O que marca o congresso do PS e os silêncios dignos de registo

05-06-2016
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O país, o partido, a governação, a esquerda e a Europa em discussão. Houve avisos, assobios e garantias. E quer saber do que é que não se falou?

Avisos

A economia, aí a economia

O primeiro a chamar a atenção para a necessidade de rápida recuperação econômica foi o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. "A nossa prioridade clara é a recuperação da nossa economia", avisou Fernando Medina, numa semana em que o INE divulgou os números do primeiro trimestre, abaixo das previsões do Governo.

Mas o discurso mais inflamado partiu do ex-deputado Ricardo Gonçalves, próximo de Francisco Assis. "Não conseguir crescer é o maior falhanço de um Governo depois do 25 de abril", avisou, chegando mesmo a alertar para que Costa pode perder as eleições autárquicas como Guterres em 2001 e vir a ter o mesmo destino, a demissão. "Chegamos às autárquicas e vamos perder isto tudo”, avisou, insistindo que "não é com um governo apoiado pelo PCP e pelo Bloco que os empresários vão ter confiança para existir”.

Como o PS defende a "geringonça"

Para acabar com o "flagelo" da direita, para acabar contra "a contrarreforma" do Governo PSD-CDS, para acabar "com o medo, a incerteza, os cortes e o desemprego", para derrubar a "verdadeira direita Trump". Foram estes os argumentos usados por dirigentes, desde Ana Catarina Mendes a Carlos César, para justificar os acordos assinados em novembro de 2015.

E aqui entraram as várias medidas já tomadas desde a reposição de salários e pensões a reversões nos transportes.

"Havia alternativa? Haver, havia, mas era pior", explicou, por seu lado, Pedro Silva Pereira, vincando que os acordos não geram "reféns" mas "parceiros". "Estar no Governo a cumprir um programa socialista só pode ser 1000 vezes melhor que estar a Direita", sublinhou.

Marcos Borga

O que é ser reformista

Grande parte das intervenções dos costistas foram para responder às críticas de Assis de que este Governo está "manietado" e que não pode fazer reformas porque o PCP e o BE não deixam. Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, foi o mais eficaz na reposta: "Os socialistas não fazem as reformas que a direita exige, não por causa de Bloco e PCP, mas por causa dos valores do PS, por causa do coração ideológico do PS”.

Os desafios da Europa

No plano europeu, há várias dúvidas. "A nossa grande dificuldade é a relação com quem manda na União Europeia", avisou o histórico Manuel Alegre. Francisco Assis alertou para o "vírus do radicalismo antieuropeu" que hoje invade a Europa. A eurodeputada Ana Gomes falou sobre a necessidade de mais federalismo e alertou para os riscos de desintegração da União Europeia. De reestruturação da dívida não se falou. Pedro Delgado Alves foi quem mais se aproximou do tema. "De facto, temos visões diferentes sobre a Europa, mas a pergunta que em primeiro lugar devemos fazer é se estamos disponíveis para qualquer Europa e a qualquer custo? É esta a pergunta que todos os socialistas e sociais-democratas na Europa se têm de perguntar".

Pedro Silva Pereira, que encerrou o dia do debate em nome da moção de António Costa, resumiu a posição do PS: "Não aderimos a nenhuma retórica antieuropeia".

Marcos Borga

Silêncios

Onde foi parar o voto útil?

A pergunta está na cabeça de muitos, dirigentes do PS e militantes, intrigados pelo efeito para o futuro destes acordos de esquerda que levaram António Costa ao poder. A questão foi muito debatida no pré-congresso: o PS corre ou não o risco de ter acabado com o voto útil ao ter dado utilidade aos votos do BE e PCP? A questão, porém, passou ao lado deste sábado, dia comprido de discursos e debate.

Houve muitos cuidados na forma como as pessoas se referiam aos parceiros de coligação, essencialmente para justificar os acordos firmados em novembro e pouco se disse sobre o que agora se exige desse entendimento.

O caso do Porto

Há vários militantes do PS Porto indignados com o facto de o PS vir a apoiar o independente Rui Moreira. Mas no congresso o assunto ficou esquecido por entre proclamações que o PS tem que ter "uma vitória" inequívoca nas autárquicas.

Manuel Pizarro, líder do PS-Porto e entusiasta do apoio a Moreira, até discursou no congresso mas conseguiu não falar sequer em eleições autárquicas - sinal de que não quis causar um problema a Costa neste congresso.

Marcos Borga

Emoções

De tudo, de assobios a lágrima no olho

O congresso é um campo de rituais, festa máxima dos partidos, debate-se política (com mais ou menos intensidade) mas as emoções contam muito. E expõem também a alma do partido. O que ficámos a saber mais do PS? António Guterres continua a ser o "primeiro-ministro mais amado de Portugal", como disse há dias Marcelo Rebelo de Sousa. Há 16 anos que não aparecia num congresso desde que se demitiu da liderança do partido em 2001, na sequência de um mau resultado nas autárquicas. Apareceu ao som do seu antigo hino, uma música heroica de Vangelis, que emocionou os congressistas e trouxe um vislumbre dos anos 90 em que Portugal crescia e os portugueses acreditavam que tudo era possível. Fez um discurso de dois ou três minutos e pôs a sala de pé a aplaudir. Foi o momento alto do congresso. "As saudades que tinha de aqui estar", confessou a uma plateia agradecida.

Mas houve também assobios. O alvo foi Francisco Assis, logo no início do discurso quando diz que lealdade é dizer-se o que se pensa no partido e não esconder-se em "silêncios calculistas". Os delegados não gostaram e começaram a assobiar. Curiosamente, Assis acabou por centrar as críticas ao Governo na relação com a Europa e acabou por ser aplaudido no fim, mesmo por António Costa.

Uma palavra ainda para Sócrates. Daniel Adrião e Paulo Campos pediram aplausos para o ex-primeiro-ministro que está a ser investigado por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Eles apareceram tímidos mas também sem embaraço para os dirigentes. Parece que Sócrates já passou à história.

O país, o partido, a governação, a esquerda e a Europa em discussão. Houve avisos, assobios e garantias. E quer saber do que é que não se falou?

Avisos

A economia, aí a economia

O primeiro a chamar a atenção para a necessidade de rápida recuperação econômica foi o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. "A nossa prioridade clara é a recuperação da nossa economia", avisou Fernando Medina, numa semana em que o INE divulgou os números do primeiro trimestre, abaixo das previsões do Governo.

Mas o discurso mais inflamado partiu do ex-deputado Ricardo Gonçalves, próximo de Francisco Assis. "Não conseguir crescer é o maior falhanço de um Governo depois do 25 de abril", avisou, chegando mesmo a alertar para que Costa pode perder as eleições autárquicas como Guterres em 2001 e vir a ter o mesmo destino, a demissão. "Chegamos às autárquicas e vamos perder isto tudo”, avisou, insistindo que "não é com um governo apoiado pelo PCP e pelo Bloco que os empresários vão ter confiança para existir”.

Como o PS defende a "geringonça"

Para acabar com o "flagelo" da direita, para acabar contra "a contrarreforma" do Governo PSD-CDS, para acabar "com o medo, a incerteza, os cortes e o desemprego", para derrubar a "verdadeira direita Trump". Foram estes os argumentos usados por dirigentes, desde Ana Catarina Mendes a Carlos César, para justificar os acordos assinados em novembro de 2015.

E aqui entraram as várias medidas já tomadas desde a reposição de salários e pensões a reversões nos transportes.

"Havia alternativa? Haver, havia, mas era pior", explicou, por seu lado, Pedro Silva Pereira, vincando que os acordos não geram "reféns" mas "parceiros". "Estar no Governo a cumprir um programa socialista só pode ser 1000 vezes melhor que estar a Direita", sublinhou.

Marcos Borga

O que é ser reformista

Grande parte das intervenções dos costistas foram para responder às críticas de Assis de que este Governo está "manietado" e que não pode fazer reformas porque o PCP e o BE não deixam. Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, foi o mais eficaz na reposta: "Os socialistas não fazem as reformas que a direita exige, não por causa de Bloco e PCP, mas por causa dos valores do PS, por causa do coração ideológico do PS”.

Os desafios da Europa

No plano europeu, há várias dúvidas. "A nossa grande dificuldade é a relação com quem manda na União Europeia", avisou o histórico Manuel Alegre. Francisco Assis alertou para o "vírus do radicalismo antieuropeu" que hoje invade a Europa. A eurodeputada Ana Gomes falou sobre a necessidade de mais federalismo e alertou para os riscos de desintegração da União Europeia. De reestruturação da dívida não se falou. Pedro Delgado Alves foi quem mais se aproximou do tema. "De facto, temos visões diferentes sobre a Europa, mas a pergunta que em primeiro lugar devemos fazer é se estamos disponíveis para qualquer Europa e a qualquer custo? É esta a pergunta que todos os socialistas e sociais-democratas na Europa se têm de perguntar".

Pedro Silva Pereira, que encerrou o dia do debate em nome da moção de António Costa, resumiu a posição do PS: "Não aderimos a nenhuma retórica antieuropeia".

Marcos Borga

Silêncios

Onde foi parar o voto útil?

A pergunta está na cabeça de muitos, dirigentes do PS e militantes, intrigados pelo efeito para o futuro destes acordos de esquerda que levaram António Costa ao poder. A questão foi muito debatida no pré-congresso: o PS corre ou não o risco de ter acabado com o voto útil ao ter dado utilidade aos votos do BE e PCP? A questão, porém, passou ao lado deste sábado, dia comprido de discursos e debate.

Houve muitos cuidados na forma como as pessoas se referiam aos parceiros de coligação, essencialmente para justificar os acordos firmados em novembro e pouco se disse sobre o que agora se exige desse entendimento.

O caso do Porto

Há vários militantes do PS Porto indignados com o facto de o PS vir a apoiar o independente Rui Moreira. Mas no congresso o assunto ficou esquecido por entre proclamações que o PS tem que ter "uma vitória" inequívoca nas autárquicas.

Manuel Pizarro, líder do PS-Porto e entusiasta do apoio a Moreira, até discursou no congresso mas conseguiu não falar sequer em eleições autárquicas - sinal de que não quis causar um problema a Costa neste congresso.

Marcos Borga

Emoções

De tudo, de assobios a lágrima no olho

O congresso é um campo de rituais, festa máxima dos partidos, debate-se política (com mais ou menos intensidade) mas as emoções contam muito. E expõem também a alma do partido. O que ficámos a saber mais do PS? António Guterres continua a ser o "primeiro-ministro mais amado de Portugal", como disse há dias Marcelo Rebelo de Sousa. Há 16 anos que não aparecia num congresso desde que se demitiu da liderança do partido em 2001, na sequência de um mau resultado nas autárquicas. Apareceu ao som do seu antigo hino, uma música heroica de Vangelis, que emocionou os congressistas e trouxe um vislumbre dos anos 90 em que Portugal crescia e os portugueses acreditavam que tudo era possível. Fez um discurso de dois ou três minutos e pôs a sala de pé a aplaudir. Foi o momento alto do congresso. "As saudades que tinha de aqui estar", confessou a uma plateia agradecida.

Mas houve também assobios. O alvo foi Francisco Assis, logo no início do discurso quando diz que lealdade é dizer-se o que se pensa no partido e não esconder-se em "silêncios calculistas". Os delegados não gostaram e começaram a assobiar. Curiosamente, Assis acabou por centrar as críticas ao Governo na relação com a Europa e acabou por ser aplaudido no fim, mesmo por António Costa.

Uma palavra ainda para Sócrates. Daniel Adrião e Paulo Campos pediram aplausos para o ex-primeiro-ministro que está a ser investigado por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Eles apareceram tímidos mas também sem embaraço para os dirigentes. Parece que Sócrates já passou à história.

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