João Galamba: "Dívida pública é impagável e impede crescimento"

22-05-2019
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01 Fevereiro, 2014 • 00:00 Partilhar este artigo Facebook

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João Galamba usa brinco, não usa

gravata, usa palavras duras, não usa eufemismos, não usa o

silêncio, usa sempre adjetivos demolidores para definir o governo. É

ele o deputado do PS mais vocal no ataque ao Ministério das Finanças

- antes Vítor Gaspar, hoje Maria Luís Albuquerque. Chega para fazer

oposição? É o que veremos.

Veja aqui o vídeo da entrevista

Bagão Félix diz que a execução

orçamental de 2013 não deve gerar euforia mas também não devia

gerar negação. O PS está em negação? João Galamba está em

negação?

Penso que não. Se não queremos

transformar a política e o debate numa espécie de claque de futebol

temos o dever de ser rigorosos com os números e perceber o que está

em causa. Olhando para esta execução, eu, de facto, com seriedade,

não consigo entrar em euforias.

A euforia é excessiva, não reconhecer

que a meta foi atingida também não é excessivo...?

Penso que o "como se atingiu" é

fundamental, porque há muitas maneiras de atingir a meta. Não me

lembro de, em 2011, o país ter rejubilado com um défice de 4,2% ou

4,4%. Porquê? Porque isso só foi conseguido com a transferência do

fundo de pensões da PT. Aquilo que se passa em 2013, não sendo

igual, é semelhante. Este ano só cumprimos a meta quantitativa

acordada com a troika porque a própria meta é, se quisermos, uma

convenção política, não decorre da existência de regras. Há uma

espécie de acordo entre o governo e a troika sobre que despesas é

que entram e que despesas não entram, sobre que receitas entram e

receitas que não entram. Sim, o governo cumpriu o limite

quantitativo da troika, ficou 1700 milhões de euros abaixo, só que

há 1700 milhões de receitas extraordinárias e há um conjunto de

despesas extraordinárias que não contam. Portanto, o governo

celebra um objetivo que foi cozinhado entre ele e a troika. Estranho

seria se não o tivessem cumprido uma vez que a meta foi revista a

meio do ano.

Transmitir uma imagem externa de que,

apesar das dificuldades, os resultados existem ajuda...

Há um termo que tenho usado mais em

privado, vou agora usá-lo em público: as pessoas chamam-lhe défice

para efeitos do programa de ajustamento, eu chamo-lhe défice para

efeitos do sucesso do governo.

Mas não é também para ajudar o país?

As reações das agências de rating foram positivas...

Os dados orçamentais devem ter alguma

transparência e devem preocupar-se em refletir o que se passa nas

administrações públicas. Um défice que conta com a receita

extraordinária da ANA, 400 milhões de euros, que conta com o perdão

fiscal de cerca de 1300 milhões de euros, mas que exclui a

regularização das dívidas para as autarquias, para a Região

Autónoma da Madeira, para a Saúde, e que exclui a despesa do Banif,

não é um défice que corresponda a qualquer regra. Nós podemos até

ter um défice com receitas extraordinárias e despesas

extraordinárias e um défice sem receitas extraordinárias e sem

despesas extraordinárias. Agora, com algumas receitas e sem as

despesas é que já não me parece bem.

Tem sido muito crítico, mas raramente

faz uma proposta...

A principal tragédia do país nos

últimos anos foi termos tido uma situação que acho única em

países resgatados, não só pela troika mas pelo FMI, ao longo da

história. Não me lembro de haver um governo e uma maioria política

expressiva num país que tenha usado estes programas de ajustamento

como uma oportunidade de "desenvolvimento" para o país. Não me

ocorre, posso estar enganado, posso não me lembrar e existir algum,

mas sei que certamente na Europa isso não existe. Estive, há duas

semanas, no Parlamento Europeu e foi muito interessante ver a reação

dos deputados dos diferentes países, à esquerda e à direita... os

deputados da Letónia, da Irlanda, da Grécia, de Espanha, todos

tinham posições muito críticas em relação à resposta europeia à

crise e ao modelo. No Parlamento Europeu, vi deputados do Parlamento

português com um discurso completamente diferente e em total

dessintonia com os seus colegas de países resgatados.

Isso acontece porquê?

Infelizmente, a direita portuguesa ou

parte da direita portuguesa - nem toda a gente do CDS e do PSD se

revê neste discurso, mas uma parte significativa da elite política

deste país, mais à direita - encara este programa de ajustamento

não como uma tragédia que aconteceu e que resulta de disfunções

europeias, mas sim como uma oportunidade histórica para implementar

um conjunto de reformas que considero muito negativas e que nunca

teriam sido possíveis num processo eleitoral normal.

Se o PS estivesse no governo teria

enfrentado problemas semelhantes, teria usado alguns dos instrumentos

que foram usados por este governo? Por exemplo, seria difícil não

ter aumentado o IRS?

É um pouco difícil tentar aqui

reproduzir os últimos dois anos e meio e pensar o que teríamos

feito em cada um dos momentos. Mas acho que a questão mais marcante

é de atitude, ou seja, se o PS estivesse no governo há uma coisa

que eu sei: a cada falhanço do programa, a cada desvio, a cada

dessintonia dentro da troika, um governo PS tentaria aproveitar isso

em beneficio do país.

Foi o que aconteceu na Grécia e não

trouxe benefícios.

Entre o seguidismo acrítico da maioria

e a rutura radical de um Bloco de Esquerda ou do PCP, penso que há

um meio-termo. Um governo consciente do que isto significa para o

nosso país, no presente e no longo prazo, não deixaria, por

exemplo, que a Europa usasse Portugal como um caso de sucesso.

Apresentaria de forma objetiva os indicadores sociais, mostraria o

que se passa em Portugal. Se tivéssemos tido um governo que dissesse

isso, quero acreditar que isso faria diferença. Depois, se perante

isso as negociações podiam ser ou não bem-sucedidas, não sei; era

uma questão de tentar.

O PS teria evitado o aumento de

impostos?

Respondo de outra maneira: se o PS

fosse encostado à parede e se chegasse à conclusão de que não

havia maneira e que teria mesmo de fazer um pacote de austeridade de

x milhões de euros, entre corte na despesa e aumento de impostos,

pessoalmente, preferia sempre o aumento de impostos.

Porque o corte da despesa seria despesa

social?

Porque, ao contrário da mistificação

que se criou nas últimas eleições, os cortes não são indolores e

não são gorduras. São rendimentos de pessoas, de pensionistas ou

de funcionários públicos. São prestações sociais para um

conjunto muito significativo de portugueses. A resposta é: se eu

fosse obrigado a ir por uma via de austeridade, com a qual não

concordo, aquela que me parece ter custos sociais e económicos

menores e que preserva um sentido de comunidade, de partilha, de que

estamos todos juntos nisto e que se é um problema do país devemos

todos, coletivamente, responder e estar à altura deste desafio, eu

penso que o IRS é a maneira mais justa, economicamente menos

negativa e mais compatível com o Estado de direito. Não teríamos

os problemas que tivemos com o Tribunal Constitucional se a opção

tivesse sido por aí. Admitindo que teria sido impossível uma outra

via ou negociar uma alternativa, entre cortes na despesa e aumento de

impostos, eu escolheria sempre o aumento de impostos.

Tem alguma crítica a fazer à

liderança de António José Seguro?

Tenho reparos a fazer a esta liderança

como tenho a todas as lideranças. Apesar de muita gente olhar para

mim como um socrático empedernido, fiz críticas públicas e

privadas muito fortes ao governo de Sócrates.

Não me lembro de nenhuma...

Mas os socialistas que estavam

presentes nas reuniões do grupo parlamentar lembram-se.

Foi em privado, portanto.

Não só. Houve uma capa do Diário

Económico com críticas que eu fiz na apresentação do PEC IV, mas

não porque criticasse o PEC IV. Vivemos tempos muito difíceis em

que, de facto, as fronteiras entre as competências de um governo

nacional e as das instituições europeias têm uma zona cinzenta e

isso cria disfunções políticas e democráticas preocupantes. Eu

disse isso no dia em que saiu o PEC IV. Disse até que Fernando

Teixeira dos Santos e José Sócrates não tinham gerido o processo

da melhor maneira.

E que críticas faz a Seguro?

No início, acho que o PS fez uma

escolha estratégica na qual não me revejo, que é dar por perdido o

debate na opinião pública sobre os méritos ou deméritos da

governação do PS de José Sócrates. Penso que o PS perdeu na sua

capacidade de afirmação política, no curto prazo e no longo prazo,

ao aceitar a narrativa da direita ou pelo menos ao escolher não a

combater. Foi um erro do PS que nos fragilizou. Agora, acho que o

momento de maiores fragilidades ou de maiores divergências

estratégicas quanto ao modo como deve ser feita a oposição está

ultrapassado. Há uma defesa mais firme, não é uma defesa do

passado, é uma defesa da verdade, do que foi bem feito e mal feito,

porque isso nos permite interpretar de forma mais adequada a crise

que vivemos.

Portanto, sobre o atual momento, nenhum

reparo...

Os reparos a fazer à atual liderança

foram esses. Houve erros no início, hoje acho que há uma

pacificação no PS. Estamos todos mais em sintonia para a grande

batalha política que se avizinha, que, se quisermos, é o tiro de

partida para um conjunto de eleições - europeias, legislativas e

depois presidenciais.

Isso apesar das sondagens que não dão

grande expressão ao PS...

As sondagens não são de facto

avassaladoras. É um erro pensar que é um problema da liderança do

PS. É antes um problema de discurso da social-democracia e é,

sobretudo, um problema europeu. Neste momento a social-democracia tem

uma enorme dificuldade em articular um discurso autónomo e uma

alternativa à direita, mas não porque ela não exista. A

social-democracia, em vários países europeus, por razões

diferentes, foi capitulando ideologicamente e demitindo-se de fazer

uma verdadeira oposição à estratégia que é hegemónica e

avassaladora na Europa. Quando esse problema existe e quando é

difícil articular uma alternativa, as sondagens também refletem

isso.

As europeias são momentos de castigo

dos governos, mas a sondagem que saiu esta semana dá até uma

vitória à coligação PSD-CDS...

O PS tem de ter uma vitória nestas

europeias. Nem sequer concebo a possibilidade de isso não acontecer.

Agora, o PS tem de articular um discurso forte que mobilize as

pessoas e que faça sentido no momento atual. Penso que o Partido

Socialista está um pouco atrasado nesta matéria... eu bem sei que

não há nenhuma lista conhecida de nenhum partido, mas acho que o PS

tem de, quanto antes, apresentar aos portugueses uma lista de

qualidade, ou seja, que não deixe dúvidas de que aquele conjunto de

pessoas é o melhor para apresentar nestas eleições, além de ter

um discurso que faça sentido e que mobilize as pessoas. Isso ainda

não existe.

Pode acontecer a Seguro o que está a

acontecer a Hollande? A certa altura renegar as boas intenções e

impor mais austeridade?

Espero que não e acho que o António

José Seguro já tem dado indicações de que não se revê na

estratégia de Hollande. Hollande é algo muito curioso. Podemos

olhar para o percurso histórico da social-democracia - e não há

movimento mais plástico do que a social-democracia - e perceber que

ela sempre soube adaptar-se ao momento que vivia. No final dos anos

90, veio a terceira via, que foi uma maneira de a social-democracia

se adaptar à globalização. O que se passa hoje com a

social-democracia europeia é algo inteiramente diferente. O que

Hollande fez não foi apropriar-se de um conjunto de ideias,

reinterpretá-las e tentar construir um projeto político. Foi a

total capitulação às teses dos adversários.

Não foi o choque da realidade? França

não precisa de reformas?

Isso também é um conjunto de mitos

sobre a sociedade francesa. A economia francesa cresceu mais do que a

alemã na primeira década, foi das menos afetadas pela crise, tem um

défice acima dos limites máximos mas não significativo, tem uma

dívida não muito diferente da alemã... Admito que França

precisasse de algumas reformas, mas uma coisa é certa: ao aderir a

este tipo de receita que a Europa tem para todos os países, Hollande

abdicou de contestar uma política que, quando se candidatou à

presidência de França, era a base do seu contrato com o eleitorado.

O PS terá margem para não abdicar?

Os problemas da economia portuguesa são

diferentes dos da economia francesa. O PS e António José Seguro têm

um conjunto de ideias sobre o que deve ser a política europeia e não

me parece que pelo facto de Hollande ter capitulado nós devamos

abandoná-las. Quando acreditamos que algo é o melhor para Portugal

e para a economia europeia então devemos ser firmes na defesa dessas

ideias.

Que ideias, que alternativas?

Uma das coisas que esta crise mostrou é

que uma certa ideia de europeísmo morreu. A União Europeia não é

hoje aquele espaço de consenso, solidariedade, harmonia e concórdia.

É um espaço de poder e de combate onde foram criadas, sobretudo

desde a crise grega, em maio de 2010, ideias que institucionalizam

uma relação desigual entre os Estados membros. Não estou a dizer

que a União Europeia não teve sempre este elemento, mas agora

parece-me mais marcante. A UE é hoje não um projeto de

convergência, não um projeto de coesão, não um projeto de

solidariedade, é um projeto de poder assente em relações desiguais

entre credores e devedores.

O recuo de Hollande e a crise da

social-democracia não têm que ver com o facto de o modelo ter

resultado num brutal endividamento?

Não me revejo nisso. Vou dar um número

que quando o dei a uns representantes da embaixada alemã eles

ficaram perplexos: Portugal foi, com a Alemanha, entre 2002 e 2008, o

país da UE onde a procura interna e o consumo público menos

cresceram, onde houve menos investimento, o consumo cresceu pouco e o

consumo público cresceu muito pouco...

Mas isso aconteceu também por causa da

desorçamentação.

Há uma desorçamentação muito

significativa que vinha de trás, por causa da CP, por exemplo.

Agora, a desorçamentação do governo de José Sócrates foram as

parcerias público-privadas (PPP), mas as PPP rodoviárias são 600

milhões de euros por ano; o nosso problema de contas públicas não

vem seguramente das PPP.

Vem também dos 600 milhões de

euros/ano, são duas vezes o orçamento do Ministério da Cultura.

Sim, mas as PPP também geraram emprego

e receitas, portanto, a despesa líquida não é de 600 milhões...

Se começarmos a desvalorizar este e

aquele agregado orçamental...

Sem querer desvalorizar que houve

desorçamentação, ela não ocorreu entre 2005 e 2011, ou seja, no

grosso a desorçamentação não ocorreu nesses anos. As empresas

públicas não foram colocadas fora do perímetro orçamental entre

2005 e 2011, foram antes. Essas desorçamentações não foram feitas

pelo governo PS, a maioria delas vinham já dos anos 90.

Mas não foi feita nenhuma travagem no

governo PS.

O grosso da desorçamentação já

estava feito.

A prática vinha de trás, mas depois

esses instrumentos financeiros foram mais explorados.

Sim, mas não houve desorçamentações

novas e significativas depois de 2005 e 2011; se não estou enganado,

houve duas, que são PPP...

... e os hospitais-empresa...

Os hospitais-empresa não foram todos,

só uma parte, mas a despesa com as PPP conta para o défice.

O TC impediu o despedimento no Estado.

Por outro lado, também pode vir a impedir o corte de salários, ou

seja, se o ajustamento não pode ser feito pela quantidade (menos

pessoas a trabalhar para o Estado), também não pode ser feito pelo

preço, isto é, salários mais baixos. Não é uma camisa de forças

até para os governos que se seguirem?

O TC não impediu os despedimentos na

função pública, proibiu aquela modalidade proposta pelo governo e

eu penso que bem.

Não devia ser permitido despedir no

Estado como no privado?

O que não pode ser permitido é uma

fragilidade maior dos funcionários públicos do que dos do sector

privado.

Hoje acontece o contrário.

Sim, e eu acho que o país deve

caminhar para a igualdade, obviamente com algumas salvaguardas. Penso

que foi António Costa que o disse na Quadratura do Círculo: temos

de perceber que para evitar a politização da administração

pública temos de garantir que os funcionários públicos são do

Estado e não dos governos. Portanto, temos de limitar a

arbitrariedade e a prepotência de uma determinada maioria que ganha

o poder. Regras demasiado flexíveis de despedimento na função

pública podem dar azo a uma fortíssima politização que depois se

repete de quatro em quatro anos.

Já existe essa politização...

Sim, nos cargos de nomeação, não em

todo o corpo de funcionários. Em abstrato, diria que o país deve

caminhar para uma situação de maior igualdade entre o público e o

privado e, se possível, por cima e não por baixo. Ou seja, havendo

mais direitos na função pública do que no privado acho que o

caminho deve ser tentar nivelar por cima e tentar garantir que os

trabalhadores do privado se aproximem dos funcionários públicos,

não o contrário.

Isso não conduz a uma economia ainda

mais rígida?

Não conheço na literatura económica

nem na experiência histórica nenhuma prova de que a flexibilização

do mercado de trabalho gera uma economia mais produtiva.

Os EUA têm menos desemprego e menos de

longa duração...

Países como a Holanda, com as leis

laborais mais flexíveis da Europa, têm um problema de desemprego de

longa duração. A Irlanda tem um problema de desemprego de longa

duração, a Inglaterra também...

Tudo países com uma legislação mais

flexível e que têm menos desemprego do que Portugal.

Mas que têm problemas de longa duração

gravíssimos. Têm um volume geral de desemprego menor porque tiveram

menos austeridade do que Portugal, mas na composição do desemprego,

o de longa duração é tão grave como em Portugal. Um estudo de

1994 da OCDE lançou a agenda de desregulação do mercado de

trabalho. Em 2002 e 2004 a própria OCDE fez um estudo sobre a

eficácia dessa agenda e concluiu que não há nenhuma relação

empírica entre criação de emprego, emprego e proteção laboral.

Estranhamente, depois desse estudo, continuou a defender a

desregulação do mercado de trabalho. Isto é mais uma agenda

política e ideológica do que algo assente nos factos.

Neste cenário em que estamos, vai ser

preciso reestruturar a dívida?

O programa de ajustamento falhou nos

seus três pilares. No primeiro pilar, o das finanças públicas, o

objetivo do défice é instrumental e o objetivo final é a redução

da dívida pública. Ora, qualquer pessoa com o mínimo de senso

olhará para o nosso stock de dívida, para o nível de juros que

pagamos, para a inflação que temos e para o crescimento potencial

da economia, para o investimento que caiu 30%, para o facto de termos

perdido 200 mil pessoas para a emigração e concluirá que tudo isto

tem influência no PIB potencial, na capacidade de o país gerar

riqueza. Olhando para o stock de dívida, para a redução do PIB

potencial, para uma situação de deflação, acho que a dívida hoje

é muito mais insustentável do que era há três anos.

Mais difícil de pagar?

A dívida e tudo o resto. Os bancos

estão mais fragilizados porque temos uma procura interna muito

deprimida, que continuará deprimida e que obviamente tem impacto

negativo nos balanços. Este modelo de ajustamento pressupunha que ao

tratarmos dos bancos tudo o resto sossegaria. Um bocadinho como a

trickle-down economics do Ronald Reagan: demos dinheiro aos ricos e

depois os pobres acabaram por beneficiar. Nós fizemos isso aos

bancos. Podemos espatifar a economia, cortar rendimento às pessoas,

aumentar o desemprego e a emigração, mas se cuidarmos dos bancos

tudo se vai recompor. Ora não acontece isso, problemas na economia

afetam os bancos. Quando tentamos reduzir o défice, afetamos a

economia e o balanço dos bancos e, portanto, estamos aqui numa

espiral negativa.

Reestruturação, sim ou não?

Sim.

E os riscos reputacionais?

Eu não poria a questão nesses termos,

punha a questão assim: há um stock de dívida pública e de dívida

privada que resulta de uma união monetária disfuncional que

promoveu a acumulação destes desequilíbrios. É um problema

europeu. Como não defendo saídas unilaterais da zona euro, nem

rasgar as vestes e dizer que não pagamos, acho que o problema deve

ser resolvido por todos. Pode ser por compra de dívida, de

monetização de dívida por parte do BCE, pode ser por

reestruturação. Se quisermos, a reestruturação é a que tem

maiores problemas de estabilidade porque causa perdas, em princípio

aos bancos europeus, que terão de ser recapitalizados, e o problema

volta por portas travessas. Agora, uma coisa é certa, a dívida é

insustentável e tem de ser assumida por todos e lidada por todos. A

modalidade que escolhemos para reduzir o encargos da dívida em cada

país, isso é assunto para debate futuro. Agora que ela é impagável

e, se quisermos, que é um enorme entrave ao crescimento económico,

disso não tenho a menor dúvida.

PERFIL: O deputado mais duro

João Galamba tem 37 anos, é casado,

tem uma filha, é licenciado em Economia, frequentou um doutoramento

em Filosofia Política na London School of Economics, trabalhou numa

consultora e na Direção-Geral dos Assuntos Técnicos e Económicos

do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é deputado do PS, escreve

no blogue Jugular. Faz parte da comissão parlamentar do Orçamento,

Finanças e Administração Pública.

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João Galamba usa brinco, não usa

gravata, usa palavras duras, não usa eufemismos, não usa o

silêncio, usa sempre adjetivos demolidores para definir o governo. É

ele o deputado do PS mais vocal no ataque ao Ministério das Finanças

- antes Vítor Gaspar, hoje Maria Luís Albuquerque. Chega para fazer

oposição? É o que veremos.

Veja aqui o vídeo da entrevista

Bagão Félix diz que a execução

orçamental de 2013 não deve gerar euforia mas também não devia

gerar negação. O PS está em negação? João Galamba está em

negação?

Penso que não. Se não queremos

transformar a política e o debate numa espécie de claque de futebol

temos o dever de ser rigorosos com os números e perceber o que está

em causa. Olhando para esta execução, eu, de facto, com seriedade,

não consigo entrar em euforias.

A euforia é excessiva, não reconhecer

que a meta foi atingida também não é excessivo...?

Penso que o "como se atingiu" é

fundamental, porque há muitas maneiras de atingir a meta. Não me

lembro de, em 2011, o país ter rejubilado com um défice de 4,2% ou

4,4%. Porquê? Porque isso só foi conseguido com a transferência do

fundo de pensões da PT. Aquilo que se passa em 2013, não sendo

igual, é semelhante. Este ano só cumprimos a meta quantitativa

acordada com a troika porque a própria meta é, se quisermos, uma

convenção política, não decorre da existência de regras. Há uma

espécie de acordo entre o governo e a troika sobre que despesas é

que entram e que despesas não entram, sobre que receitas entram e

receitas que não entram. Sim, o governo cumpriu o limite

quantitativo da troika, ficou 1700 milhões de euros abaixo, só que

há 1700 milhões de receitas extraordinárias e há um conjunto de

despesas extraordinárias que não contam. Portanto, o governo

celebra um objetivo que foi cozinhado entre ele e a troika. Estranho

seria se não o tivessem cumprido uma vez que a meta foi revista a

meio do ano.

Transmitir uma imagem externa de que,

apesar das dificuldades, os resultados existem ajuda...

Há um termo que tenho usado mais em

privado, vou agora usá-lo em público: as pessoas chamam-lhe défice

para efeitos do programa de ajustamento, eu chamo-lhe défice para

efeitos do sucesso do governo.

Mas não é também para ajudar o país?

As reações das agências de rating foram positivas...

Os dados orçamentais devem ter alguma

transparência e devem preocupar-se em refletir o que se passa nas

administrações públicas. Um défice que conta com a receita

extraordinária da ANA, 400 milhões de euros, que conta com o perdão

fiscal de cerca de 1300 milhões de euros, mas que exclui a

regularização das dívidas para as autarquias, para a Região

Autónoma da Madeira, para a Saúde, e que exclui a despesa do Banif,

não é um défice que corresponda a qualquer regra. Nós podemos até

ter um défice com receitas extraordinárias e despesas

extraordinárias e um défice sem receitas extraordinárias e sem

despesas extraordinárias. Agora, com algumas receitas e sem as

despesas é que já não me parece bem.

Tem sido muito crítico, mas raramente

faz uma proposta...

A principal tragédia do país nos

últimos anos foi termos tido uma situação que acho única em

países resgatados, não só pela troika mas pelo FMI, ao longo da

história. Não me lembro de haver um governo e uma maioria política

expressiva num país que tenha usado estes programas de ajustamento

como uma oportunidade de "desenvolvimento" para o país. Não me

ocorre, posso estar enganado, posso não me lembrar e existir algum,

mas sei que certamente na Europa isso não existe. Estive, há duas

semanas, no Parlamento Europeu e foi muito interessante ver a reação

dos deputados dos diferentes países, à esquerda e à direita... os

deputados da Letónia, da Irlanda, da Grécia, de Espanha, todos

tinham posições muito críticas em relação à resposta europeia à

crise e ao modelo. No Parlamento Europeu, vi deputados do Parlamento

português com um discurso completamente diferente e em total

dessintonia com os seus colegas de países resgatados.

Isso acontece porquê?

Infelizmente, a direita portuguesa ou

parte da direita portuguesa - nem toda a gente do CDS e do PSD se

revê neste discurso, mas uma parte significativa da elite política

deste país, mais à direita - encara este programa de ajustamento

não como uma tragédia que aconteceu e que resulta de disfunções

europeias, mas sim como uma oportunidade histórica para implementar

um conjunto de reformas que considero muito negativas e que nunca

teriam sido possíveis num processo eleitoral normal.

Se o PS estivesse no governo teria

enfrentado problemas semelhantes, teria usado alguns dos instrumentos

que foram usados por este governo? Por exemplo, seria difícil não

ter aumentado o IRS?

É um pouco difícil tentar aqui

reproduzir os últimos dois anos e meio e pensar o que teríamos

feito em cada um dos momentos. Mas acho que a questão mais marcante

é de atitude, ou seja, se o PS estivesse no governo há uma coisa

que eu sei: a cada falhanço do programa, a cada desvio, a cada

dessintonia dentro da troika, um governo PS tentaria aproveitar isso

em beneficio do país.

Foi o que aconteceu na Grécia e não

trouxe benefícios.

Entre o seguidismo acrítico da maioria

e a rutura radical de um Bloco de Esquerda ou do PCP, penso que há

um meio-termo. Um governo consciente do que isto significa para o

nosso país, no presente e no longo prazo, não deixaria, por

exemplo, que a Europa usasse Portugal como um caso de sucesso.

Apresentaria de forma objetiva os indicadores sociais, mostraria o

que se passa em Portugal. Se tivéssemos tido um governo que dissesse

isso, quero acreditar que isso faria diferença. Depois, se perante

isso as negociações podiam ser ou não bem-sucedidas, não sei; era

uma questão de tentar.

O PS teria evitado o aumento de

impostos?

Respondo de outra maneira: se o PS

fosse encostado à parede e se chegasse à conclusão de que não

havia maneira e que teria mesmo de fazer um pacote de austeridade de

x milhões de euros, entre corte na despesa e aumento de impostos,

pessoalmente, preferia sempre o aumento de impostos.

Porque o corte da despesa seria despesa

social?

Porque, ao contrário da mistificação

que se criou nas últimas eleições, os cortes não são indolores e

não são gorduras. São rendimentos de pessoas, de pensionistas ou

de funcionários públicos. São prestações sociais para um

conjunto muito significativo de portugueses. A resposta é: se eu

fosse obrigado a ir por uma via de austeridade, com a qual não

concordo, aquela que me parece ter custos sociais e económicos

menores e que preserva um sentido de comunidade, de partilha, de que

estamos todos juntos nisto e que se é um problema do país devemos

todos, coletivamente, responder e estar à altura deste desafio, eu

penso que o IRS é a maneira mais justa, economicamente menos

negativa e mais compatível com o Estado de direito. Não teríamos

os problemas que tivemos com o Tribunal Constitucional se a opção

tivesse sido por aí. Admitindo que teria sido impossível uma outra

via ou negociar uma alternativa, entre cortes na despesa e aumento de

impostos, eu escolheria sempre o aumento de impostos.

Tem alguma crítica a fazer à

liderança de António José Seguro?

Tenho reparos a fazer a esta liderança

como tenho a todas as lideranças. Apesar de muita gente olhar para

mim como um socrático empedernido, fiz críticas públicas e

privadas muito fortes ao governo de Sócrates.

Não me lembro de nenhuma...

Mas os socialistas que estavam

presentes nas reuniões do grupo parlamentar lembram-se.

Foi em privado, portanto.

Não só. Houve uma capa do Diário

Económico com críticas que eu fiz na apresentação do PEC IV, mas

não porque criticasse o PEC IV. Vivemos tempos muito difíceis em

que, de facto, as fronteiras entre as competências de um governo

nacional e as das instituições europeias têm uma zona cinzenta e

isso cria disfunções políticas e democráticas preocupantes. Eu

disse isso no dia em que saiu o PEC IV. Disse até que Fernando

Teixeira dos Santos e José Sócrates não tinham gerido o processo

da melhor maneira.

E que críticas faz a Seguro?

No início, acho que o PS fez uma

escolha estratégica na qual não me revejo, que é dar por perdido o

debate na opinião pública sobre os méritos ou deméritos da

governação do PS de José Sócrates. Penso que o PS perdeu na sua

capacidade de afirmação política, no curto prazo e no longo prazo,

ao aceitar a narrativa da direita ou pelo menos ao escolher não a

combater. Foi um erro do PS que nos fragilizou. Agora, acho que o

momento de maiores fragilidades ou de maiores divergências

estratégicas quanto ao modo como deve ser feita a oposição está

ultrapassado. Há uma defesa mais firme, não é uma defesa do

passado, é uma defesa da verdade, do que foi bem feito e mal feito,

porque isso nos permite interpretar de forma mais adequada a crise

que vivemos.

Portanto, sobre o atual momento, nenhum

reparo...

Os reparos a fazer à atual liderança

foram esses. Houve erros no início, hoje acho que há uma

pacificação no PS. Estamos todos mais em sintonia para a grande

batalha política que se avizinha, que, se quisermos, é o tiro de

partida para um conjunto de eleições - europeias, legislativas e

depois presidenciais.

Isso apesar das sondagens que não dão

grande expressão ao PS...

As sondagens não são de facto

avassaladoras. É um erro pensar que é um problema da liderança do

PS. É antes um problema de discurso da social-democracia e é,

sobretudo, um problema europeu. Neste momento a social-democracia tem

uma enorme dificuldade em articular um discurso autónomo e uma

alternativa à direita, mas não porque ela não exista. A

social-democracia, em vários países europeus, por razões

diferentes, foi capitulando ideologicamente e demitindo-se de fazer

uma verdadeira oposição à estratégia que é hegemónica e

avassaladora na Europa. Quando esse problema existe e quando é

difícil articular uma alternativa, as sondagens também refletem

isso.

As europeias são momentos de castigo

dos governos, mas a sondagem que saiu esta semana dá até uma

vitória à coligação PSD-CDS...

O PS tem de ter uma vitória nestas

europeias. Nem sequer concebo a possibilidade de isso não acontecer.

Agora, o PS tem de articular um discurso forte que mobilize as

pessoas e que faça sentido no momento atual. Penso que o Partido

Socialista está um pouco atrasado nesta matéria... eu bem sei que

não há nenhuma lista conhecida de nenhum partido, mas acho que o PS

tem de, quanto antes, apresentar aos portugueses uma lista de

qualidade, ou seja, que não deixe dúvidas de que aquele conjunto de

pessoas é o melhor para apresentar nestas eleições, além de ter

um discurso que faça sentido e que mobilize as pessoas. Isso ainda

não existe.

Pode acontecer a Seguro o que está a

acontecer a Hollande? A certa altura renegar as boas intenções e

impor mais austeridade?

Espero que não e acho que o António

José Seguro já tem dado indicações de que não se revê na

estratégia de Hollande. Hollande é algo muito curioso. Podemos

olhar para o percurso histórico da social-democracia - e não há

movimento mais plástico do que a social-democracia - e perceber que

ela sempre soube adaptar-se ao momento que vivia. No final dos anos

90, veio a terceira via, que foi uma maneira de a social-democracia

se adaptar à globalização. O que se passa hoje com a

social-democracia europeia é algo inteiramente diferente. O que

Hollande fez não foi apropriar-se de um conjunto de ideias,

reinterpretá-las e tentar construir um projeto político. Foi a

total capitulação às teses dos adversários.

Não foi o choque da realidade? França

não precisa de reformas?

Isso também é um conjunto de mitos

sobre a sociedade francesa. A economia francesa cresceu mais do que a

alemã na primeira década, foi das menos afetadas pela crise, tem um

défice acima dos limites máximos mas não significativo, tem uma

dívida não muito diferente da alemã... Admito que França

precisasse de algumas reformas, mas uma coisa é certa: ao aderir a

este tipo de receita que a Europa tem para todos os países, Hollande

abdicou de contestar uma política que, quando se candidatou à

presidência de França, era a base do seu contrato com o eleitorado.

O PS terá margem para não abdicar?

Os problemas da economia portuguesa são

diferentes dos da economia francesa. O PS e António José Seguro têm

um conjunto de ideias sobre o que deve ser a política europeia e não

me parece que pelo facto de Hollande ter capitulado nós devamos

abandoná-las. Quando acreditamos que algo é o melhor para Portugal

e para a economia europeia então devemos ser firmes na defesa dessas

ideias.

Que ideias, que alternativas?

Uma das coisas que esta crise mostrou é

que uma certa ideia de europeísmo morreu. A União Europeia não é

hoje aquele espaço de consenso, solidariedade, harmonia e concórdia.

É um espaço de poder e de combate onde foram criadas, sobretudo

desde a crise grega, em maio de 2010, ideias que institucionalizam

uma relação desigual entre os Estados membros. Não estou a dizer

que a União Europeia não teve sempre este elemento, mas agora

parece-me mais marcante. A UE é hoje não um projeto de

convergência, não um projeto de coesão, não um projeto de

solidariedade, é um projeto de poder assente em relações desiguais

entre credores e devedores.

O recuo de Hollande e a crise da

social-democracia não têm que ver com o facto de o modelo ter

resultado num brutal endividamento?

Não me revejo nisso. Vou dar um número

que quando o dei a uns representantes da embaixada alemã eles

ficaram perplexos: Portugal foi, com a Alemanha, entre 2002 e 2008, o

país da UE onde a procura interna e o consumo público menos

cresceram, onde houve menos investimento, o consumo cresceu pouco e o

consumo público cresceu muito pouco...

Mas isso aconteceu também por causa da

desorçamentação.

Há uma desorçamentação muito

significativa que vinha de trás, por causa da CP, por exemplo.

Agora, a desorçamentação do governo de José Sócrates foram as

parcerias público-privadas (PPP), mas as PPP rodoviárias são 600

milhões de euros por ano; o nosso problema de contas públicas não

vem seguramente das PPP.

Vem também dos 600 milhões de

euros/ano, são duas vezes o orçamento do Ministério da Cultura.

Sim, mas as PPP também geraram emprego

e receitas, portanto, a despesa líquida não é de 600 milhões...

Se começarmos a desvalorizar este e

aquele agregado orçamental...

Sem querer desvalorizar que houve

desorçamentação, ela não ocorreu entre 2005 e 2011, ou seja, no

grosso a desorçamentação não ocorreu nesses anos. As empresas

públicas não foram colocadas fora do perímetro orçamental entre

2005 e 2011, foram antes. Essas desorçamentações não foram feitas

pelo governo PS, a maioria delas vinham já dos anos 90.

Mas não foi feita nenhuma travagem no

governo PS.

O grosso da desorçamentação já

estava feito.

A prática vinha de trás, mas depois

esses instrumentos financeiros foram mais explorados.

Sim, mas não houve desorçamentações

novas e significativas depois de 2005 e 2011; se não estou enganado,

houve duas, que são PPP...

... e os hospitais-empresa...

Os hospitais-empresa não foram todos,

só uma parte, mas a despesa com as PPP conta para o défice.

O TC impediu o despedimento no Estado.

Por outro lado, também pode vir a impedir o corte de salários, ou

seja, se o ajustamento não pode ser feito pela quantidade (menos

pessoas a trabalhar para o Estado), também não pode ser feito pelo

preço, isto é, salários mais baixos. Não é uma camisa de forças

até para os governos que se seguirem?

O TC não impediu os despedimentos na

função pública, proibiu aquela modalidade proposta pelo governo e

eu penso que bem.

Não devia ser permitido despedir no

Estado como no privado?

O que não pode ser permitido é uma

fragilidade maior dos funcionários públicos do que dos do sector

privado.

Hoje acontece o contrário.

Sim, e eu acho que o país deve

caminhar para a igualdade, obviamente com algumas salvaguardas. Penso

que foi António Costa que o disse na Quadratura do Círculo: temos

de perceber que para evitar a politização da administração

pública temos de garantir que os funcionários públicos são do

Estado e não dos governos. Portanto, temos de limitar a

arbitrariedade e a prepotência de uma determinada maioria que ganha

o poder. Regras demasiado flexíveis de despedimento na função

pública podem dar azo a uma fortíssima politização que depois se

repete de quatro em quatro anos.

Já existe essa politização...

Sim, nos cargos de nomeação, não em

todo o corpo de funcionários. Em abstrato, diria que o país deve

caminhar para uma situação de maior igualdade entre o público e o

privado e, se possível, por cima e não por baixo. Ou seja, havendo

mais direitos na função pública do que no privado acho que o

caminho deve ser tentar nivelar por cima e tentar garantir que os

trabalhadores do privado se aproximem dos funcionários públicos,

não o contrário.

Isso não conduz a uma economia ainda

mais rígida?

Não conheço na literatura económica

nem na experiência histórica nenhuma prova de que a flexibilização

do mercado de trabalho gera uma economia mais produtiva.

Os EUA têm menos desemprego e menos de

longa duração...

Países como a Holanda, com as leis

laborais mais flexíveis da Europa, têm um problema de desemprego de

longa duração. A Irlanda tem um problema de desemprego de longa

duração, a Inglaterra também...

Tudo países com uma legislação mais

flexível e que têm menos desemprego do que Portugal.

Mas que têm problemas de longa duração

gravíssimos. Têm um volume geral de desemprego menor porque tiveram

menos austeridade do que Portugal, mas na composição do desemprego,

o de longa duração é tão grave como em Portugal. Um estudo de

1994 da OCDE lançou a agenda de desregulação do mercado de

trabalho. Em 2002 e 2004 a própria OCDE fez um estudo sobre a

eficácia dessa agenda e concluiu que não há nenhuma relação

empírica entre criação de emprego, emprego e proteção laboral.

Estranhamente, depois desse estudo, continuou a defender a

desregulação do mercado de trabalho. Isto é mais uma agenda

política e ideológica do que algo assente nos factos.

Neste cenário em que estamos, vai ser

preciso reestruturar a dívida?

O programa de ajustamento falhou nos

seus três pilares. No primeiro pilar, o das finanças públicas, o

objetivo do défice é instrumental e o objetivo final é a redução

da dívida pública. Ora, qualquer pessoa com o mínimo de senso

olhará para o nosso stock de dívida, para o nível de juros que

pagamos, para a inflação que temos e para o crescimento potencial

da economia, para o investimento que caiu 30%, para o facto de termos

perdido 200 mil pessoas para a emigração e concluirá que tudo isto

tem influência no PIB potencial, na capacidade de o país gerar

riqueza. Olhando para o stock de dívida, para a redução do PIB

potencial, para uma situação de deflação, acho que a dívida hoje

é muito mais insustentável do que era há três anos.

Mais difícil de pagar?

A dívida e tudo o resto. Os bancos

estão mais fragilizados porque temos uma procura interna muito

deprimida, que continuará deprimida e que obviamente tem impacto

negativo nos balanços. Este modelo de ajustamento pressupunha que ao

tratarmos dos bancos tudo o resto sossegaria. Um bocadinho como a

trickle-down economics do Ronald Reagan: demos dinheiro aos ricos e

depois os pobres acabaram por beneficiar. Nós fizemos isso aos

bancos. Podemos espatifar a economia, cortar rendimento às pessoas,

aumentar o desemprego e a emigração, mas se cuidarmos dos bancos

tudo se vai recompor. Ora não acontece isso, problemas na economia

afetam os bancos. Quando tentamos reduzir o défice, afetamos a

economia e o balanço dos bancos e, portanto, estamos aqui numa

espiral negativa.

Reestruturação, sim ou não?

Sim.

E os riscos reputacionais?

Eu não poria a questão nesses termos,

punha a questão assim: há um stock de dívida pública e de dívida

privada que resulta de uma união monetária disfuncional que

promoveu a acumulação destes desequilíbrios. É um problema

europeu. Como não defendo saídas unilaterais da zona euro, nem

rasgar as vestes e dizer que não pagamos, acho que o problema deve

ser resolvido por todos. Pode ser por compra de dívida, de

monetização de dívida por parte do BCE, pode ser por

reestruturação. Se quisermos, a reestruturação é a que tem

maiores problemas de estabilidade porque causa perdas, em princípio

aos bancos europeus, que terão de ser recapitalizados, e o problema

volta por portas travessas. Agora, uma coisa é certa, a dívida é

insustentável e tem de ser assumida por todos e lidada por todos. A

modalidade que escolhemos para reduzir o encargos da dívida em cada

país, isso é assunto para debate futuro. Agora que ela é impagável

e, se quisermos, que é um enorme entrave ao crescimento económico,

disso não tenho a menor dúvida.

PERFIL: O deputado mais duro

João Galamba tem 37 anos, é casado,

tem uma filha, é licenciado em Economia, frequentou um doutoramento

em Filosofia Política na London School of Economics, trabalhou numa

consultora e na Direção-Geral dos Assuntos Técnicos e Económicos

do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é deputado do PS, escreve

no blogue Jugular. Faz parte da comissão parlamentar do Orçamento,

Finanças e Administração Pública.

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