EM TERRAS DA RAINHA: A sub-confiança de umas é a sobre-confiança de outros

15-09-2019
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Há uma dinâmica entre homens e mulheres que só comecei a prestar atenção há pouco tempo mas que agora que me apercebi dela, vejo como ela é tão omnipresente: o mansplaining. E que irritante que ela é.

Há uma data de estudos organizacionais e em contexto de dinâmicas interpessoais que concluem que num grupo misto, não importa a proporção dos sexos, os homens tomam a palavra muito mais vezes e falam muito mais tempo do que as mulheres. O que não deixa de ser interessante tendo em conta que o estereótipo é o da mulher tagarela que não se cala e o do homem que não se sabe expressar por palavras. Mas a realidade é a inversa e desafio-vos a prestarem atenção a isso da próxima vez que estiverem num grupo misto, particularmente em contexto de trabalho.

O The Guardian há uns tempos publicou um artigo bastante interessante sobre as mulheres do Bloco de Esquerda e de como o partido tomou medidas conscientes para dar espaço à "ascensão" das mulheres nas suas fileiras ao dar-lhes o mesmo tempo de antena que aos homens, ao impedir conscientemente que os homens - especialmente os mais velhos - repetissem o que as mulheres diziam mas por outras palavras (outra técnica muito querida do mansplaining; há mais alguns estudos que concluíram que o que é dito por uma voz masculina é acatado com mais peso e mais poder do que a mesma coisa dita por uma voz feminina, não sei se por associarmos o homem ao poder se pelo facto mais primitivo de a voz masculina ser por norma mais grave e sonora):

'The women started to take action to combat the macho traits of a party that had deep roots in Portuguese society. “At the end of our meetings, we count how many times men and women took the stage to speak. Men always speak more than women – but usually they have nothing new to say. Women are more cautious about speaking in public, but when they do they’re adding new ideas or information,” says Joana Mortágua. Martins says the party now trains women in public speaking.

“I encourage younger and shyer women to speak. And sometimes I scold the older male party figures, asking them to resist the temptation to explain what a woman said once she’d finished speaking,” she says.'

Acho que na origem disto tudo está a mesma overconfidence dos homens e a underconfidence das mulheres que os leva a concorrer a empregos desde que tenham um dos requisitos pedidos, e que as impede de concorrer se houver um requisito que não preencham. A mulher é para ser vista, não ouvida, de preferência com um sorriso nos lábios e um aceno pronto de cabeça. Mulheres com opiniões são mandonas, zangadas com a vida, cabras, chatas, histéricas. Homens com opiniões são assertivos.

Desde que comecei a frequentar cafés como ambiente de trabalho durante várias horas seguidas - esses fantásticos sítios para observar pessoas - que fui reparando, devagarinho mas repetidamente, como isto é tão observável na vida real. Sei que estas impressões escassas valem o que valem empiricamente, mas juntando-as às conclusões dos estudos referidos acima (que uma googlada rápida vos pode num instante abrir o caminho) fazem-me notar um padrão: sempre que há um homem e uma mulher numa mesa do lado, é quase garantido que ele não só vai falar muito mais do que ela, como é muito provável que o vá fazer para lhe explicar coisas, frequentemente de uma forma levemente condescendente. Acho que isto é mais pronunciado em casais mais velhos. E isto não se prende com o facto de ele saber necessariamente mais do que ela sobre a coisa que está a explicar, ou até de saber muito sobre o assunto, mas a confiança com que se fala de assuntos e argumentamos acerrimamente está muito raramente relacionada com o quanto percebemos deles, infelizmente. Isso não os demove e lá continuam eles a explicar, a explicar, a explicar, interrompidos por alguns monossílabos da parceira de diálogo, enquanto eu, na mesa ao lado, começo a maldizer internamente as pessoas que amam ouvir a sua própria voz, e que não enxergam o quão aborrecidas estão a ser, ao mesmo tempo que secretamente invejo a confiança que é preciso ter para exteriorizar opiniões banais e para as quais confluiu pouca reflexão como se fossem descobertas muito importantes para a humanidade. Tomara a mim ter metade daquela confiança para falar de coisas sobre as quais me debruço todos os dias. (Tenho a maldição feminina da underconfidence, porra.)

Isto nas redes sociais então é mais que evidente, tanto que foi no contexto virtual que surgiu o conceito do 'mansplaining', abençoada língua inglesa, flexível, adaptável e viva quanto a nossa é relíquia formalesca poética. Fica aqui uma sátira sobre o fenómeno:

'Our uninformed girls are waiting for you to explain them simple concepts in a super condescending way.'

S.

Há uma dinâmica entre homens e mulheres que só comecei a prestar atenção há pouco tempo mas que agora que me apercebi dela, vejo como ela é tão omnipresente: o mansplaining. E que irritante que ela é.

Há uma data de estudos organizacionais e em contexto de dinâmicas interpessoais que concluem que num grupo misto, não importa a proporção dos sexos, os homens tomam a palavra muito mais vezes e falam muito mais tempo do que as mulheres. O que não deixa de ser interessante tendo em conta que o estereótipo é o da mulher tagarela que não se cala e o do homem que não se sabe expressar por palavras. Mas a realidade é a inversa e desafio-vos a prestarem atenção a isso da próxima vez que estiverem num grupo misto, particularmente em contexto de trabalho.

O The Guardian há uns tempos publicou um artigo bastante interessante sobre as mulheres do Bloco de Esquerda e de como o partido tomou medidas conscientes para dar espaço à "ascensão" das mulheres nas suas fileiras ao dar-lhes o mesmo tempo de antena que aos homens, ao impedir conscientemente que os homens - especialmente os mais velhos - repetissem o que as mulheres diziam mas por outras palavras (outra técnica muito querida do mansplaining; há mais alguns estudos que concluíram que o que é dito por uma voz masculina é acatado com mais peso e mais poder do que a mesma coisa dita por uma voz feminina, não sei se por associarmos o homem ao poder se pelo facto mais primitivo de a voz masculina ser por norma mais grave e sonora):

'The women started to take action to combat the macho traits of a party that had deep roots in Portuguese society. “At the end of our meetings, we count how many times men and women took the stage to speak. Men always speak more than women – but usually they have nothing new to say. Women are more cautious about speaking in public, but when they do they’re adding new ideas or information,” says Joana Mortágua. Martins says the party now trains women in public speaking.

“I encourage younger and shyer women to speak. And sometimes I scold the older male party figures, asking them to resist the temptation to explain what a woman said once she’d finished speaking,” she says.'

Acho que na origem disto tudo está a mesma overconfidence dos homens e a underconfidence das mulheres que os leva a concorrer a empregos desde que tenham um dos requisitos pedidos, e que as impede de concorrer se houver um requisito que não preencham. A mulher é para ser vista, não ouvida, de preferência com um sorriso nos lábios e um aceno pronto de cabeça. Mulheres com opiniões são mandonas, zangadas com a vida, cabras, chatas, histéricas. Homens com opiniões são assertivos.

Desde que comecei a frequentar cafés como ambiente de trabalho durante várias horas seguidas - esses fantásticos sítios para observar pessoas - que fui reparando, devagarinho mas repetidamente, como isto é tão observável na vida real. Sei que estas impressões escassas valem o que valem empiricamente, mas juntando-as às conclusões dos estudos referidos acima (que uma googlada rápida vos pode num instante abrir o caminho) fazem-me notar um padrão: sempre que há um homem e uma mulher numa mesa do lado, é quase garantido que ele não só vai falar muito mais do que ela, como é muito provável que o vá fazer para lhe explicar coisas, frequentemente de uma forma levemente condescendente. Acho que isto é mais pronunciado em casais mais velhos. E isto não se prende com o facto de ele saber necessariamente mais do que ela sobre a coisa que está a explicar, ou até de saber muito sobre o assunto, mas a confiança com que se fala de assuntos e argumentamos acerrimamente está muito raramente relacionada com o quanto percebemos deles, infelizmente. Isso não os demove e lá continuam eles a explicar, a explicar, a explicar, interrompidos por alguns monossílabos da parceira de diálogo, enquanto eu, na mesa ao lado, começo a maldizer internamente as pessoas que amam ouvir a sua própria voz, e que não enxergam o quão aborrecidas estão a ser, ao mesmo tempo que secretamente invejo a confiança que é preciso ter para exteriorizar opiniões banais e para as quais confluiu pouca reflexão como se fossem descobertas muito importantes para a humanidade. Tomara a mim ter metade daquela confiança para falar de coisas sobre as quais me debruço todos os dias. (Tenho a maldição feminina da underconfidence, porra.)

Isto nas redes sociais então é mais que evidente, tanto que foi no contexto virtual que surgiu o conceito do 'mansplaining', abençoada língua inglesa, flexível, adaptável e viva quanto a nossa é relíquia formalesca poética. Fica aqui uma sátira sobre o fenómeno:

'Our uninformed girls are waiting for you to explain them simple concepts in a super condescending way.'

S.

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