A espuma das palavras

09-09-2019
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Segunda - 20/5/19


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Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

Sondagem das europeias: crise? Qual crise?

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Contactos do autorFacebook Twitter Instagram Email

Ao
contrário do que pensaram os estrategas do PS e grande parte dos
comentadores, o impacto da crise da carreira dos professores parece ter
sido marginal. Quem lesse jornais e ouvisse televisão não o diria, mas
as opiniões até estão bastante divididas sobre a contagem integral do
tempo de serviços para os professores. 42% estão contra, 38% a favor e
20% não tem opinião. Quem olhasse para a opinião publicada julgaria que a
oposição era esmagadora. É verdade que a partidarite conta e temos,
contra o que seria normal, 57% dos eleitores do PSD a concordar com a
contagem integral e apenas 27% do PS com a mesma opinião. Mas é
igualmente interessante perceber que estando metade dos funcionários
públicos a favor da contagem (natural), 40% dos trabalhadores do privado
têm a mesma opinião. A estratégia de virar uns trabalhadores contra os
outros, que Passos Coelho usou bastante, talvez já não seja muito
eficaz. A diferença é mesmo feita pelos aposentados, esses sim
maioritariamente contra a exigência dos docentes.

Quem
sai pior deste caso é evidentemente a direita, com baixíssimas
avaliações quanto ao seu comportamento. As cambalhotas ou a perceção
delas não terão corrido bem. Curiosamente, o CDS é pior avaliado do que o
PSD. Mas a avaliação positiva do comportamento do Governo só é
esmagadora (77%) entre os eleitores do PS. Em termos gerais, o
comportamento do PS é avaliado como bom ou muito bom por 46% dos
eleitores. Nada de estrondoso.

O
caso das famílias nos gabinetes ministeriais parece ter sido muito mais
impactante. Durou mais tempo e, justa ou injustamente, é mais fácil de
perceber pelas pessoas. 83% dos eleitores ouviram falar dele e 65%
acharam os casos graves ou muito graves. Só 16% os acharam pouco ou nada
graves. De notar que entre os que acharam graves ou muito graves está
metade dos eleitores do PS.

E a verdade é que a recolha de intenções de voto antes e depois da crise não deteta qualquer mudança de comportamento eleitoral.
O PS sobe uns míseros 2% (de 34% para 36%), o PSD fica na mesma (28%), o
Bloco de Esquerda sobre um ponto percentual (9%) e a CDU e o CDS descem
de 9% para 8%, mantendo-se todos tecnicamente empatados. Os indecisos
até diminuem de 11% para 10%. O que aumenta? Os que dizem que se vão
abster, que passam de 41% para 47%. Foi esse o grande contributo desta
encenação de crise. Devo dizer que temos de ter em conta que, graças à
estrutura etária dos seus eleitores, o Bloco tende a ser mais punido se
abstenção for alta (assim como o PAN, que baixou dos 3% para os 2%) e o
PCP beneficiado. E as sondagens nunca apanham a real dimensão da
abstenção. Afinal de contas, as urnas reais não vão até às pessoas.

Os
casos das famílias tiveram muitíssimo mais impacto junto dos
portugueses do que a crise dos professores Apesar da avaliação negativa
das cambalhotas do PSD e do CDS, o caso pouco beliscou a direita e nem
se sentiu no BE e no PCP. O único efeito desta crise forçada foi
dificultar soluções futuras de Governo

Recordo
que nas últimas europeias o PS teve 31,4% (subiria cerca de 5%), o PSD
coligado com o CDS teve 27,7% (subiriam quase 10%, que corresponde, em
parte, à recuperação do voto em Marinho e Pinto), a CDU teve 12,7%
(desceria quase 5%, o que não acredito), o MPT 7,1% (Marinho Pinto
deverá desaparecer) e o BE teve 4,6% (quase duplicaria a sua votação,
que aconteceu num momento especialmente complicado na vida do partido).
Nas últimas legislativas, o PSD/CDS teve 38,4%, o PS teve 32,3%, o BE
teve 10,2% e a CDU teve 8,3%.

Nas
respostas sobre a situação económica, percebe-se que a avaliação
continua a ser positiva, mas cada vez mais morna, com a maioria a dizer
que as coisas estão na mesma em relação ao ano anterior. 53% fazem uma
avaliação positiva do Governo e apenas 37% uma avaliação negativa. E
pouco ou nada mudou entre fevereiro e os dois momentos antes e depois da
crise dos professores, em maio. O caminho para o abismo, com a sensação
de que o Estado se está a desmoronar, não tem qualquer base de apoio na
perceção das pessoas. É interessante verificar, aliás, que um terço dos
eleitores do PSD avalia a ação do Governo como boa ou muito boa. É a
economia, estúpido!

Mas não é
apenas Costa que ganha com esta avaliação. É curioso que os três
líderes mais populares sejam os da geringonça. Por esta ordem: António
Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Depois de Marcelo, claro.
Já Rui Rio é o menos popular entre os seus próprios eleitores, enquanto
Assunção Cristas é a mais popular entre os seus. No caso de Cristas, é
interessante verificar que é a líder mais impopular dos cinco e a que
mais é apreciada pelos seus. É um dado que vem de antes: polariza e
agrada sobretudo aos convencidos. Boa para segurar eleitores, nem por
isso para aproveitar o pouco entusiasmo causado por Rui Rio e fazer
crescer o CDS.

Os partidos
da geringonça continuam tão bem como estavam e isso parece ter muito
mais a ver com a situação económica do que com qualquer das novelas que
entretêm o mundo político e mediático. Se os resultados forem os que
estão nesta sondagem, o PS e o Bloco sobem em relação às europeias e o
PCP desce, mas as europeias tendem, graças à abstenção, a beneficiá-lo
no dia do voto em relação às previsões. Como sempre achei que
aconteceria, os casos das famílias tiveram muitíssimo mais impacto junto
dos portugueses do que a crise dos professores, na qual as opiniões das
pessoas estão muitíssimo mais divididas do que a opinião publicada
faria prever. O caso das famílias prolongou-se no tempo e é de fácil
julgamento moral para a maioria das pessoas. A crise forçada durou um
fim de semana, não foi fácil de perceber e os professores até parecem
contar com a compreensão da maioria dos trabalhadores. Apesar da
avaliação negativa das cambalhotas do PSD e do CDS, o caso pouco
beliscou a direita e nem se sentiu no BE e no PCP. A recolha de votos
feita antes e depois da crise, pelo ISCTE, mostra que isso não teve
qualquer impacto na intenção de voto. Só um: aumentou o número de
previsíveis abstencionistas. Talvez, a partir daqui, se aconselhe mais
cuidado na dramatização das crises para fins eleitorais. O único efeito
desta crise forçada foi dificultar soluções futuras de Governo. Como AQUI
escreveu David Dinis, Costa pode ter perdido o futuro mas, ao contrário
do que quase todos pensaram, não foi com isto que ganhou a campanha.


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Antes pelo contrário

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contrário do que pensaram os estrategas do PS e grande parte dos
comentadores, o impacto da crise da carreira dos professores parece ter
sido marginal. Quem lesse jornais e ouvisse televisão não o diria, mas
as opiniões até estão bastante divididas sobre a contagem integral do
tempo de serviços para os professores. 42% estão contra, 38% a favor e
20% não tem opinião. Quem olhasse para a opinião publicada julgaria que a
oposição era esmagadora. É verdade que a partidarite conta e temos,
contra o que seria normal, 57% dos eleitores do PSD a concordar com a
contagem integral e apenas 27% do PS com a mesma opinião. Mas é
igualmente interessante perceber que estando metade dos funcionários
públicos a favor da contagem (natural), 40% dos trabalhadores do privado
têm a mesma opinião. A estratégia de virar uns trabalhadores contra os
outros, que Passos Coelho usou bastante, talvez já não seja muito
eficaz. A diferença é mesmo feita pelos aposentados, esses sim
maioritariamente contra a exigência dos docentes.

Quem
sai pior deste caso é evidentemente a direita, com baixíssimas
avaliações quanto ao seu comportamento. As cambalhotas ou a perceção
delas não terão corrido bem. Curiosamente, o CDS é pior avaliado do que o
PSD. Mas a avaliação positiva do comportamento do Governo só é
esmagadora (77%) entre os eleitores do PS. Em termos gerais, o
comportamento do PS é avaliado como bom ou muito bom por 46% dos
eleitores. Nada de estrondoso.

O
caso das famílias nos gabinetes ministeriais parece ter sido muito mais
impactante. Durou mais tempo e, justa ou injustamente, é mais fácil de
perceber pelas pessoas. 83% dos eleitores ouviram falar dele e 65%
acharam os casos graves ou muito graves. Só 16% os acharam pouco ou nada
graves. De notar que entre os que acharam graves ou muito graves está
metade dos eleitores do PS.

E a verdade é que a recolha de intenções de voto antes e depois da crise não deteta qualquer mudança de comportamento eleitoral.
O PS sobe uns míseros 2% (de 34% para 36%), o PSD fica na mesma (28%), o
Bloco de Esquerda sobre um ponto percentual (9%) e a CDU e o CDS descem
de 9% para 8%, mantendo-se todos tecnicamente empatados. Os indecisos
até diminuem de 11% para 10%. O que aumenta? Os que dizem que se vão
abster, que passam de 41% para 47%. Foi esse o grande contributo desta
encenação de crise. Devo dizer que temos de ter em conta que, graças à
estrutura etária dos seus eleitores, o Bloco tende a ser mais punido se
abstenção for alta (assim como o PAN, que baixou dos 3% para os 2%) e o
PCP beneficiado. E as sondagens nunca apanham a real dimensão da
abstenção. Afinal de contas, as urnas reais não vão até às pessoas.

Os
casos das famílias tiveram muitíssimo mais impacto junto dos
portugueses do que a crise dos professores Apesar da avaliação negativa
das cambalhotas do PSD e do CDS, o caso pouco beliscou a direita e nem
se sentiu no BE e no PCP. O único efeito desta crise forçada foi
dificultar soluções futuras de Governo

Recordo
que nas últimas europeias o PS teve 31,4% (subiria cerca de 5%), o PSD
coligado com o CDS teve 27,7% (subiriam quase 10%, que corresponde, em
parte, à recuperação do voto em Marinho e Pinto), a CDU teve 12,7%
(desceria quase 5%, o que não acredito), o MPT 7,1% (Marinho Pinto
deverá desaparecer) e o BE teve 4,6% (quase duplicaria a sua votação,
que aconteceu num momento especialmente complicado na vida do partido).
Nas últimas legislativas, o PSD/CDS teve 38,4%, o PS teve 32,3%, o BE
teve 10,2% e a CDU teve 8,3%.

Nas
respostas sobre a situação económica, percebe-se que a avaliação
continua a ser positiva, mas cada vez mais morna, com a maioria a dizer
que as coisas estão na mesma em relação ao ano anterior. 53% fazem uma
avaliação positiva do Governo e apenas 37% uma avaliação negativa. E
pouco ou nada mudou entre fevereiro e os dois momentos antes e depois da
crise dos professores, em maio. O caminho para o abismo, com a sensação
de que o Estado se está a desmoronar, não tem qualquer base de apoio na
perceção das pessoas. É interessante verificar, aliás, que um terço dos
eleitores do PSD avalia a ação do Governo como boa ou muito boa. É a
economia, estúpido!

Mas não é
apenas Costa que ganha com esta avaliação. É curioso que os três
líderes mais populares sejam os da geringonça. Por esta ordem: António
Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Depois de Marcelo, claro.
Já Rui Rio é o menos popular entre os seus próprios eleitores, enquanto
Assunção Cristas é a mais popular entre os seus. No caso de Cristas, é
interessante verificar que é a líder mais impopular dos cinco e a que
mais é apreciada pelos seus. É um dado que vem de antes: polariza e
agrada sobretudo aos convencidos. Boa para segurar eleitores, nem por
isso para aproveitar o pouco entusiasmo causado por Rui Rio e fazer
crescer o CDS.

Os partidos
da geringonça continuam tão bem como estavam e isso parece ter muito
mais a ver com a situação económica do que com qualquer das novelas que
entretêm o mundo político e mediático. Se os resultados forem os que
estão nesta sondagem, o PS e o Bloco sobem em relação às europeias e o
PCP desce, mas as europeias tendem, graças à abstenção, a beneficiá-lo
no dia do voto em relação às previsões. Como sempre achei que
aconteceria, os casos das famílias tiveram muitíssimo mais impacto junto
dos portugueses do que a crise dos professores, na qual as opiniões das
pessoas estão muitíssimo mais divididas do que a opinião publicada
faria prever. O caso das famílias prolongou-se no tempo e é de fácil
julgamento moral para a maioria das pessoas. A crise forçada durou um
fim de semana, não foi fácil de perceber e os professores até parecem
contar com a compreensão da maioria dos trabalhadores. Apesar da
avaliação negativa das cambalhotas do PSD e do CDS, o caso pouco
beliscou a direita e nem se sentiu no BE e no PCP. A recolha de votos
feita antes e depois da crise, pelo ISCTE, mostra que isso não teve
qualquer impacto na intenção de voto. Só um: aumentou o número de
previsíveis abstencionistas. Talvez, a partir daqui, se aconselhe mais
cuidado na dramatização das crises para fins eleitorais. O único efeito
desta crise forçada foi dificultar soluções futuras de Governo. Como AQUI
escreveu David Dinis, Costa pode ter perdido o futuro mas, ao contrário
do que quase todos pensaram, não foi com isto que ganhou a campanha.

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