As voltas que o mundo dá

06-10-2019
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As voltas que o mundo dá

Se há um protótipo de “Sá Carneirismo” puro e duro, Helena Roseta encarnou-o na perfeição enquanto foi militante do PSD. Nas diversas crises que Sá Carneiro teve de enfrentar até que consolidasse a sua liderança no PSD, o que só viria a acontecer em 1979, Helena Roseta foi sempre sua apoiante incondicional e uma das mais férreas opositoras à ala dita “social-democrata e urbana”, então encabeçada por Sousa Franco e Magalhães Mota, este último um dos fundadores do Partido.

Aqueles 2 personagens, entretanto já falecidos, lideravam o famoso Grupo dos Inadiáveis que corporizou a maior cisão ocorrida no PSD e que lhe amputou quase metade do grupo parlamentar em 1979. Nesse mesmo ano forma-se a AD, uma coligação entre o PSD, CDS, PPM e o chamado Grupo dos Reformadores (dissidentes do PS e liderados por Francisco Sousa Tavares, António Barreto e Medeiros Ferreira) e da qual Helena Roseta foi apoiante entusiasta. Encabeçou inclusivamente a lista da AD por Setúbal nas eleições de 1979 e de 1980, um círculo tradicionalmente hostil ao PSD e cuja Distrital laranja era considerada na altura, dentro do próprio partido, como a mais “reaccionária” do País. A coligação conseguiu então 4 deputados e tal ficou a dever-se, em grande medida, ao voluntarismo e capacidade de luta de Helena Roseta que em campanha ia a sítios “proibidos” como os estaleiros da Lisnave, vestindo “ostensivamente” uma camisola da AD.

Após a morte de Sá Carneiro e a ascensão de Balsemão a líder e a primeiro-ministro, Roseta integrou desde o início o grupo dos chamados “críticos” à sua liderança, grupo esse que incluía, entre outros, Santana Lopes, Eurico de Melo e… Cavaco Silva. Se bem que tal nunca fosse claramente assumido, os “críticos”, que se consideravam os herdeiros naturais de líder fundador, nunca perdoaram a Balsemão a sua estreita ligação ao grupo dos Inadiáveis, muito embora tivesse sido o braço direito de Sá Carneiro no 1º governo AD. Aquele grupo era especialmente forte no norte do país, onde pontificavam Eurico de Melo e António Vilar, o então presidente da Distrital do Porto. Cargo que perderia em 1982 para o já falecido Fernando Brochado Coelho, um dos primeiros e assumidos defensores do Bloco Central e que então contou com o apoio do restrito e temerário grupo de “balsemistas” do Porto, de que eram figuras de proa Luis Filipe Menezes, Rui Rio e Aguiar-Branco.

No Verão de 1981, na sequência da demissão de Balsemão do seu 1º governo (seria posteriormente reconduzido), Helena Roseta, na qualidade de líder da Distrital da Área Metropolitana de Lisboa, foi a única pessoa no Partido a propor uma alternativa à liderança do governo: Cavaco Silva, que na altura recusou avançar.

Algo ostracizada pelos “balsemistas”, candidata-se em 1982 à Câmara de Cascais (porque estava desempregada, segundo confessou anos mais tarde) e conquista-a ao PS. Após a queda definitiva de Balsemão em 1982 apoia Mota Pinto e, na sequência das legislativas de 1983, é uma das mais fervorosas apoiantes do Bloco Central. A tal ponto que Fernando Brochado Coelho pediu-lhe ajuda para “pacificar” a sua Distrital, então em polvorosa com a perspectiva de uma tal coligação. Roseta não se fez rogada e enfrentou estoicamente uma Assembleia Distrital concorridíssima e hiper-crítica até ao histerismo face a uma coligação com o PS na qualidade de parceiro menor. Discutiu acaloradamente até altas horas da madrugada, venceu e convenceu.

Começa sensivelmente nessa altura o seu afastamento de Santana Lopes, que entretanto formara com José Miguel Júdice e Marcelo Rebelo de Sousa o grupo “Nova Esperança”, que lideraria a oposição interna a Mota Pinto. Quando Cavaco toma o poder em 1985, Helena Roseta já não está ao seu lado. Afastar-se-ia definitivamente com o seu apoio a Mário Soares nas presidenciais de 1986, que esteve na base da sua expulsão do Partido após as eleições. Curiosamente, nas listas para as legislativas de 1987 que culminariam com a 1ª maioria absoluta, Cavaco impõe nas listas alguns independentes por… terem apoiado Soares. Entre eles, um figurão chamado Nuno Delerue que havia sido o seu mandatário da juventude e que se vangloriava de ter atraído Roseta para as hostes soaristas.

Em 1991 é eleita deputada independente nas listas do PS, aderindo posteriormente ao Partido rosa. Mas o seu tradicional inconformismo persiste e no mandato do católico Guterres pontifica ao lado de Manuel Alegre (uma ligação que vem de longe) na oposição interna e em prol das “causas fracturantes”, como o aborto. Obviamente que nunca foi entusiasta de Sócrates, cujo vazio mental terá adivinhado desde o início. Integra naturalmente a campanha de Alegre e sai do PS pela esquerda para se candidatar como independente às intercalares de Lisboa em 2007. Nestas eleições é a principal vencedora, tendo agregado muito voto de protesto anti-partidos.

O recém “acordo coligatório” com António Costa vai fazer diluir a sua influência. Poderá recuperar alguma em caso de vitória, na qual reivindicará sempre um papel decisivo. Mas se ganhar Santana, quem sabe se não a veremos rendida de novo ao “charme” de quem conseguiu “conquistar” Zita Seabra?

Goste-se ou não dela, Helena Roseta é uma personalidade marcante. Não obstante toda a sua evolução (ou involução) da direita do PSD para as franjas do BE, foi sempre uma mulher de convicções, sofredora até às lágrimas e com uma fibra de lutadora verdadeiramente notável. E, ao contrário de quase todos, faz política pela política, defende encarniçadamente as causas em que acredita, o que a torna uma avis rara no panorama actual.

As voltas que o mundo dá

Se há um protótipo de “Sá Carneirismo” puro e duro, Helena Roseta encarnou-o na perfeição enquanto foi militante do PSD. Nas diversas crises que Sá Carneiro teve de enfrentar até que consolidasse a sua liderança no PSD, o que só viria a acontecer em 1979, Helena Roseta foi sempre sua apoiante incondicional e uma das mais férreas opositoras à ala dita “social-democrata e urbana”, então encabeçada por Sousa Franco e Magalhães Mota, este último um dos fundadores do Partido.

Aqueles 2 personagens, entretanto já falecidos, lideravam o famoso Grupo dos Inadiáveis que corporizou a maior cisão ocorrida no PSD e que lhe amputou quase metade do grupo parlamentar em 1979. Nesse mesmo ano forma-se a AD, uma coligação entre o PSD, CDS, PPM e o chamado Grupo dos Reformadores (dissidentes do PS e liderados por Francisco Sousa Tavares, António Barreto e Medeiros Ferreira) e da qual Helena Roseta foi apoiante entusiasta. Encabeçou inclusivamente a lista da AD por Setúbal nas eleições de 1979 e de 1980, um círculo tradicionalmente hostil ao PSD e cuja Distrital laranja era considerada na altura, dentro do próprio partido, como a mais “reaccionária” do País. A coligação conseguiu então 4 deputados e tal ficou a dever-se, em grande medida, ao voluntarismo e capacidade de luta de Helena Roseta que em campanha ia a sítios “proibidos” como os estaleiros da Lisnave, vestindo “ostensivamente” uma camisola da AD.

Após a morte de Sá Carneiro e a ascensão de Balsemão a líder e a primeiro-ministro, Roseta integrou desde o início o grupo dos chamados “críticos” à sua liderança, grupo esse que incluía, entre outros, Santana Lopes, Eurico de Melo e… Cavaco Silva. Se bem que tal nunca fosse claramente assumido, os “críticos”, que se consideravam os herdeiros naturais de líder fundador, nunca perdoaram a Balsemão a sua estreita ligação ao grupo dos Inadiáveis, muito embora tivesse sido o braço direito de Sá Carneiro no 1º governo AD. Aquele grupo era especialmente forte no norte do país, onde pontificavam Eurico de Melo e António Vilar, o então presidente da Distrital do Porto. Cargo que perderia em 1982 para o já falecido Fernando Brochado Coelho, um dos primeiros e assumidos defensores do Bloco Central e que então contou com o apoio do restrito e temerário grupo de “balsemistas” do Porto, de que eram figuras de proa Luis Filipe Menezes, Rui Rio e Aguiar-Branco.

No Verão de 1981, na sequência da demissão de Balsemão do seu 1º governo (seria posteriormente reconduzido), Helena Roseta, na qualidade de líder da Distrital da Área Metropolitana de Lisboa, foi a única pessoa no Partido a propor uma alternativa à liderança do governo: Cavaco Silva, que na altura recusou avançar.

Algo ostracizada pelos “balsemistas”, candidata-se em 1982 à Câmara de Cascais (porque estava desempregada, segundo confessou anos mais tarde) e conquista-a ao PS. Após a queda definitiva de Balsemão em 1982 apoia Mota Pinto e, na sequência das legislativas de 1983, é uma das mais fervorosas apoiantes do Bloco Central. A tal ponto que Fernando Brochado Coelho pediu-lhe ajuda para “pacificar” a sua Distrital, então em polvorosa com a perspectiva de uma tal coligação. Roseta não se fez rogada e enfrentou estoicamente uma Assembleia Distrital concorridíssima e hiper-crítica até ao histerismo face a uma coligação com o PS na qualidade de parceiro menor. Discutiu acaloradamente até altas horas da madrugada, venceu e convenceu.

Começa sensivelmente nessa altura o seu afastamento de Santana Lopes, que entretanto formara com José Miguel Júdice e Marcelo Rebelo de Sousa o grupo “Nova Esperança”, que lideraria a oposição interna a Mota Pinto. Quando Cavaco toma o poder em 1985, Helena Roseta já não está ao seu lado. Afastar-se-ia definitivamente com o seu apoio a Mário Soares nas presidenciais de 1986, que esteve na base da sua expulsão do Partido após as eleições. Curiosamente, nas listas para as legislativas de 1987 que culminariam com a 1ª maioria absoluta, Cavaco impõe nas listas alguns independentes por… terem apoiado Soares. Entre eles, um figurão chamado Nuno Delerue que havia sido o seu mandatário da juventude e que se vangloriava de ter atraído Roseta para as hostes soaristas.

Em 1991 é eleita deputada independente nas listas do PS, aderindo posteriormente ao Partido rosa. Mas o seu tradicional inconformismo persiste e no mandato do católico Guterres pontifica ao lado de Manuel Alegre (uma ligação que vem de longe) na oposição interna e em prol das “causas fracturantes”, como o aborto. Obviamente que nunca foi entusiasta de Sócrates, cujo vazio mental terá adivinhado desde o início. Integra naturalmente a campanha de Alegre e sai do PS pela esquerda para se candidatar como independente às intercalares de Lisboa em 2007. Nestas eleições é a principal vencedora, tendo agregado muito voto de protesto anti-partidos.

O recém “acordo coligatório” com António Costa vai fazer diluir a sua influência. Poderá recuperar alguma em caso de vitória, na qual reivindicará sempre um papel decisivo. Mas se ganhar Santana, quem sabe se não a veremos rendida de novo ao “charme” de quem conseguiu “conquistar” Zita Seabra?

Goste-se ou não dela, Helena Roseta é uma personalidade marcante. Não obstante toda a sua evolução (ou involução) da direita do PSD para as franjas do BE, foi sempre uma mulher de convicções, sofredora até às lágrimas e com uma fibra de lutadora verdadeiramente notável. E, ao contrário de quase todos, faz política pela política, defende encarniçadamente as causas em que acredita, o que a torna uma avis rara no panorama actual.

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