Carlos César lucra com viagens aos Açores

18-05-2018
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Por cada viagem que faz a casa, assim como dez outros deputados das ilhas, Carlos César, presidente do PS e líder da bancada socialista no Parlamento, tem lucro. Isto acontece sempre que César levanta o Subsídio de Mobilidade atribuído a todos os residentes na Madeira e nos Açores, o que, como confirmou o próprio na semana passada ao Expresso, faz quando as condições para tal (viajar em classe económica e ter comprovativos das passagens) estão reunidas. O lucro explica-se devido à acumulação de subsídios que o Expresso noticiou na semana passada e que permite aos deputados ilhéus, que já recebem uma ajuda de deslocação de 500 euros atribuída pela Assembleia da República para irem a casa, levantarem ainda nos CTT o Subsídio de Mobilidade a que tem direito qualquer residente na Madeira ou nos Açores e que cobre a maior parte do preço do bilhete.

A título de exemplo: se tiver, como é costume, levantado o Subsídio de Mobilidade nas últimas duas vezes que foi a casa, em Ponta Delgada, Carlos César terá lucrado 732 euros só com duas viagens. As contas são feitas com recurso a números fornecidos pelo próprio. O líder parlamentar do PS enviou ao Expresso, no sábado passado, um esclarecimento em resposta à notícia que dava conta da acumulação de subsídios. Nessa carta, detalhou que terá pago nas últimas duas deslocações aos Açores 573,82 euros e 608,82 euros. Descontando a esses valores os 500 euros atribuídos pela AR, César já paga menos pela viagem do que qualquer outro açoriano, que só é compensado pelo Subsídio de Mobilidade a partir de 134 euros. Mas levanta depois esse mesmo Subsídio de Mobilidade, que lhe reembolsa o valor do bilhete, menos 134 euros — uma conta que resulta num lucro de 366 euros por viagem ou de 732 pelas duas.

Este exemplo concreto ilustra como os deputados ilhéus podem lucrar com o sistema que permite receber dois apoios pelas mesmas viagens (e lucram ainda mais se não fizerem a viagem, pois recebem na mesma os 500 euros).

Onze acumulam subsídios

Na semana passada, oito deputados — Carlos César, Lara Martinho, João Azevedo Castro, Carlos Pereira e Luís Vilhena, do PS, Paulo Neves e Sara Madruga da Costa, do PSD, e José Paulino Ascenção, do BE — admitiram que levantam o Subsídio de Mobilidade apesar de já terem as viagens pagas pela AR. Mas, segundo informações recolhidas pelo Expresso, a direção da bancada parlamentar do PSD sabe que os restantes sociais-democratas das ilhas, que não responderam aos contactos do Expresso, “fazem todos a mesma coisa”. São eles Berta Cabral, António Ventura e Carlos Costa Neves (eleito pelo círculo do Porto mas residente nos Açores). A única exceção é Rubina Berardo (ver texto relacionado).

O Subsídio de Mobilidade não ‘cai’ na conta dos deputados: os ilhéus que o quiserem receber têm de se apresentar num balcão dos CTT com a fatura das passagens — os residentes nos Açores são reembolsados a partir de 134 euros e sem teto máximo, na Madeira a partir de 86 euros e com limite de 400 euros. No caso das ajudas da AR, o dinheiro é depositado nas suas contas bancárias, sem que tenham de viajar para o receber, e não é sujeito a tributação nem contribuição para a Segurança Social.

Parlamento analisa ‘buraco’

O caso não demorou a provocar reações. Na segunda-feira, o bloquista Paulino Ascenção anunciou a renúncia ao mandato de deputado, assim como a intenção de devolver o dinheiro, pedindo desculpas. A social-democrata Sara Madruga da Costa, que não tinha respondido às perguntas do Expresso, admitiu que costuma levantar o segundo subsídio e anunciou que devolverá o dinheiro. No PSD, o líder parlamentar, Fernando Negrão, pediu um parecer “urgente” à Subcomissão de Ética do Parlamento — a direção do PSD não gostou deste “truque” dos deputados (e gostou ainda menos de saber que há sociais-democratas a fazê-lo) e quer impedir que continue, mas vai esperar pela apreciação do caso em comissão parlamentar. E o PCP anunciou que levará o assunto a debate.

No PS, o deputado Luís Vilhena disse estar à espera de um parecer da AR para decidir o que fazer. Quanto a Carlos César, não vacilou: defendeu que a conduta é “eticamente irrepreensível” e anunciou que não se demitiria nem devolveria o dinheiro, por estar convicto de que não fez nada de errado, até porque “o procedimento sempre foi usado”.

Na terça-feira foi a vez de o presidente da AR, Ferro Rodrigues, dizer que os parlamentares “não infringiram a lei nem a ética” e pedir uma “análise conjugada” do uso dos dois subsídios à Subcomissão de Ética. O Expresso sabe que, na conferência de líderes, a leitura de Ferro foi criticada pelos líderes parlamentares do PSD e do BE.

O tema chegou na quinta-feira à subcomissão, onde os deputados decidiram chamar o secretário-geral da AR, Albino Azevedo, para uma audição no dia 26. Parlamentares que têm assento naquele grupo descreveram ao Expresso um consenso sobre a necessidade de alterar as regras para tapar o que é visto como um ‘buraco’ na lei. A partir daí se decidirá se é preciso mudar as normas em vigor, possivelmente com alterações discutidas na Comissão de Transparência, que tem em mãos normas como o Estatuto dos Deputados.

Com Filipe Santos Costa e Marta Caires

Subsídios cobrem viagens até 814 euros

O Expresso fez uma simulação para os preços dos voos do próximo fim de semana, tendo em conta que vários deputados alegaram que, com os voos marcados de semana a semana, os preços ultrapassam as ajudas de 500 euros dadas semanalmente pela AR. O exercício foi feito na plataforma online Skyscanner, uma vez que esta combina os voos de várias companhias. No caso dos Açores, simulando viagens de sexta a domingo e de sexta a segunda-feira para um passageiro em classe económica, não houve nenhum caso acima dos 471 euros. Fazendo o mesmo exercício para datas próximas do Natal, constata-se que se os deputados comprassem agora as passagens para qualquer ilha dos Açores elas ficariam, no caso do valor mais alto (para a Horta, de 21 de dezembro, sexta-feira, a 26 de dezembro, quarta-feira) pelos 249 euros. Para viajar até à Madeira na mesma altura, o preço de um voo direto seria de 220 euros. Ou seja, em nenhum dos casos o preço das viagens ultrapassa os 500 euros atribuídos de forma fixa pela Assembleia. Significa isto que só se as viagens custassem 814 euros é que os deputados precisariam dos dois apoios para cobrir o custo total da viagem. No caso dos Açores, não há limite para o lucro potencial, uma vez que não há teto máximo para o segundo subsídio.

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 21 de abril de 2018

Por cada viagem que faz a casa, assim como dez outros deputados das ilhas, Carlos César, presidente do PS e líder da bancada socialista no Parlamento, tem lucro. Isto acontece sempre que César levanta o Subsídio de Mobilidade atribuído a todos os residentes na Madeira e nos Açores, o que, como confirmou o próprio na semana passada ao Expresso, faz quando as condições para tal (viajar em classe económica e ter comprovativos das passagens) estão reunidas. O lucro explica-se devido à acumulação de subsídios que o Expresso noticiou na semana passada e que permite aos deputados ilhéus, que já recebem uma ajuda de deslocação de 500 euros atribuída pela Assembleia da República para irem a casa, levantarem ainda nos CTT o Subsídio de Mobilidade a que tem direito qualquer residente na Madeira ou nos Açores e que cobre a maior parte do preço do bilhete.

A título de exemplo: se tiver, como é costume, levantado o Subsídio de Mobilidade nas últimas duas vezes que foi a casa, em Ponta Delgada, Carlos César terá lucrado 732 euros só com duas viagens. As contas são feitas com recurso a números fornecidos pelo próprio. O líder parlamentar do PS enviou ao Expresso, no sábado passado, um esclarecimento em resposta à notícia que dava conta da acumulação de subsídios. Nessa carta, detalhou que terá pago nas últimas duas deslocações aos Açores 573,82 euros e 608,82 euros. Descontando a esses valores os 500 euros atribuídos pela AR, César já paga menos pela viagem do que qualquer outro açoriano, que só é compensado pelo Subsídio de Mobilidade a partir de 134 euros. Mas levanta depois esse mesmo Subsídio de Mobilidade, que lhe reembolsa o valor do bilhete, menos 134 euros — uma conta que resulta num lucro de 366 euros por viagem ou de 732 pelas duas.

Este exemplo concreto ilustra como os deputados ilhéus podem lucrar com o sistema que permite receber dois apoios pelas mesmas viagens (e lucram ainda mais se não fizerem a viagem, pois recebem na mesma os 500 euros).

Onze acumulam subsídios

Na semana passada, oito deputados — Carlos César, Lara Martinho, João Azevedo Castro, Carlos Pereira e Luís Vilhena, do PS, Paulo Neves e Sara Madruga da Costa, do PSD, e José Paulino Ascenção, do BE — admitiram que levantam o Subsídio de Mobilidade apesar de já terem as viagens pagas pela AR. Mas, segundo informações recolhidas pelo Expresso, a direção da bancada parlamentar do PSD sabe que os restantes sociais-democratas das ilhas, que não responderam aos contactos do Expresso, “fazem todos a mesma coisa”. São eles Berta Cabral, António Ventura e Carlos Costa Neves (eleito pelo círculo do Porto mas residente nos Açores). A única exceção é Rubina Berardo (ver texto relacionado).

O Subsídio de Mobilidade não ‘cai’ na conta dos deputados: os ilhéus que o quiserem receber têm de se apresentar num balcão dos CTT com a fatura das passagens — os residentes nos Açores são reembolsados a partir de 134 euros e sem teto máximo, na Madeira a partir de 86 euros e com limite de 400 euros. No caso das ajudas da AR, o dinheiro é depositado nas suas contas bancárias, sem que tenham de viajar para o receber, e não é sujeito a tributação nem contribuição para a Segurança Social.

Parlamento analisa ‘buraco’

O caso não demorou a provocar reações. Na segunda-feira, o bloquista Paulino Ascenção anunciou a renúncia ao mandato de deputado, assim como a intenção de devolver o dinheiro, pedindo desculpas. A social-democrata Sara Madruga da Costa, que não tinha respondido às perguntas do Expresso, admitiu que costuma levantar o segundo subsídio e anunciou que devolverá o dinheiro. No PSD, o líder parlamentar, Fernando Negrão, pediu um parecer “urgente” à Subcomissão de Ética do Parlamento — a direção do PSD não gostou deste “truque” dos deputados (e gostou ainda menos de saber que há sociais-democratas a fazê-lo) e quer impedir que continue, mas vai esperar pela apreciação do caso em comissão parlamentar. E o PCP anunciou que levará o assunto a debate.

No PS, o deputado Luís Vilhena disse estar à espera de um parecer da AR para decidir o que fazer. Quanto a Carlos César, não vacilou: defendeu que a conduta é “eticamente irrepreensível” e anunciou que não se demitiria nem devolveria o dinheiro, por estar convicto de que não fez nada de errado, até porque “o procedimento sempre foi usado”.

Na terça-feira foi a vez de o presidente da AR, Ferro Rodrigues, dizer que os parlamentares “não infringiram a lei nem a ética” e pedir uma “análise conjugada” do uso dos dois subsídios à Subcomissão de Ética. O Expresso sabe que, na conferência de líderes, a leitura de Ferro foi criticada pelos líderes parlamentares do PSD e do BE.

O tema chegou na quinta-feira à subcomissão, onde os deputados decidiram chamar o secretário-geral da AR, Albino Azevedo, para uma audição no dia 26. Parlamentares que têm assento naquele grupo descreveram ao Expresso um consenso sobre a necessidade de alterar as regras para tapar o que é visto como um ‘buraco’ na lei. A partir daí se decidirá se é preciso mudar as normas em vigor, possivelmente com alterações discutidas na Comissão de Transparência, que tem em mãos normas como o Estatuto dos Deputados.

Com Filipe Santos Costa e Marta Caires

Subsídios cobrem viagens até 814 euros

O Expresso fez uma simulação para os preços dos voos do próximo fim de semana, tendo em conta que vários deputados alegaram que, com os voos marcados de semana a semana, os preços ultrapassam as ajudas de 500 euros dadas semanalmente pela AR. O exercício foi feito na plataforma online Skyscanner, uma vez que esta combina os voos de várias companhias. No caso dos Açores, simulando viagens de sexta a domingo e de sexta a segunda-feira para um passageiro em classe económica, não houve nenhum caso acima dos 471 euros. Fazendo o mesmo exercício para datas próximas do Natal, constata-se que se os deputados comprassem agora as passagens para qualquer ilha dos Açores elas ficariam, no caso do valor mais alto (para a Horta, de 21 de dezembro, sexta-feira, a 26 de dezembro, quarta-feira) pelos 249 euros. Para viajar até à Madeira na mesma altura, o preço de um voo direto seria de 220 euros. Ou seja, em nenhum dos casos o preço das viagens ultrapassa os 500 euros atribuídos de forma fixa pela Assembleia. Significa isto que só se as viagens custassem 814 euros é que os deputados precisariam dos dois apoios para cobrir o custo total da viagem. No caso dos Açores, não há limite para o lucro potencial, uma vez que não há teto máximo para o segundo subsídio.

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 21 de abril de 2018

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