Poesia: CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (58): Crónica "No Centenário das Aparições"

15-04-2019
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NO
CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES

Há,
sobejamente, produção literária que chegue sobre as aparições na Cova da Iria. Mas
a tentação de escrever é enorme, até porque a temática dá visibilidade e “vende”,
como se vende tudo o que se relacione com o evento, tornando-o um excelente
negócio. Há os que escrevem, em vários géneros e estilos, para desmistificar e
até apontar o “fenómeno” como uma fraude e outros que, de uma forma apaixonada,
valorizam a fé e apontam o local como o “Altar do Mundo”.

Na
atualidade, não tenho condições, nem vontade, para investigar e procurar aquilo
que seria a minha “verdade” e depois escrever sobre o assunto. Não quero ser
mais um a escrever e acabar por não dizer nada. Negócio com a escrita não faço,
daí estar mais à vontade para o fazer, sem quaisquer contrapartidas financeiras
nem outras motivações, inclusive religiosas. Há a noção que escrever uma
crónica é diferir a notícia. É sob a forma de crónica que o farei, adoçando-a
(ou talvez a azedando) com um pouco do meu sentir, sem o intuito de querer
influenciar a crença, ou não crença, de cada pessoa que vier a ler este texto.

Lembro-me
que ao longo das minhas duas décadas de vida sempre pairou no ar a ideia de
fraude, vindo de várias fontes. Procurei documentar-me e ler sobre o assunto; foram
várias a obras e, na primeira, calhou-me em “sorte” o livro “Fátima
Desmascarada” de João Ilharco, que tem como subtítulo “A verdade histórica
acerca de Fátima documentada com provas”. O livro enumera uma enormidade de
contradições, induzindo o leitor a que tudo não passou de uma trapaça. Chega a
ser referido que António Santos – conhecido como o “abóbora” –  pai de Lúcia, uma das três crianças que dizem
ter avistado e falado com Nossa Senhora ou Senhora do Rosário, mencionou o
seguinte ao filho de Artur Oliveira Santos, administrador do concelho, que em
agosto de 1917 terá interrogado as crianças: “O senhor administrador não
acredite na minha filha, que ela é uma intrujona”. A seguir, foi a obra de Urbano
Duarte, diretor do Correio de Correia, que intitulou “Desmascarado o autor de Fátima
Desmascarada”, como resultado de troca de opiniões entre ambos. Depois surgiu o
livro “Fátima Nunca Mais”, do padre Mário Oliveira, como resultado do escândalo
gerado pela resposta “Não”, que deu num debate, ao perguntarem-lhe: “Acredita
nas aparições de Fátima?”. E mais se seguiram… até que, por uns tempos, resolvi
abrandar com este tipo de pesquisas, que me faziam despender tempo e energias. Em
ano de comemoração do centenário, o mercado literário reanima-se e destaco apenas
duas obras saídas recentemente: “Fátima - Milagre, Ilusão ou Fraude”, de Len
Port, jornalista (cético) da Irlanda do Norte, em que a editora Guerra &
Paz / Clube do livro SIC, apresenta-o como “um livro intenso e polémico,
destinado a informar e provocar mentes abertas e curiosas.   “A
Senhora de Maio – Todas as perguntas sobre Fátima”, de António Marujo, com o
prémio Jornalista Europeu de Religião do Ano (1995 e 2006), o qual foi
atribuído pela Conferência de Igrejas Europeias, e de Rui Paulo da Cruz; uma
das muitas perguntas formuladas nesta obra é “Fátima é fruto da imaginação de
três crianças e da imposição do Clero ou revela uma forte experiência espiritual?”

Pelos
meus treze anos também tive uma forte experiência, que poderia ter sido fatal,
mas que se revelou “mística” e, seguramente, contribuiu para aguçar a minha
curiosidade e promover o meu desenvolvimento espiritual. Como criança, não podia
passar por “intrujão”, pois só depois de casado é que fiz algumas revelações do
facto (e a poucas pessoas, com quem tinha intimidade). Também não estou a
imaginar o meu pai a desculpar-se do filho, por ser “intrujão”, embora a época
e a pressão exercida fossem diferentes.

Tenho
seguido o velho ditado: “Presunção e água benta, cada qual toma a que quer”. Felizmente,
tenho amigos em todos os quadrantes, alguns opostos, e tenho a tendência a
respeitar as suas opiniões; e longe de mim querer mudá-las. Mas um deles, que
se diz ateu, deixou escapar que lhe apareceu a avó, já falecida. Se um adulto, pessoa
em que não há razões para deixar de acreditar, ainda mais por se dizer ateu, refere
ter visto a avó já noutro plano, então parece fácil de aceitar que qualquer
outra entidade se possa manifestar, das mais variadas formas, e por que não a
mãe de Jesus de Nazaré, admitindo que a Senhora do Rosário avistada pelas
crianças seria ela?

Certo
é que Fátima tornou-se “obrigatório” nos circuitos turísticos na zona centro,
de que beneficia a região. Certo é que multidões de peregrinos, apesar do meu
tempo, acorreram ao local, a pé e por outras vias, provenientes de Portugal e
outras partes do mundo. Certo é que é escandalosa a especulação do comércio, em
torno de Fátima, nesta ocasião, desde preços proibitivos para uma simples dormida,
até um babete de criança, com qualquer alusão ao Papa. Certo é que o Papa
Francisco programou uma visita rápida a Fátima, para celebrar a comemoração do
centenário das aparições e canonizar Francisco e Jacinta, o que obrigou a mais
uma “revolução” na prática da Igreja Católica, tornando-as as únicas crianças,
não-mártires, a ser declaradas “santas”. Certo é que, com essa visita, o
governo de Portugal deu tolerância de ponto aos funcionários públicos no dia em
que o Papa Francisco chegou a Portugal, o que gerou muita polémica entre
deputados do maior partido que sustenta o governo, argumentando a “imaturidade
do regime” e por não mostrar a laicidade, que diz ter. Certo é que o Papa
Francisco, pela ousadia de querer mudar o status
quo, chegando a dar pedradas no charco com expressões como “É melhor ser ateu
do que um católico hipócrita” ou “Os ateus que seguem a sua consciência são
bem-vindos no céu” (que o Vaticano se apressou a desmentir a ideia), ele
próprio terá consciência de que o quererão matar. Certo é que, com base numa
notícia do jornal “Sol”, datada de 21 de dezembro de 2016, a visita do Papa
Francisco a Portugal obrigaria a um investimento de cerca de 100 milhões de
euros em infraestruturas das forças de segurança do país, tendo a ministra da
Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, referido que essa verba seria
“oriunda da venda de património que reverterá, exclusivamente, para a
requalificação das infraestruturas”. Certo é que Papa Francisco dirigiu-se ao
“querido povo português”, em português, num vídeo de 4 minutos, e diz vir a
Portugal como peregrino ao Santuário de Fátima, “na esperança e na paz”, para
rezar por todos “sem excluir ninguém” [não o fazendo, portanto, na qualidade de
chefe de estado].

Bem-vindo,
Papa Francisco – homem que admiro, particularmente pela sua coragem!

© Jorge Nuno (2017)  

NO
CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES

Há,
sobejamente, produção literária que chegue sobre as aparições na Cova da Iria. Mas
a tentação de escrever é enorme, até porque a temática dá visibilidade e “vende”,
como se vende tudo o que se relacione com o evento, tornando-o um excelente
negócio. Há os que escrevem, em vários géneros e estilos, para desmistificar e
até apontar o “fenómeno” como uma fraude e outros que, de uma forma apaixonada,
valorizam a fé e apontam o local como o “Altar do Mundo”.

Na
atualidade, não tenho condições, nem vontade, para investigar e procurar aquilo
que seria a minha “verdade” e depois escrever sobre o assunto. Não quero ser
mais um a escrever e acabar por não dizer nada. Negócio com a escrita não faço,
daí estar mais à vontade para o fazer, sem quaisquer contrapartidas financeiras
nem outras motivações, inclusive religiosas. Há a noção que escrever uma
crónica é diferir a notícia. É sob a forma de crónica que o farei, adoçando-a
(ou talvez a azedando) com um pouco do meu sentir, sem o intuito de querer
influenciar a crença, ou não crença, de cada pessoa que vier a ler este texto.

Lembro-me
que ao longo das minhas duas décadas de vida sempre pairou no ar a ideia de
fraude, vindo de várias fontes. Procurei documentar-me e ler sobre o assunto; foram
várias a obras e, na primeira, calhou-me em “sorte” o livro “Fátima
Desmascarada” de João Ilharco, que tem como subtítulo “A verdade histórica
acerca de Fátima documentada com provas”. O livro enumera uma enormidade de
contradições, induzindo o leitor a que tudo não passou de uma trapaça. Chega a
ser referido que António Santos – conhecido como o “abóbora” –  pai de Lúcia, uma das três crianças que dizem
ter avistado e falado com Nossa Senhora ou Senhora do Rosário, mencionou o
seguinte ao filho de Artur Oliveira Santos, administrador do concelho, que em
agosto de 1917 terá interrogado as crianças: “O senhor administrador não
acredite na minha filha, que ela é uma intrujona”. A seguir, foi a obra de Urbano
Duarte, diretor do Correio de Correia, que intitulou “Desmascarado o autor de Fátima
Desmascarada”, como resultado de troca de opiniões entre ambos. Depois surgiu o
livro “Fátima Nunca Mais”, do padre Mário Oliveira, como resultado do escândalo
gerado pela resposta “Não”, que deu num debate, ao perguntarem-lhe: “Acredita
nas aparições de Fátima?”. E mais se seguiram… até que, por uns tempos, resolvi
abrandar com este tipo de pesquisas, que me faziam despender tempo e energias. Em
ano de comemoração do centenário, o mercado literário reanima-se e destaco apenas
duas obras saídas recentemente: “Fátima - Milagre, Ilusão ou Fraude”, de Len
Port, jornalista (cético) da Irlanda do Norte, em que a editora Guerra &
Paz / Clube do livro SIC, apresenta-o como “um livro intenso e polémico,
destinado a informar e provocar mentes abertas e curiosas.   “A
Senhora de Maio – Todas as perguntas sobre Fátima”, de António Marujo, com o
prémio Jornalista Europeu de Religião do Ano (1995 e 2006), o qual foi
atribuído pela Conferência de Igrejas Europeias, e de Rui Paulo da Cruz; uma
das muitas perguntas formuladas nesta obra é “Fátima é fruto da imaginação de
três crianças e da imposição do Clero ou revela uma forte experiência espiritual?”

Pelos
meus treze anos também tive uma forte experiência, que poderia ter sido fatal,
mas que se revelou “mística” e, seguramente, contribuiu para aguçar a minha
curiosidade e promover o meu desenvolvimento espiritual. Como criança, não podia
passar por “intrujão”, pois só depois de casado é que fiz algumas revelações do
facto (e a poucas pessoas, com quem tinha intimidade). Também não estou a
imaginar o meu pai a desculpar-se do filho, por ser “intrujão”, embora a época
e a pressão exercida fossem diferentes.

Tenho
seguido o velho ditado: “Presunção e água benta, cada qual toma a que quer”. Felizmente,
tenho amigos em todos os quadrantes, alguns opostos, e tenho a tendência a
respeitar as suas opiniões; e longe de mim querer mudá-las. Mas um deles, que
se diz ateu, deixou escapar que lhe apareceu a avó, já falecida. Se um adulto, pessoa
em que não há razões para deixar de acreditar, ainda mais por se dizer ateu, refere
ter visto a avó já noutro plano, então parece fácil de aceitar que qualquer
outra entidade se possa manifestar, das mais variadas formas, e por que não a
mãe de Jesus de Nazaré, admitindo que a Senhora do Rosário avistada pelas
crianças seria ela?

Certo
é que Fátima tornou-se “obrigatório” nos circuitos turísticos na zona centro,
de que beneficia a região. Certo é que multidões de peregrinos, apesar do meu
tempo, acorreram ao local, a pé e por outras vias, provenientes de Portugal e
outras partes do mundo. Certo é que é escandalosa a especulação do comércio, em
torno de Fátima, nesta ocasião, desde preços proibitivos para uma simples dormida,
até um babete de criança, com qualquer alusão ao Papa. Certo é que o Papa
Francisco programou uma visita rápida a Fátima, para celebrar a comemoração do
centenário das aparições e canonizar Francisco e Jacinta, o que obrigou a mais
uma “revolução” na prática da Igreja Católica, tornando-as as únicas crianças,
não-mártires, a ser declaradas “santas”. Certo é que, com essa visita, o
governo de Portugal deu tolerância de ponto aos funcionários públicos no dia em
que o Papa Francisco chegou a Portugal, o que gerou muita polémica entre
deputados do maior partido que sustenta o governo, argumentando a “imaturidade
do regime” e por não mostrar a laicidade, que diz ter. Certo é que o Papa
Francisco, pela ousadia de querer mudar o status
quo, chegando a dar pedradas no charco com expressões como “É melhor ser ateu
do que um católico hipócrita” ou “Os ateus que seguem a sua consciência são
bem-vindos no céu” (que o Vaticano se apressou a desmentir a ideia), ele
próprio terá consciência de que o quererão matar. Certo é que, com base numa
notícia do jornal “Sol”, datada de 21 de dezembro de 2016, a visita do Papa
Francisco a Portugal obrigaria a um investimento de cerca de 100 milhões de
euros em infraestruturas das forças de segurança do país, tendo a ministra da
Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, referido que essa verba seria
“oriunda da venda de património que reverterá, exclusivamente, para a
requalificação das infraestruturas”. Certo é que Papa Francisco dirigiu-se ao
“querido povo português”, em português, num vídeo de 4 minutos, e diz vir a
Portugal como peregrino ao Santuário de Fátima, “na esperança e na paz”, para
rezar por todos “sem excluir ninguém” [não o fazendo, portanto, na qualidade de
chefe de estado].

Bem-vindo,
Papa Francisco – homem que admiro, particularmente pela sua coragem!

© Jorge Nuno (2017)  

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