Ricardo Costa. “Não falo de política com o meu irmão”

22-09-2019
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Em entrevista, o diretor geral de informação da Impresa lembra a fama de "menino rico" de Sócrates, conta o início da queda do GES e diz que não fala há anos sobre política com o irmão, António Costa.

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Ricardo Costa, diretor geral de informação da Impresa, sentou-se na rádio Observador para uma conversa com João Miguel Tavares, no programa “Artigo 38”. Falaram sobre jornalismo, sobre política — e sobre família.

A relação com o irmão António Costa

Queria começar com uma pequena provocação: quantas vezes é que o teu irmão te telefonou nos últimos quatro anos por causa de uma notícia do Expresso ou da SIC?

Nenhuma. Por uma razão muito simples: ele tem a quem telefonar. Telefona a outras pessoas.

Que não és tu.

Que não sou eu.

Não quero estar a explorar este tema numa perspetiva voyeuristica, mas vocês são uma espécie de case study. E, nesse sentido, interessa-me falar um pouco disso, para tentar perceber como foi essa gestão ao longo destes quatro anos. Este processo é muito interessante a mim interessa-me porque entendo que muitas vezes a proximidade entre jornalistas e políticos em Portugal não é uma coisa saudável. E vocês de repente tiveram que gerir o máximo de proximidade durante estes anos. Como é que isso foi? Estabeleceram regras no início?

Sim. São regras não escritas, nem nunca conversámos sobre isso. Na verdade não são quatro anos; é um bocadinho mais, porque a questão colocou-se quando houve a candidatura à liderança do Partido Socialista. Na altura, eu era diretor do Expresso. Não fiquei… Como hei-de dizer? Não fiquei surpreendido, porque sabia que aquilo poderia acontecer alguma vez, mas a verdade é que, mesmo que estejamos à espera, quando acontece é diferente. Tive que pensar rapidamente no assunto. E, na altura, levei a questão quer ao conselho de redação, quer à administração.

"Uma vez o meu irmão ligou-me para saber se, caso ele tivesse que avançar para alguma coisa, isso me colocava algum problema. E eu dei-lhe a resposta que acho que é a única resposta que podia ser dada, que é uma resposta genuína e também não faria sentido dar outra: 'Acho que isso não deve ser um problema para nenhuma coisa que tu queiras fazer. Eu arranjar-me-ei, resolverei a situação como eu entender'.

E disseste ao teu irmão?

Na altura não disse. Achei que não devia dizer. E depois isso acabou por ser noticiado e acabei por escrever um artigo que ainda circula por aí na internet. Achei que devia levantar a questão. E porquê? Não foi por nenhum número, foi por uma razão muito simples: porque obviamente, como a tua primeira pergunta indiciou, isso ia levantar vários problemas ao jornal — quer à redação, quer, no limite, à sua administração. Depois, também podia levantar problemas pessoais entre mim e o meu irmão e, portanto, tinha que se ver como essas coisas se geriam. Portanto, coloquei o lugar à disposição porque tive sérias dúvidas sobre se era gerível ou não. Depois, quer o conselho de redação do Expresso, quer a administração acharam que aquilo não fazia sentido. Eu, apesar de tudo, achei — e isso foi uma decisão minha — que devia escrever um texto sobre o assunto. Publiquei-o online e não foi ingenuamente ou inocentemente que o coloquei online porque sabia…

Querias que fosse muito partilhado.

Sobretudo porque perduram. Eu gosto muito de papel, mas a busca em papel é um bocadinho mais difícil de fazer. Hoje, se alguém googlar com os dois nomes aquilo há-de aparecer, à partida, lá em cima. E, portanto, é um texto que se mantém atual e que obviamente é discutível. Há quem possa não gostar do texto, não o partilhei. Só depois de escrever o texto é que falámos sobre o assunto. Isto porquê? Porque nós só tínhamos conversado sobre o tema uns tempos antes. Nessa altura o meu irmão nem sequer me avisou que se ia candidatar à liderança do PS — porque já tinha havido uma conversa antes sobre se eu me sentiria prejudicado ou não… Não me lembro bem quando foi essa circunstância. Mas tínhamos tido uma única conversa sobre isso, telefónica, em que ele me ligou para saber se, caso ele tivesse que avançar para alguma coisa, isso me colocava algum problema. E eu dei-lhe a resposta que acho que é a única resposta que podia ser dada, que é uma resposta genuína e também não faria sentido dar outra: ‘Acho que isso não deve ser um problema para nenhuma coisa que tu queiras fazer. Eu arranjar-me-ei, resolverei a situação como eu entender’.

É óbvio que sei que esta situação pode levar, no limite, a que eu tenha que deixar de ser jornalista de um momento para o outro. Pode acontecer. E pode acontecer sobretudo por uma razão. Isto para mim não é nenhuma coisa que eu esteja a pensar agora, é uma coisa que está pensada, decidida e arrumada na minha cabeça. No momento em que eu sentir que alguma coisa se torna insuportável para a nossa relação familiar ou prejudicial para o sítio onde eu trabalho, num primeiro momento deixo seguramente de ser diretor e depois, eventualmente, deixo de trabalhar nesses sítios ou de ser jornalista. Não sei se é tudo ao mesmo tempo ou não, mas tenho isso perfeitamente arrumado na minha cabeça.

A vossa relação é mais importante do que a tua profissão?

São as duas coisas muito importantes. Uma, a relação familiar. Obviamente que há questões que podem levantar tensões, embora nós não falemos de política. Nós não tocamos no assunto, o que é uma coisa um bocadinho estranha, porque nós adoramos política. Eu nasci numa casa — ele é mais velho, tem mais sete anos, nós não vivíamos juntos, porque somos filhos de dois casamentos do nosso pai — mas era uma casa onde se respirava política. O meu pai foi militante do PCP até morrer. Veio para Portugal, com 17 ou 18 anos, de Goa, pouco tempo depois da II Guerra Mundial, e entrou para o PCP um pouco depois. Não sei exatamente o ano em que entrou, mas foi naquelas alturas da faculdade, esteve preso várias vezes. No seu funeral, tinha uma bandeira do PCP em cima do caixão. E era uma coisa que ele gostava seguramente de ter. Nunca tínhamos conversado sobre isso, mas tanto para mim como para o meu irmão aquilo foi perfeitamente aceite.

E António Costa também se lembra desde pequeno que está envolvido na política.

Sim. A mãe do meu irmão era uma pessoa muito ligada também à política. E eu tinha um tio do meu lado que era fundador do PSD e, portanto, estávamos todos muito juntos, toda a gente falava muito alto. Eram discussões um bocadinho pesadas. Aliás, nessa carta que escrevi ao meu irmão, acho que começa por aí, que eu fiquei uma vez surpreendido quando o meu irmão disse ao meu pai a expressão “os seus amigos sectários”. Eu não fazia a mínima ideia do que queria dizer “sectários”, eu era bastante mais novo. Nunca me esqueci dessa expressão, que fazia parte da guerra entre PS e PCP.

Mas quando é que decidiram parar de falar de política? Foi ainda antes disto, ou não?

Foi, por uma razão muito simples. Repito: isto nunca foi conversado. Acho que a parte em que o meu irmão esteve na Câmara de Lisboa foi bastante mais fácil, porque a câmara é uma coisa um bocadinho à parte.

Tu sempre fizeste política?

Eu tive um azar. Durante todo o meu tempo de faculdade queria ser jornalista de Internacional, entrei na profissão graças ao Público. Fui suficientemente estúpido — era muito puto — para me estar nas tintas para concorrer para entrar no Público, esqueci-me. Mas depois tive uma sorte: como saiu tanta gente do Expresso para o Público, eles precisavam de pessoas. Nomeadamente de estagiários. E a Ana Paula Azevedo estava já no Expresso. Ela entrou muito nova, tinha estado no Europeu, e eles disseram: “Arranja aí uns colegas teus de faculdade que queiram vir para aqui e tal”. E, na altura, fui eu, o Reinaldo Serrano, o António Tadeia, a Cristina Figueiredo… E eu queria ir para o Internacional e ia para uma entrevista com uma pessoa do Internacional do Expresso, acho que o Carlos Santos Pereira. Foi uma situação anedótica: estive durante para aí quatro ou cinco dias a ler seis meses da secção de internacional do Expresso. Na altura, se me perguntassem quem era o ministro da Defesa búlgaro, ou o ministro das Finanças polaco eu sabia tudo. E quando lá cheguei o Carlos Santos Pereira tinha ido para o Público. Portanto, não fui examinado, sequer. Foi uma grande frustração. E o José António Lima disse: “Ah, não faz mal. Vais ali para a política”. Pronto, OK. Eu sabia de política, lia tudo, mas não era a coisa que mais me apetecesse fazer. E depois estive sempre na política.

Mas, como disse, a parte da Câmara foi muito mais fácil. Embora as câmaras municipais, e a de Lisboa em particular, estejam muito no radar noticioso, não é a mesma coisa. As questões governamentais são diferentes. E por isso é que já há muitos anos, quando o meu irmão foi ministro dos Assuntos Parlamentares e depois da Justiça nós deixámos naturalmente de falar sobre os temas.

Mas porque havia conflitos? Vocês zangavam-se?

Não, por uma razão muito simples: porque há uma questão de informação básica. Repara, uma pessoa que faz parte de um conselho de ministros obviamente tem acesso a tudo o que lá se passa e sabe 300 mil coisas. E, portanto, não posso usar essa pessoas como fonte de maneira alguma. Nem que seja em meia dúzia de conversas laterais, isso não faz rigorosamente sentido nenhum: porque quebrava-se uma confiança profissional do lado dele e ao mesmo tempo do meu lado como jornalista. Hoje estou bastante mais recuado nesse tipo de relação, isso também me facilita a vida.

Mas vocês deixaram de falar sobre política, também não falam muito se calhar sobre futebol, porque um é do Sporting e o outro do Benfica…

Isso é diferente. Às vezes há casos em que falamos de política retroativamente. Ou seja, coisas que se passaram há muitos anos. Acho que a última vez que liguei ao meu irmão por uma razão de política foi… não sei se foi quando foi a demissão do António Vitorino. Mas depois percebi que aquilo também era constrangedor, não tinha grande lógica, não lhe podia estar a ligar, não fazia sentido. Hoje em dia estou bastante protegido. Também montei as coisas assim. E é o mérito das pessoas que trabalham comigo. Trabalho com um número suficiente de pessoas — jornalistas, editores e diretores — que têm as suas fontes e contactos.

Isso era uma coisa que te queria perguntar. Foste diretor do Expresso, mas saíste aí no início de 2016.

E ainda bem que saí.

Mas essa saída aconteceu porque o teu irmão na altura já era primeiro-ministro?

Não, mas ainda bem que saí. Não sei se as coisas teriam, apesar de tudo, sido geridas como foram se tivesse continuado no Expresso. Por uma razão muito simples: o Expresso, por ser um jornal muito político, tem uma fricção permanente com os governos que é maior do que uma televisão. As pessoas que não estão no meio podem não perceber isso, mas é verdade. No Expresso, a probabilidade de uma pessoa se zangar com um político é muito mais alta. Eu estive 17 anos na SIC, tinha estado antes no Expresso três anos. Quando voltei para o Expresso, ao fim de um ano ou dois, tinha-me zangado ou tido quezílias com mais políticos do que em 17 anos de SIC. É um sítio onde a fricção é muito mais permanente, onde o choque é maior.

Mas a saída não teve nada a ver com isso. Teve a ver com um convite/intimação. Eu trabalho há 30 anos no mesmo sítio, com a sorte de ter mudado muitas vezes de funções e até de órgão de comunicação social. Mas trabalho no mesmo grupo — ainda não era grupo sequer — faz agora exatamente 30 anos. Houve ali uma altura em que me convidaram/intimaram — como eu costumo dizer, faço um bocado parte da mobília — e disseram: “Agora vais para ali”. E havia um projeto depois de futura integração de redações no mesmo espaço.

Que já foi concretizado. E aí tu saíste de diretor do Expresso e foste para diretor-geral de informação da Impresa.

Pediram-me para ir para isso e assumir as coisas um pouco a partir da SIC. E foi por isso que fui para a SIC. A SIC é uma redação grande e tem pessoas que tratam dessas coisas.

Há um caso muito curioso. Suponho que tenhas estado envolvido na escolha do João Vieira Pereira para diretor do Expresso.

Sim.

E o João Vieira Pereira teve um conflito fortíssimo com o António Costa.

Sim, mas isso a mim não me interessa nada. O meu irmão também não escolhe ministros a presumir se se dão comigo ou não. Não vou estar agora a falar dos ministros um a um, mas se calhar não concordo com todas as escolhas.

Aquele caso dos SMS foi muito violento.

Foi. E, atenção, na altura eu era diretor do Expresso.

E o António Costa, não sei se continua a cumprir ou não essa promessa, mas disse que nunca mais voltava a falar com ele.

Não sei. Isso só perguntando aos próprios. Não é uma questão que me preocupe.

E em relação à tua opinião? Estás numa posição mais recuada, mas continuas a aparecer na SIC e a escrever opinião no Expresso. Alguma vez te contiveste?

Não, não me contenho. O que me condiciona às vezes são certos temas, não ao ponto de não escrever, mas obviamente hoje em dia, do ponto de vista da minha opinião, tento recuar um bocadinho. Essa é a questão em que me sinto mais condicionado. Ou seja, acho que as pessoas que trabalham comigo — não quero falar em nome delas — não se sentem minimamente condicionadas.

Nesta fase eu trato mais de questões logísticas: organização da noite de eleições, dos debates… Mas eu não preparo debate nenhum com ninguém. Não me sento com a Clara de Sousa a preparar um debate. Mas repito: não me sento a fazer isso porque as coisas estão organizadas. Há pessoas suficientemente preparadas e capazes em todos os níveis para tratar do assunto. Não há nenhum repórter da SIC que se sinta minimamente preocupado em fazer isto ou aquilo quando está na campanha eleitoral em Aguiar da Beira.

Só quando dás a tua opinião é que não, certo?

Sim, repara: o meu irmão foi à SIC. Quem o foi receber? Quem vai lá estar a recebê-lo, normalmente, é o José Gomes Ferreira ou o Bernardo Ferrão. Mas, se me permites, são eles que o aturam todo o ano. Não é só naquele momento, ou seja, não é um simples “Eu não vou ali”. São eles que o aturam e falam com ele. Não sou eu. Agora, na opinião, nunca me senti no ponto de não poder escrever alguma coisa. Sempre escrevi, até ao momento. Às vezes, tento recuar um pouco nos temas. Mas isso também acontece porque há muita gente a escrever, se quisermos, numa linha da frente, de coisas muito do dia a dia. Às vezes tento recuar um bocadinho, se calhar faço textos um bocado mais chatos, é possível. Admito que sim. Mas não me sinto muito constrangido até ao ponto que eu acho que limite a minha atividade. Repito: no dia em que isso acontecer, vou fazer outra coisa. Não tenho problema nenhum com isso. Mas nenhum. Tenho sempre um plano B na cabeça. E não é por o meu irmão ser primeiro-ministro. Um plano B no sentido de saber que me acontece se amanhã deixar de ser jornalista.

E o que é que vais fazer, já agora?

Não digo. Até porque já foi mudando. Houve alturas em que achava que ia ser cervejeiro, agora já não porque já toda a gente é cervejeiro (risos). Portanto, se houver um momento em que me sinta completamente condicionado… Uma pessoa quando é jornalista, mas sobretudo quando é diretor de informação, tem que se sentir minimamente apoiado ou reconhecido em três frentes: um, para o público; dois, para as pessoas com quem trabalha, a redação; três, para a administração/accionistas. Portanto, em algum momento em que eu sinta que essa confiança se rompeu — nesta coisa de geometria variável tripartida — de uma forma séria obviamente que terei que ir à minha vida.

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Existe ou não um problema de excessiva proximidade entre jornalistas e pessoas com poder em Portugal ao ponto de durante muito tempo não terem visto aquilo que deviam ter visto?

Não e sim. Parece uma resposta à político. Sim, há proximidade, e é óbvio que houve uma proximidade que não foi boa. Dois: sou amigo de políticos de vários partidos diferentes e essa proximidade nunca me prejudicou nem nunca me complicou a vida. Aliás, zanguei-me com alguns ao longo da vida, quer na SIC, quer no Expresso. Por exemplo, eu fui chamado à ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) quando foi aquela coisa das pressões do Sócrates. E eu achei aquele processo ridículo. Outras pessoas não acharam, houve depoimentos muito diferentes do meu, como o do José Manuel Fernandes e de outras pessoas. Mas eu tive imensos telefonemas do Sócrates, conheço-o desde não sei se 1989 ou 1991. Quando ele foi eleito deputado eu era um jornalista júnior do Expresso. Ele sentava-se na última fila do parlamento e eu, esses tipos da última fila dessa altura, trato-os quase todos por tu. Não o vejo há muitos anos, se calhar felizmente, porque agora acho que provavelmente nem nos tratamos de maneira nenhuma — nem por tu nem por outra coisa qualquer. Duvido que ele me fale, e eu também não tenho nenhum interesse em lhe falar. Mas eu, ao logo da vida, porque o conhecia, recebi imensos telefonemas do Sócrates pelos temas mais estapafúrdios. E entravam-me por um ouvido e saíam-me por outro. Ou mandava-o passear, quando ele não tinha razão. E não me lembro de alguma vez que tivesse, mas admito que houvesse algum momento em que tivesse razão. Nesse processo, vi alguns colegas meus que se queixavam de coisas que eram completamente normais. O problema é que depois havia outras que provavelmente eram anormais. Comigo não se passou nenhuma anormal. Houve um telefonema em que eu estava a arranjar-me, tinha acabado de tomar banho: tive tempo de me vestir, fazer a barba, tomar o pequeno-almoço e o Sócrates continuava a falar. Já não me lembro sobre o que era. Provavelmente, alguma coisa por causa da licenciatura. O tipo devia ir no carro, então ia com tempo e ficou para ali a debitar não sei quantas coisas. Eu disse “Está bem, está bem”, desliguei o telefone e fui à minha vida. Nunca mais me lembrei do Sócrates. It comes with the job. Quando uma pessoa é diretora de informação às vezes leva com telefonemas de um primeiro-ministro zangado, de um líder da oposição, de um empresário, de um sindicalista, o que seja. Uma pessoa pode ter telefonemas do Arménio Carlos — por acaso só uma vez é que me ligou e até tinha razão. Agora, o que eu achei nessa altura é que houve muita gente a tratar telefonemas absolutamente normais como se todos fossem anormais.

E é preciso fazer essa distinção.

Sim. Não podemos achar que fazemos tudo bem, porque não fazemos. E não podemos achar que não podemos receber um telefonema. Podemos — nem todos os telefonemas são pressões, e nem todas as pressões são violentas ou graves. E é óbvio que estou a falar de uma pessoa que teve muitas pressões violentas e graves, mas no caso…

Em relação a ti, não.

Não é só em relação a mim. É que eu acho que no caso… Aí tem a ver com o grupo onde eu trabalho, e não é por acaso se calhar que trabalho lá há tantos anos. Porque acho que, na SIC ou no Expresso, é muito difícil que essas coisas tenham qualquer efeito.

"Quando conheci o Sócrates em 1991, ele já tinha uma fama no PS de menino rico. Não sei quem inventou isso, mas era um pouco a ideia que tínhamos."

Alguma vez imaginaste que José Sócrates poderia ser aquilo que hoje nós desconfiamos que ele seja?

Não. Do ponto de vista do dinheiro, e da questão do seu amigo Santos Silva, não. Quando conheci o Sócrates em 1991, ele já tinha uma fama no PS de menino rico. Não sei quem inventou isso, mas era um pouco a ideia que tínhamos. Portanto, de facto, durante muitos anos acreditei naquela teoria de que era dinheiro da mãe, do avô, etc. Porque ele era um tipo que tinha essa fama.

E era ostensivo?

Não, na altura não era. Ele fazia ski… Na altura o Sócrates não se vestia como se vestiu depois. Atenção, nessa altura não era nenhum fashion icon nem nada do que se pareça.

Ainda não pertencia ao Sexy Platina.

Não, nada disso. Mas tinha fama de ser uma pessoa que tinha dinheiro. A primeira vez que me lembro de uma coisa mais ostensiva foi uma vez em que fui entrevistar António Guterres no gabinete do então primeiro-ministro. Guterres tinha um computador espetacular em cima da secretária, sendo que o Guterres não utilizava computadores — ele e o Paulo Portas foram mesmo os dois últimos portugueses a aprender a utilizar um computador e a enviar SMS. E eu disse: “Você tem aqui um computador caro. E bom”. E ele respondeu: “Foi o Sócrates, que mo deu quando fiz anos”. E o Guterres usou uma expressão qualquer do género: “Sabe como é, o tipo é rico e deu-me o computador. Porque quer ensinar-me a trabalhar nisso”. Mas eu também achei aquilo normal — o próprio Guterres disse “O tipo é rico”. Na altura, repito, dei zero importância ao assunto. A primeira vez que eu disse “há aqui qualquer coisa que não bate certo” foi na história da montra de Rodeo Drive.

É melhor enquadrar isso para as pessoas que não se lembram.

É quando há uma loja muito cara, onde uma pessoa tem um personal shopper…

… em Los Angeles, nos Estados Unidos…

Uma loja onde ninguém está ali para gastar 50 euros. E o nome de Sócrates estava na montra — essa loja tinha na montra os nomes dos seus grandes clientes. Está lá o nome do príncipe X, do CEO do Goldman Sachs, e estava o primeiro-ministro de Portugal. E eu aí achei estranho porque estamos a falar de lojas onde qualquer fato custará no mínimo cinco ou seis mil euros. Para alguém ter ali o nome é porque fez compras avultadas. Foi o momento em que se fez um click na minha cabeça do ponto de vista de que havia ali alguma coisa que não batia certo. Mas não imaginava minimamente o que se ia passar a seguir.

Mesmo com todos os casos que surgiram naquele tempo?

Os casos que tinham surgido antes mostravam um padrão comportamental, um padrão de seriedade. Sobre isso não tenho dúvidas. Daí a uma pessoa poder ser acusada de ter não sei quantas dezenas de milhões de euros vai uma certa distância.

Ficaste surpreendido quando ele foi detido, em novembro de 2014?

Só não fiquei totalmente surpreendido porque uns dias antes já alguns colegas meus, bem informados, estavam na pista disso. Mas claro fiquei surpreendido. Tanto que nessa noite fui à SIC comentar e lembro-me que quando se falou da questão dos 20 milhões de euros fiquei completamente surpreendido com o valor. Eu estava a leste dessa parte do processo. Mas não tenho dúvidas em dizer que aquilo é o caso mais grave da democracia portuguesa.

E achas que esse caso até agora foi levado com a seriedade necessária?

Por quem? Por mim foi de certeza. Tomei aliás uma decisão radical — tomámos em conjunto, mas no limite a última decisão foi minha — quando fizemos um trabalho sobre a Operação Marquês…

… em que mostraram os vídeos dos interrogatórios.

Tomámos a decisão de usar algumas partes dos vídeos, mas completamente expurgadas de questões pessoais, íntimas, jocosas, etc. Aquilo deu muito trabalho ao Luís Garriapa, à Amélia Ramos, à Sara Oliveira. Aquilo foi muito trabalhado jornalisticamente. Tomámos essa decisão exatamente porque o caso era absolutamente excecional sob todos os pontos de vista. E as pessoas que olham para isto como “é mais um caso” não estão a brincar comigo, estão a brincar com o país. Não é mais um caso. Claro que não podemos confundir — sempre foi a grande discussão que tive com outros jornalistas e também escrevi um artigo de resposta a vários artigos que foram publicados na altura…

… houve colunistas que se insurgiram contra o facto de a SIC ter transmitido aquelas imagens, que eram imagens de interrogatório.

Fiz uma brincadeira com um texto do Vicente Jorge Silva, que se chamava “Isto não é jornalismo”, e escrevi um texto chamado “Isto não é não jornalismo”. As pessoas não podem confundir dois planos. Um é o da inocência até prova em contrário. Nenhuma discussão sobre isso: as coisas têm que seguir os trâmites legais e os recursos todos que existirem e, até o processo transitar tudo em julgado, a pessoa não é culpada. Outro plano é os jornalistas acharem que são historiadores e não podem acompanhar um caso quando ele está em investigação, em acusação ou em fase de inquérito. Isso é uma coisa completamente absurda. Sobretudo depois de a acusação estar cá fora. Não é tomar a acusação como a verdade, como é óbvio. Até porque a acusação tem um defeito, que é o meu maior medo neste caso. E quando digo o maior medo, não estou a dizer que Sócrates tem de ser condenado — embora eu ache que vai ser condenado e deve ser condenado. Estou a dizer uma coisa diferente: este caso tem que decorrer e acabar sem grande margem para dúvidas. Isso era o melhor para a democracia portuguesa. Devia ser um caso absolutamente exemplar e blindado. E eu tenho algumas dúvidas, por uma razão muito simples. Toda a questão do branqueamento de capitais e da fraude fiscal é facílima de acusar e, presumo, de provar. Até uma criança da quarta classe percebe. Já na parte da corrupção, colocar dentro do mesmo processo toda a parte do BES e da PT é, na minha opinião, um salto muito arriscado do ponto de vista conceptual. Tenho medo que isso faça com que o processo se torne mais frágil nalgumas partes e mais complexo. E que venhamos a entrar num processo tão confuso que, no fim, as pessoas não percebem e possa haver uma parte grande da população — maluquinhos há sempre — que aceite que a tese de que isto era tudo uma cabala.

A maior parte das pessoas hoje em dia não tem grande dúvida acerca da culpabilidade de José Sócrates.

Não, isso não. Mas quando entras na questão da OPA à PT e do BES, a questão é mais complicada de ligar. Dito isto, espero que este caso avance para tribunal de uma forma exemplar. O pior que podia acontecer para a nossa democracia era que esse caso acabasse e 20 anos depois ainda fosse discutido como uma coisa politizada, como aquelas pessoas que tentam fazer comparações com o Lula. Não gosto de fazer críticas à concorrência, mas quando a TVI pôs o Sócrates a comentar o caso Lula fiquei… Isto é a loucura total.

Satisfaz-me uma curiosidade que mete também a TVI. A SIC estava na linha da frente para conseguir a primeira entrevista a José Sócrates depois da detenção e acabou por ser ultrapassada pela TVI…

Não era a SIC, era o Expresso. Aliás, acho que foi a última vez que falei com Sócrates ao telefone. E foi um telefonema histórico. Ele fala com o Bernardo Ferrão e marca uma conversa — a cadeia tem uma hora a que se pode telefonar. Às 15h, estamos sentados numa sala do Expresso com o telefone em alta voz. E é uma cena que devia ser filmada. Ele estava a ligar-nos da prisão! Não fomos as primeiras, mas fomos das primeiras pessoas a quem ele ligou. Eu estava nesse telefonema porque era o diretor do Expresso e aquilo tinha de ser tratado a um nível diferente — o Bernardo era editor de política. E ele disse que gostava de dar uma entrevista ao Expresso e eu respondi: “Sim senhor, uma entrevista a um primeiro-ministro preso tem um valor jornalístico indiscutível”. E ficámos ali de acertar como é que isso se fazia: tínhamos de ir tratar com o advogado dele, tínhamos de pedir autorização à Direção Geral de Serviços Prisionais, ainda discutimos quem fazia a entrevista. Mas ele queria dar a entrevista ao Expresso. A partir daí, as coisas correram mal. Ao fim de uma semana ou duas percebemos o jogo dele: havia temas que não queria abordar. Então, publicámos as perguntas todas que lhe queríamos fazer numa página inteira do Expresso. Trabalhámos com o Micael Pereira e com o Rui Gustavo, as pessoas que conheciam bem o caso. Fizemos a lista das perguntas todas possíveis à época, porque entretanto houve coisas que se souberam depois.

As perguntas essenciais estão lá.

As essenciais estavam lá. E porque é que nós publicámos aquilo? Porque sabíamos que, se a entrevista avançasse, ele ia dizer que não queria falar disto ou daquilo… E isso para nós era absolutamente inaceitável. A partir do momento em que colocámos as perguntas cá fora, a coisa acabou. Acabou porque ele já não podia aceitar aquelas perguntas todas. Achava as perguntas, como ele dizia, “um ultraje”, “um ataque”, aquelas coisas. Como nós o conhecíamos, e o conhecíamos bem, avançámos com as perguntas antes. Também não queríamos ficar com uma entrevista ao serviço de uma pessoa que estava presa. Isso não podia ser.

Achas que isso aconteceu na TVI?

Não. Eu não conheço as condições da entrevista da TVI. A única coisa que posso dizer é que nunca faria — e acho que nenhum jornalista devia aceitar fazer — uma entrevista a um primeiro-ministro naquelas condições com qualquer tipo de condição de tema. Em nenhuma circunstância. Por razões óbvias. As mesmas razões que levaram o Expresso a colocar as questões todas cá fora. Tínhamos de fazer uma entrevista com as perguntas todas. Depois, houve uma segunda guerra importante. Nós pusemos em tribunal a Direção-Geral dos Serviços Prisionais por nos ter proibido a entrevista com um ato administrativo sem nenhum tipo de justificação. Ganhámos e recebemos uma indemnização. Recebi eu, porque aquilo tinha de ser recebido individualmente, o que é uma coisa bizarra — e entreguei o dinheiro à Casa de Imprensa. Ainda foram uns milhares de euros. Espero que isso tenha servido de exemplo, para as entidades administrativas no futuro, que podem aceitar ou recusar entrevistas, mas têm que fundamentar. Vendo hoje, ainda bem que o Expresso não fez a entrevista ao Sócrates porque a única entrevista que queríamos fazer era aquela que publicámos. A TVI depois fez uma entrevista, repito, não sei que condições pôs ou não. Eu às vezes dou graças a Deus não ter tido uma entrevista com José Sócrates.

A queda de Ricardo Salgado

Disseste há pouco que conheceste praticamente todos os protagonistas que estiveram envolvidos nestes escândalos…

Não conhecia Carlos Santos Silva.

Não estou a falar apenas de Sócrates, estou a falar também de Ricardo Salgado, Zeinal Bava, tudo isso. Vocês falharam, os que estavam mais próximos daqueles casos? Ou era impossível de ver?

Estamos a falar de um caso de corrupção em que muitas coisas não eram visíveis. No caso de Sócrates, há umas coisas ali na ponta final, umas férias com os filhos na Suíça, quando ainda era primeiro-ministro. Mas não era um tipo muito ostensivo enquanto era primeiro-ministro.

Mas no caso de Salgado e das férias na neve com os jornalistas? Esse tipo de proximidade…

Eu nunca fui às férias na neve. Iam jornalistas de economia. Mas sinceramente aí acho que as pessoas estão a confundir muita coisa. Eu tive vários convites, almocei, tomei o pequeno-almoço sei lá, três ou quatro vezes com Ricardo Salgado, como tomei com outros banqueiros.

"Houve obviamente abusos e uma promiscuidade excessiva. Mas se as pessoas acham que quem tiver um convívio com o Zeinal Bava depois não é capaz de escrever sobre ele, estão malucas."

Mas não te levava a Nova Iorque para tomarem o pequeno-almoço.

Não, não me levava a Nova Iorque. Mas se me tivesse convidado para ir a Nova Iorque para alguma coisa que eu achasse importante, se calhar teria ido. Houve obviamente abusos e uma promiscuidade excessiva. Mas se as pessoas acham que quem tiver um convívio com o Zeinal Bava depois não é capaz de escrever sobre ele, estão malucas. Vê o meu caso com Manuel Pinho: conheci-o antes de ser ministro e fui das primeiras pessoas a escrever sobre o processo dele. E eu trato-o por tu, apesar de já não o ver há muito tempo. Já estive em casa do Manuel Pinho, conheço-o bem. Não tenho nenhum problema.

Isso não te afeta? Eu tento imenso evitar pequenos-almoços e almoços porque isso me afeta a mim enquanto colunista.

Mas aí, com todo o respeito, tu não és jornalista de andares a fazeres notícias, nem és editor ou diretor de um jornal. São coisas diferentes. Eu conheço o Zeinal Bava e trato-o por tu. Se o encontrar, trato-o por tu. Não tenho nenhum problema. Não sei se ele me quer falar, mas conheço-o bem. Nunca fui íntimo do Zeinal Bava, mas estive com ele em muitas circunstâncias. Cheguei aliás a jantar com ele no Brasil de calças de ganga e t-shirt, quando ele estava na Vivo. E uma vez estive com ele nos copos no Algarve, numa coisa qualquer coisa da Meo. Isso não tem nenum problema desde que eu tenha a capacidade de dizer deles o que eu acho que tenho de dizer ou escrever no momento em que tiver que o fazer. Vou dar-te outro exemplo: há muito tempo que não nos damos, mas sou amigo do Paulo Portas. Conheço o Paulo Portas há 200 anos, como conhecia o Miguel. O meu pai era muito amigo da mãe deles. E do Nuno também, mas sobretudo da mãe, da Helena Sacadura Cabral. E isso nunca me impediu de, nas mais variadas ocasiões, termos choques imensos. Depois, às vezes, volta e meia, fazíamos as pazes e almoçávamos. Eu já estive várias vezes em casa do Paulo Portas. Isso é-me completamente indiferente. Eu sei que sou capaz de…

… fazer essa separação.

Em casa do Francisco Louçã só estive uma vez (risos). Mas já estive em casa de vários ministros. Vou contar uma história que se passa comigo e com o João Vieira Pereira e que é muito importante. Quando começa o caso BES, fui eu que escrevi o primeiro artigo sobre a débâcle do Grupo Espírito Santo — sem saber que o estava a fazer, atenção, não me estou a armar em campeão. É um artigo que sai no Expresso em agosto — um ano antes da queda do BES — sobre a guerra entre Ricardo Salgado e Pedro Queiroz Pereira. E escrevi esse artigo porque me contaram a informação toda. O Pedro Queiroz Pereira andava a dizer nos restaurantes todos em Lisboa que o GES estava falido e que ele ia explicar isso a toda a gente. E eu pus-me ao caminho e consegui escrever um artigo. E escrevi o artigo sem perceber o que estava a escrever. O artigo contava que o Ricardo Espírito Santo estava a tentar ficar com a Semapa através… “comprando”, entre aspas, uma irmã do Pedro Queiroz Pereira que se tinha passado para o lado de Ricardo Salgado. Percebe-se agora porquê: porque ele precisava de uma cash cow. E a Semapa era uma mega cash cow.

E o artigo era bom, ultra-noticioso e até divertido, porque era uma guerra entre famílias ricas de Lisboa que chocavam forte e feio por causa do controlo de uma das grandes máquinas de fazer dinheiro em Portugal que era — e é — a Semapa. Aquilo de facto teve um grande eco, recebi não sei quantos telefonemas, estava de férias no Algarve quando escrevi esse artigo. Depois vim trabalhar e, na semana seguinte — e esta história é testemunhada por três pessoas –, o advogado do Pedro Queiroz Pereira, Jorge Bleck, foi ter comigo e com o João Vieira Pereira ao Expresso. E apareceu com uns grandes dossiês e fez uma pose e disse assim: “Bom, eu antes de começar tenho que vos perguntar: vocês querem mesmo abrir isto? Estão mesmo disponíveis?”. E depois dizia, com um lado um bocado teatral: “Porque isto é a queda do Grupo Espírito Santo!”. Nós todas as semanas recebemos pessoas que dizem “Tenho aqui isto que vai deitar abaixo o regime, que vai fazer cair o governo, que vai fazer cair o Presidente”. E ele disse aquilo duas ou três vezes — e estava mesmo a falar a sério. Depois, começámos a ver os papéis. Ele disse que se isto acontecer vai trazer sérios problemas ao Expresso porque é o fim do GES. E tinha razão. E nós escrevemos aquilo tudo, na altura. Depois com o Pedro Santos Guerreiro também — na altura o João e o Pedro até tinham uma espécie de quase compita, mas que foi altamente produtiva para o jornal. Tinham as fontes todas e o Expresso todos os dias dava 300 notícias sobre aquilo. E nós não tivemos problemas. E tanto o BES como a PT eram, se calhar, dos nossos maiores anunciantes — estavam seguramente no top 5 — e tanto eu como o João Vieira Pereira e o Pedro Santos Guerreiro conhecíamos todas aquelas pessoas e provavelmente tratávamo-las todas por tu. Eu não tratava o Salgado por tu, mas os outros sim.

Tenho uma última pergunta: a lista de jornalistas avençados do BES alguma vez existiu?

Eu não estava no Expresso nessa altura. Não vou estar agora a atirar… Estava na SIC. O artigo do Expresso — que tem, na minha opinião, um erro — diz que há uma lista de autarcas, empresários, gestores e jornalistas que estará nas mãos do Ministério Público. Eu, sinceramente, acho que o Expresso não devia ter escrito isso. Porque ninguém sabe se essa é lista é verdadeira, se é uma lista factual, se é uma lista testada. E ninguém sabe se a Justiça sequer lhe deu importância ou se a atirou para o lixo por achar que é uma coisa ridícula. Portanto, acho que o Expresso cometeu um erro ao escrever isso.

Mas, independentemente de a lista existir ou não, havia jornalistas avençados pelo BES?

Não faço a mínima ideia. Só posso dizer uma coisa: pessoas com quem eu trabalhei, não me passa pela cabeça que alguma tivessem algum tipo de relação dessa natureza. E quando as pessoas falam nas viagens à neve, há uma coisa que queria dizer. Trabalhei muitos anos com o Nicolau Santos e trabalho com o José Gomes Ferreira desde 1992 e tenho orgulho nisso. Só pessoas que nunca trabalharam com eles é que acham que o facto de eles poderem ter ido à neve algum dia os afetou minimamente no que quer que seja. Há jornalistas que gostam de ficar no sofá e dizer: “Eu não vou a lado nenhum, eu não bebo com ninguém, eu não converso com ninguém, eu não almoço com ninguém”. Isso é absurdo. Os jornalistas do New York Times ou do Guardian almoçam com deputados, com ministros, com banqueiros… Nós temos de ter as coisas muito bem arrumadas na nossa cabeça. Convém não confudir as coisas.

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Em entrevista, o diretor geral de informação da Impresa lembra a fama de "menino rico" de Sócrates, conta o início da queda do GES e diz que não fala há anos sobre política com o irmão, António Costa.

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Ricardo Costa, diretor geral de informação da Impresa, sentou-se na rádio Observador para uma conversa com João Miguel Tavares, no programa “Artigo 38”. Falaram sobre jornalismo, sobre política — e sobre família.

A relação com o irmão António Costa

Queria começar com uma pequena provocação: quantas vezes é que o teu irmão te telefonou nos últimos quatro anos por causa de uma notícia do Expresso ou da SIC?

Nenhuma. Por uma razão muito simples: ele tem a quem telefonar. Telefona a outras pessoas.

Que não és tu.

Que não sou eu.

Não quero estar a explorar este tema numa perspetiva voyeuristica, mas vocês são uma espécie de case study. E, nesse sentido, interessa-me falar um pouco disso, para tentar perceber como foi essa gestão ao longo destes quatro anos. Este processo é muito interessante a mim interessa-me porque entendo que muitas vezes a proximidade entre jornalistas e políticos em Portugal não é uma coisa saudável. E vocês de repente tiveram que gerir o máximo de proximidade durante estes anos. Como é que isso foi? Estabeleceram regras no início?

Sim. São regras não escritas, nem nunca conversámos sobre isso. Na verdade não são quatro anos; é um bocadinho mais, porque a questão colocou-se quando houve a candidatura à liderança do Partido Socialista. Na altura, eu era diretor do Expresso. Não fiquei… Como hei-de dizer? Não fiquei surpreendido, porque sabia que aquilo poderia acontecer alguma vez, mas a verdade é que, mesmo que estejamos à espera, quando acontece é diferente. Tive que pensar rapidamente no assunto. E, na altura, levei a questão quer ao conselho de redação, quer à administração.

"Uma vez o meu irmão ligou-me para saber se, caso ele tivesse que avançar para alguma coisa, isso me colocava algum problema. E eu dei-lhe a resposta que acho que é a única resposta que podia ser dada, que é uma resposta genuína e também não faria sentido dar outra: 'Acho que isso não deve ser um problema para nenhuma coisa que tu queiras fazer. Eu arranjar-me-ei, resolverei a situação como eu entender'.

E disseste ao teu irmão?

Na altura não disse. Achei que não devia dizer. E depois isso acabou por ser noticiado e acabei por escrever um artigo que ainda circula por aí na internet. Achei que devia levantar a questão. E porquê? Não foi por nenhum número, foi por uma razão muito simples: porque obviamente, como a tua primeira pergunta indiciou, isso ia levantar vários problemas ao jornal — quer à redação, quer, no limite, à sua administração. Depois, também podia levantar problemas pessoais entre mim e o meu irmão e, portanto, tinha que se ver como essas coisas se geriam. Portanto, coloquei o lugar à disposição porque tive sérias dúvidas sobre se era gerível ou não. Depois, quer o conselho de redação do Expresso, quer a administração acharam que aquilo não fazia sentido. Eu, apesar de tudo, achei — e isso foi uma decisão minha — que devia escrever um texto sobre o assunto. Publiquei-o online e não foi ingenuamente ou inocentemente que o coloquei online porque sabia…

Querias que fosse muito partilhado.

Sobretudo porque perduram. Eu gosto muito de papel, mas a busca em papel é um bocadinho mais difícil de fazer. Hoje, se alguém googlar com os dois nomes aquilo há-de aparecer, à partida, lá em cima. E, portanto, é um texto que se mantém atual e que obviamente é discutível. Há quem possa não gostar do texto, não o partilhei. Só depois de escrever o texto é que falámos sobre o assunto. Isto porquê? Porque nós só tínhamos conversado sobre o tema uns tempos antes. Nessa altura o meu irmão nem sequer me avisou que se ia candidatar à liderança do PS — porque já tinha havido uma conversa antes sobre se eu me sentiria prejudicado ou não… Não me lembro bem quando foi essa circunstância. Mas tínhamos tido uma única conversa sobre isso, telefónica, em que ele me ligou para saber se, caso ele tivesse que avançar para alguma coisa, isso me colocava algum problema. E eu dei-lhe a resposta que acho que é a única resposta que podia ser dada, que é uma resposta genuína e também não faria sentido dar outra: ‘Acho que isso não deve ser um problema para nenhuma coisa que tu queiras fazer. Eu arranjar-me-ei, resolverei a situação como eu entender’.

É óbvio que sei que esta situação pode levar, no limite, a que eu tenha que deixar de ser jornalista de um momento para o outro. Pode acontecer. E pode acontecer sobretudo por uma razão. Isto para mim não é nenhuma coisa que eu esteja a pensar agora, é uma coisa que está pensada, decidida e arrumada na minha cabeça. No momento em que eu sentir que alguma coisa se torna insuportável para a nossa relação familiar ou prejudicial para o sítio onde eu trabalho, num primeiro momento deixo seguramente de ser diretor e depois, eventualmente, deixo de trabalhar nesses sítios ou de ser jornalista. Não sei se é tudo ao mesmo tempo ou não, mas tenho isso perfeitamente arrumado na minha cabeça.

A vossa relação é mais importante do que a tua profissão?

São as duas coisas muito importantes. Uma, a relação familiar. Obviamente que há questões que podem levantar tensões, embora nós não falemos de política. Nós não tocamos no assunto, o que é uma coisa um bocadinho estranha, porque nós adoramos política. Eu nasci numa casa — ele é mais velho, tem mais sete anos, nós não vivíamos juntos, porque somos filhos de dois casamentos do nosso pai — mas era uma casa onde se respirava política. O meu pai foi militante do PCP até morrer. Veio para Portugal, com 17 ou 18 anos, de Goa, pouco tempo depois da II Guerra Mundial, e entrou para o PCP um pouco depois. Não sei exatamente o ano em que entrou, mas foi naquelas alturas da faculdade, esteve preso várias vezes. No seu funeral, tinha uma bandeira do PCP em cima do caixão. E era uma coisa que ele gostava seguramente de ter. Nunca tínhamos conversado sobre isso, mas tanto para mim como para o meu irmão aquilo foi perfeitamente aceite.

E António Costa também se lembra desde pequeno que está envolvido na política.

Sim. A mãe do meu irmão era uma pessoa muito ligada também à política. E eu tinha um tio do meu lado que era fundador do PSD e, portanto, estávamos todos muito juntos, toda a gente falava muito alto. Eram discussões um bocadinho pesadas. Aliás, nessa carta que escrevi ao meu irmão, acho que começa por aí, que eu fiquei uma vez surpreendido quando o meu irmão disse ao meu pai a expressão “os seus amigos sectários”. Eu não fazia a mínima ideia do que queria dizer “sectários”, eu era bastante mais novo. Nunca me esqueci dessa expressão, que fazia parte da guerra entre PS e PCP.

Mas quando é que decidiram parar de falar de política? Foi ainda antes disto, ou não?

Foi, por uma razão muito simples. Repito: isto nunca foi conversado. Acho que a parte em que o meu irmão esteve na Câmara de Lisboa foi bastante mais fácil, porque a câmara é uma coisa um bocadinho à parte.

Tu sempre fizeste política?

Eu tive um azar. Durante todo o meu tempo de faculdade queria ser jornalista de Internacional, entrei na profissão graças ao Público. Fui suficientemente estúpido — era muito puto — para me estar nas tintas para concorrer para entrar no Público, esqueci-me. Mas depois tive uma sorte: como saiu tanta gente do Expresso para o Público, eles precisavam de pessoas. Nomeadamente de estagiários. E a Ana Paula Azevedo estava já no Expresso. Ela entrou muito nova, tinha estado no Europeu, e eles disseram: “Arranja aí uns colegas teus de faculdade que queiram vir para aqui e tal”. E, na altura, fui eu, o Reinaldo Serrano, o António Tadeia, a Cristina Figueiredo… E eu queria ir para o Internacional e ia para uma entrevista com uma pessoa do Internacional do Expresso, acho que o Carlos Santos Pereira. Foi uma situação anedótica: estive durante para aí quatro ou cinco dias a ler seis meses da secção de internacional do Expresso. Na altura, se me perguntassem quem era o ministro da Defesa búlgaro, ou o ministro das Finanças polaco eu sabia tudo. E quando lá cheguei o Carlos Santos Pereira tinha ido para o Público. Portanto, não fui examinado, sequer. Foi uma grande frustração. E o José António Lima disse: “Ah, não faz mal. Vais ali para a política”. Pronto, OK. Eu sabia de política, lia tudo, mas não era a coisa que mais me apetecesse fazer. E depois estive sempre na política.

Mas, como disse, a parte da Câmara foi muito mais fácil. Embora as câmaras municipais, e a de Lisboa em particular, estejam muito no radar noticioso, não é a mesma coisa. As questões governamentais são diferentes. E por isso é que já há muitos anos, quando o meu irmão foi ministro dos Assuntos Parlamentares e depois da Justiça nós deixámos naturalmente de falar sobre os temas.

Mas porque havia conflitos? Vocês zangavam-se?

Não, por uma razão muito simples: porque há uma questão de informação básica. Repara, uma pessoa que faz parte de um conselho de ministros obviamente tem acesso a tudo o que lá se passa e sabe 300 mil coisas. E, portanto, não posso usar essa pessoas como fonte de maneira alguma. Nem que seja em meia dúzia de conversas laterais, isso não faz rigorosamente sentido nenhum: porque quebrava-se uma confiança profissional do lado dele e ao mesmo tempo do meu lado como jornalista. Hoje estou bastante mais recuado nesse tipo de relação, isso também me facilita a vida.

Mas vocês deixaram de falar sobre política, também não falam muito se calhar sobre futebol, porque um é do Sporting e o outro do Benfica…

Isso é diferente. Às vezes há casos em que falamos de política retroativamente. Ou seja, coisas que se passaram há muitos anos. Acho que a última vez que liguei ao meu irmão por uma razão de política foi… não sei se foi quando foi a demissão do António Vitorino. Mas depois percebi que aquilo também era constrangedor, não tinha grande lógica, não lhe podia estar a ligar, não fazia sentido. Hoje em dia estou bastante protegido. Também montei as coisas assim. E é o mérito das pessoas que trabalham comigo. Trabalho com um número suficiente de pessoas — jornalistas, editores e diretores — que têm as suas fontes e contactos.

Isso era uma coisa que te queria perguntar. Foste diretor do Expresso, mas saíste aí no início de 2016.

E ainda bem que saí.

Mas essa saída aconteceu porque o teu irmão na altura já era primeiro-ministro?

Não, mas ainda bem que saí. Não sei se as coisas teriam, apesar de tudo, sido geridas como foram se tivesse continuado no Expresso. Por uma razão muito simples: o Expresso, por ser um jornal muito político, tem uma fricção permanente com os governos que é maior do que uma televisão. As pessoas que não estão no meio podem não perceber isso, mas é verdade. No Expresso, a probabilidade de uma pessoa se zangar com um político é muito mais alta. Eu estive 17 anos na SIC, tinha estado antes no Expresso três anos. Quando voltei para o Expresso, ao fim de um ano ou dois, tinha-me zangado ou tido quezílias com mais políticos do que em 17 anos de SIC. É um sítio onde a fricção é muito mais permanente, onde o choque é maior.

Mas a saída não teve nada a ver com isso. Teve a ver com um convite/intimação. Eu trabalho há 30 anos no mesmo sítio, com a sorte de ter mudado muitas vezes de funções e até de órgão de comunicação social. Mas trabalho no mesmo grupo — ainda não era grupo sequer — faz agora exatamente 30 anos. Houve ali uma altura em que me convidaram/intimaram — como eu costumo dizer, faço um bocado parte da mobília — e disseram: “Agora vais para ali”. E havia um projeto depois de futura integração de redações no mesmo espaço.

Que já foi concretizado. E aí tu saíste de diretor do Expresso e foste para diretor-geral de informação da Impresa.

Pediram-me para ir para isso e assumir as coisas um pouco a partir da SIC. E foi por isso que fui para a SIC. A SIC é uma redação grande e tem pessoas que tratam dessas coisas.

Há um caso muito curioso. Suponho que tenhas estado envolvido na escolha do João Vieira Pereira para diretor do Expresso.

Sim.

E o João Vieira Pereira teve um conflito fortíssimo com o António Costa.

Sim, mas isso a mim não me interessa nada. O meu irmão também não escolhe ministros a presumir se se dão comigo ou não. Não vou estar agora a falar dos ministros um a um, mas se calhar não concordo com todas as escolhas.

Aquele caso dos SMS foi muito violento.

Foi. E, atenção, na altura eu era diretor do Expresso.

E o António Costa, não sei se continua a cumprir ou não essa promessa, mas disse que nunca mais voltava a falar com ele.

Não sei. Isso só perguntando aos próprios. Não é uma questão que me preocupe.

E em relação à tua opinião? Estás numa posição mais recuada, mas continuas a aparecer na SIC e a escrever opinião no Expresso. Alguma vez te contiveste?

Não, não me contenho. O que me condiciona às vezes são certos temas, não ao ponto de não escrever, mas obviamente hoje em dia, do ponto de vista da minha opinião, tento recuar um bocadinho. Essa é a questão em que me sinto mais condicionado. Ou seja, acho que as pessoas que trabalham comigo — não quero falar em nome delas — não se sentem minimamente condicionadas.

Nesta fase eu trato mais de questões logísticas: organização da noite de eleições, dos debates… Mas eu não preparo debate nenhum com ninguém. Não me sento com a Clara de Sousa a preparar um debate. Mas repito: não me sento a fazer isso porque as coisas estão organizadas. Há pessoas suficientemente preparadas e capazes em todos os níveis para tratar do assunto. Não há nenhum repórter da SIC que se sinta minimamente preocupado em fazer isto ou aquilo quando está na campanha eleitoral em Aguiar da Beira.

Só quando dás a tua opinião é que não, certo?

Sim, repara: o meu irmão foi à SIC. Quem o foi receber? Quem vai lá estar a recebê-lo, normalmente, é o José Gomes Ferreira ou o Bernardo Ferrão. Mas, se me permites, são eles que o aturam todo o ano. Não é só naquele momento, ou seja, não é um simples “Eu não vou ali”. São eles que o aturam e falam com ele. Não sou eu. Agora, na opinião, nunca me senti no ponto de não poder escrever alguma coisa. Sempre escrevi, até ao momento. Às vezes, tento recuar um pouco nos temas. Mas isso também acontece porque há muita gente a escrever, se quisermos, numa linha da frente, de coisas muito do dia a dia. Às vezes tento recuar um bocadinho, se calhar faço textos um bocado mais chatos, é possível. Admito que sim. Mas não me sinto muito constrangido até ao ponto que eu acho que limite a minha atividade. Repito: no dia em que isso acontecer, vou fazer outra coisa. Não tenho problema nenhum com isso. Mas nenhum. Tenho sempre um plano B na cabeça. E não é por o meu irmão ser primeiro-ministro. Um plano B no sentido de saber que me acontece se amanhã deixar de ser jornalista.

E o que é que vais fazer, já agora?

Não digo. Até porque já foi mudando. Houve alturas em que achava que ia ser cervejeiro, agora já não porque já toda a gente é cervejeiro (risos). Portanto, se houver um momento em que me sinta completamente condicionado… Uma pessoa quando é jornalista, mas sobretudo quando é diretor de informação, tem que se sentir minimamente apoiado ou reconhecido em três frentes: um, para o público; dois, para as pessoas com quem trabalha, a redação; três, para a administração/accionistas. Portanto, em algum momento em que eu sinta que essa confiança se rompeu — nesta coisa de geometria variável tripartida — de uma forma séria obviamente que terei que ir à minha vida.

José Sócrates: a fama de “menino rico” e a entrevista falhada na prisão

Existe ou não um problema de excessiva proximidade entre jornalistas e pessoas com poder em Portugal ao ponto de durante muito tempo não terem visto aquilo que deviam ter visto?

Não e sim. Parece uma resposta à político. Sim, há proximidade, e é óbvio que houve uma proximidade que não foi boa. Dois: sou amigo de políticos de vários partidos diferentes e essa proximidade nunca me prejudicou nem nunca me complicou a vida. Aliás, zanguei-me com alguns ao longo da vida, quer na SIC, quer no Expresso. Por exemplo, eu fui chamado à ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) quando foi aquela coisa das pressões do Sócrates. E eu achei aquele processo ridículo. Outras pessoas não acharam, houve depoimentos muito diferentes do meu, como o do José Manuel Fernandes e de outras pessoas. Mas eu tive imensos telefonemas do Sócrates, conheço-o desde não sei se 1989 ou 1991. Quando ele foi eleito deputado eu era um jornalista júnior do Expresso. Ele sentava-se na última fila do parlamento e eu, esses tipos da última fila dessa altura, trato-os quase todos por tu. Não o vejo há muitos anos, se calhar felizmente, porque agora acho que provavelmente nem nos tratamos de maneira nenhuma — nem por tu nem por outra coisa qualquer. Duvido que ele me fale, e eu também não tenho nenhum interesse em lhe falar. Mas eu, ao logo da vida, porque o conhecia, recebi imensos telefonemas do Sócrates pelos temas mais estapafúrdios. E entravam-me por um ouvido e saíam-me por outro. Ou mandava-o passear, quando ele não tinha razão. E não me lembro de alguma vez que tivesse, mas admito que houvesse algum momento em que tivesse razão. Nesse processo, vi alguns colegas meus que se queixavam de coisas que eram completamente normais. O problema é que depois havia outras que provavelmente eram anormais. Comigo não se passou nenhuma anormal. Houve um telefonema em que eu estava a arranjar-me, tinha acabado de tomar banho: tive tempo de me vestir, fazer a barba, tomar o pequeno-almoço e o Sócrates continuava a falar. Já não me lembro sobre o que era. Provavelmente, alguma coisa por causa da licenciatura. O tipo devia ir no carro, então ia com tempo e ficou para ali a debitar não sei quantas coisas. Eu disse “Está bem, está bem”, desliguei o telefone e fui à minha vida. Nunca mais me lembrei do Sócrates. It comes with the job. Quando uma pessoa é diretora de informação às vezes leva com telefonemas de um primeiro-ministro zangado, de um líder da oposição, de um empresário, de um sindicalista, o que seja. Uma pessoa pode ter telefonemas do Arménio Carlos — por acaso só uma vez é que me ligou e até tinha razão. Agora, o que eu achei nessa altura é que houve muita gente a tratar telefonemas absolutamente normais como se todos fossem anormais.

E é preciso fazer essa distinção.

Sim. Não podemos achar que fazemos tudo bem, porque não fazemos. E não podemos achar que não podemos receber um telefonema. Podemos — nem todos os telefonemas são pressões, e nem todas as pressões são violentas ou graves. E é óbvio que estou a falar de uma pessoa que teve muitas pressões violentas e graves, mas no caso…

Em relação a ti, não.

Não é só em relação a mim. É que eu acho que no caso… Aí tem a ver com o grupo onde eu trabalho, e não é por acaso se calhar que trabalho lá há tantos anos. Porque acho que, na SIC ou no Expresso, é muito difícil que essas coisas tenham qualquer efeito.

"Quando conheci o Sócrates em 1991, ele já tinha uma fama no PS de menino rico. Não sei quem inventou isso, mas era um pouco a ideia que tínhamos."

Alguma vez imaginaste que José Sócrates poderia ser aquilo que hoje nós desconfiamos que ele seja?

Não. Do ponto de vista do dinheiro, e da questão do seu amigo Santos Silva, não. Quando conheci o Sócrates em 1991, ele já tinha uma fama no PS de menino rico. Não sei quem inventou isso, mas era um pouco a ideia que tínhamos. Portanto, de facto, durante muitos anos acreditei naquela teoria de que era dinheiro da mãe, do avô, etc. Porque ele era um tipo que tinha essa fama.

E era ostensivo?

Não, na altura não era. Ele fazia ski… Na altura o Sócrates não se vestia como se vestiu depois. Atenção, nessa altura não era nenhum fashion icon nem nada do que se pareça.

Ainda não pertencia ao Sexy Platina.

Não, nada disso. Mas tinha fama de ser uma pessoa que tinha dinheiro. A primeira vez que me lembro de uma coisa mais ostensiva foi uma vez em que fui entrevistar António Guterres no gabinete do então primeiro-ministro. Guterres tinha um computador espetacular em cima da secretária, sendo que o Guterres não utilizava computadores — ele e o Paulo Portas foram mesmo os dois últimos portugueses a aprender a utilizar um computador e a enviar SMS. E eu disse: “Você tem aqui um computador caro. E bom”. E ele respondeu: “Foi o Sócrates, que mo deu quando fiz anos”. E o Guterres usou uma expressão qualquer do género: “Sabe como é, o tipo é rico e deu-me o computador. Porque quer ensinar-me a trabalhar nisso”. Mas eu também achei aquilo normal — o próprio Guterres disse “O tipo é rico”. Na altura, repito, dei zero importância ao assunto. A primeira vez que eu disse “há aqui qualquer coisa que não bate certo” foi na história da montra de Rodeo Drive.

É melhor enquadrar isso para as pessoas que não se lembram.

É quando há uma loja muito cara, onde uma pessoa tem um personal shopper…

… em Los Angeles, nos Estados Unidos…

Uma loja onde ninguém está ali para gastar 50 euros. E o nome de Sócrates estava na montra — essa loja tinha na montra os nomes dos seus grandes clientes. Está lá o nome do príncipe X, do CEO do Goldman Sachs, e estava o primeiro-ministro de Portugal. E eu aí achei estranho porque estamos a falar de lojas onde qualquer fato custará no mínimo cinco ou seis mil euros. Para alguém ter ali o nome é porque fez compras avultadas. Foi o momento em que se fez um click na minha cabeça do ponto de vista de que havia ali alguma coisa que não batia certo. Mas não imaginava minimamente o que se ia passar a seguir.

Mesmo com todos os casos que surgiram naquele tempo?

Os casos que tinham surgido antes mostravam um padrão comportamental, um padrão de seriedade. Sobre isso não tenho dúvidas. Daí a uma pessoa poder ser acusada de ter não sei quantas dezenas de milhões de euros vai uma certa distância.

Ficaste surpreendido quando ele foi detido, em novembro de 2014?

Só não fiquei totalmente surpreendido porque uns dias antes já alguns colegas meus, bem informados, estavam na pista disso. Mas claro fiquei surpreendido. Tanto que nessa noite fui à SIC comentar e lembro-me que quando se falou da questão dos 20 milhões de euros fiquei completamente surpreendido com o valor. Eu estava a leste dessa parte do processo. Mas não tenho dúvidas em dizer que aquilo é o caso mais grave da democracia portuguesa.

E achas que esse caso até agora foi levado com a seriedade necessária?

Por quem? Por mim foi de certeza. Tomei aliás uma decisão radical — tomámos em conjunto, mas no limite a última decisão foi minha — quando fizemos um trabalho sobre a Operação Marquês…

… em que mostraram os vídeos dos interrogatórios.

Tomámos a decisão de usar algumas partes dos vídeos, mas completamente expurgadas de questões pessoais, íntimas, jocosas, etc. Aquilo deu muito trabalho ao Luís Garriapa, à Amélia Ramos, à Sara Oliveira. Aquilo foi muito trabalhado jornalisticamente. Tomámos essa decisão exatamente porque o caso era absolutamente excecional sob todos os pontos de vista. E as pessoas que olham para isto como “é mais um caso” não estão a brincar comigo, estão a brincar com o país. Não é mais um caso. Claro que não podemos confundir — sempre foi a grande discussão que tive com outros jornalistas e também escrevi um artigo de resposta a vários artigos que foram publicados na altura…

… houve colunistas que se insurgiram contra o facto de a SIC ter transmitido aquelas imagens, que eram imagens de interrogatório.

Fiz uma brincadeira com um texto do Vicente Jorge Silva, que se chamava “Isto não é jornalismo”, e escrevi um texto chamado “Isto não é não jornalismo”. As pessoas não podem confundir dois planos. Um é o da inocência até prova em contrário. Nenhuma discussão sobre isso: as coisas têm que seguir os trâmites legais e os recursos todos que existirem e, até o processo transitar tudo em julgado, a pessoa não é culpada. Outro plano é os jornalistas acharem que são historiadores e não podem acompanhar um caso quando ele está em investigação, em acusação ou em fase de inquérito. Isso é uma coisa completamente absurda. Sobretudo depois de a acusação estar cá fora. Não é tomar a acusação como a verdade, como é óbvio. Até porque a acusação tem um defeito, que é o meu maior medo neste caso. E quando digo o maior medo, não estou a dizer que Sócrates tem de ser condenado — embora eu ache que vai ser condenado e deve ser condenado. Estou a dizer uma coisa diferente: este caso tem que decorrer e acabar sem grande margem para dúvidas. Isso era o melhor para a democracia portuguesa. Devia ser um caso absolutamente exemplar e blindado. E eu tenho algumas dúvidas, por uma razão muito simples. Toda a questão do branqueamento de capitais e da fraude fiscal é facílima de acusar e, presumo, de provar. Até uma criança da quarta classe percebe. Já na parte da corrupção, colocar dentro do mesmo processo toda a parte do BES e da PT é, na minha opinião, um salto muito arriscado do ponto de vista conceptual. Tenho medo que isso faça com que o processo se torne mais frágil nalgumas partes e mais complexo. E que venhamos a entrar num processo tão confuso que, no fim, as pessoas não percebem e possa haver uma parte grande da população — maluquinhos há sempre — que aceite que a tese de que isto era tudo uma cabala.

A maior parte das pessoas hoje em dia não tem grande dúvida acerca da culpabilidade de José Sócrates.

Não, isso não. Mas quando entras na questão da OPA à PT e do BES, a questão é mais complicada de ligar. Dito isto, espero que este caso avance para tribunal de uma forma exemplar. O pior que podia acontecer para a nossa democracia era que esse caso acabasse e 20 anos depois ainda fosse discutido como uma coisa politizada, como aquelas pessoas que tentam fazer comparações com o Lula. Não gosto de fazer críticas à concorrência, mas quando a TVI pôs o Sócrates a comentar o caso Lula fiquei… Isto é a loucura total.

Satisfaz-me uma curiosidade que mete também a TVI. A SIC estava na linha da frente para conseguir a primeira entrevista a José Sócrates depois da detenção e acabou por ser ultrapassada pela TVI…

Não era a SIC, era o Expresso. Aliás, acho que foi a última vez que falei com Sócrates ao telefone. E foi um telefonema histórico. Ele fala com o Bernardo Ferrão e marca uma conversa — a cadeia tem uma hora a que se pode telefonar. Às 15h, estamos sentados numa sala do Expresso com o telefone em alta voz. E é uma cena que devia ser filmada. Ele estava a ligar-nos da prisão! Não fomos as primeiras, mas fomos das primeiras pessoas a quem ele ligou. Eu estava nesse telefonema porque era o diretor do Expresso e aquilo tinha de ser tratado a um nível diferente — o Bernardo era editor de política. E ele disse que gostava de dar uma entrevista ao Expresso e eu respondi: “Sim senhor, uma entrevista a um primeiro-ministro preso tem um valor jornalístico indiscutível”. E ficámos ali de acertar como é que isso se fazia: tínhamos de ir tratar com o advogado dele, tínhamos de pedir autorização à Direção Geral de Serviços Prisionais, ainda discutimos quem fazia a entrevista. Mas ele queria dar a entrevista ao Expresso. A partir daí, as coisas correram mal. Ao fim de uma semana ou duas percebemos o jogo dele: havia temas que não queria abordar. Então, publicámos as perguntas todas que lhe queríamos fazer numa página inteira do Expresso. Trabalhámos com o Micael Pereira e com o Rui Gustavo, as pessoas que conheciam bem o caso. Fizemos a lista das perguntas todas possíveis à época, porque entretanto houve coisas que se souberam depois.

As perguntas essenciais estão lá.

As essenciais estavam lá. E porque é que nós publicámos aquilo? Porque sabíamos que, se a entrevista avançasse, ele ia dizer que não queria falar disto ou daquilo… E isso para nós era absolutamente inaceitável. A partir do momento em que colocámos as perguntas cá fora, a coisa acabou. Acabou porque ele já não podia aceitar aquelas perguntas todas. Achava as perguntas, como ele dizia, “um ultraje”, “um ataque”, aquelas coisas. Como nós o conhecíamos, e o conhecíamos bem, avançámos com as perguntas antes. Também não queríamos ficar com uma entrevista ao serviço de uma pessoa que estava presa. Isso não podia ser.

Achas que isso aconteceu na TVI?

Não. Eu não conheço as condições da entrevista da TVI. A única coisa que posso dizer é que nunca faria — e acho que nenhum jornalista devia aceitar fazer — uma entrevista a um primeiro-ministro naquelas condições com qualquer tipo de condição de tema. Em nenhuma circunstância. Por razões óbvias. As mesmas razões que levaram o Expresso a colocar as questões todas cá fora. Tínhamos de fazer uma entrevista com as perguntas todas. Depois, houve uma segunda guerra importante. Nós pusemos em tribunal a Direção-Geral dos Serviços Prisionais por nos ter proibido a entrevista com um ato administrativo sem nenhum tipo de justificação. Ganhámos e recebemos uma indemnização. Recebi eu, porque aquilo tinha de ser recebido individualmente, o que é uma coisa bizarra — e entreguei o dinheiro à Casa de Imprensa. Ainda foram uns milhares de euros. Espero que isso tenha servido de exemplo, para as entidades administrativas no futuro, que podem aceitar ou recusar entrevistas, mas têm que fundamentar. Vendo hoje, ainda bem que o Expresso não fez a entrevista ao Sócrates porque a única entrevista que queríamos fazer era aquela que publicámos. A TVI depois fez uma entrevista, repito, não sei que condições pôs ou não. Eu às vezes dou graças a Deus não ter tido uma entrevista com José Sócrates.

A queda de Ricardo Salgado

Disseste há pouco que conheceste praticamente todos os protagonistas que estiveram envolvidos nestes escândalos…

Não conhecia Carlos Santos Silva.

Não estou a falar apenas de Sócrates, estou a falar também de Ricardo Salgado, Zeinal Bava, tudo isso. Vocês falharam, os que estavam mais próximos daqueles casos? Ou era impossível de ver?

Estamos a falar de um caso de corrupção em que muitas coisas não eram visíveis. No caso de Sócrates, há umas coisas ali na ponta final, umas férias com os filhos na Suíça, quando ainda era primeiro-ministro. Mas não era um tipo muito ostensivo enquanto era primeiro-ministro.

Mas no caso de Salgado e das férias na neve com os jornalistas? Esse tipo de proximidade…

Eu nunca fui às férias na neve. Iam jornalistas de economia. Mas sinceramente aí acho que as pessoas estão a confundir muita coisa. Eu tive vários convites, almocei, tomei o pequeno-almoço sei lá, três ou quatro vezes com Ricardo Salgado, como tomei com outros banqueiros.

"Houve obviamente abusos e uma promiscuidade excessiva. Mas se as pessoas acham que quem tiver um convívio com o Zeinal Bava depois não é capaz de escrever sobre ele, estão malucas."

Mas não te levava a Nova Iorque para tomarem o pequeno-almoço.

Não, não me levava a Nova Iorque. Mas se me tivesse convidado para ir a Nova Iorque para alguma coisa que eu achasse importante, se calhar teria ido. Houve obviamente abusos e uma promiscuidade excessiva. Mas se as pessoas acham que quem tiver um convívio com o Zeinal Bava depois não é capaz de escrever sobre ele, estão malucas. Vê o meu caso com Manuel Pinho: conheci-o antes de ser ministro e fui das primeiras pessoas a escrever sobre o processo dele. E eu trato-o por tu, apesar de já não o ver há muito tempo. Já estive em casa do Manuel Pinho, conheço-o bem. Não tenho nenhum problema.

Isso não te afeta? Eu tento imenso evitar pequenos-almoços e almoços porque isso me afeta a mim enquanto colunista.

Mas aí, com todo o respeito, tu não és jornalista de andares a fazeres notícias, nem és editor ou diretor de um jornal. São coisas diferentes. Eu conheço o Zeinal Bava e trato-o por tu. Se o encontrar, trato-o por tu. Não tenho nenhum problema. Não sei se ele me quer falar, mas conheço-o bem. Nunca fui íntimo do Zeinal Bava, mas estive com ele em muitas circunstâncias. Cheguei aliás a jantar com ele no Brasil de calças de ganga e t-shirt, quando ele estava na Vivo. E uma vez estive com ele nos copos no Algarve, numa coisa qualquer coisa da Meo. Isso não tem nenum problema desde que eu tenha a capacidade de dizer deles o que eu acho que tenho de dizer ou escrever no momento em que tiver que o fazer. Vou dar-te outro exemplo: há muito tempo que não nos damos, mas sou amigo do Paulo Portas. Conheço o Paulo Portas há 200 anos, como conhecia o Miguel. O meu pai era muito amigo da mãe deles. E do Nuno também, mas sobretudo da mãe, da Helena Sacadura Cabral. E isso nunca me impediu de, nas mais variadas ocasiões, termos choques imensos. Depois, às vezes, volta e meia, fazíamos as pazes e almoçávamos. Eu já estive várias vezes em casa do Paulo Portas. Isso é-me completamente indiferente. Eu sei que sou capaz de…

… fazer essa separação.

Em casa do Francisco Louçã só estive uma vez (risos). Mas já estive em casa de vários ministros. Vou contar uma história que se passa comigo e com o João Vieira Pereira e que é muito importante. Quando começa o caso BES, fui eu que escrevi o primeiro artigo sobre a débâcle do Grupo Espírito Santo — sem saber que o estava a fazer, atenção, não me estou a armar em campeão. É um artigo que sai no Expresso em agosto — um ano antes da queda do BES — sobre a guerra entre Ricardo Salgado e Pedro Queiroz Pereira. E escrevi esse artigo porque me contaram a informação toda. O Pedro Queiroz Pereira andava a dizer nos restaurantes todos em Lisboa que o GES estava falido e que ele ia explicar isso a toda a gente. E eu pus-me ao caminho e consegui escrever um artigo. E escrevi o artigo sem perceber o que estava a escrever. O artigo contava que o Ricardo Espírito Santo estava a tentar ficar com a Semapa através… “comprando”, entre aspas, uma irmã do Pedro Queiroz Pereira que se tinha passado para o lado de Ricardo Salgado. Percebe-se agora porquê: porque ele precisava de uma cash cow. E a Semapa era uma mega cash cow.

E o artigo era bom, ultra-noticioso e até divertido, porque era uma guerra entre famílias ricas de Lisboa que chocavam forte e feio por causa do controlo de uma das grandes máquinas de fazer dinheiro em Portugal que era — e é — a Semapa. Aquilo de facto teve um grande eco, recebi não sei quantos telefonemas, estava de férias no Algarve quando escrevi esse artigo. Depois vim trabalhar e, na semana seguinte — e esta história é testemunhada por três pessoas –, o advogado do Pedro Queiroz Pereira, Jorge Bleck, foi ter comigo e com o João Vieira Pereira ao Expresso. E apareceu com uns grandes dossiês e fez uma pose e disse assim: “Bom, eu antes de começar tenho que vos perguntar: vocês querem mesmo abrir isto? Estão mesmo disponíveis?”. E depois dizia, com um lado um bocado teatral: “Porque isto é a queda do Grupo Espírito Santo!”. Nós todas as semanas recebemos pessoas que dizem “Tenho aqui isto que vai deitar abaixo o regime, que vai fazer cair o governo, que vai fazer cair o Presidente”. E ele disse aquilo duas ou três vezes — e estava mesmo a falar a sério. Depois, começámos a ver os papéis. Ele disse que se isto acontecer vai trazer sérios problemas ao Expresso porque é o fim do GES. E tinha razão. E nós escrevemos aquilo tudo, na altura. Depois com o Pedro Santos Guerreiro também — na altura o João e o Pedro até tinham uma espécie de quase compita, mas que foi altamente produtiva para o jornal. Tinham as fontes todas e o Expresso todos os dias dava 300 notícias sobre aquilo. E nós não tivemos problemas. E tanto o BES como a PT eram, se calhar, dos nossos maiores anunciantes — estavam seguramente no top 5 — e tanto eu como o João Vieira Pereira e o Pedro Santos Guerreiro conhecíamos todas aquelas pessoas e provavelmente tratávamo-las todas por tu. Eu não tratava o Salgado por tu, mas os outros sim.

Tenho uma última pergunta: a lista de jornalistas avençados do BES alguma vez existiu?

Eu não estava no Expresso nessa altura. Não vou estar agora a atirar… Estava na SIC. O artigo do Expresso — que tem, na minha opinião, um erro — diz que há uma lista de autarcas, empresários, gestores e jornalistas que estará nas mãos do Ministério Público. Eu, sinceramente, acho que o Expresso não devia ter escrito isso. Porque ninguém sabe se essa é lista é verdadeira, se é uma lista factual, se é uma lista testada. E ninguém sabe se a Justiça sequer lhe deu importância ou se a atirou para o lixo por achar que é uma coisa ridícula. Portanto, acho que o Expresso cometeu um erro ao escrever isso.

Mas, independentemente de a lista existir ou não, havia jornalistas avençados pelo BES?

Não faço a mínima ideia. Só posso dizer uma coisa: pessoas com quem eu trabalhei, não me passa pela cabeça que alguma tivessem algum tipo de relação dessa natureza. E quando as pessoas falam nas viagens à neve, há uma coisa que queria dizer. Trabalhei muitos anos com o Nicolau Santos e trabalho com o José Gomes Ferreira desde 1992 e tenho orgulho nisso. Só pessoas que nunca trabalharam com eles é que acham que o facto de eles poderem ter ido à neve algum dia os afetou minimamente no que quer que seja. Há jornalistas que gostam de ficar no sofá e dizer: “Eu não vou a lado nenhum, eu não bebo com ninguém, eu não converso com ninguém, eu não almoço com ninguém”. Isso é absurdo. Os jornalistas do New York Times ou do Guardian almoçam com deputados, com ministros, com banqueiros… Nós temos de ter as coisas muito bem arrumadas na nossa cabeça. Convém não confudir as coisas.

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