Lendo e relendo: Transparência na capitalização de bancos com recurso a dinheiro público

01-09-2019
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Na Assembleia da República (AR), a
Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) discute hoje um projeto conjunto do PSD, CDS, Bloco
de Esquerda e do PCP para reforço da transparência nos processos de
capitalização de bancos com recurso a dinheiro público. Ou seja, está em
causa saber quem são os grandes devedores em situação de incumprimento nos
bancos que foram ajudados pelo Estado desde 2007.

António Leitão Amaro, relator do projeto, explicou, em entrevista ao ECO, a finalidade destas regras de
transparência, recusando tratar-se de “exercício voyeurista ou de striptease bancário”
da parte dos deputados e crendo que as novas regras aumentarão a exigência nas
práticas de concessão de crédito. Segundo o relator, o projeto é subscrito pelos
ditos partidos e sintetiza, melhorando, as iniciativas originais de cada um deles.
Porém, “o PS sempre se opôs, como aliás se opôs à transparência no caso da CPI
(comissão
parlamentar de inquérito) à CGD (Caixa Geral
de Depósitos), mesmo
depois de o tribunal ter decidido que o Parlamento devia ter acesso à
informação” – diz Amaro, que aduz ter o PS fechado a CPI à pressa “para que não
se soubesse o que é que tinha acontecido nas duas enormes capitalizações em
cinco anos”. 

Aliás, Alberto Teixeira e Leonor Mateus Ferreira, no ECO, referem que, desde o início do, o PS se cingiu a propor uma
medida para acabar com o sigilo bancário para depósitos superiores a 50 mil
euros (dados
a seriam enviar ao Fisco).
Sobre os devedores em incumprimento, não se pronunciou. Agora, ficou fora da iniciativa conjunta e não se conhece a sua posição. No entanto, o Governo mostrou-se favorável à hipótese. A este respeito, Ricardo
Mourinho Félix, Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, numa conferência
em maio do ano passado, afirmou:

“O que é importante em relação à questão do sigilo bancário é perceber o
equilíbrio na divulgação de informação, no caso de bancos que receberam ajuda
do Estado por estarem em situação financeira difícil e, por isso, ser necessário
escrutínio das situações que geraram fragilidade no passado”.

De acordo com o relator, o essencial está na procura
da criação de dois regimes: o que garanta
que as CPI não voltem “a ser alvo destas tentativas de silenciamento”, devendo ter acesso “a informação bancária sem que os
argumentos de sigilo bancário e de supervisão possam ser oponíveis”; e o que
estipule que “os bancos que receberam ou venham a receber ajuda pública à
sua capitalização estão sujeitos a um mecanismo de transparência e
controlo apenas sobre créditos de valor muito elevado que tenham sido
incumpridos ou reestruturados por força do incumprimento e, por consequência
disso, tenha havido impacto no capital”. Neste segundo regime, prevê-se “um
mecanismo dual”: informação disponibilizada no portal do BdP (Banco de
Portugal) “sobre condições e montante da
ajuda pública”, bem como um subsequente “retrato agregado das grandes posições
financeiras”; e “informação, mais ampla”, “entregue à AR para acesso” por parte
da respetiva CPI de modo que “haja uma verdadeira transparência, escrutínio e
responsabilização”.

A este respeito, os bancos e o regulador mostram-se contra as novas regras. O parecer do
BdP, enviado à AR no verão passado, aponta para uma série de entraves e
obstáculos. Ainda na CPI à CGD, o governador do BdP Carlos
Costa criticou a hipótese de “haver tratamento diferenciado em função da
propriedade da instituição: ser pública ou privada” e
acrescentou que o “espírito do legislador nunca foi o de colocar [uma lista de
devedores] na praça pública”.

Já APB (Associação
Portuguesa de Bancos)
sustenta, no parecer enviado à AR, que as novas regras desconsideram os fundamentos que “enformam o regime do segredo
bancário” e “sacrificam, de forma desproporcional e
excessiva, os interesses dos clientes na preservação da confidencialidade da
sua informação bancária, a confiança em que assenta a relação bancária e a
estabilidade do setor financeiro, bem como o respeito pelos dados pessoais de
clientes bancários e colaboradores de instituições financeiras”.

Face a estas questões, o projeto refere que a regra de transparência se sobrepõe ao sigilo bancário e de
supervisão, sinalizadas pelos bancos e pelo regulador,
respetivamente, e prevê regras de tratamento da informação que for recebida no
Parlamento e regras de acesso e utilização de dados sensíveis. Por outro lado,
caberá ao Parlamento ou à CPI a palavra final sobre a divulgação pública da
informação. (vd https://eco.sapo.pt/descodificador/quem-sao-os-grandes-devedores-incumpridores-da-banca-e-o-que-o-parlamento-quer-saber/02-o-que-esta-em-causa-na-proposta-conjunta-de-psd-cds-be-e-pcp).

***

Questionado, em relação ao último mecanismo de
informação referido, para que servirá a informação não existindo uma CPI,
Leitão Amaro reponde com a posição do PSD, dizendo que o partido “nunca desistiu deste regime por três problemas muito
sérios que Portugal ainda vive: dois problemas
democráticos e um problema económico”.

O primeiro problema tem a ver com o facto de, sobretudo de 2000 para cá (em especial
de 2005 a 2011), “algumas
entidades, empresas e pessoas” terem beneficiado de “decisões tomadas na
concessão de crédito e de financiamento por alguns gestores bancários”, vindo
os contribuintes, por consequência, “a pagar uma fatura muito grande, os
contribuintes”. E o deputado discorre:

“Este processo de alguns beneficiarem com a
fatura a ser paga por muitos envolveu – e nós hoje sabemos isso – situações de
promiscuidade, são também conhecidas situações de tráfico de influências,
situações que envolveram decisores bancários e, em alguns casos, decisores
políticos, muitos deles ligados ao Governo socialista anterior. Ora, numa sociedade democrática, quando este tipo de conluio e este
tipo de práticas resulta numa fatura coletiva e socializada tão elevada e com o
esforço dos contribuintes, é necessário haver transparência e responsabilização.”.

O segundo problema é equacionado, em termos de transparência, como segue: 

“Não é aceitável que os cidadãos possam ter
a ideia de que os representantes eleitos utilizam tanto do seu dinheiro e não
querem saber. Queremos que os portugueses sintam que nós queremos saber e que
percebemos que este dinheiro lhes custa muito.”.

E, quanto ao problema económico, disse que o dinheiro (assim
obtido) fora canalizado para muitos projetos sem
viabilidade, competitividade ou interesse para a economia, pelo que assegura:

“Nós queremos combater estes três fenómenos
e queremos reforçar essa liberdade e reforçar as condições de competitividade
nos termos em que a iniciativa económica no acesso ao financiamento acontece”.

Ao ser-lhe insinuado que essa é a função do BdP,
reagiu dizendo que não se põem em causa as
funções de supervisão do BdP, contudo, “quem decide a injeção
pública, no limite, são os representantes eleitos”, que têm de “exercer os seus
poderes”.

Sobre quem tomou as decisões acima enunciadas e
criticadas, explicou:

“Queremos ver quais foram as
soluções de financiamento muito grande que vieram a demonstrar-se
insustentáveis, com informações como o valor do financiamento à data, as
garantias, as condições de pagamento, eventuais reestruturações, toda a
informação sobre grandes posições financeiras que se mostraram insustentáveis.
Com certeza que vamos encontrar casos em que o grande crédito ou grande dívida
foi incumprida por condicionantes e situações de uma evolução inesperada no
mercado, mas também vamos encontrar outros casos em que se percebe que o
crédito foi concedido com uma avaliação de risco fraquíssima.”.

E concluiu:

“Queremos ter informação sobre a posição
financeira, sobre quem beneficiou dela. Porque nós
não somos ingénuos. Em sociedade, as coisas acontecem, mas também acontecem
porque existem pessoas e interesses subjacentes às mesmas. Muitos deles
legítimos e nós não colocamos isso em causa. E alguns ilegítimos. e a
transparência serve também para que isso se perceba. O facto de querer manter
tudo atrás de um biombo é o que faz com que as pessoas tenham desconfiança, é
não se perceber, não separar o trigo do joio.”.

Sobre as reservas opostas pelo BdP, pela APB e
pelo PS à divulgação dos devedores, vincou:

“Não tenho dúvidas de que se tratou de uma
reação [tipicamente] corporativa, de
rejeição de um aumento de transparência e responsabilização sobre a sua ação. […] Mas há uma reação normal que tem algo de proteção face
ao escrutínio que passam a estar sujeitos e isso não nos faz demover. Ainda
assim, o processo de audições foi muito rico porque melhorámos e robustecemos a
qualidade e o equilíbrio neste texto de substituição.”.

Encarecendo o reforço do escrutínio ao BdP por se
poder ver onde errou a supervisão, expôs:

“É normal que, quer algumas das pessoas que
estão nos bancos, quer alguns dos que estão no supervisor possam ter uma reação
corporativa porque percebem que se cria um aumento de transparência,
responsabilização e exigência sobre todos os atores do sistema. […] Em relação ao que é que os deputados agora vão fazer,
uma das coisas é olhar para a informação completa – nomeadamente a que foi
negada na comissão parlamentar de inquérito à CGD – e para o desempenho quer do
regime regulatório […], quer dos atores de supervisão.”.

Sobre a hipótese de nova CPI à CGD, rejeitou
qualquer precipitação, queima de
etapas ou mistura de assuntos, dizendo que isto implica a CGD
e não só: “é indiferenciado relativamente à natureza pública ou privada
dos bancos”, ou seja, “é para todos os bancos que tenham, por força de
incumprimentos não cobertos no crédito concedido, levado à ajuda pública”.

Questionado se o seu partido admite fazer comunicações
ao Ministério Público”, disse não especular,
pois “o PSD não tem posições à partida”, mas adianta:

“Há um exercício de responsabilização e de
reflexão sobre os instrumentos existentes: o desempenho dos supervisores e dos
gestores e sobre o próprio quadro regulatório. Diria que é natural o recurso
aos vários instrumentos que os deputados tenham, mas dizer que vamos fazer a
intenção A ou B pode dar uma ideia errada.”.

Se é certo que, tal como lhe foi lembrado, “os
bancos tiveram de recorrer à ajuda pública porque não tinham fundos e tinham de
cumprir exigências regulatórias”, não sendo, pois, “totalmente líquido que se
deva a incumprimentos nos créditos”, assegurou que não há nenhum banco com recurso à ajuda pública “e que não tenha valores
relevantes de créditos incumpridos”. Admite
que haja “várias razões cumulativas para o recurso à ajuda pública, entre as
quais se encontram a mudança de critérios regulatórios”. Porém, afirma
categoricamente que “há muitos créditos que foram incumpridos em Portugal por
situações em que caíram os devedores, situações de mercado ou situações de
infortúnio nas vidas das pessoas”. Por isso, entende que “toda a informação que
for recebida” permitirá “analisar cada uma das situações”.

Aos críticos respondeu que “isto não é exercício voyeur nem de striptease bancário”,
mas “um exercício sério, montado com equilíbrio e ponderação para permitir a
fiscalização”. E disse:

“O que não permitimos é que se procure
proteger quem fez efetivamente de forma errada. Essas pessoas é que estão a
fazer de forma errada. Quem diz que não se pode saber nada é
que lança a suspeita sobre muitos porque quando tivermos a
informação completa poderemos saber a diferença. Penso que todos preferimos
viver com luz para percebermos o que é certo ou errado.”.

E à alegada objeção de que, sendo a transparência
o objetivo, o PSD defende que sejam conhecidas as preditas informações só dos
bancos que ainda não devolveram a ajuda recebida, em vez de todos os que a
receberam, contrapõe que “todos os
bancos estão abrangidos por este sistema”.  E explica:

“Se amanhã, qualquer banco, público ou
privado, cair, qualquer um está abrangido. Não há discriminação e este regime
vai vigorar pelo futuro. Espero que
haja o mínimo recurso possível a fundos públicos, mas se houver, todos os
bancos em Portugal estão abrangidos seja qual for a forma de capitalização. E
para o passado também não há qualquer restrição no acesso à informação pelas
comissões parlamentares de inquérito.”.

A delimitação que o PSD prevê e que tem sido objeto de crítica “ocorre
apenas para o relatório extraordinário que o Banco de Portugal terá de elaborar”
– acrescentou. E recordou:

“Tivemos o cuidado de recuar no tempo (12
anos) o suficiente para abranger o BPN, uma série de bancos privados e o banco
público, que recebeu mais de sete mil milhões de euros em cinco anos”.

Referindo que foram abrangidos por esta situação (receber
ajudas públicas) dois
bancos – o BCP e o BPI – graças ao dito recuo de 12 anos, mas que já devolveram
o dinheiro recebido, disse que não há “qualquer intenção persecutória, nem
nenhuma desconfiança essencial sobre a atividade bancária”, nem “qualquer
intenção voyeurista sobre nada”. No entanto, enuncia a
regra com toda a clareza: “se há ajuda pública viva por reembolsar – nem que
seja um euro – tem de haver transparência”; mas, “se lá atrás houve ajuda
pública e foi integralmente reposta, essa situação, entendemos, que não se
aplica”. E reforçou:

“Não é um ataque ad hominem. Havendo dinheiro público a
haver de volta, os cidadãos e os contribuintes merecem esta responsabilização e
transparência.”.

***

Revelou que, logo desde início, o PS foi contactado
e foi mantido sempre informado dos passos
que iam sendo dados e da evolução dos documentos, mas fez a opção de “ficar de
fora”. E, sobre a razão dessa postura, disse que o PS “dará as justificações
que quiser”, e pensa que “os portugueses, depois do que viram entre 2005 e 2011”,
designadamente na CPI da CGD, têm muitas razões para desconfiar do que é que o
PS tem para esconder”.

(A meu ver insiste demasiado no período de 2005-2011, atirando a má gestão para
o PS em exclusivo, quando se sabe que o histórico da CGD, pelo jogo de interesses
do centrão, desde há muito tempo que era censurável, aliás como na banca em
geral e pela mesma razão).

Em relação ao debate e votação, espera que o processo esteja terminado daqui a uma semana e que
seja aprovada uma lei de criação do “duplo regime de transparência sobre a
concessão de crédito”. E, uns dias
mais para a redação final, pensa que o diploma “ainda em janeiro estará em
Belém” e, “dada a maioria formada, a justiça subjacente e o bom senso” do
Presidente, será promulgado e entrará em vigor no dia seguinte à publicação em
Diário da República.

Por fim, sobre os efeitos destas novas regras no sistema financeiro, pensa que, embora não haja risco zero nas
sociedades, “há formas de mitigar esse risco”. Assim, “o que foi feito
no mundo, a partir de 2009, e na Europa, a partir de 2011 ou 2012” no âmbito das
mudanças regulatórias na supervisão “não evitou todos os problemas porque nem
as leis nem as pessoas são perfeitas”, mas levou à diminuição dos riscos. E
adverte que “um país que passou pelo que Portugal passou” em termos económicos,
morais, “de má alocação de crédito”, de “alguma falta de respeito pelos
contribuintes, promiscuidade e tráfico de influências”, certamente que “precisa de uma resposta especialmente qualificada e forte”.

***

Pelos vistos, eram só o PSD e o CDS
que pretendiam excluir da obrigação de divulgarem listas de grandes devedores bancos
que já devolveram as ajudas públicas. BE e PCP não tinham essa perspetiva. Agora
o PS diz alinhar com a esquerda e inviabilizar a exclusão do BCP e do BPI.

Assim, o PS
não se oporá ao projeto conjunto do PSD, CDS, BE e PCP sobre a divulgação das
listas de grandes devedores com créditos em incumprimento dos bancos que tenham
recebido ajuda pública. Assim, o projeto deverá ser aprovada pela COFMA, na próxima semana, e
levada depois a plenário na Assembleia da República. A este propósito, o
deputado do PS, João Paulo Correia, afirmou que o partido “está completamente de acordo” que o BdP e as
instituições financeiras intervencionadas sejam obrigados a fornecer este tipo
de informação no âmbito de CPI, já que isto “vem dar razão ao
que o PS sempre defendeu nas CPI (desmente Amaro). Portanto, justifica-se a alteração legislativa”, pelo que
“o PS não se irá opor” ao texto conjunto.

***

Enfim, uma entrevista que poderia ser
esclarecedora torna-se um veículo de partidarização de matéria tão relevante e
o partido do Governo sai do casulo mas a desoras. Porquê tudo isto?

2019.01.04 – Louro de Carvalho

Na Assembleia da República (AR), a
Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) discute hoje um projeto conjunto do PSD, CDS, Bloco
de Esquerda e do PCP para reforço da transparência nos processos de
capitalização de bancos com recurso a dinheiro público. Ou seja, está em
causa saber quem são os grandes devedores em situação de incumprimento nos
bancos que foram ajudados pelo Estado desde 2007.

António Leitão Amaro, relator do projeto, explicou, em entrevista ao ECO, a finalidade destas regras de
transparência, recusando tratar-se de “exercício voyeurista ou de striptease bancário”
da parte dos deputados e crendo que as novas regras aumentarão a exigência nas
práticas de concessão de crédito. Segundo o relator, o projeto é subscrito pelos
ditos partidos e sintetiza, melhorando, as iniciativas originais de cada um deles.
Porém, “o PS sempre se opôs, como aliás se opôs à transparência no caso da CPI
(comissão
parlamentar de inquérito) à CGD (Caixa Geral
de Depósitos), mesmo
depois de o tribunal ter decidido que o Parlamento devia ter acesso à
informação” – diz Amaro, que aduz ter o PS fechado a CPI à pressa “para que não
se soubesse o que é que tinha acontecido nas duas enormes capitalizações em
cinco anos”. 

Aliás, Alberto Teixeira e Leonor Mateus Ferreira, no ECO, referem que, desde o início do, o PS se cingiu a propor uma
medida para acabar com o sigilo bancário para depósitos superiores a 50 mil
euros (dados
a seriam enviar ao Fisco).
Sobre os devedores em incumprimento, não se pronunciou. Agora, ficou fora da iniciativa conjunta e não se conhece a sua posição. No entanto, o Governo mostrou-se favorável à hipótese. A este respeito, Ricardo
Mourinho Félix, Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, numa conferência
em maio do ano passado, afirmou:

“O que é importante em relação à questão do sigilo bancário é perceber o
equilíbrio na divulgação de informação, no caso de bancos que receberam ajuda
do Estado por estarem em situação financeira difícil e, por isso, ser necessário
escrutínio das situações que geraram fragilidade no passado”.

De acordo com o relator, o essencial está na procura
da criação de dois regimes: o que garanta
que as CPI não voltem “a ser alvo destas tentativas de silenciamento”, devendo ter acesso “a informação bancária sem que os
argumentos de sigilo bancário e de supervisão possam ser oponíveis”; e o que
estipule que “os bancos que receberam ou venham a receber ajuda pública à
sua capitalização estão sujeitos a um mecanismo de transparência e
controlo apenas sobre créditos de valor muito elevado que tenham sido
incumpridos ou reestruturados por força do incumprimento e, por consequência
disso, tenha havido impacto no capital”. Neste segundo regime, prevê-se “um
mecanismo dual”: informação disponibilizada no portal do BdP (Banco de
Portugal) “sobre condições e montante da
ajuda pública”, bem como um subsequente “retrato agregado das grandes posições
financeiras”; e “informação, mais ampla”, “entregue à AR para acesso” por parte
da respetiva CPI de modo que “haja uma verdadeira transparência, escrutínio e
responsabilização”.

A este respeito, os bancos e o regulador mostram-se contra as novas regras. O parecer do
BdP, enviado à AR no verão passado, aponta para uma série de entraves e
obstáculos. Ainda na CPI à CGD, o governador do BdP Carlos
Costa criticou a hipótese de “haver tratamento diferenciado em função da
propriedade da instituição: ser pública ou privada” e
acrescentou que o “espírito do legislador nunca foi o de colocar [uma lista de
devedores] na praça pública”.

Já APB (Associação
Portuguesa de Bancos)
sustenta, no parecer enviado à AR, que as novas regras desconsideram os fundamentos que “enformam o regime do segredo
bancário” e “sacrificam, de forma desproporcional e
excessiva, os interesses dos clientes na preservação da confidencialidade da
sua informação bancária, a confiança em que assenta a relação bancária e a
estabilidade do setor financeiro, bem como o respeito pelos dados pessoais de
clientes bancários e colaboradores de instituições financeiras”.

Face a estas questões, o projeto refere que a regra de transparência se sobrepõe ao sigilo bancário e de
supervisão, sinalizadas pelos bancos e pelo regulador,
respetivamente, e prevê regras de tratamento da informação que for recebida no
Parlamento e regras de acesso e utilização de dados sensíveis. Por outro lado,
caberá ao Parlamento ou à CPI a palavra final sobre a divulgação pública da
informação. (vd https://eco.sapo.pt/descodificador/quem-sao-os-grandes-devedores-incumpridores-da-banca-e-o-que-o-parlamento-quer-saber/02-o-que-esta-em-causa-na-proposta-conjunta-de-psd-cds-be-e-pcp).

***

Questionado, em relação ao último mecanismo de
informação referido, para que servirá a informação não existindo uma CPI,
Leitão Amaro reponde com a posição do PSD, dizendo que o partido “nunca desistiu deste regime por três problemas muito
sérios que Portugal ainda vive: dois problemas
democráticos e um problema económico”.

O primeiro problema tem a ver com o facto de, sobretudo de 2000 para cá (em especial
de 2005 a 2011), “algumas
entidades, empresas e pessoas” terem beneficiado de “decisões tomadas na
concessão de crédito e de financiamento por alguns gestores bancários”, vindo
os contribuintes, por consequência, “a pagar uma fatura muito grande, os
contribuintes”. E o deputado discorre:

“Este processo de alguns beneficiarem com a
fatura a ser paga por muitos envolveu – e nós hoje sabemos isso – situações de
promiscuidade, são também conhecidas situações de tráfico de influências,
situações que envolveram decisores bancários e, em alguns casos, decisores
políticos, muitos deles ligados ao Governo socialista anterior. Ora, numa sociedade democrática, quando este tipo de conluio e este
tipo de práticas resulta numa fatura coletiva e socializada tão elevada e com o
esforço dos contribuintes, é necessário haver transparência e responsabilização.”.

O segundo problema é equacionado, em termos de transparência, como segue: 

“Não é aceitável que os cidadãos possam ter
a ideia de que os representantes eleitos utilizam tanto do seu dinheiro e não
querem saber. Queremos que os portugueses sintam que nós queremos saber e que
percebemos que este dinheiro lhes custa muito.”.

E, quanto ao problema económico, disse que o dinheiro (assim
obtido) fora canalizado para muitos projetos sem
viabilidade, competitividade ou interesse para a economia, pelo que assegura:

“Nós queremos combater estes três fenómenos
e queremos reforçar essa liberdade e reforçar as condições de competitividade
nos termos em que a iniciativa económica no acesso ao financiamento acontece”.

Ao ser-lhe insinuado que essa é a função do BdP,
reagiu dizendo que não se põem em causa as
funções de supervisão do BdP, contudo, “quem decide a injeção
pública, no limite, são os representantes eleitos”, que têm de “exercer os seus
poderes”.

Sobre quem tomou as decisões acima enunciadas e
criticadas, explicou:

“Queremos ver quais foram as
soluções de financiamento muito grande que vieram a demonstrar-se
insustentáveis, com informações como o valor do financiamento à data, as
garantias, as condições de pagamento, eventuais reestruturações, toda a
informação sobre grandes posições financeiras que se mostraram insustentáveis.
Com certeza que vamos encontrar casos em que o grande crédito ou grande dívida
foi incumprida por condicionantes e situações de uma evolução inesperada no
mercado, mas também vamos encontrar outros casos em que se percebe que o
crédito foi concedido com uma avaliação de risco fraquíssima.”.

E concluiu:

“Queremos ter informação sobre a posição
financeira, sobre quem beneficiou dela. Porque nós
não somos ingénuos. Em sociedade, as coisas acontecem, mas também acontecem
porque existem pessoas e interesses subjacentes às mesmas. Muitos deles
legítimos e nós não colocamos isso em causa. E alguns ilegítimos. e a
transparência serve também para que isso se perceba. O facto de querer manter
tudo atrás de um biombo é o que faz com que as pessoas tenham desconfiança, é
não se perceber, não separar o trigo do joio.”.

Sobre as reservas opostas pelo BdP, pela APB e
pelo PS à divulgação dos devedores, vincou:

“Não tenho dúvidas de que se tratou de uma
reação [tipicamente] corporativa, de
rejeição de um aumento de transparência e responsabilização sobre a sua ação. […] Mas há uma reação normal que tem algo de proteção face
ao escrutínio que passam a estar sujeitos e isso não nos faz demover. Ainda
assim, o processo de audições foi muito rico porque melhorámos e robustecemos a
qualidade e o equilíbrio neste texto de substituição.”.

Encarecendo o reforço do escrutínio ao BdP por se
poder ver onde errou a supervisão, expôs:

“É normal que, quer algumas das pessoas que
estão nos bancos, quer alguns dos que estão no supervisor possam ter uma reação
corporativa porque percebem que se cria um aumento de transparência,
responsabilização e exigência sobre todos os atores do sistema. […] Em relação ao que é que os deputados agora vão fazer,
uma das coisas é olhar para a informação completa – nomeadamente a que foi
negada na comissão parlamentar de inquérito à CGD – e para o desempenho quer do
regime regulatório […], quer dos atores de supervisão.”.

Sobre a hipótese de nova CPI à CGD, rejeitou
qualquer precipitação, queima de
etapas ou mistura de assuntos, dizendo que isto implica a CGD
e não só: “é indiferenciado relativamente à natureza pública ou privada
dos bancos”, ou seja, “é para todos os bancos que tenham, por força de
incumprimentos não cobertos no crédito concedido, levado à ajuda pública”.

Questionado se o seu partido admite fazer comunicações
ao Ministério Público”, disse não especular,
pois “o PSD não tem posições à partida”, mas adianta:

“Há um exercício de responsabilização e de
reflexão sobre os instrumentos existentes: o desempenho dos supervisores e dos
gestores e sobre o próprio quadro regulatório. Diria que é natural o recurso
aos vários instrumentos que os deputados tenham, mas dizer que vamos fazer a
intenção A ou B pode dar uma ideia errada.”.

Se é certo que, tal como lhe foi lembrado, “os
bancos tiveram de recorrer à ajuda pública porque não tinham fundos e tinham de
cumprir exigências regulatórias”, não sendo, pois, “totalmente líquido que se
deva a incumprimentos nos créditos”, assegurou que não há nenhum banco com recurso à ajuda pública “e que não tenha valores
relevantes de créditos incumpridos”. Admite
que haja “várias razões cumulativas para o recurso à ajuda pública, entre as
quais se encontram a mudança de critérios regulatórios”. Porém, afirma
categoricamente que “há muitos créditos que foram incumpridos em Portugal por
situações em que caíram os devedores, situações de mercado ou situações de
infortúnio nas vidas das pessoas”. Por isso, entende que “toda a informação que
for recebida” permitirá “analisar cada uma das situações”.

Aos críticos respondeu que “isto não é exercício voyeur nem de striptease bancário”,
mas “um exercício sério, montado com equilíbrio e ponderação para permitir a
fiscalização”. E disse:

“O que não permitimos é que se procure
proteger quem fez efetivamente de forma errada. Essas pessoas é que estão a
fazer de forma errada. Quem diz que não se pode saber nada é
que lança a suspeita sobre muitos porque quando tivermos a
informação completa poderemos saber a diferença. Penso que todos preferimos
viver com luz para percebermos o que é certo ou errado.”.

E à alegada objeção de que, sendo a transparência
o objetivo, o PSD defende que sejam conhecidas as preditas informações só dos
bancos que ainda não devolveram a ajuda recebida, em vez de todos os que a
receberam, contrapõe que “todos os
bancos estão abrangidos por este sistema”.  E explica:

“Se amanhã, qualquer banco, público ou
privado, cair, qualquer um está abrangido. Não há discriminação e este regime
vai vigorar pelo futuro. Espero que
haja o mínimo recurso possível a fundos públicos, mas se houver, todos os
bancos em Portugal estão abrangidos seja qual for a forma de capitalização. E
para o passado também não há qualquer restrição no acesso à informação pelas
comissões parlamentares de inquérito.”.

A delimitação que o PSD prevê e que tem sido objeto de crítica “ocorre
apenas para o relatório extraordinário que o Banco de Portugal terá de elaborar”
– acrescentou. E recordou:

“Tivemos o cuidado de recuar no tempo (12
anos) o suficiente para abranger o BPN, uma série de bancos privados e o banco
público, que recebeu mais de sete mil milhões de euros em cinco anos”.

Referindo que foram abrangidos por esta situação (receber
ajudas públicas) dois
bancos – o BCP e o BPI – graças ao dito recuo de 12 anos, mas que já devolveram
o dinheiro recebido, disse que não há “qualquer intenção persecutória, nem
nenhuma desconfiança essencial sobre a atividade bancária”, nem “qualquer
intenção voyeurista sobre nada”. No entanto, enuncia a
regra com toda a clareza: “se há ajuda pública viva por reembolsar – nem que
seja um euro – tem de haver transparência”; mas, “se lá atrás houve ajuda
pública e foi integralmente reposta, essa situação, entendemos, que não se
aplica”. E reforçou:

“Não é um ataque ad hominem. Havendo dinheiro público a
haver de volta, os cidadãos e os contribuintes merecem esta responsabilização e
transparência.”.

***

Revelou que, logo desde início, o PS foi contactado
e foi mantido sempre informado dos passos
que iam sendo dados e da evolução dos documentos, mas fez a opção de “ficar de
fora”. E, sobre a razão dessa postura, disse que o PS “dará as justificações
que quiser”, e pensa que “os portugueses, depois do que viram entre 2005 e 2011”,
designadamente na CPI da CGD, têm muitas razões para desconfiar do que é que o
PS tem para esconder”.

(A meu ver insiste demasiado no período de 2005-2011, atirando a má gestão para
o PS em exclusivo, quando se sabe que o histórico da CGD, pelo jogo de interesses
do centrão, desde há muito tempo que era censurável, aliás como na banca em
geral e pela mesma razão).

Em relação ao debate e votação, espera que o processo esteja terminado daqui a uma semana e que
seja aprovada uma lei de criação do “duplo regime de transparência sobre a
concessão de crédito”. E, uns dias
mais para a redação final, pensa que o diploma “ainda em janeiro estará em
Belém” e, “dada a maioria formada, a justiça subjacente e o bom senso” do
Presidente, será promulgado e entrará em vigor no dia seguinte à publicação em
Diário da República.

Por fim, sobre os efeitos destas novas regras no sistema financeiro, pensa que, embora não haja risco zero nas
sociedades, “há formas de mitigar esse risco”. Assim, “o que foi feito
no mundo, a partir de 2009, e na Europa, a partir de 2011 ou 2012” no âmbito das
mudanças regulatórias na supervisão “não evitou todos os problemas porque nem
as leis nem as pessoas são perfeitas”, mas levou à diminuição dos riscos. E
adverte que “um país que passou pelo que Portugal passou” em termos económicos,
morais, “de má alocação de crédito”, de “alguma falta de respeito pelos
contribuintes, promiscuidade e tráfico de influências”, certamente que “precisa de uma resposta especialmente qualificada e forte”.

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Pelos vistos, eram só o PSD e o CDS
que pretendiam excluir da obrigação de divulgarem listas de grandes devedores bancos
que já devolveram as ajudas públicas. BE e PCP não tinham essa perspetiva. Agora
o PS diz alinhar com a esquerda e inviabilizar a exclusão do BCP e do BPI.

Assim, o PS
não se oporá ao projeto conjunto do PSD, CDS, BE e PCP sobre a divulgação das
listas de grandes devedores com créditos em incumprimento dos bancos que tenham
recebido ajuda pública. Assim, o projeto deverá ser aprovada pela COFMA, na próxima semana, e
levada depois a plenário na Assembleia da República. A este propósito, o
deputado do PS, João Paulo Correia, afirmou que o partido “está completamente de acordo” que o BdP e as
instituições financeiras intervencionadas sejam obrigados a fornecer este tipo
de informação no âmbito de CPI, já que isto “vem dar razão ao
que o PS sempre defendeu nas CPI (desmente Amaro). Portanto, justifica-se a alteração legislativa”, pelo que
“o PS não se irá opor” ao texto conjunto.

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Enfim, uma entrevista que poderia ser
esclarecedora torna-se um veículo de partidarização de matéria tão relevante e
o partido do Governo sai do casulo mas a desoras. Porquê tudo isto?

2019.01.04 – Louro de Carvalho

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