E se o Bloco mandasse? Não cedia como o Syriza

26-06-2016
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Se amanhã o BE fosse Governo rasgava o Tratado Orçamental e exigia a renegociação da dívida. No limite, Portugal saía do euro. Bravata? Ou faria como Syriza e aceitava as exigências de Bruxelas?

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O palco e o momento não eram os mais óbvios. Catarina Martins participava num debate sobre o futuro do Bloco em Torres Vedras, pouco depois de celebrar seis meses de “namoro” com o PS. Mas a coordenadora do partido decidiu assinalar o momento com um statement ambicioso: “Queremos mais força à esquerda e queremos uma nova relação de forças, sem pôr em causa a relação que temos [com os parceiros de Governo], para um reforço do trabalho em prol da vida coletiva e para não ser só parceiro de Governo mas ter força para governar o país. É difícil? É. Mas se fosse fácil não estávamos aqui.”

O desafio estava lançado: imaginar o Bloco com dois pés em território governativo. Os bloquistas dizem que não cederiam à “chantagem europeia”, como o Syriza grego, inicialmente louvado. “O problema da Grécia não foi um choque de realidade. Foi um choque de chantagem”, diz Francisco Louçã ao Observador. “Se o Bloco aprendeu alguma coisa com a experiência grega foi que ceder às instituições europeias” e às imposições de Bruxelas “não é a solução”. “O Bloco não aceitará esse caminho”, afirma o fundador do partido. “O Bloco tem apresentado consistência e tem conquistado a confiança dos portugueses. Tudo é possível“, admite Louçã. Quem está nos partidos não pode dizer outra coisa. O objetivo é o poder.

A ideia de que o Bloco nasceu para estar fora do Conselho de Ministros não tem cabimento, concorda Marisa Matias. “Nenhuma força política se cria para ser oposição. Mas ainda temos um caminho muito difícil pela frente. Sabemos muito bem que as circunstâncias políticas podem mudar muito rapidamente. O Bloco conquistou um enorme capital de confiança dos portugueses e agora há que cuidar desse capital”, sublinha a eurodeputada.

“O Bloco aceitará integrar um Governo que esteja apontado a um programa concreto. A questão essencial é o programa. Não é ser do PS, ou ser dos azuis, dos vermelhos ou dos verdes. Não temos nenhum problema com as experiências governativas. Isso é um mito que se criou à volta do Bloco”, concede o deputado bloquista (e vice-Presidente da Assembleia da República), José Manuel Pureza. “É preciso ter força política” para “impor um programa”, lembra. E isso só se consegue com votos nas urnas e crescendo — crescendo necessariamente ao centro-esquerda, habitat historicamente socialista, novo parceiro parlamentar do Bloco de Esquerda.

Nada que crie constrangimentos ao Bloco. “A hegemonia do PS na esquerda não é uma fatalidade nem é algo eterno“, argumenta Jorge Costa, que lembra que o partido nasceu precisamente “durante uma longa maioria do PS” para ser uma alternativa real. “E hoje continuam a existir profundas divergências entre Bloco e PS. Essas divergências foram e são, também, a nossa razão de existir”, assume o dirigente e deputado bloquista.

António Costa Pinto põe alguma água na fervura nas pretensões do Bloco. “É muito difícil pensar num Bloco hegemónico na esquerda portuguesa. É preciso lembrar que o crescimento rápido de partidos como o Syriza, na Grécia, e do Podemos, em Espanha, foi conseguido em conjeturas de graves crises económicas e de sistema. O Bloco de Esquerda ainda não deu o passo de partido de protesto para partido de Governo”, assinala o politólogo.

“O Bloco tem apresentado consistência e tem conquistado a confiança dos portugueses. Tudo é possível“, admite Francisco Louçã, fundador do Bloco. “A hegemonia do PS na esquerda não é uma fatalidade nem é algo eterno“, concorda Jorge Costa, deputado e dirigente bloquista.

O partido tem puxado os galões perante as conquistas conseguidas pela “geringonça” em matéria de recuperação de rendimentos e direitos sociais: desde o aumento do salário mínimo social, ao descongelamento das pensões, passando pela devolução acelerada dos cortes aplicados pelo anterior Governo, por exemplo. Ou, no plano social, a legalização da adoção por casais do mesmo género. E há ainda batalhas por travar, como o combate cerrado à fuga de capitais para paraísos fiscais e pela transparência da classe política, diplomas onde o Bloco quer ir bem mais longe do que o parceiro socialista. Entre as hostes bloquistas, há a convicção de que o caminho percorrido até agora era impossível sem o contributo decisivo do Bloco — o PS, sozinho, faria diferente ou, no limite, faria a outro ritmo. Mas o que faria de diferente o Bloco se fosse Governo?

Olhando para o programa de eleitoral bloquista, é possível identificar algumas propostas que, à partida, não serão concretizáveis nesta legislatura — e ainda nem estamos a falar das questões europeias. Em matéria de impostos, por exemplo, as primeiras medidas do Bloco passariam necessariamente pela criação de um imposto sobre grandes fortunas, por um taxa agravada para bens de luxo e pela adoção de uma taxa sobre transações bolsistas e dividendos dos acionistas. E isto seria apenas o início.

O Bloco criaria um subsídio social de desemprego para todos os desempregados em situação de carência económica e passaria todos os funcionários em situação precária — que desempenhassem funções de caráter permanente — para os quadros. O investimento público, na ciência, na investigação, na cultura, na educação e na saúde aumentaria significativamente. As privatizações e as concessões a privados nestes setores, assim como nos transportes, seriam reavaliadas.

O impacto destas medidas no aumento da despesa pública seria incontornável, assim como o reflexo no défice do país. Um passo imprescindível para devolver o crescimento económico ao país, acreditam os bloquistas, e que teria de ser acompanhado pelo controlo público da banca e pela reestruturação dos passivos das instituições bancárias.

"Houve um momento de enorme esperança depois da vitória do Syriza na Grécia. Mas depois percebeu-se que essa esperança não se ia traduzir na mudança que os gregos esperavam” Marisa Matias, eurodeputada bloquista

Se no plano nacional as contas já são difíceis de fazer, no campo europeu a conversa sobe de tom. Em linhas gerais, o Bloco defendia no seu programa eleitoral o abatimento de 60% da dívida, com juros de 1,5%, o alargamento dos prazos de pagamento, a devolução pelo Banco Central Europeu dos lucros que obteve com títulos da dívida portuguesa e uma auditoria à dívida, para que fosse identificada a sua origem e natureza legítima ou ilegítima da mesma. As instituições europeias dificilmente aceitariam um plano destes.

No programa eleitoral que apresentou às eleições de 2015, o Bloco defendia um referendo ao Tratado Orçamental e a organização de uma Conferência Europeia para a Reestruturação das Dívidas dos Países da Periferia do Euro e para o Fim do Tratado Orçamental. “O presente quadro só pode transformar-se pela mobilização popular, conduza à desobediência de um ou mais países — Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda“. Era o apelo ao levantamento dos países periféricos contra os ditames das instituições europeias.

Na moção que leva à X Convenção do partido, Catarina Martins insiste e pressiona o Governo de António Costa. “Uma esquerda comprometida com a desobediência à austeridade e com a desvinculação do Tratado Orçamental tem de estar mandatada e preparada para a restauração de todas as opções soberanas essenciais ao respeito pela democracia do país”. Incluindo a saída do euro.

O confronto com Bruxelas seria inevitável. O Governo socialista, já o assumiu, não está a disposto avançar para um combate nesses termos. Resta saber o que faria o Bloco no Governo: romperia com a União Europeia, escolhendo um cenário incerto, ou claudicaria perante o choque de realidade e aceitava permanecer no Euro. Esse dilema já esteve perante um outro Governo europeu e os resultados são conhecidos. Falamos da Grécia, claro.

A moção (maioritária) de Catarina Martins é clara: "Uma esquerda comprometida com a desobediência à austeridade e com a desvinculação do Tratado Orçamental tem de estar mandatada e preparada para a restauração de todas as opções soberanas essenciais ao respeito pela democracia do país"

Bloco e o risco de uma syrização imposta pelo choque da realidade

22 de janeiro de 2015. Catarina Martins celebra efusivamente a vitória do “partido irmão” na Grécia. “O Syriza é essa possibilidade de esperança de que na Europa se possa sorrir, de que na Europa alguém possa pensar ‘Há aqui futuro’ ou ‘No meu país, pode haver futuro’. A viragem que pode estar a acontecer na Grécia dá a toda a Europa essa esperança”, dizia então a coordenadora do Bloco.

Curiosamente, na mesma conferência que deu, quando falava das transformações que estavam a acontecer na Europa, Catarina Martins acabaria por elogiar o PS de François Hollande, por mostrar abertura para discutir a reestruturação da dívida — o mesmo Governo socialista francês que ainda recentemente proibiu uma manifestação sindical pela primeira vez em 58 anos.

A Europa mudou. Hollande, a grande esperança dos socialistas, falhou. Apesar dos sinais positivos, Matteo Renzi, na Itália, não parece estar disposto a liderar uma revolução de consequências imponderáveis. O Podemos é agora a grande esperança dos bloquistas, mas Espanha esteve mergulhada num impasse que não se sabe se será desatado este domingo nas eleições. Já Tsipras, o símbolo da esquerda radical europeia, parece ter perdido a batalha na Grécia (à luz do BE).

O afastamento do Bloco em relação ao Syriza foi gradual. Alexis Tsipras foi posto perante duas opções difíceis: aceitar um novo programa de austeridade e ficar no Euro ou rejeitá-lo e deixar o clube. Escolheu ficar, mesmo depois de um referendo em que os gregos rejeitaram mais medidas de austeridade. O partido coordenado por Catarina Martins faria diferente? Os bloquistas garantem que sim.

“Não concordo com escolha [do Governo e do povo grego] porque olho para as consequências e verifico que as medidas de austeridade adicional vieram sovar ainda mais aquilo que é uma economia e uma população totalmente esfacelada por sucessivas ondas de austeridade. O caso grego, se mostra alguma coisa, é que a opção de ficar nas condições em que a União Europeia existe é uma opção que tem custos imensos, sobretudo para economia periféricas“, admitiu José Manuel Pureza numa entrevista ao Observador.

O ex-líder parlamentar do Bloco não tem dúvidas: “Enquanto estiver dentro deste tipo de orientação, e não vejo que haja correlação de forças para mudar, a União Europeia deixou de ter qualquer tipo de solução. Se houvesse um referendo para a saída do euro, José Manuel Pureza “votaria sim”.

Não há, de resto, qualquer desconforto em reconhecer que o Syriza na Grécia não cumpriu o desígnio a que parecia estar destinado. “O Bloco de Esquerda tem uma análise concreta do que aconteceu na Grécia. Se há uma coisa que o caso grego demonstra bem é que a União Europeia é hoje um projeto em desagregação. O que aconteceu na Grécia não é nenhum tabu para o Bloco. Nem temos qualquer esqueleto no armário nesse sentido”, garante Jorge Costa.

“Houve um momento de enorme esperança depois da vitória do Syriza na Grécia. Mas depois percebeu-se que essa esperança não se ia traduzir na mudança que os gregos esperavam”, reconhece Marisa Matias, antes de denunciar aquilo que o acredita ter sido “um processo de chantagem” das instituições europeias ao Governo grego.

"Enquanto estiver dentro deste tipo de orientação a União Europeia deixou de ter qualquer tipo de solução. [Se houvesse um referendo para a saída do euro], votaria sim". José Manuel Pureza, em entrevista ao Observador

O Bloco não aceitaria essa chantagem, garantem os bloquistas. Tanto assim é que os dirigentes do BE assumem sem rodeios que, se o destino é ficar nesta União Europeia, o melhor é mesmo deixar o projeto. “Um governo de esquerda tem de estar pronto para recuperar os seus instrumentos de soberania“, repete Jorge Costa. Daí que os bloquistas se recusem a aceitar a tese de que o Bloco, sendo Governo — como ambiciona Catarina Martins — estaria destinado a claudicar perante um choque de realidade imposto pela Europa.

ilustração de Andreia Reisinho Costa.

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Se amanhã o BE fosse Governo rasgava o Tratado Orçamental e exigia a renegociação da dívida. No limite, Portugal saía do euro. Bravata? Ou faria como Syriza e aceitava as exigências de Bruxelas?

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O palco e o momento não eram os mais óbvios. Catarina Martins participava num debate sobre o futuro do Bloco em Torres Vedras, pouco depois de celebrar seis meses de “namoro” com o PS. Mas a coordenadora do partido decidiu assinalar o momento com um statement ambicioso: “Queremos mais força à esquerda e queremos uma nova relação de forças, sem pôr em causa a relação que temos [com os parceiros de Governo], para um reforço do trabalho em prol da vida coletiva e para não ser só parceiro de Governo mas ter força para governar o país. É difícil? É. Mas se fosse fácil não estávamos aqui.”

O desafio estava lançado: imaginar o Bloco com dois pés em território governativo. Os bloquistas dizem que não cederiam à “chantagem europeia”, como o Syriza grego, inicialmente louvado. “O problema da Grécia não foi um choque de realidade. Foi um choque de chantagem”, diz Francisco Louçã ao Observador. “Se o Bloco aprendeu alguma coisa com a experiência grega foi que ceder às instituições europeias” e às imposições de Bruxelas “não é a solução”. “O Bloco não aceitará esse caminho”, afirma o fundador do partido. “O Bloco tem apresentado consistência e tem conquistado a confiança dos portugueses. Tudo é possível“, admite Louçã. Quem está nos partidos não pode dizer outra coisa. O objetivo é o poder.

A ideia de que o Bloco nasceu para estar fora do Conselho de Ministros não tem cabimento, concorda Marisa Matias. “Nenhuma força política se cria para ser oposição. Mas ainda temos um caminho muito difícil pela frente. Sabemos muito bem que as circunstâncias políticas podem mudar muito rapidamente. O Bloco conquistou um enorme capital de confiança dos portugueses e agora há que cuidar desse capital”, sublinha a eurodeputada.

“O Bloco aceitará integrar um Governo que esteja apontado a um programa concreto. A questão essencial é o programa. Não é ser do PS, ou ser dos azuis, dos vermelhos ou dos verdes. Não temos nenhum problema com as experiências governativas. Isso é um mito que se criou à volta do Bloco”, concede o deputado bloquista (e vice-Presidente da Assembleia da República), José Manuel Pureza. “É preciso ter força política” para “impor um programa”, lembra. E isso só se consegue com votos nas urnas e crescendo — crescendo necessariamente ao centro-esquerda, habitat historicamente socialista, novo parceiro parlamentar do Bloco de Esquerda.

Nada que crie constrangimentos ao Bloco. “A hegemonia do PS na esquerda não é uma fatalidade nem é algo eterno“, argumenta Jorge Costa, que lembra que o partido nasceu precisamente “durante uma longa maioria do PS” para ser uma alternativa real. “E hoje continuam a existir profundas divergências entre Bloco e PS. Essas divergências foram e são, também, a nossa razão de existir”, assume o dirigente e deputado bloquista.

António Costa Pinto põe alguma água na fervura nas pretensões do Bloco. “É muito difícil pensar num Bloco hegemónico na esquerda portuguesa. É preciso lembrar que o crescimento rápido de partidos como o Syriza, na Grécia, e do Podemos, em Espanha, foi conseguido em conjeturas de graves crises económicas e de sistema. O Bloco de Esquerda ainda não deu o passo de partido de protesto para partido de Governo”, assinala o politólogo.

“O Bloco tem apresentado consistência e tem conquistado a confiança dos portugueses. Tudo é possível“, admite Francisco Louçã, fundador do Bloco. “A hegemonia do PS na esquerda não é uma fatalidade nem é algo eterno“, concorda Jorge Costa, deputado e dirigente bloquista.

O partido tem puxado os galões perante as conquistas conseguidas pela “geringonça” em matéria de recuperação de rendimentos e direitos sociais: desde o aumento do salário mínimo social, ao descongelamento das pensões, passando pela devolução acelerada dos cortes aplicados pelo anterior Governo, por exemplo. Ou, no plano social, a legalização da adoção por casais do mesmo género. E há ainda batalhas por travar, como o combate cerrado à fuga de capitais para paraísos fiscais e pela transparência da classe política, diplomas onde o Bloco quer ir bem mais longe do que o parceiro socialista. Entre as hostes bloquistas, há a convicção de que o caminho percorrido até agora era impossível sem o contributo decisivo do Bloco — o PS, sozinho, faria diferente ou, no limite, faria a outro ritmo. Mas o que faria de diferente o Bloco se fosse Governo?

Olhando para o programa de eleitoral bloquista, é possível identificar algumas propostas que, à partida, não serão concretizáveis nesta legislatura — e ainda nem estamos a falar das questões europeias. Em matéria de impostos, por exemplo, as primeiras medidas do Bloco passariam necessariamente pela criação de um imposto sobre grandes fortunas, por um taxa agravada para bens de luxo e pela adoção de uma taxa sobre transações bolsistas e dividendos dos acionistas. E isto seria apenas o início.

O Bloco criaria um subsídio social de desemprego para todos os desempregados em situação de carência económica e passaria todos os funcionários em situação precária — que desempenhassem funções de caráter permanente — para os quadros. O investimento público, na ciência, na investigação, na cultura, na educação e na saúde aumentaria significativamente. As privatizações e as concessões a privados nestes setores, assim como nos transportes, seriam reavaliadas.

O impacto destas medidas no aumento da despesa pública seria incontornável, assim como o reflexo no défice do país. Um passo imprescindível para devolver o crescimento económico ao país, acreditam os bloquistas, e que teria de ser acompanhado pelo controlo público da banca e pela reestruturação dos passivos das instituições bancárias.

"Houve um momento de enorme esperança depois da vitória do Syriza na Grécia. Mas depois percebeu-se que essa esperança não se ia traduzir na mudança que os gregos esperavam” Marisa Matias, eurodeputada bloquista

Se no plano nacional as contas já são difíceis de fazer, no campo europeu a conversa sobe de tom. Em linhas gerais, o Bloco defendia no seu programa eleitoral o abatimento de 60% da dívida, com juros de 1,5%, o alargamento dos prazos de pagamento, a devolução pelo Banco Central Europeu dos lucros que obteve com títulos da dívida portuguesa e uma auditoria à dívida, para que fosse identificada a sua origem e natureza legítima ou ilegítima da mesma. As instituições europeias dificilmente aceitariam um plano destes.

No programa eleitoral que apresentou às eleições de 2015, o Bloco defendia um referendo ao Tratado Orçamental e a organização de uma Conferência Europeia para a Reestruturação das Dívidas dos Países da Periferia do Euro e para o Fim do Tratado Orçamental. “O presente quadro só pode transformar-se pela mobilização popular, conduza à desobediência de um ou mais países — Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda“. Era o apelo ao levantamento dos países periféricos contra os ditames das instituições europeias.

Na moção que leva à X Convenção do partido, Catarina Martins insiste e pressiona o Governo de António Costa. “Uma esquerda comprometida com a desobediência à austeridade e com a desvinculação do Tratado Orçamental tem de estar mandatada e preparada para a restauração de todas as opções soberanas essenciais ao respeito pela democracia do país”. Incluindo a saída do euro.

O confronto com Bruxelas seria inevitável. O Governo socialista, já o assumiu, não está a disposto avançar para um combate nesses termos. Resta saber o que faria o Bloco no Governo: romperia com a União Europeia, escolhendo um cenário incerto, ou claudicaria perante o choque de realidade e aceitava permanecer no Euro. Esse dilema já esteve perante um outro Governo europeu e os resultados são conhecidos. Falamos da Grécia, claro.

A moção (maioritária) de Catarina Martins é clara: "Uma esquerda comprometida com a desobediência à austeridade e com a desvinculação do Tratado Orçamental tem de estar mandatada e preparada para a restauração de todas as opções soberanas essenciais ao respeito pela democracia do país"

Bloco e o risco de uma syrização imposta pelo choque da realidade

22 de janeiro de 2015. Catarina Martins celebra efusivamente a vitória do “partido irmão” na Grécia. “O Syriza é essa possibilidade de esperança de que na Europa se possa sorrir, de que na Europa alguém possa pensar ‘Há aqui futuro’ ou ‘No meu país, pode haver futuro’. A viragem que pode estar a acontecer na Grécia dá a toda a Europa essa esperança”, dizia então a coordenadora do Bloco.

Curiosamente, na mesma conferência que deu, quando falava das transformações que estavam a acontecer na Europa, Catarina Martins acabaria por elogiar o PS de François Hollande, por mostrar abertura para discutir a reestruturação da dívida — o mesmo Governo socialista francês que ainda recentemente proibiu uma manifestação sindical pela primeira vez em 58 anos.

A Europa mudou. Hollande, a grande esperança dos socialistas, falhou. Apesar dos sinais positivos, Matteo Renzi, na Itália, não parece estar disposto a liderar uma revolução de consequências imponderáveis. O Podemos é agora a grande esperança dos bloquistas, mas Espanha esteve mergulhada num impasse que não se sabe se será desatado este domingo nas eleições. Já Tsipras, o símbolo da esquerda radical europeia, parece ter perdido a batalha na Grécia (à luz do BE).

O afastamento do Bloco em relação ao Syriza foi gradual. Alexis Tsipras foi posto perante duas opções difíceis: aceitar um novo programa de austeridade e ficar no Euro ou rejeitá-lo e deixar o clube. Escolheu ficar, mesmo depois de um referendo em que os gregos rejeitaram mais medidas de austeridade. O partido coordenado por Catarina Martins faria diferente? Os bloquistas garantem que sim.

“Não concordo com escolha [do Governo e do povo grego] porque olho para as consequências e verifico que as medidas de austeridade adicional vieram sovar ainda mais aquilo que é uma economia e uma população totalmente esfacelada por sucessivas ondas de austeridade. O caso grego, se mostra alguma coisa, é que a opção de ficar nas condições em que a União Europeia existe é uma opção que tem custos imensos, sobretudo para economia periféricas“, admitiu José Manuel Pureza numa entrevista ao Observador.

O ex-líder parlamentar do Bloco não tem dúvidas: “Enquanto estiver dentro deste tipo de orientação, e não vejo que haja correlação de forças para mudar, a União Europeia deixou de ter qualquer tipo de solução. Se houvesse um referendo para a saída do euro, José Manuel Pureza “votaria sim”.

Não há, de resto, qualquer desconforto em reconhecer que o Syriza na Grécia não cumpriu o desígnio a que parecia estar destinado. “O Bloco de Esquerda tem uma análise concreta do que aconteceu na Grécia. Se há uma coisa que o caso grego demonstra bem é que a União Europeia é hoje um projeto em desagregação. O que aconteceu na Grécia não é nenhum tabu para o Bloco. Nem temos qualquer esqueleto no armário nesse sentido”, garante Jorge Costa.

“Houve um momento de enorme esperança depois da vitória do Syriza na Grécia. Mas depois percebeu-se que essa esperança não se ia traduzir na mudança que os gregos esperavam”, reconhece Marisa Matias, antes de denunciar aquilo que o acredita ter sido “um processo de chantagem” das instituições europeias ao Governo grego.

"Enquanto estiver dentro deste tipo de orientação a União Europeia deixou de ter qualquer tipo de solução. [Se houvesse um referendo para a saída do euro], votaria sim". José Manuel Pureza, em entrevista ao Observador

O Bloco não aceitaria essa chantagem, garantem os bloquistas. Tanto assim é que os dirigentes do BE assumem sem rodeios que, se o destino é ficar nesta União Europeia, o melhor é mesmo deixar o projeto. “Um governo de esquerda tem de estar pronto para recuperar os seus instrumentos de soberania“, repete Jorge Costa. Daí que os bloquistas se recusem a aceitar a tese de que o Bloco, sendo Governo — como ambiciona Catarina Martins — estaria destinado a claudicar perante um choque de realidade imposto pela Europa.

ilustração de Andreia Reisinho Costa.

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