao depararem-se com a presença espanhola. “Suscitou dúvidas à hierarquia militar”, confirma o deputado comunista, que testemunhou o episódio. Os militares portugueses terão tomado a iniciativa de esclarecer a situação mas, segundo Jorge Machado, “o resultado dessa averiguação ainda não chegou a ser-nos comunicado”.

“É importante verificar a natureza da participação destes elementos espanhóis, assim como o enquadramento em que foi feita a sua atuação”, diz ainda o deputado comunista, que sublinha “nada ter contra a ajuda internacional”, sendo certo que o que está em causa é a forma como foi autorizada a entrada das tropas e o seu acompanhamento.

Fontes conhecedoras do processo, ouvidas pelo Expresso sob anonimato, confirmaram que a falta de informação sobre a entrada de militares espanhóis causou mal-estar do lado português — sobretudo pela descoordenação que revela com a Autoridade Nacional de Proteção Civil, que não informou que a ajuda do país vizinho integrava elementos do Exército.

Presidente da comissão até tirou fotografias

João Soares, do PS, foi outro dos deputados da delegação parlamentar que estiveram em Pedrógão Grande. Ao Expresso garante não se ter apercebido da presença espanhola. “Não vi nem ouvi nada acerca disso”, afirma. No entanto, é para ele claro que o protocolo da entrada de estrangeiros tem de ser cumprido. “Há sempre comunicação e autorização para a entrada de forças policiais ou militares em território português”, diz. “Era só o que faltava que alguém armado passasse as fronteiras sem informação prévia das autoridades”, conclui, lembrando que mesmo a presença de guarda-costas das entidades estrangeiras que visitam o país a convite oficial é sempre sujeita a controlo e autorização prévia de entrada.

Marco António Costa, o deputado social-democrata que preside à Comissão Parlamentar de Defesa, confirmou também ter testemunhado a presença do contingente espanhol enquanto circulavam por Pedrógão Grande. “Vi e até fotografei com o meu telemóvel”, diz Marco António Costa, contando que as viaturas lhe chamaram a atenção “pelos meios sofisticados que ali estavam”. A pedido do Expresso, o presidente da Comissão Parlamentar de Defesa facultou algumas dessas fotografias, das quais se publicam duas nesta página, sendo bem visível a bandeira espanhola na viatura de transmissões.

A delegação parlamentar esteve em Pedrógão Grande e em Abrantes, onde está sediado o Regimento de Apoio Militar de Emergência. Integrou ainda o vice-presidente da Comissão, Miranda Calha, e os deputados Miguel Medeiros, do PS, e Carlos Costa Neves, do PSD. Um relatório sobre a deslocação será apresentado na reabertura dos trabalhos parlamentares.

‘Bomberos’ foram barrados

No dia 19 de junho, logo a seguir à deflagração do fogo de Pedrógão Grande, um grupo de mais de sessenta bombeiros e técnicos florestais da Galiza mobilizou-se para ajudar os colegas portugueses, mas a ajuda foi recusada. De acordo com o jornal “El Correo Gallego”, que na altura avançou a notícia, o grupo chegou a preparar dois camiões cisterna com capacidade para 30 mil litros de água cada, partindo pela uma da manhã de segunda-feira, 19, para Portugal. Mas a receção foi fria: quando chegaram à fronteira de Valença do Minho, os operacionais foram parados pelas autoridades portuguesas, que disseram “não poder permitir a entrada de mais ajuda”. Ao mesmo jornal, um dos bombeiros dizia ter sentido “uma sensação agridoce”: “Estamos conscientes da situação que estão a passar em Portugal, estamos preparados para intervir e por uma razão burocrática impediram-nos de lutar contra um grave problema que acabou com tantas vidas”. A decisão seria explicada pela ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, na terça-feira, dia 20, justificando que não seria “aconselhável” contar com bombeiros que não conhecessem o terreno: “O que acontece por vezes é que há pessoas com excesso de voluntarismo e podem querer empenhar-se sem ter qualquer tipo de enquadramento nos teatros de operações”, explicou a ministra. “Temos de assegurar condições de segurança para os nossos combatentes”. Logo nessa terça-feira, o mesmo Ministério anunciava a chegada de 80 bombeiros espanhóis, 40 deles da Galiza, para ajudar a combater os incêndios que assolavam Góis.

Mariana Lima Cunha

Perguntas que ficaram por responder

O Expresso enviou, quarta-feira, as seguintes questões ao gabinete de Imprensa do Ministério da Defesa:

Sabe o Expresso que, por altura dos incêndios de Pedrógão, em junho passado, entraram em território português várias viaturas e forças militares espanholas para apoio às transmissões dos bombeiros espanhóis que apoiaram os bombeiros portugueses no combate às chamas.

1. Teve o Governo português, nomeadamente através do Ministério da Defesa, conhecimento da entrada desse contingente militar em território nacional? Em caso afirmativo, quando?

2. Participou o Governo essa informação às chefias militares portuguesas?

3. A entrada de tropas estrangeiras em território nacional tem de ser sujeita a comunicação e autorização prévias?

marcar artigo