«Essa… Agora»?!
por Amélia Santos | 2015.02.09 - 14:35
É muito bom ter amigos que nos desafiam e estimulam intelectualmente. Neste aspeto sou uma felizarda e, hoje, cabe-me particularmente destacar dois deles por razões diferentes, mas interligadas: um deles é o meu amigo e conselheiro cultural, Paulo Neto, que me sugere leituras e grandes escritores e me incita a escrever uns artiguitos e, por ele, o vou fazendo, com mais ou menos custo. A outra é a minha amiga Isabel, a Isabel Cruz, que há uns tempos me desafiou a escrever um texto sobre uma má experiência de releitura que ela vivenciou. Pois é, uma má releitura! Recordar-se-ão os regulares leitores do jornal Expresso que, no Verão de 2013, saiu com o jornal uma reedição de Os Maias, intitulada «Eça Agora», que depois dos três volumes do texto «original», escreveram a história até à atualidade. Nesse progresso e ampliação de «Os Novos Maias» pelo século XX colaboraram escritores de renome como José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, Mário Zambujal, entre outros. Não me vou deter em alguns pormenores, como sejam ouvir o pi-pi de uma mensagem de telemóvel recebida por Carlos da Maia, nos princípios de 1900 (pág. 56, da 1ª parte de Os Novos Maias) … Enfim, esses juízos ficarão para outras páginas. Vou ficar-me apenas pelo primeiro volume, que reedita Os Maias, de Eça de Queirós, o romance que nós conhecemos, na sua primeira parte. A minha amiga Isabel deve ter sido das poucas pessoas que tentou ler o livro, disposta a entrar na casa das Janelas verdes e revisitar uma das obras que nos marcam como leitores. Ao folhear as primeiras páginas, ela constata que existem gralhas, à primeira vista encaradas como lapsos, e prossegue… até começar a perceber que não se trata de falhas de impressão, mas de erros grosseiros, de lamentáveis erros grosseiros. Vejamos alguns exemplos: logo na primeira página encontramos “de certo”, para equivaler a “certamente” ou “decerto”; (pág.10) “pézinho” e “Á noite” (pág.17). E os lapsos da língua vão aumentando de intensidade e de (des)interesse até encontrarmos “herejes” (pág.17); “por traz do leque” (pág.34); “ultrages” (pág.65); “cãosinho” (pág.85), e…pasme-se, “em quanto” (repetido várias vezes, pág. 35, 103…); “sobre tudo” (pág. 115) e “reciprocando comprimentos” (pág. 124). Eu não aguentei mais!
A Isabel foi muito persistente. Creio que a partir de certa altura, deixou de ler e começou a jogar a caça ao erro. Uma vergonha para todos os que dão o nome e se envolvem nesta empresa. Até me é difícil reproduzir alguns dos erros porque o corretor automático mos corrige. Corrige a mim, mas pelos vistos não corrigiu a quem o tentou reescrever. Como é isto possível? Até onde vamos chegar? Pois, claro, despedem jornalistas, revisores de texto, pessoas competentes e a qualidade, naturalmente, desaparece. E falamos do jornal Expresso…
Espero que soem os alarmes na nossa sociedade. Não é possível fazer bem, sem gente. Sem gente empenhada e profissional. E os erros vão pagar-se muito caros, num futuro não muito longínquo!
Tenho a certeza que o estômago do Essa, perdão, do Eça, lá onde estiver, deu muitas mais voltas que o meu e o da Isabel e o de todos quantos quiserem perder uns minutos a observar a edição que não é certamente de Os Maias, mas deve ser de As meias, usadas muitas vezes, e com cheiro nauseabundo a incompetência e ignorância. Infelizmente o cheiro que prolifera neste país de “cidadões” que perderam a noção do ridículo. Ou certamente nunca a tiveram!
“Reciprocando comprimentos”, me despesso, perdão, despeço …
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«Essa… Agora»?!
por Amélia Santos | 2015.02.09 - 14:35
É muito bom ter amigos que nos desafiam e estimulam intelectualmente. Neste aspeto sou uma felizarda e, hoje, cabe-me particularmente destacar dois deles por razões diferentes, mas interligadas: um deles é o meu amigo e conselheiro cultural, Paulo Neto, que me sugere leituras e grandes escritores e me incita a escrever uns artiguitos e, por ele, o vou fazendo, com mais ou menos custo. A outra é a minha amiga Isabel, a Isabel Cruz, que há uns tempos me desafiou a escrever um texto sobre uma má experiência de releitura que ela vivenciou. Pois é, uma má releitura! Recordar-se-ão os regulares leitores do jornal Expresso que, no Verão de 2013, saiu com o jornal uma reedição de Os Maias, intitulada «Eça Agora», que depois dos três volumes do texto «original», escreveram a história até à atualidade. Nesse progresso e ampliação de «Os Novos Maias» pelo século XX colaboraram escritores de renome como José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, Mário Zambujal, entre outros. Não me vou deter em alguns pormenores, como sejam ouvir o pi-pi de uma mensagem de telemóvel recebida por Carlos da Maia, nos princípios de 1900 (pág. 56, da 1ª parte de Os Novos Maias) … Enfim, esses juízos ficarão para outras páginas. Vou ficar-me apenas pelo primeiro volume, que reedita Os Maias, de Eça de Queirós, o romance que nós conhecemos, na sua primeira parte. A minha amiga Isabel deve ter sido das poucas pessoas que tentou ler o livro, disposta a entrar na casa das Janelas verdes e revisitar uma das obras que nos marcam como leitores. Ao folhear as primeiras páginas, ela constata que existem gralhas, à primeira vista encaradas como lapsos, e prossegue… até começar a perceber que não se trata de falhas de impressão, mas de erros grosseiros, de lamentáveis erros grosseiros. Vejamos alguns exemplos: logo na primeira página encontramos “de certo”, para equivaler a “certamente” ou “decerto”; (pág.10) “pézinho” e “Á noite” (pág.17). E os lapsos da língua vão aumentando de intensidade e de (des)interesse até encontrarmos “herejes” (pág.17); “por traz do leque” (pág.34); “ultrages” (pág.65); “cãosinho” (pág.85), e…pasme-se, “em quanto” (repetido várias vezes, pág. 35, 103…); “sobre tudo” (pág. 115) e “reciprocando comprimentos” (pág. 124). Eu não aguentei mais!
A Isabel foi muito persistente. Creio que a partir de certa altura, deixou de ler e começou a jogar a caça ao erro. Uma vergonha para todos os que dão o nome e se envolvem nesta empresa. Até me é difícil reproduzir alguns dos erros porque o corretor automático mos corrige. Corrige a mim, mas pelos vistos não corrigiu a quem o tentou reescrever. Como é isto possível? Até onde vamos chegar? Pois, claro, despedem jornalistas, revisores de texto, pessoas competentes e a qualidade, naturalmente, desaparece. E falamos do jornal Expresso…
Espero que soem os alarmes na nossa sociedade. Não é possível fazer bem, sem gente. Sem gente empenhada e profissional. E os erros vão pagar-se muito caros, num futuro não muito longínquo!
Tenho a certeza que o estômago do Essa, perdão, do Eça, lá onde estiver, deu muitas mais voltas que o meu e o da Isabel e o de todos quantos quiserem perder uns minutos a observar a edição que não é certamente de Os Maias, mas deve ser de As meias, usadas muitas vezes, e com cheiro nauseabundo a incompetência e ignorância. Infelizmente o cheiro que prolifera neste país de “cidadões” que perderam a noção do ridículo. Ou certamente nunca a tiveram!
“Reciprocando comprimentos”, me despesso, perdão, despeço …