JOÃO REBELO

01-12-2015
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A ordem e segurança europeias vivem um tempo crítico. Desde o fim da Guerra Fria que a Europa não assistia a um momento tão crispado e instável como aquele que se vive na Ucrânia. A crise ucraniana representa indubitavelmente a situação mais delicada das relações entre a Rússia e o Ocidente. A actuação da Rússia tem merecido da parte da comunidade internacional, em particular da UE e da NATO, uma condenação acérrima, a qual se vem manifestando sobretudo sob a forma de sanções económicas.

Contrariamente aquilo que era previsível, a Rússia, depois de mais de 25 anos de esforços da Aliança Atlântica para restabelecer uma relação baseada no apaziguamento e na confiança, fez soar os ecos e temores reminiscentes da Guerra Fria e confirmou a pretensão russa de praticar uma estratégia própria de uma potência nuclear de primeira grandeza, apesar de ter deixado de ser o superpoder de outrora.

A Rússia aproveitou um momento de vulnerabilidade política de um vizinho que atravessava (e atravessa) uma transição democrática muito difícil para, num movimento traiçoeiro, ocupar uma parte do seu território, através da anexação da Crimeia e da invasão do leste ucraniano. Um procedimento politicamente inaceitável e moralmente reprovável.

A NATO não aceita que a força e a violação dos princípios do Direito Internacional sejam instrumentos para a revisão de fronteiras na Europa: é uma Europa, como foi dito por vários líderes Europeus, que nos faz lembrar o século XIX. E é evidente que não é desejável que regresse.

Ao mesmo tempo, é importante serem deixadas as portas abertas para a resolução da crise. Ao mesmo tempo que a NATO é firme sobre a avaliação da anexação da Crimeia, temos de perceber que muitas vezes, nas relações internacionais, há uma escalada de sanções e represálias mútuas que são muito difíceis de parar. Nestes meses, têm sido feitas analogias históricas entre o que se está a passar e outros momentos do passado:

Por um lado, a referência a 1938 e à velha discussão de que até que ponto é que a reconciliação pode levar a uma escalada do conflito;

Por outro lado, também pensamos em 1914 e aqui a lição é oposta à primeira: o modo como uma sucessão de represálias e uma escalada de conflito pode sem que nenhuma das partes perceba bem como possa levar a uma situação de guerra declarada;

Desse ponto de vista, a NATO tem tentado um equilíbrio entre as duas ameaças. Por um lado, defende uma posição muito clara de afirmação do não reconhecimento da anexação da Crimeia. E por outro lado, apoia a aplicação de sanções, pela UE e pelos EUA, passo a passo, com a possibilidade de, dependendo do comportamento da Rússia, avançar-se ou não nesta série de sanções.

Na NATO, tem prevalecido a prudência para evitar uma escalada militar. Em Fevereiro, o Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, reiterou que “a preocupação principal da NATO é apoiar o cessar-fogo para que este seja devidamente implementado bem como os outros elementos do Acordo de Minsk II, como por exemplo a retirada de armamento pesado da linha de contacto. Para além disso, e cito:“a NATO continuará apoiar politicamente a Ucrânia, apoiando a sua independência, a sua integridade territorial e incrementar a restruturação e a modernização das forças armadas ucranianas”.

Simultaneamente, a NATO estabeleceu seis unidades operacionais em seis países aliados: Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia e Roménia. Estas unidades facilitam o transporte e movimentação das forças da NATO como ajudam na coordenação de treinos e exercícios. A NATO avançou também com o maior reforço da defesa colectiva desde o fim da Guerra Fria. 30.000 Militares foram mobilizados para incorporar a Força de Reacção Rápida da NATO. O que é significativo.

Mas mais importante do que isso, estas acções passam uma mensagem: e essa mensagem é no léxico da estratégia uma ferramenta estratégica indirecta, que demonstra a qualquer agressor, neste caso a Rússia, a prontidão e reacção da NATO, caso ponderem atacar qualquer um dos seus membros. Estas medidas são defensivas e proporcionais e adequam-se aos compromissos internacionais da NATO.

No entanto, deixo dois alertas em relação à postura da maior parte dos Estados da NATO, que são europeus, em relação à crise na Ucrânia:

O primeiro é de ordem interna ou doméstica. Sendo a NATO a mais forte Aliança Militar da História, não pode tomar a segurança por garantida. É imperioso que os Estados da Aliança Atlântica estanquem o desinvestimento/desorçamentação na defesa e, cumprindo com aquilo que ficou estabelecido em Gales, caminhem para um orçamento médio na ordem dos 2% em matéria de defesa, pois não é sustentável permanecer eternamente na lógica de fazer mais com menos.

O segundo é de ordem externa. Continuar a reafirmar aquela que foi uma das conclusões expressas na Cimeira de Setembro em Gales, e cito: “A NATO não pretende qualquer confrontação com a Rússia e não representa uma ameaça à sua existência. Mas não pode, e não irá, comprometer os princípios sobre os quais assenta a nossa Aliança e a segurança na Europa e no Norte da América. A NATO é tão transparente quanto previsível, e estamos determinados a demonstrar a nossa resistência e resiliência, como sempre fizemos desde a fundação da Aliança. A natureza das relações com a Rússia e a nossa aspiração por uma parceria continuarão condicionadas, até a actuação russa demonstrar a sua conformidade com o direito internacional e com as suas obrigações e responsabilidades internacionais”. Agora, é indispensável que a Rússia, pelo seu lado, não queira confrontação com o resto da Europa e com a NATO e queira boa cooperação também e que perceba que vivemos no século XXI, que não vivemos no séc. XIX nem sequer no séc. XX. Pois só a criação desse ambiente poderá, com o devido tempo, levar a que o Presidente russo recue e emende a mão naquilo que foi necessário. E proclame eventualmente vitória no fim. Kruschev também proclamou a vitória no fim da crise dos misseis de Cuba e ninguém lhe levou isso a mal.

Mas não podemos assentar a nossa estratégia unicamente nesta esperança, pois a esperança não constitui uma estratégia. E foi exactamente por essa razão que mencionei anteriormente o perigo do desinvestimento na defesa por parte dos Estados europeus.

Relativamente ao segundo ponto, que é indissociável do primeiro: o da segurança dos Estados a leste e a sul da Europa, cumpre-me dizer o seguinte: A NATO não pode deixar de se imiscuir na segurança dos Estados a leste e a sul da Europa, porque tal como o Secretário-Geral da NATO actual lembrou: “se eles são mais estáveis, nós somos mais seguros”.

A Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia optaram por um caminho democrático. Isto é, o povo desses países votou pela Europa e por aquilo que ela representa. Um espaço de paz com centenas de milhões de habitantes, um modelo social e económico inclusivo e humanista, a maior potência comercial do Mundo, a segunda moeda de reserva internacional, um poder normativo de influência mundial. Não é demais lembrar o que foi a história da Europa nos últimos séculos. Sabem que o projecto da União Europeia é uma garantia de paz. E que uma Europa em paz e que com paz passa por um projecto como o da União Europeia. É essa a clarividente lição da memória e da história.

A médio/longo prazo, a NATO deve prosseguir uma política de apoio aos seus vizinhos de leste para permanecerem no trilho da democracia e das reformas políticas, sociais e económicas, designadamente quanto à reestruturação do Estado de Direito e ao combate à corrupção.

A Rússia deve ser pressionada a inflectir a sua trágica política externa. Essa inflexão implica tratar os seus Estados contíguos como Estados soberanos, respeitar os compromissos que assumiu e contribuir para uma solução pacífica, com base nos acordos de Minsk. Pois, caso contrário, as consequências daqueles factos são incalculáveis na exacta significação da palavra.

João Rebelo

A ordem e segurança europeias vivem um tempo crítico. Desde o fim da Guerra Fria que a Europa não assistia a um momento tão crispado e instável como aquele que se vive na Ucrânia. A crise ucraniana representa indubitavelmente a situação mais delicada das relações entre a Rússia e o Ocidente. A actuação da Rússia tem merecido da parte da comunidade internacional, em particular da UE e da NATO, uma condenação acérrima, a qual se vem manifestando sobretudo sob a forma de sanções económicas.

Contrariamente aquilo que era previsível, a Rússia, depois de mais de 25 anos de esforços da Aliança Atlântica para restabelecer uma relação baseada no apaziguamento e na confiança, fez soar os ecos e temores reminiscentes da Guerra Fria e confirmou a pretensão russa de praticar uma estratégia própria de uma potência nuclear de primeira grandeza, apesar de ter deixado de ser o superpoder de outrora.

A Rússia aproveitou um momento de vulnerabilidade política de um vizinho que atravessava (e atravessa) uma transição democrática muito difícil para, num movimento traiçoeiro, ocupar uma parte do seu território, através da anexação da Crimeia e da invasão do leste ucraniano. Um procedimento politicamente inaceitável e moralmente reprovável.

A NATO não aceita que a força e a violação dos princípios do Direito Internacional sejam instrumentos para a revisão de fronteiras na Europa: é uma Europa, como foi dito por vários líderes Europeus, que nos faz lembrar o século XIX. E é evidente que não é desejável que regresse.

Ao mesmo tempo, é importante serem deixadas as portas abertas para a resolução da crise. Ao mesmo tempo que a NATO é firme sobre a avaliação da anexação da Crimeia, temos de perceber que muitas vezes, nas relações internacionais, há uma escalada de sanções e represálias mútuas que são muito difíceis de parar. Nestes meses, têm sido feitas analogias históricas entre o que se está a passar e outros momentos do passado:

Por um lado, a referência a 1938 e à velha discussão de que até que ponto é que a reconciliação pode levar a uma escalada do conflito;

Por outro lado, também pensamos em 1914 e aqui a lição é oposta à primeira: o modo como uma sucessão de represálias e uma escalada de conflito pode sem que nenhuma das partes perceba bem como possa levar a uma situação de guerra declarada;

Desse ponto de vista, a NATO tem tentado um equilíbrio entre as duas ameaças. Por um lado, defende uma posição muito clara de afirmação do não reconhecimento da anexação da Crimeia. E por outro lado, apoia a aplicação de sanções, pela UE e pelos EUA, passo a passo, com a possibilidade de, dependendo do comportamento da Rússia, avançar-se ou não nesta série de sanções.

Na NATO, tem prevalecido a prudência para evitar uma escalada militar. Em Fevereiro, o Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, reiterou que “a preocupação principal da NATO é apoiar o cessar-fogo para que este seja devidamente implementado bem como os outros elementos do Acordo de Minsk II, como por exemplo a retirada de armamento pesado da linha de contacto. Para além disso, e cito:“a NATO continuará apoiar politicamente a Ucrânia, apoiando a sua independência, a sua integridade territorial e incrementar a restruturação e a modernização das forças armadas ucranianas”.

Simultaneamente, a NATO estabeleceu seis unidades operacionais em seis países aliados: Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia e Roménia. Estas unidades facilitam o transporte e movimentação das forças da NATO como ajudam na coordenação de treinos e exercícios. A NATO avançou também com o maior reforço da defesa colectiva desde o fim da Guerra Fria. 30.000 Militares foram mobilizados para incorporar a Força de Reacção Rápida da NATO. O que é significativo.

Mas mais importante do que isso, estas acções passam uma mensagem: e essa mensagem é no léxico da estratégia uma ferramenta estratégica indirecta, que demonstra a qualquer agressor, neste caso a Rússia, a prontidão e reacção da NATO, caso ponderem atacar qualquer um dos seus membros. Estas medidas são defensivas e proporcionais e adequam-se aos compromissos internacionais da NATO.

No entanto, deixo dois alertas em relação à postura da maior parte dos Estados da NATO, que são europeus, em relação à crise na Ucrânia:

O primeiro é de ordem interna ou doméstica. Sendo a NATO a mais forte Aliança Militar da História, não pode tomar a segurança por garantida. É imperioso que os Estados da Aliança Atlântica estanquem o desinvestimento/desorçamentação na defesa e, cumprindo com aquilo que ficou estabelecido em Gales, caminhem para um orçamento médio na ordem dos 2% em matéria de defesa, pois não é sustentável permanecer eternamente na lógica de fazer mais com menos.

O segundo é de ordem externa. Continuar a reafirmar aquela que foi uma das conclusões expressas na Cimeira de Setembro em Gales, e cito: “A NATO não pretende qualquer confrontação com a Rússia e não representa uma ameaça à sua existência. Mas não pode, e não irá, comprometer os princípios sobre os quais assenta a nossa Aliança e a segurança na Europa e no Norte da América. A NATO é tão transparente quanto previsível, e estamos determinados a demonstrar a nossa resistência e resiliência, como sempre fizemos desde a fundação da Aliança. A natureza das relações com a Rússia e a nossa aspiração por uma parceria continuarão condicionadas, até a actuação russa demonstrar a sua conformidade com o direito internacional e com as suas obrigações e responsabilidades internacionais”. Agora, é indispensável que a Rússia, pelo seu lado, não queira confrontação com o resto da Europa e com a NATO e queira boa cooperação também e que perceba que vivemos no século XXI, que não vivemos no séc. XIX nem sequer no séc. XX. Pois só a criação desse ambiente poderá, com o devido tempo, levar a que o Presidente russo recue e emende a mão naquilo que foi necessário. E proclame eventualmente vitória no fim. Kruschev também proclamou a vitória no fim da crise dos misseis de Cuba e ninguém lhe levou isso a mal.

Mas não podemos assentar a nossa estratégia unicamente nesta esperança, pois a esperança não constitui uma estratégia. E foi exactamente por essa razão que mencionei anteriormente o perigo do desinvestimento na defesa por parte dos Estados europeus.

Relativamente ao segundo ponto, que é indissociável do primeiro: o da segurança dos Estados a leste e a sul da Europa, cumpre-me dizer o seguinte: A NATO não pode deixar de se imiscuir na segurança dos Estados a leste e a sul da Europa, porque tal como o Secretário-Geral da NATO actual lembrou: “se eles são mais estáveis, nós somos mais seguros”.

A Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia optaram por um caminho democrático. Isto é, o povo desses países votou pela Europa e por aquilo que ela representa. Um espaço de paz com centenas de milhões de habitantes, um modelo social e económico inclusivo e humanista, a maior potência comercial do Mundo, a segunda moeda de reserva internacional, um poder normativo de influência mundial. Não é demais lembrar o que foi a história da Europa nos últimos séculos. Sabem que o projecto da União Europeia é uma garantia de paz. E que uma Europa em paz e que com paz passa por um projecto como o da União Europeia. É essa a clarividente lição da memória e da história.

A médio/longo prazo, a NATO deve prosseguir uma política de apoio aos seus vizinhos de leste para permanecerem no trilho da democracia e das reformas políticas, sociais e económicas, designadamente quanto à reestruturação do Estado de Direito e ao combate à corrupção.

A Rússia deve ser pressionada a inflectir a sua trágica política externa. Essa inflexão implica tratar os seus Estados contíguos como Estados soberanos, respeitar os compromissos que assumiu e contribuir para uma solução pacífica, com base nos acordos de Minsk. Pois, caso contrário, as consequências daqueles factos são incalculáveis na exacta significação da palavra.

João Rebelo

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