Bloco, o partido que mudou as suas fundações

28-08-2016
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A x Convenção do Bloco de Esquerda veio mostrar um partido exigente com o governo, mas comprometido com a legislatura. O europeísmo do Bloco tem sofrido no último ano uma grande erosão e a convenção formalizou aquilo que já se percebia. O Bloco está cada vez mais eurocético e mais “soberanista”, como o PCP. Mas hoje é indiscutivelmente um partido de poder. E a nova liderança é vencedora

Euroceticismo

Ao contrário do Partido Comunista, o Bloco de Esquerda afirmava-se como europeísta. Essa crença terminou oficialmente nesta convenção. Não é que o Bloco renegue a União Europeia - ainda acredita que é possível mudá-la, mas acredita cada vez menos, tal como o PCP. A derrota do Syriza na Grécia - obrigado pela União Europeia a deitar fora o seu programa eleitoral e a cumprir um que tanto podia ser feito pelo PASOK ou mesmo pela Nova Democracia, o partido da direita, foi o turning point. Os bloquistas iniciaram uma reflexão interna sobre se é possível fazer politicas de esquerda nesta Europa. Os discurso duros contra “esta” Europa feitos na convenção por Catarina Martins, José Manuel Pureza, entre muitos outros, confirmaram que o Bloco mudou a sua essência europeísta. A proposta do referendo limita-se a sublinhar isso.

O Syriza já não é irmão

O Syriza, outrora apontado como a luz que iluminava e inspirava a partir da Grécia as chamadas esquerdas radicais europeias, em particular em Portugal e Espanha, foi este fim de semana recebido com apupos e aplausos desinteressados quando o orador à X Convenção anunciou as delegações presentes no encontro bloquista.

O internacionalismo e a esperança, outrora efusivamente assinalados, deram lugar a um aplauso quase desinteressado. Aparentemente, parte dos delegados não aprovou as cedências de Tsipras às investidas de Berlim, acabando vergado à austeridade. Desta vez, os mais ruidosos aplausos foram para os representantes da palestina e do Bloco Democrático, de Angola, que apoia os jovens detidos em Luanda.

BE em paz com o governo

Para quem tivesse assistido pela primeira vez a uma convenção do Bloco de Esquerda, o partido apresentou-se neste décimo conclave com uma imagem de moderação pouco habitual em partidos ideologicamente situados no que se vulgarizou chamar esquerda radical. Quem passou pelo Pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, e tem memória de anteriores convenções observou que longe vão os tempos em que qualquer referência ao espetro partidário à direita do PCP merecia um crescendo de apupos e vaias à medida que caminhava para a direita. Nem o PS não era poupado. Do PSD e CDS-PP nem é preciso lembrar. Desta vez, apesar de críticas aos socialistas, sobretudo em matéria europeia, os delegados jamais vaiaram o governo liderado por António Costa. Percebeu-se bem que o compromisso com a ‘geringonça’ é para ser mesmo levado a sério.

Eufórico Louçã

“Cuidado, que o melhor está para vir.” Francisco Louçã, o mais carismático fundador do Bloco, foi à convenção dizer que foi muito bem substituído no partido. Está orgulhoso do Bloco e das suas vitórias. E não teve receio de dizer que o mérito é daquela que nesta convenção vai ser eleita coordenadora, o cargo que foi anteriormente apenas ocupado por Louçã. E como se chegou ao sucesso do BE? Louçã não tem dúvidas: “Graças à Catarina, protagonista da maior transformação política em Portugal e na esquerda nos últimos 40 anos”. E “o melhor está para vir”. Louçã manifestou o seu “orgulho” quando viu Marisa Matias “a brilhar na campanha presidencial” e o mesmo “orgulho” quando vê Pedro Filipe Soares, o líder parlamentar “a defender uma Caixa Geral de Depósitos pública”.

O referendo de Fernando Rosas

Fernando Rosas, fundador do Bloco de Esquerda, foi a primeira figura a “atacar” o tema referendo na convenção.

“Na altura devida e sem prejuízo dos compromissos atuais”, os portugueses devem ser chamados a referendar “o seu destino” na União Europeia.

O histórico dirigente do Bloco mostrou-se seguro de que “nas ruas e nas urnas, quando chegar o momento, o povo decidirá pela democracia, pela soberania, por um novo internacionalismo dos povos”. Para Rosas, o resultado do referendo no Reino Unido foi “o princípio do fim da UE”.

O crítico Louçã

João Carlos Louçã, irmão de Francisco Louçã, é um dos críticos da moção maioritária. Fazia parte da moção R, glosada como a dos “românticos”. João Carlos Louçã fez duras críticas ao funcionamento do Bloco de Esquerda e ao facto das fichas todas do partido estarem apostadas na geringonça. E foi um dos poucos militantes que lembrou um dos traumas do “novo Bloco”: alguns dos militantes que saíram foram atacados pelo pecado mortal de defenderem um acordo com o PS. Agora, o Bloco está de mãos dadas com o governo socialista.

Marisa Matias

“Confrontamos a União Europeia não porque tenhamos mau feitio mas porque o projeto da União Europeia atual está caduco e tem de ser derrotado”, disse a eurodeputada Marisa Matias na convenção. No entanto, o seu papel de deputada ao Parlamento Europeu, com responsabilidades no grupo político da Esquerda Europeia não a permite enveredar por caminhos tão eurocéticos como alguns dos seus camaradas. “Nunca desistimos do nosso país mesmo quando as políticas eram mais agressivas”, disse Marisa, fazendo acentuar que o euroceticismo que passa pode ser só uma nuvem: “Não desistiremos da Europa mesmo quando as políticas são mais liberais e agressivas. O nosso objetivo é muito modesto e que ninguém se engane: só estamos aqui para mudar o mundo”, disse a eurodeputada, para quem “a geringonça perturbou a direita”.

Nova geração

Catarina Martins e Joana Mortágua estão felizes na foto. Não há qualquer dúvida de que o Bloco saiu vitorioso dos últimos desafios eleitorais quando colocou uma nova geração à frente do partido. Com Mariana Mortágua e Marisa Matias, Jorge Costa, José Gusmão, Pedro Filipe Soares e outros, esta convenção marcou a transição geracional. Houve críticas ao “monolitismo” do Bloco de Esquerda e ao facto das decisões terem passado a ser tomadas por “petits comités” e não pelas bases do partido. Mas, na realidade, as decisões do Bloco, mesmo no tempo dos velhos fundadores, também eram tomadas em petits comités. A relação com o governo não é isenta de alguma turbulência, mas o empenho na geringonça é total. Catarina Martins e Joana Mortágua têm razão para dançar. O Bloco teve anos negros, agora parece tudo quase um mar de rosas.

A x Convenção do Bloco de Esquerda veio mostrar um partido exigente com o governo, mas comprometido com a legislatura. O europeísmo do Bloco tem sofrido no último ano uma grande erosão e a convenção formalizou aquilo que já se percebia. O Bloco está cada vez mais eurocético e mais “soberanista”, como o PCP. Mas hoje é indiscutivelmente um partido de poder. E a nova liderança é vencedora

Euroceticismo

Ao contrário do Partido Comunista, o Bloco de Esquerda afirmava-se como europeísta. Essa crença terminou oficialmente nesta convenção. Não é que o Bloco renegue a União Europeia - ainda acredita que é possível mudá-la, mas acredita cada vez menos, tal como o PCP. A derrota do Syriza na Grécia - obrigado pela União Europeia a deitar fora o seu programa eleitoral e a cumprir um que tanto podia ser feito pelo PASOK ou mesmo pela Nova Democracia, o partido da direita, foi o turning point. Os bloquistas iniciaram uma reflexão interna sobre se é possível fazer politicas de esquerda nesta Europa. Os discurso duros contra “esta” Europa feitos na convenção por Catarina Martins, José Manuel Pureza, entre muitos outros, confirmaram que o Bloco mudou a sua essência europeísta. A proposta do referendo limita-se a sublinhar isso.

O Syriza já não é irmão

O Syriza, outrora apontado como a luz que iluminava e inspirava a partir da Grécia as chamadas esquerdas radicais europeias, em particular em Portugal e Espanha, foi este fim de semana recebido com apupos e aplausos desinteressados quando o orador à X Convenção anunciou as delegações presentes no encontro bloquista.

O internacionalismo e a esperança, outrora efusivamente assinalados, deram lugar a um aplauso quase desinteressado. Aparentemente, parte dos delegados não aprovou as cedências de Tsipras às investidas de Berlim, acabando vergado à austeridade. Desta vez, os mais ruidosos aplausos foram para os representantes da palestina e do Bloco Democrático, de Angola, que apoia os jovens detidos em Luanda.

BE em paz com o governo

Para quem tivesse assistido pela primeira vez a uma convenção do Bloco de Esquerda, o partido apresentou-se neste décimo conclave com uma imagem de moderação pouco habitual em partidos ideologicamente situados no que se vulgarizou chamar esquerda radical. Quem passou pelo Pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, e tem memória de anteriores convenções observou que longe vão os tempos em que qualquer referência ao espetro partidário à direita do PCP merecia um crescendo de apupos e vaias à medida que caminhava para a direita. Nem o PS não era poupado. Do PSD e CDS-PP nem é preciso lembrar. Desta vez, apesar de críticas aos socialistas, sobretudo em matéria europeia, os delegados jamais vaiaram o governo liderado por António Costa. Percebeu-se bem que o compromisso com a ‘geringonça’ é para ser mesmo levado a sério.

Eufórico Louçã

“Cuidado, que o melhor está para vir.” Francisco Louçã, o mais carismático fundador do Bloco, foi à convenção dizer que foi muito bem substituído no partido. Está orgulhoso do Bloco e das suas vitórias. E não teve receio de dizer que o mérito é daquela que nesta convenção vai ser eleita coordenadora, o cargo que foi anteriormente apenas ocupado por Louçã. E como se chegou ao sucesso do BE? Louçã não tem dúvidas: “Graças à Catarina, protagonista da maior transformação política em Portugal e na esquerda nos últimos 40 anos”. E “o melhor está para vir”. Louçã manifestou o seu “orgulho” quando viu Marisa Matias “a brilhar na campanha presidencial” e o mesmo “orgulho” quando vê Pedro Filipe Soares, o líder parlamentar “a defender uma Caixa Geral de Depósitos pública”.

O referendo de Fernando Rosas

Fernando Rosas, fundador do Bloco de Esquerda, foi a primeira figura a “atacar” o tema referendo na convenção.

“Na altura devida e sem prejuízo dos compromissos atuais”, os portugueses devem ser chamados a referendar “o seu destino” na União Europeia.

O histórico dirigente do Bloco mostrou-se seguro de que “nas ruas e nas urnas, quando chegar o momento, o povo decidirá pela democracia, pela soberania, por um novo internacionalismo dos povos”. Para Rosas, o resultado do referendo no Reino Unido foi “o princípio do fim da UE”.

O crítico Louçã

João Carlos Louçã, irmão de Francisco Louçã, é um dos críticos da moção maioritária. Fazia parte da moção R, glosada como a dos “românticos”. João Carlos Louçã fez duras críticas ao funcionamento do Bloco de Esquerda e ao facto das fichas todas do partido estarem apostadas na geringonça. E foi um dos poucos militantes que lembrou um dos traumas do “novo Bloco”: alguns dos militantes que saíram foram atacados pelo pecado mortal de defenderem um acordo com o PS. Agora, o Bloco está de mãos dadas com o governo socialista.

Marisa Matias

“Confrontamos a União Europeia não porque tenhamos mau feitio mas porque o projeto da União Europeia atual está caduco e tem de ser derrotado”, disse a eurodeputada Marisa Matias na convenção. No entanto, o seu papel de deputada ao Parlamento Europeu, com responsabilidades no grupo político da Esquerda Europeia não a permite enveredar por caminhos tão eurocéticos como alguns dos seus camaradas. “Nunca desistimos do nosso país mesmo quando as políticas eram mais agressivas”, disse Marisa, fazendo acentuar que o euroceticismo que passa pode ser só uma nuvem: “Não desistiremos da Europa mesmo quando as políticas são mais liberais e agressivas. O nosso objetivo é muito modesto e que ninguém se engane: só estamos aqui para mudar o mundo”, disse a eurodeputada, para quem “a geringonça perturbou a direita”.

Nova geração

Catarina Martins e Joana Mortágua estão felizes na foto. Não há qualquer dúvida de que o Bloco saiu vitorioso dos últimos desafios eleitorais quando colocou uma nova geração à frente do partido. Com Mariana Mortágua e Marisa Matias, Jorge Costa, José Gusmão, Pedro Filipe Soares e outros, esta convenção marcou a transição geracional. Houve críticas ao “monolitismo” do Bloco de Esquerda e ao facto das decisões terem passado a ser tomadas por “petits comités” e não pelas bases do partido. Mas, na realidade, as decisões do Bloco, mesmo no tempo dos velhos fundadores, também eram tomadas em petits comités. A relação com o governo não é isenta de alguma turbulência, mas o empenho na geringonça é total. Catarina Martins e Joana Mortágua têm razão para dançar. O Bloco teve anos negros, agora parece tudo quase um mar de rosas.

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