Ladrões de Bicicletas: Tortura capitalista

22-05-2019
marcar artigo

"Isto não é uma inquirição: é uma sessão de tortura", disse a deputada Cecília Meireles do CDS, quando se fez um intervalo na comissão parlamentar que ouvia José Berardo. E foi.

Não se compreende, contudo, o espanto dos deputados à direita.

Durante toda a sessão sentiu-se a impotência dos deputados em lidar com o mais completo desordenamento legal do capitalismo vigente, a imagem perfeita da total opacidade legal que viabiliza que o alto rendimento use todos os expedientes legais que lhe estão à disposição - aprovados pelo Parlamento com maiorias de PS, PSD e CDS ou em diplomas nunca avocados pelos deputados para alterar a lei -, criados para evitar que os seus detentores sejam desapropriados,  tributados ou simplesmente responsabilizados e castigados por desmandos, má-fé contratual. E sempre protegidos por uma guarda-pretoriana de advogados.

Foi o caso de  André Luiz Gomes - ex-membro do conselho consultivo da CMVM e ex-advogado no escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, presente nas administrações das sociedades em que Berardo está presente, incluindo no BCP -  que, como Berardo contou na sessão, lhe montou numa noite toda a arquitectura do seu "universo". A tal ponto que, quando um deputado do PSD lhe pede que explique esse organograma, tem de ser o advogado a traçar as ligações entre as diversas entidades e o que cada uma delas faz! (ver foto ao lado).

Mas é eficaz: os seus interesses ficam protegidos. É através desses universo que Berardo pede emprestado centenas de milhões de euros, dando como penhor o que formalmente não lhe pertence. E em cada passo dado através destes esquemas, há sempre alguém do Estado a legitimar tudo. É o caso do empréstimo concedido pelo banco público, é o caso dos contratos firmados com o "universo" Berardo em que ele está sempre no fim da linha de quem manda. E nada acontece. Ninguém no Estado é questionado a sério.

A Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo (FCB) é uma entidade de direito privado de utilidade pública, criada em Agosto de 2006, para a "instalação, manutenção e gestão do Museu Colecção Berardo". Os seus custos de funcionamento ficaram então assegurados com um subsídio anual do Ministério da Cultura. O conselho de administração tinha cinco membros. Dois pelo Estado, dois indicados por Berardo e um quinto de comum acordo. Ainda em 2010, os quatro representantes do Estado e de Berardo escolherem como quinto elemento o advogado António Vitorino, dirigente socialista e advogado do escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, cujos advogados são os de Berardo. Vitorino não ocupa actualmente os corpos sociais da Fundação.

Berardo veio ao Parlamento falar de cima e ouvir sorridente a voz dos fracos deputados que - mesmo chamando-lhe ladrão de uma forma simpática - pouco mais querem ou podem fazer do que isso.

Basta ouvir a gravação completa da sessão para perceber que, durante horas e horas, José Berardo esteve a gozar com todos.

Porque não pagava as suas dívidas? "Dívidas? Eu não tenho dívidas!". Porque não usou os 153 milhões de euros usados no reforço da colecção Berardo para pagar os juros à CGD? "Não sei, não estou a perceber". Porque deu como garantia uma lista de títulos de obras de arte que sabia que não tinham valor? "Eu nunca daria os meus quadros como garantia". Mas são seus? "É uma forma de expressão. Isto (o Parlamento) também é meu, é de todos". Porque deu como garantia, em vez das obras, uma lista de títulos que não valem nada? "Não vale nada?!! Por amor de Deus!"

Têm os seus credores a maioria da assembleia geral (AG) da associação dona dos quadros? "Eles pensam que têm, mas não têm". Mas os bancos têm direito a 75% das unidades de participação...  "Tinham... Não têm... (advogado fala com ele)... Bem, não sei como lhe responder, já respondi. Eu não sei se eles não venderam já esse crédito a esses fundos abutres..." Mas parece estar confiante ou sabe que não têm mesmo a maioria... "Não têm..." Qual a dívida que tem junta da banca? "Não sei, não me lembro".

A associação não lhe pertence? "Não pertence a ninguém?" Mas a associação foi à AG do BCP defender os seu interesses.... (ri-se) E a quinta da Bacalhoa não lhe pertence? "Não". Os estatutos da associação foram alterados numa AG. Foram todos os credores convocados? "Foram" (advogada fala) "Para essa, não foram". Qual era o objectivo da alteração de estatutos? "Uma parte do que foi, foi por ordem judicial. E aproveitámos para fazer aumentos de capital". E não convocaram os potenciais credores? "Eles também não me convocaram a uma AG e eu não os convoquei a eles". Porque não os convocou? (advogado fala) "De acordo com ordem de tribunal não tinha de os convocar" Tem aí a ordem de tribunal? "Não". Mas não é verdade que assinou uma procuração em nome dos credores dizendo que poderiam convocar AG da associação e exercer os seus direitos? "Assinei, mas só os chamei depois da ordem de tribunal". Não os chamou, prejudicando os seus direitos? "Foi o tribunal". Mas qual foi a sentença? "Não sabe, não está atenta..." De que data é que é essa decisão? "É do tribunal de Lisboa e é anterior a essa AG. Depois podemos mandar os documentos". E qual foi o objectivo disso?  "Defender os meus interesses".

Porque foi que essa alteração aos estatutos permitiu a possibilidade de transmissão dos títulos de associados? "Porque estávamos com medo que os vendessem aos fundos abutres". Mas por que tem medo? É porque eles cobram com mais agilidade que os bancos? "Talvez". Faz tudo para não ser cobrado? "Estou a tentar proteger a colecção". E se passar para fundos qual é a situação? "Têm de se coordenar connosco".

Como explica que tenha dado acções da Quinta Bacalhoa ao BCP e um prédio ao BES, mas quando a CGD executou só tinha uma garagem na Madeira? "Usei outros bens para outros bancos. Se quiserem levar a garagem, podem levar..." (e ri-se).

É comendador. Não sente uma responsabilidade maior? "É mais do que uma comenda. Não foram dadas pelo dinheiro, mas pelos serviços que eu prestei. Agora aconteceu uma desgraça, o que posso fazer? Estou a tentar contribuir... " O senhor é um multimilionário, a sua fundação não paga impostos, pede empréstimos com base em bens de uma associação cujo penhor vai ser afastado com um golpe de secretaria.  Isto é uma golpada! "Eles são convocados para a AG. Quem vem, vem. Quem não vem, não vem. Eu acho que esta decisão devia ser analisada por quem faz as decisões..." A CGD nunca teria feito este tipo de negócios ruinosos! "Mas... Aqui o prejudicado fui eu..."

Interesses, escritórios de advogados, Estado. E a colecção vai ficar na associação onde quem manda é... José Berardo. E nacionalizá-la?

"Isto não é uma inquirição: é uma sessão de tortura", disse a deputada Cecília Meireles do CDS, quando se fez um intervalo na comissão parlamentar que ouvia José Berardo. E foi.

Não se compreende, contudo, o espanto dos deputados à direita.

Durante toda a sessão sentiu-se a impotência dos deputados em lidar com o mais completo desordenamento legal do capitalismo vigente, a imagem perfeita da total opacidade legal que viabiliza que o alto rendimento use todos os expedientes legais que lhe estão à disposição - aprovados pelo Parlamento com maiorias de PS, PSD e CDS ou em diplomas nunca avocados pelos deputados para alterar a lei -, criados para evitar que os seus detentores sejam desapropriados,  tributados ou simplesmente responsabilizados e castigados por desmandos, má-fé contratual. E sempre protegidos por uma guarda-pretoriana de advogados.

Foi o caso de  André Luiz Gomes - ex-membro do conselho consultivo da CMVM e ex-advogado no escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, presente nas administrações das sociedades em que Berardo está presente, incluindo no BCP -  que, como Berardo contou na sessão, lhe montou numa noite toda a arquitectura do seu "universo". A tal ponto que, quando um deputado do PSD lhe pede que explique esse organograma, tem de ser o advogado a traçar as ligações entre as diversas entidades e o que cada uma delas faz! (ver foto ao lado).

Mas é eficaz: os seus interesses ficam protegidos. É através desses universo que Berardo pede emprestado centenas de milhões de euros, dando como penhor o que formalmente não lhe pertence. E em cada passo dado através destes esquemas, há sempre alguém do Estado a legitimar tudo. É o caso do empréstimo concedido pelo banco público, é o caso dos contratos firmados com o "universo" Berardo em que ele está sempre no fim da linha de quem manda. E nada acontece. Ninguém no Estado é questionado a sério.

A Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo (FCB) é uma entidade de direito privado de utilidade pública, criada em Agosto de 2006, para a "instalação, manutenção e gestão do Museu Colecção Berardo". Os seus custos de funcionamento ficaram então assegurados com um subsídio anual do Ministério da Cultura. O conselho de administração tinha cinco membros. Dois pelo Estado, dois indicados por Berardo e um quinto de comum acordo. Ainda em 2010, os quatro representantes do Estado e de Berardo escolherem como quinto elemento o advogado António Vitorino, dirigente socialista e advogado do escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, cujos advogados são os de Berardo. Vitorino não ocupa actualmente os corpos sociais da Fundação.

Berardo veio ao Parlamento falar de cima e ouvir sorridente a voz dos fracos deputados que - mesmo chamando-lhe ladrão de uma forma simpática - pouco mais querem ou podem fazer do que isso.

Basta ouvir a gravação completa da sessão para perceber que, durante horas e horas, José Berardo esteve a gozar com todos.

Porque não pagava as suas dívidas? "Dívidas? Eu não tenho dívidas!". Porque não usou os 153 milhões de euros usados no reforço da colecção Berardo para pagar os juros à CGD? "Não sei, não estou a perceber". Porque deu como garantia uma lista de títulos de obras de arte que sabia que não tinham valor? "Eu nunca daria os meus quadros como garantia". Mas são seus? "É uma forma de expressão. Isto (o Parlamento) também é meu, é de todos". Porque deu como garantia, em vez das obras, uma lista de títulos que não valem nada? "Não vale nada?!! Por amor de Deus!"

Têm os seus credores a maioria da assembleia geral (AG) da associação dona dos quadros? "Eles pensam que têm, mas não têm". Mas os bancos têm direito a 75% das unidades de participação...  "Tinham... Não têm... (advogado fala com ele)... Bem, não sei como lhe responder, já respondi. Eu não sei se eles não venderam já esse crédito a esses fundos abutres..." Mas parece estar confiante ou sabe que não têm mesmo a maioria... "Não têm..." Qual a dívida que tem junta da banca? "Não sei, não me lembro".

A associação não lhe pertence? "Não pertence a ninguém?" Mas a associação foi à AG do BCP defender os seu interesses.... (ri-se) E a quinta da Bacalhoa não lhe pertence? "Não". Os estatutos da associação foram alterados numa AG. Foram todos os credores convocados? "Foram" (advogada fala) "Para essa, não foram". Qual era o objectivo da alteração de estatutos? "Uma parte do que foi, foi por ordem judicial. E aproveitámos para fazer aumentos de capital". E não convocaram os potenciais credores? "Eles também não me convocaram a uma AG e eu não os convoquei a eles". Porque não os convocou? (advogado fala) "De acordo com ordem de tribunal não tinha de os convocar" Tem aí a ordem de tribunal? "Não". Mas não é verdade que assinou uma procuração em nome dos credores dizendo que poderiam convocar AG da associação e exercer os seus direitos? "Assinei, mas só os chamei depois da ordem de tribunal". Não os chamou, prejudicando os seus direitos? "Foi o tribunal". Mas qual foi a sentença? "Não sabe, não está atenta..." De que data é que é essa decisão? "É do tribunal de Lisboa e é anterior a essa AG. Depois podemos mandar os documentos". E qual foi o objectivo disso?  "Defender os meus interesses".

Porque foi que essa alteração aos estatutos permitiu a possibilidade de transmissão dos títulos de associados? "Porque estávamos com medo que os vendessem aos fundos abutres". Mas por que tem medo? É porque eles cobram com mais agilidade que os bancos? "Talvez". Faz tudo para não ser cobrado? "Estou a tentar proteger a colecção". E se passar para fundos qual é a situação? "Têm de se coordenar connosco".

Como explica que tenha dado acções da Quinta Bacalhoa ao BCP e um prédio ao BES, mas quando a CGD executou só tinha uma garagem na Madeira? "Usei outros bens para outros bancos. Se quiserem levar a garagem, podem levar..." (e ri-se).

É comendador. Não sente uma responsabilidade maior? "É mais do que uma comenda. Não foram dadas pelo dinheiro, mas pelos serviços que eu prestei. Agora aconteceu uma desgraça, o que posso fazer? Estou a tentar contribuir... " O senhor é um multimilionário, a sua fundação não paga impostos, pede empréstimos com base em bens de uma associação cujo penhor vai ser afastado com um golpe de secretaria.  Isto é uma golpada! "Eles são convocados para a AG. Quem vem, vem. Quem não vem, não vem. Eu acho que esta decisão devia ser analisada por quem faz as decisões..." A CGD nunca teria feito este tipo de negócios ruinosos! "Mas... Aqui o prejudicado fui eu..."

Interesses, escritórios de advogados, Estado. E a colecção vai ficar na associação onde quem manda é... José Berardo. E nacionalizá-la?

marcar artigo