3ª parte: Como Sócrates e Santos Silva transferiram o dinheiro da Suíça (e o usaram)

18-06-2019
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Leia também:

1ª parte: O plano de Sócrates e Santos Silva e o envolvimento do Grupo Lena

2ª parte: Sócrates e Vale do Lobo, Salgado os negócios da PT

Nas contas do Ministério Público, as alegadas luvas valeram a José Sócrates pouco mais de 34 milhões de euros, mas é um número que nasce de outros dois.

A saber: o Grupo Lena terá pago 2 milhões e 875 mil euros, Vale do Lobo terá pago 1 milhão de euros e Ricardo Salgado terá pago 29 milhões de euros. Tudo somado, estamos a falar de 35 milhões e 875 mil euros de luvas.

O problema é que o Ministério Público considera que, dos 29 milhões pagos pelo GES, só chegaram a Sócrates chega de 25 milhões. Os restantes quatro ficaram ainda no Grupo Lena, que serviu de intermediário para o pagamento dessas luvas, o que significa que, do valor total prometido pelos três alegados corruptores, o ex-primeiro ministro só recebeu cerca de 32 milhões de euros.

Como chegamos, afinal, aos €34.143.715,64 finais? Porque esses 32 milhões que Sócrates terá efectivamente recebido geraram juros e mais valias, que também são considerados lucro para o arguido.

Parte desse dinheiro, cerca de 24 milhões de euros, foi concentrado em contas na Suíça.

A transferência do dinheiro da Suíça para Portugal

Por via das transferências feitas por Joaquim Barroca, por Hélder Bataglia e por José Paulo Pinto de Sousa (que deixou de ser guardador do dinheiro de José Sócrates quando o nome desse primo foi referido no processo Freeport), as contas na Suíça das várias sociedades offshore de Carlos Santos Silva, acumularam cerca de 24 milhões de euros (pelo dinheiro depositado e pelos rendimentos das aplicações financeiras que foram fazendo).

Esse montante foi concentrado nas contas da Brickhurst e da Pinehill, ambas criadas propositadamente para isso por Carlos Santos Silva, no banco UBS.

2010

No Orçamento do Estado de 2010, o governo liderado por José Sócrates aprovou o segundo Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT II). Era a melhor foram de fazer chegar a Portugal as verbas acumuladas na Suíça, sem que Sócrates e Carlos Santos Silva fossem punidos por não terem declarado esses rendimentos, mas também de poderem pagar o mínimo possível de impostos, continuando a ocultar a origem e a verdadeira titularidade desse dinheiro.

Assim, os dois combinaram que Santos Silva assumiria ser o dono dos valores depositados nas contas da Brickhurst e da Pinehill, informação que serviu de base ao preenchimento da documentação de adesão ao RERT II, e que todo o montante seria transferido para uma conta em Portugal titulada pelo mesmo Santos Silva. Para manter a confidencialidade de todo o processo, decidiram guardar toda a documentação relativa ao RERT num cofre bancário alugado por Carlos Santos Silva.

Para cumprir o plano, escolheram usar uma conta no BESI associada a uma outra no BES, que tinha Santos Silva como único titular e que era gerida pela gestora de conta do empresário. Para essa conta no BESI, entre outubro de 2010 e março de 2011, foram transferidos no total 23 milhões e 350 mil euros, em dinheiro e valores mobiliários, vindos da Pinehill e da Brickhurst. Os valores mobiliários deram depois lugar a uma carteira de títulos na conta do BESI, no valor de 12 milhões e 337 mil euros.

Com o dinheiro já em Portugal, Santos Silva entregou a declaração do RERT e pagou pouco mais de 1,15 milhões de euros de imposto, correspondente a 5% do total repatriado. O RERT foi feito no valor de 23 milhões e 13 mil euros, o que significa que ficaram quase 350 mil euros para declarar, a somar aos juros de 200 mil euros que renderam das aplicações feitas na Suíça, e outros 366 mil euros de juros gerados cá. Ou seja, no total, ficaram por declarar 916 mil euros.

2011

Agora que o dinheiro das luvas do Grupo Lena, do GES e de Vale do Lobo já estava em Portugal, era preciso encontrar uma forma de pô-lo à disposição de José Sócrates, sem que fosse possível determinar a origem. Assim, os fundos que estavam na conta do BESI, no valor de 17 milhões e 550 mil euros, foram transferidos para uma conta do BES, que tinha apenas relação com uma segunda conta também do BES, e também titulada por Carlos Santos Silva. Na primeira conta (CONTA A), o património ficava resguardado. Da segunda (CONTA B) saíam os levantamentos, pagamentos e transferências feitos em benefício exclusivo de José Sócrates.

Outros montantes (de valor muito inferior) foram transferidos da conta BESI para contas na CGD, no Barclays, no BPI e no Deutsche Bank.

Como forma de ser compensado pela colaboração no recebimento e circulação do dinheiro, Carlos Santos Silva gastou uma pequena parte dos 17 milhões e 550 mil euros que chegaram à CONTA A do BES. Comprou uma casa no Alto dos Moinhos, em Lisboa, e, em nome da mulher, comprou espaços de escritório na capital.

Em nenhum momento a CONTA A pagava diretamente despesas relacionadas com Sócrates. O dinheiro passava da CONTA A para a CONTA B e só então eram feitos os pagamentos, levantamentos ou transferências.

Como Sócrates terá usado 12 M€ até ser preso? A explicação em 3 minutos e 29 segundos

Utilização do dinheiro por José Sócrates

APARTAMENTO EM PARIS: € 3.536.478,00

Em 2012, José Sócrates ordenou a Carlos Santos Silva que comprasse um apartamento em Paris, onde estava a estudar. A casa ficaria em nome do próprio Santos Silva e todo o processo de compra seria gerido pelo empresário ou pelo advogado Gonçalo Trindade Ferreira.

Entre julho e setembro, Santos Silva transferiu da CONTA B 2,8 milhões de euros para a conta do notário, em França.

Comprada a casa na Av. Presidente Wilson, n.º 15, em Paris, José Sócrates mudou-se e ali viveu entre setembro de 2012 e julho de 2013. Durante esse tempo, o apartamento foi usado por Sócrates e família como se fosse dele, sem que qualquer renda fosse paga ao amigo Santos Silva. E logo em setembro começaram as compras de mobiliário e decoração, pagos com dinheiro que saiu da CONTA A para a CONTA B (descapitalizada pela compra do apartamento).

No total, em mobiliário e decoração, Carlos Santos Silva gastou mais de 82 mil euros, a que se somaram as contas do condomínio, pagas a partir da mesma conta, no valor de 9 mil euros.

Em setembro de 2013, por decisão de Sócrates, a casa entrou em obras, a cargo do gabinete de arquitectura Benlolo Architectes, escolhido por José Sócrates, num contrato assinado na presença de Santos Silva e Sócrates. O primeiro orçamento apontava para um custo de 307 mil euros, mas já com as obras em curso foram sendo apresentados orçamentos suplementares, aceites por Gonçalo Trindade Ferreira, a quem cabia acompanhar a execução das obras, ainda que o controlo da evolução dos trabalhos tenha sido sempre feito por José Sócrates e pela ex-mulher, Sofia Fava.

Na verdade, Santos Silva não mostrava grande interesse nas obras, apesar de (teoricamente) a casa ser dele e de ser ele a pagar os melhoramentos. No final, a factura chegou aos 480 mil euros, pagos por Santos Silva a partir da CONTA B. Da mesma conta saíram transferências para uma conta em nome de Gonçalo Trindade Ferreira, aberta num banco espanhol, para pagamento de outras despesas relacionadas com o apartamento, no valor de 39 mil euros.

Google Street View

A partir de 4 de janeiro de 2014, surgem notícias em Portugal sobre as casas compradas por Carlos Santos Silva em Paris e à mãe de José Sócrates. Os dois decidem então forjar um contrato de arrendamento, para fazer crer que o antigo primeiro ministro pagava uma renda ao amigo. O contrato foi feito por um advogado francês e dizia respeito ao arrendamento do apartamento entre janeiro e julho de 2013. Servia apenas para mostrar, caso fosse necessário, que Sócrates ocupava a casa como arrendatário e não como verdadeiro proprietário do imóvel, como na realidade era, na tentativa de evitar qualquer associação entre Sócrates e o dinheiro usado para a compra do apartamento.

Enquanto decorreram as obras, Sócrates, Sofia Fava e os filhos foram viver para um outro apartamento arrendado em Paris. As rendas, bem como as deslocações entre França e Lisboa, além das rendas de um outro apartamento usado por Gonçalo Pereira, filho de Pedro Silva Pereira, foram integralmente pagos pela XLM de Carlos Santos Silva, no valor de 58.200 euros. Em janeiro de 2015, estava José Sócrates preso há dois meses, Sofia Fava reembolsou a XLM em 54 mil euros, com dinheiro disponibilizado pelo ex-marido.

Assim, e no total, pela casa de Paris, móveis, decoração, condomínio, despesas várias, viagens de sócrates e familiares, obras no apartamento, rendas de outros apartamentos para sócrates, família e amigos, Carlos Santos Silva pagou 3 milhões e 536 mil euros.

COMPRA DE CASAS: € 1.175.000,00

Ainda em 2010, Carlos Santos Silva e José Sócrates criaram um esquema para fazer chegar dinheiro ao ex-primeiro-ministro, com a simulação da venda de casas registadas em nome da mãe, Maria Adelaide Monteiro.

Carlos Santos Silva comprava as casas, normalmente por um valor acima da avaliação real. Esse dinheiro chegava às contas de Maria Adelaide que, depois, o usava para as próprias defesas ou do irmão de Sócrates e transferia o restante para as contas do ex-primeiro-ministro. As casas, ainda assim, nunca deixavam de ser património da família.

Seguindo este esquema, Carlos Santos Silva "comprou" três casas à mãe de José Sócrates:

um apartamento no Cacém, comprado por 100 mil euros (e avaliado depois por 72.300 euros);

um apartamento no Cacém (no mesmo prédio), comprado por 75 mil euros (avaliado depois por 71.100 euros);

um apartamento na Rua Braancamp, em Lisboa, comprado por 600 mil euros.

No caso das casas do Cacém, 75% do pagamento foi feito seis meses antes da celebração das escrituras.

Além dos apartamentos da mãe, Carlos Santos Silva comprou também, através da empresa Gigabeira e na mesma lógica, um apartamento de Sofia Fava, na Rua Francisco Stromp, em Lisboa, pelo valor de 400 mil euros (avaliado depois por 290 mil euros). A casa tinha uma garagem associada, que não foi incluída no negócio, o que significaria que, se a venda fosse real, Sofia Fava vendia o apartamento mas ficava com uma garagem no prédio.

Parte dos 400 mil euros serviram para pagar uma dívida de 300 mil euros para com a Gigabeira, que tinha feito as obras na casa da Rua Abade Faria, também de Sofia Fava. Os outros 100 mil euros foram transferidos para a conta da ex-mulher de Sócrates. Mais uma vez, a venda foi escriturada no final de 2011, mas os pagamentos começaram em abril de 2010.

O imóvel acabou por se tornar uma garantia para os credores, quando a Gigabeira faliu.

© Hugo Correia / Reuters

DESPESAS DE SOFIA FAVA: € 1.094.073,00

Em 2011, Sofia Fava e José Sócrates combinaram comprar uma casa em Montemor-o-Novo, chamada Monte das Margaridas, que ficaria no nome dela, mas seria pago por Carlos Santos Silva. O imóvel custava 760 mil euros e Fava fez um empréstimo para o comprar, mas o pagamento das prestações foi sendo feito com dinheiro que vinha, na verdade, do empresário da Covilhã.

Além disso, Sofia Fava passou a receber também uma avença mensal, pela alegada prestação de serviços à empresa XLM, criada apenas para fazer entrar dinheiro das luvas pagas a José Sócrates, usado depois no pagamento de despesas ou avenças a pessoas do circulo do ex-primeiro ministro.

Sofia Fava era uma delas. Ainda em 2010 começou a receber avenças mensais de 5 mil euros, sem que na verdade fizesse qualquer trabalho para a XLM. Em alguns meses, as transferências chegaram aos 20 mil euros, justificadas como supostos adiantamentos. No total, entre 2010 e 2014, Sofia Fava receber da XLM 334 mil euros, como honorários.

NUNO VEIGA

Esses rendimentos não foram declarados no IRS, nas datas devidas, o que configura um crime de fraude fiscal. Só foram declarados no final de 2014 e de 2015 (já depois das detenções), com os impostos respetivos a serem pagos entre outubro de 2015 e Março de 2016.

Assim, do dinheiro que suspostamente seria de Carlos Santos Silva, mas que era, na verdade, de José Sócrates, saiu, no total, quase 1 milhão e 100 mil euros para Sofia Fava.

ENTREGAS EM DINHEIRO: € 1.169.700,00

Além do pagamento de despesas e compra de casas, José Sócrates precisava de dinheiro para uso diário. Sem poder recorrer a transferências bancárias que o ligassem a contas de Carlos Santos Silva, os dois combinaram que o empresário da Covilhã faria chegar ao antigo primeiro-ministro quantias em numerário, levantadas da CONTA B.

Os pedidos eram feitos, normalmente pelo telefone, mas sem referência a "dinheiro". Em vez disso, Sócrates pedia "folhas de dossiê", "fotocópias", "livros", "alguma coisa", "aquilo", "aquela outra coisa", "documentos", "aquela coisa de que eu gosto muito", "livros do Duda", "dossier", muitas vezes com indicação de ser em maior ou menor quantidade.

Os levantamentos são feitos por Carlos Santos Silva, pela emissão de cheques levantados no banco por ele próprio ou através da mulher, Inês do Rosário, ou colaboradores, como Gonçalo Trindade Ferreira, Carla Ponte e Gina Cruz.

Depois, são entregues pessoalmente, em casa de José Sócrates, ou através de envelopes dados a João Perna, o motorista. Servem para custear despesas de Sócrates, mas também para pagar o complemento não declarado do salário de João Perna e para dar a pessoas próximas como a mãe, a ex-mulher, as amigas Lígia Correia e Célia Tavares e a secretária Maria João. O próprio João Perna admite a terceiros, numa das vezes, que foi "buscar guito" a Carlos Santos Silva para comprar os presentes que José Sócrates ia oferecer no Natal daquele ano.

O primeiro levantamento foi feito em dezembro de 2010. Desde essa altura, foram feitos, pelo menos, 127 levantamentos da CONTA B, a que se somam levantamentos das contas de outros, como Inês do Rosário e Rui Mão de Ferro, compensados depois pelo dinheiro debitado.

Assim, no total, os levantamentos ultrapassaram os 1.100 milhões de euros.

LIVROS: € 113.964,00

Em outubro de 2013, José Sócrates lançou o livro "A Confiança no Mundo". Para garantir o sucesso nas vendas, combinou com Carlos Santos Silva montar uma rede de colaboradores que comprassem exemplares em vários pontos do país, com dinheiro que sairia das contas do BES. Entre esses colaboradores estavam, por exemplo, André Figueiredo, Lígia Correia, João Perna, Gonçalo Trindade Ferreira, Rui Mão de Ferro, Renato Sampaio e Inês do Rosário. Todos juntos compraram, pelo menos, 6.774 exemplares, dos 17.600 vendidos. Para isso, Carlos Santos Silva disponibilizou quase 114 mil euros, do dinheiro que veio da Suíça.

(LUSA/ ARQUIVO)

JOÃO PERNA: € 172.600,00

Parte das entregas em numerário feitas por Carlos Santos Silva eram para João Perna e serviam para pagar um complemento ao salário, não declarado. Além disso, o motorista de José Sócrates também recebia transferências na própria conta bancária, feitas pelo empresário. Esse dinheiro era usado também para pagar despesas de José Sócrates (como viagens, condomínio, compras) e da família (como o funeral do irmão) ou para dar a amigos e familiares do ex-primeiro-ministro, segundo indicações dele.

No total, entre outubro de 2011 e julho de 2014, João Perna recebeu de Carlos Santos Silva, em entregas, depósitos ou transferências, 172.600 euros para pagar despesas relacionadas com Sócrates.

SANDRA SANTOS: € 91.566,00

Sandra Santos é uma amiga de José Sócrates que vive na Suíça e com quem o ex-primeiro-ministro tinha encontros frequentes, em Portugal ou em Paris. Os dois passaram também alguns períodos de férias juntos.

Além disso, Sandra pedia, frequentemente, ajuda financeira a José Sócrates e, depois, diretamente a Carlos Santos Silva, por indicação do ex-primeiro-ministro.

Todas as despesas relacionadas com as deslocações ou alojamento de Sandra Santos e as ajudas financeiras que pedia eram pagas a partir das contas de Carlos Santos Silva. Entre 2011 e 2014, foram gastos mais de 91 mil 2 500 euros com Sandra Santos.

VIAGENS: € 428.295,00

Foram várias as viagens feitas por José Sócrates, em Portugal e no estrangeiro, pagas com o dinheiro das contas A e B do BES abertas por Carlos Santos Silva, onde chegaram os fundos trazidos da Suíça. Em alguns casos, os dois amigos viajaram juntos, com as respectivas companheiras. Noutras, Sócrates viajou apenas com a namorada ou familiares.

Menorca, em 2008, e Veneza, na passagem de ano de 2008, tiveram um custo total de mais de 73 mil euros, em faturas emitidas pela Top Atlântico. Em Fevereiro de 2009, a secretária do gabinete de José Sócrates, na altura primeiro-ministro, enviou um email a Carlos Santos Silva, por indicação de Sócrates, a pedir o pagamento daqueles valores, o que Santos Silva cumpriu, levantando para isso dinheiro da conta B do BES.

Em dezembro de 2009, José Sócrates voltou a Veneza com a família, para passar o fim do ano. Em janeiro de 2012, a Top Atlântico emitiu uma fatura em nome de Sócrates, no valor de quase 46 mil euros. O documento acabaria por ser anulado, com uma nota de crédito, e substituído por uma nova fatura em nome de Carlos Santos Silva, que a pagou com dinheiro sacado também da conta B.

Foi também Carlos Santos Silva, através da mesma conta, que pagou quase 40 mil euros em estadias de Sócrates, familiares e amigos no hotel Sheraton Pine Cliff, no Algarve, no verão de 2010 e em abril de 2011.

O pagamento de estadias no mesmo hotel ainda em 2006, no valor de 21 mil euros, foi feito em dinheiro pelo primo de José Sócrates, com dinheiro do que tinha recebido na conta da Gunter (luvas pelo chumbo da OPA da Sonae à PT).

A essas viagens somam-se Cabo Verde, em dezembro de 2013, e Formentera, em julho de 2014 (só a moradia onde ficaram custou 18 mil euros, por 11 dias), por exemplo, pagas por Carlos Santos Silva, a partir da conta B.

No total, o dinheiro que veio da Suiça serviu para pagar, entre 2006 e 2014, 428 mil euros em viagens e hotéis, para os dois amigos ou apenas para José Sócrates.

AVENÇA DYNAMICSPHARMA: € 250.000,00

No início de 2013, José Sócrates começou a trabalhar como consultor da Octapharma, uma empresa do sector farmacêutico, que tinha Paulo Lalanda e Castro como responsável máximo em Portugal.

Como consultor, cabia-lhe facilitar negócios da Octapharma em países onde tinha boas relações com os responsáveis políticos, como a Argélia, o Brasil e a Venezuela. Aproveitava esses contactos também para promover os interesses também das empresas de Carlos Santos Silva e do Grupo Lena. É, de resto, neste contexto, e no interesse do Grupo Lena, que pede uma reunião com o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, com quem acabaria por se encontrar em Nova Iorque.

Para esses contactos, usava a qualidade de ex-primeiro ministro para pedir reuniões a diplomatas portugueses.

Pelo serviço prestado à Octapharma , passou a receber o montante mensal de 12.500 euros.

O valor era, porém, curto para todas as despesas que tinha. A meio de 2013, tinha o saldo da conta bancária esgotado e as entregas em numerário feitas por Carlos Santos Silva também não eram suficientes para custear o estilo de vida do antigo primeiro-ministro, que chegou a pedir um empréstimo de 75 mil euros à CGD. Dinheiro de que na verdade não precisava, ma apresentava, assim, uma origem justificada para os pagamentos que tinha de fazer.

Em Março de 2014, face a essas dificuldades financeiras e para diminuir os riscos das entregas constantes de envelopes com dinheiro, José Sócrates e Carlos Santos Silva conceberam um plano para gerar, de forma aparentemente justificada, uma segunda avença mensal a somar à da Octapharma, com o dinheiro vindo da Suíça.

Com a ajuda de Paulo Lalanda e Castro, forjaram um segundo contrato de prestação de serviços, com uma outra empresa do grupo Octapharma, a Dynamicspharma. Por esse contrato, também de consultoria, receberia outros 12.500 euros por mês.

O Grupo Octapharma seria depois compensado por esses pagamentos, com dinheiro que chegaria através de facturas falsas, passadas a uma empresa de Carlos Santos Silva, garantindo assim que, na prática, a Octapharma não gastava qualquer valor adicional com esse segundo contrato.

O esquema era simples: a XMI (de Santos Silva) pagava à ILS (empresa do grupo Octapharma, sedeada em Londres) por serviços alegadamente prestados. Quando o primeiro desses pagamentos chega ao Reino Unido, Paulo Lalando e Castro comunica a José Sócrates que "a nossa amiga condessa já chegou a Londres"). Com o dinheiro na esfera do Grupo, a Dynamicspharma pagava depois a José Sócrates, pelos novos serviços de consultoria que, na verdade, não existiam.

No total, José Sócrates recebeu 250 mil euros por essa avença falsa. Dinheiro que, na verdade, tinha origem nos fundos que, com Santos Silva, tinha trazido da Suiça para Portugal.

OBRAS DE ARTE: € 197.000,00

A partir de 2011, parte do dinheiro que veio da Suiça foi usada para comprar obras de arte. Os negócios foram feitos entre Carlos Santos Silva e a galeria Antiks Design, mas os quadros foram escolhidos por e para José Sócrates.

Alguns acabariam por ser encontrados na casa da empregada de José Sócrates, para onde foram levados quando começaram as buscas e detenções da Operação Marquês.

No total, foram compradas obras de arte no valor de 197 mil euros.

2011 e 2012

A todos estes gastos, somam-se ainda investimentos na área dos audiovisuais e do futebol, nomeadamente com a compra de direitos de transmissão televisiva, mas também com ligações a uma empresa que geria os passes de jogadores e SADs de clubes, detida por Rui Pedro Soares.

Negócios que movimentaram mais de 3 milhões de euros, com investimentos feitos a partir do dinheiro recebido nas constas A e B do BES e com benefícios para José Sócrates e Carlos Santos Silva, depositados nas mesmas contas.

Leia também:

1ª parte: O plano de Sócrates e Santos Silva e o envolvimento do Grupo Lena

2ª parte: Sócrates e Vale do Lobo, Salgado os negócios da PT

Nas contas do Ministério Público, as alegadas luvas valeram a José Sócrates pouco mais de 34 milhões de euros, mas é um número que nasce de outros dois.

A saber: o Grupo Lena terá pago 2 milhões e 875 mil euros, Vale do Lobo terá pago 1 milhão de euros e Ricardo Salgado terá pago 29 milhões de euros. Tudo somado, estamos a falar de 35 milhões e 875 mil euros de luvas.

O problema é que o Ministério Público considera que, dos 29 milhões pagos pelo GES, só chegaram a Sócrates chega de 25 milhões. Os restantes quatro ficaram ainda no Grupo Lena, que serviu de intermediário para o pagamento dessas luvas, o que significa que, do valor total prometido pelos três alegados corruptores, o ex-primeiro ministro só recebeu cerca de 32 milhões de euros.

Como chegamos, afinal, aos €34.143.715,64 finais? Porque esses 32 milhões que Sócrates terá efectivamente recebido geraram juros e mais valias, que também são considerados lucro para o arguido.

Parte desse dinheiro, cerca de 24 milhões de euros, foi concentrado em contas na Suíça.

A transferência do dinheiro da Suíça para Portugal

Por via das transferências feitas por Joaquim Barroca, por Hélder Bataglia e por José Paulo Pinto de Sousa (que deixou de ser guardador do dinheiro de José Sócrates quando o nome desse primo foi referido no processo Freeport), as contas na Suíça das várias sociedades offshore de Carlos Santos Silva, acumularam cerca de 24 milhões de euros (pelo dinheiro depositado e pelos rendimentos das aplicações financeiras que foram fazendo).

Esse montante foi concentrado nas contas da Brickhurst e da Pinehill, ambas criadas propositadamente para isso por Carlos Santos Silva, no banco UBS.

2010

No Orçamento do Estado de 2010, o governo liderado por José Sócrates aprovou o segundo Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT II). Era a melhor foram de fazer chegar a Portugal as verbas acumuladas na Suíça, sem que Sócrates e Carlos Santos Silva fossem punidos por não terem declarado esses rendimentos, mas também de poderem pagar o mínimo possível de impostos, continuando a ocultar a origem e a verdadeira titularidade desse dinheiro.

Assim, os dois combinaram que Santos Silva assumiria ser o dono dos valores depositados nas contas da Brickhurst e da Pinehill, informação que serviu de base ao preenchimento da documentação de adesão ao RERT II, e que todo o montante seria transferido para uma conta em Portugal titulada pelo mesmo Santos Silva. Para manter a confidencialidade de todo o processo, decidiram guardar toda a documentação relativa ao RERT num cofre bancário alugado por Carlos Santos Silva.

Para cumprir o plano, escolheram usar uma conta no BESI associada a uma outra no BES, que tinha Santos Silva como único titular e que era gerida pela gestora de conta do empresário. Para essa conta no BESI, entre outubro de 2010 e março de 2011, foram transferidos no total 23 milhões e 350 mil euros, em dinheiro e valores mobiliários, vindos da Pinehill e da Brickhurst. Os valores mobiliários deram depois lugar a uma carteira de títulos na conta do BESI, no valor de 12 milhões e 337 mil euros.

Com o dinheiro já em Portugal, Santos Silva entregou a declaração do RERT e pagou pouco mais de 1,15 milhões de euros de imposto, correspondente a 5% do total repatriado. O RERT foi feito no valor de 23 milhões e 13 mil euros, o que significa que ficaram quase 350 mil euros para declarar, a somar aos juros de 200 mil euros que renderam das aplicações feitas na Suíça, e outros 366 mil euros de juros gerados cá. Ou seja, no total, ficaram por declarar 916 mil euros.

2011

Agora que o dinheiro das luvas do Grupo Lena, do GES e de Vale do Lobo já estava em Portugal, era preciso encontrar uma forma de pô-lo à disposição de José Sócrates, sem que fosse possível determinar a origem. Assim, os fundos que estavam na conta do BESI, no valor de 17 milhões e 550 mil euros, foram transferidos para uma conta do BES, que tinha apenas relação com uma segunda conta também do BES, e também titulada por Carlos Santos Silva. Na primeira conta (CONTA A), o património ficava resguardado. Da segunda (CONTA B) saíam os levantamentos, pagamentos e transferências feitos em benefício exclusivo de José Sócrates.

Outros montantes (de valor muito inferior) foram transferidos da conta BESI para contas na CGD, no Barclays, no BPI e no Deutsche Bank.

Como forma de ser compensado pela colaboração no recebimento e circulação do dinheiro, Carlos Santos Silva gastou uma pequena parte dos 17 milhões e 550 mil euros que chegaram à CONTA A do BES. Comprou uma casa no Alto dos Moinhos, em Lisboa, e, em nome da mulher, comprou espaços de escritório na capital.

Em nenhum momento a CONTA A pagava diretamente despesas relacionadas com Sócrates. O dinheiro passava da CONTA A para a CONTA B e só então eram feitos os pagamentos, levantamentos ou transferências.

Como Sócrates terá usado 12 M€ até ser preso? A explicação em 3 minutos e 29 segundos

Utilização do dinheiro por José Sócrates

APARTAMENTO EM PARIS: € 3.536.478,00

Em 2012, José Sócrates ordenou a Carlos Santos Silva que comprasse um apartamento em Paris, onde estava a estudar. A casa ficaria em nome do próprio Santos Silva e todo o processo de compra seria gerido pelo empresário ou pelo advogado Gonçalo Trindade Ferreira.

Entre julho e setembro, Santos Silva transferiu da CONTA B 2,8 milhões de euros para a conta do notário, em França.

Comprada a casa na Av. Presidente Wilson, n.º 15, em Paris, José Sócrates mudou-se e ali viveu entre setembro de 2012 e julho de 2013. Durante esse tempo, o apartamento foi usado por Sócrates e família como se fosse dele, sem que qualquer renda fosse paga ao amigo Santos Silva. E logo em setembro começaram as compras de mobiliário e decoração, pagos com dinheiro que saiu da CONTA A para a CONTA B (descapitalizada pela compra do apartamento).

No total, em mobiliário e decoração, Carlos Santos Silva gastou mais de 82 mil euros, a que se somaram as contas do condomínio, pagas a partir da mesma conta, no valor de 9 mil euros.

Em setembro de 2013, por decisão de Sócrates, a casa entrou em obras, a cargo do gabinete de arquitectura Benlolo Architectes, escolhido por José Sócrates, num contrato assinado na presença de Santos Silva e Sócrates. O primeiro orçamento apontava para um custo de 307 mil euros, mas já com as obras em curso foram sendo apresentados orçamentos suplementares, aceites por Gonçalo Trindade Ferreira, a quem cabia acompanhar a execução das obras, ainda que o controlo da evolução dos trabalhos tenha sido sempre feito por José Sócrates e pela ex-mulher, Sofia Fava.

Na verdade, Santos Silva não mostrava grande interesse nas obras, apesar de (teoricamente) a casa ser dele e de ser ele a pagar os melhoramentos. No final, a factura chegou aos 480 mil euros, pagos por Santos Silva a partir da CONTA B. Da mesma conta saíram transferências para uma conta em nome de Gonçalo Trindade Ferreira, aberta num banco espanhol, para pagamento de outras despesas relacionadas com o apartamento, no valor de 39 mil euros.

Google Street View

A partir de 4 de janeiro de 2014, surgem notícias em Portugal sobre as casas compradas por Carlos Santos Silva em Paris e à mãe de José Sócrates. Os dois decidem então forjar um contrato de arrendamento, para fazer crer que o antigo primeiro ministro pagava uma renda ao amigo. O contrato foi feito por um advogado francês e dizia respeito ao arrendamento do apartamento entre janeiro e julho de 2013. Servia apenas para mostrar, caso fosse necessário, que Sócrates ocupava a casa como arrendatário e não como verdadeiro proprietário do imóvel, como na realidade era, na tentativa de evitar qualquer associação entre Sócrates e o dinheiro usado para a compra do apartamento.

Enquanto decorreram as obras, Sócrates, Sofia Fava e os filhos foram viver para um outro apartamento arrendado em Paris. As rendas, bem como as deslocações entre França e Lisboa, além das rendas de um outro apartamento usado por Gonçalo Pereira, filho de Pedro Silva Pereira, foram integralmente pagos pela XLM de Carlos Santos Silva, no valor de 58.200 euros. Em janeiro de 2015, estava José Sócrates preso há dois meses, Sofia Fava reembolsou a XLM em 54 mil euros, com dinheiro disponibilizado pelo ex-marido.

Assim, e no total, pela casa de Paris, móveis, decoração, condomínio, despesas várias, viagens de sócrates e familiares, obras no apartamento, rendas de outros apartamentos para sócrates, família e amigos, Carlos Santos Silva pagou 3 milhões e 536 mil euros.

COMPRA DE CASAS: € 1.175.000,00

Ainda em 2010, Carlos Santos Silva e José Sócrates criaram um esquema para fazer chegar dinheiro ao ex-primeiro-ministro, com a simulação da venda de casas registadas em nome da mãe, Maria Adelaide Monteiro.

Carlos Santos Silva comprava as casas, normalmente por um valor acima da avaliação real. Esse dinheiro chegava às contas de Maria Adelaide que, depois, o usava para as próprias defesas ou do irmão de Sócrates e transferia o restante para as contas do ex-primeiro-ministro. As casas, ainda assim, nunca deixavam de ser património da família.

Seguindo este esquema, Carlos Santos Silva "comprou" três casas à mãe de José Sócrates:

um apartamento no Cacém, comprado por 100 mil euros (e avaliado depois por 72.300 euros);

um apartamento no Cacém (no mesmo prédio), comprado por 75 mil euros (avaliado depois por 71.100 euros);

um apartamento na Rua Braancamp, em Lisboa, comprado por 600 mil euros.

No caso das casas do Cacém, 75% do pagamento foi feito seis meses antes da celebração das escrituras.

Além dos apartamentos da mãe, Carlos Santos Silva comprou também, através da empresa Gigabeira e na mesma lógica, um apartamento de Sofia Fava, na Rua Francisco Stromp, em Lisboa, pelo valor de 400 mil euros (avaliado depois por 290 mil euros). A casa tinha uma garagem associada, que não foi incluída no negócio, o que significaria que, se a venda fosse real, Sofia Fava vendia o apartamento mas ficava com uma garagem no prédio.

Parte dos 400 mil euros serviram para pagar uma dívida de 300 mil euros para com a Gigabeira, que tinha feito as obras na casa da Rua Abade Faria, também de Sofia Fava. Os outros 100 mil euros foram transferidos para a conta da ex-mulher de Sócrates. Mais uma vez, a venda foi escriturada no final de 2011, mas os pagamentos começaram em abril de 2010.

O imóvel acabou por se tornar uma garantia para os credores, quando a Gigabeira faliu.

© Hugo Correia / Reuters

DESPESAS DE SOFIA FAVA: € 1.094.073,00

Em 2011, Sofia Fava e José Sócrates combinaram comprar uma casa em Montemor-o-Novo, chamada Monte das Margaridas, que ficaria no nome dela, mas seria pago por Carlos Santos Silva. O imóvel custava 760 mil euros e Fava fez um empréstimo para o comprar, mas o pagamento das prestações foi sendo feito com dinheiro que vinha, na verdade, do empresário da Covilhã.

Além disso, Sofia Fava passou a receber também uma avença mensal, pela alegada prestação de serviços à empresa XLM, criada apenas para fazer entrar dinheiro das luvas pagas a José Sócrates, usado depois no pagamento de despesas ou avenças a pessoas do circulo do ex-primeiro ministro.

Sofia Fava era uma delas. Ainda em 2010 começou a receber avenças mensais de 5 mil euros, sem que na verdade fizesse qualquer trabalho para a XLM. Em alguns meses, as transferências chegaram aos 20 mil euros, justificadas como supostos adiantamentos. No total, entre 2010 e 2014, Sofia Fava receber da XLM 334 mil euros, como honorários.

NUNO VEIGA

Esses rendimentos não foram declarados no IRS, nas datas devidas, o que configura um crime de fraude fiscal. Só foram declarados no final de 2014 e de 2015 (já depois das detenções), com os impostos respetivos a serem pagos entre outubro de 2015 e Março de 2016.

Assim, do dinheiro que suspostamente seria de Carlos Santos Silva, mas que era, na verdade, de José Sócrates, saiu, no total, quase 1 milhão e 100 mil euros para Sofia Fava.

ENTREGAS EM DINHEIRO: € 1.169.700,00

Além do pagamento de despesas e compra de casas, José Sócrates precisava de dinheiro para uso diário. Sem poder recorrer a transferências bancárias que o ligassem a contas de Carlos Santos Silva, os dois combinaram que o empresário da Covilhã faria chegar ao antigo primeiro-ministro quantias em numerário, levantadas da CONTA B.

Os pedidos eram feitos, normalmente pelo telefone, mas sem referência a "dinheiro". Em vez disso, Sócrates pedia "folhas de dossiê", "fotocópias", "livros", "alguma coisa", "aquilo", "aquela outra coisa", "documentos", "aquela coisa de que eu gosto muito", "livros do Duda", "dossier", muitas vezes com indicação de ser em maior ou menor quantidade.

Os levantamentos são feitos por Carlos Santos Silva, pela emissão de cheques levantados no banco por ele próprio ou através da mulher, Inês do Rosário, ou colaboradores, como Gonçalo Trindade Ferreira, Carla Ponte e Gina Cruz.

Depois, são entregues pessoalmente, em casa de José Sócrates, ou através de envelopes dados a João Perna, o motorista. Servem para custear despesas de Sócrates, mas também para pagar o complemento não declarado do salário de João Perna e para dar a pessoas próximas como a mãe, a ex-mulher, as amigas Lígia Correia e Célia Tavares e a secretária Maria João. O próprio João Perna admite a terceiros, numa das vezes, que foi "buscar guito" a Carlos Santos Silva para comprar os presentes que José Sócrates ia oferecer no Natal daquele ano.

O primeiro levantamento foi feito em dezembro de 2010. Desde essa altura, foram feitos, pelo menos, 127 levantamentos da CONTA B, a que se somam levantamentos das contas de outros, como Inês do Rosário e Rui Mão de Ferro, compensados depois pelo dinheiro debitado.

Assim, no total, os levantamentos ultrapassaram os 1.100 milhões de euros.

LIVROS: € 113.964,00

Em outubro de 2013, José Sócrates lançou o livro "A Confiança no Mundo". Para garantir o sucesso nas vendas, combinou com Carlos Santos Silva montar uma rede de colaboradores que comprassem exemplares em vários pontos do país, com dinheiro que sairia das contas do BES. Entre esses colaboradores estavam, por exemplo, André Figueiredo, Lígia Correia, João Perna, Gonçalo Trindade Ferreira, Rui Mão de Ferro, Renato Sampaio e Inês do Rosário. Todos juntos compraram, pelo menos, 6.774 exemplares, dos 17.600 vendidos. Para isso, Carlos Santos Silva disponibilizou quase 114 mil euros, do dinheiro que veio da Suíça.

(LUSA/ ARQUIVO)

JOÃO PERNA: € 172.600,00

Parte das entregas em numerário feitas por Carlos Santos Silva eram para João Perna e serviam para pagar um complemento ao salário, não declarado. Além disso, o motorista de José Sócrates também recebia transferências na própria conta bancária, feitas pelo empresário. Esse dinheiro era usado também para pagar despesas de José Sócrates (como viagens, condomínio, compras) e da família (como o funeral do irmão) ou para dar a amigos e familiares do ex-primeiro-ministro, segundo indicações dele.

No total, entre outubro de 2011 e julho de 2014, João Perna recebeu de Carlos Santos Silva, em entregas, depósitos ou transferências, 172.600 euros para pagar despesas relacionadas com Sócrates.

SANDRA SANTOS: € 91.566,00

Sandra Santos é uma amiga de José Sócrates que vive na Suíça e com quem o ex-primeiro-ministro tinha encontros frequentes, em Portugal ou em Paris. Os dois passaram também alguns períodos de férias juntos.

Além disso, Sandra pedia, frequentemente, ajuda financeira a José Sócrates e, depois, diretamente a Carlos Santos Silva, por indicação do ex-primeiro-ministro.

Todas as despesas relacionadas com as deslocações ou alojamento de Sandra Santos e as ajudas financeiras que pedia eram pagas a partir das contas de Carlos Santos Silva. Entre 2011 e 2014, foram gastos mais de 91 mil 2 500 euros com Sandra Santos.

VIAGENS: € 428.295,00

Foram várias as viagens feitas por José Sócrates, em Portugal e no estrangeiro, pagas com o dinheiro das contas A e B do BES abertas por Carlos Santos Silva, onde chegaram os fundos trazidos da Suíça. Em alguns casos, os dois amigos viajaram juntos, com as respectivas companheiras. Noutras, Sócrates viajou apenas com a namorada ou familiares.

Menorca, em 2008, e Veneza, na passagem de ano de 2008, tiveram um custo total de mais de 73 mil euros, em faturas emitidas pela Top Atlântico. Em Fevereiro de 2009, a secretária do gabinete de José Sócrates, na altura primeiro-ministro, enviou um email a Carlos Santos Silva, por indicação de Sócrates, a pedir o pagamento daqueles valores, o que Santos Silva cumpriu, levantando para isso dinheiro da conta B do BES.

Em dezembro de 2009, José Sócrates voltou a Veneza com a família, para passar o fim do ano. Em janeiro de 2012, a Top Atlântico emitiu uma fatura em nome de Sócrates, no valor de quase 46 mil euros. O documento acabaria por ser anulado, com uma nota de crédito, e substituído por uma nova fatura em nome de Carlos Santos Silva, que a pagou com dinheiro sacado também da conta B.

Foi também Carlos Santos Silva, através da mesma conta, que pagou quase 40 mil euros em estadias de Sócrates, familiares e amigos no hotel Sheraton Pine Cliff, no Algarve, no verão de 2010 e em abril de 2011.

O pagamento de estadias no mesmo hotel ainda em 2006, no valor de 21 mil euros, foi feito em dinheiro pelo primo de José Sócrates, com dinheiro do que tinha recebido na conta da Gunter (luvas pelo chumbo da OPA da Sonae à PT).

A essas viagens somam-se Cabo Verde, em dezembro de 2013, e Formentera, em julho de 2014 (só a moradia onde ficaram custou 18 mil euros, por 11 dias), por exemplo, pagas por Carlos Santos Silva, a partir da conta B.

No total, o dinheiro que veio da Suiça serviu para pagar, entre 2006 e 2014, 428 mil euros em viagens e hotéis, para os dois amigos ou apenas para José Sócrates.

AVENÇA DYNAMICSPHARMA: € 250.000,00

No início de 2013, José Sócrates começou a trabalhar como consultor da Octapharma, uma empresa do sector farmacêutico, que tinha Paulo Lalanda e Castro como responsável máximo em Portugal.

Como consultor, cabia-lhe facilitar negócios da Octapharma em países onde tinha boas relações com os responsáveis políticos, como a Argélia, o Brasil e a Venezuela. Aproveitava esses contactos também para promover os interesses também das empresas de Carlos Santos Silva e do Grupo Lena. É, de resto, neste contexto, e no interesse do Grupo Lena, que pede uma reunião com o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, com quem acabaria por se encontrar em Nova Iorque.

Para esses contactos, usava a qualidade de ex-primeiro ministro para pedir reuniões a diplomatas portugueses.

Pelo serviço prestado à Octapharma , passou a receber o montante mensal de 12.500 euros.

O valor era, porém, curto para todas as despesas que tinha. A meio de 2013, tinha o saldo da conta bancária esgotado e as entregas em numerário feitas por Carlos Santos Silva também não eram suficientes para custear o estilo de vida do antigo primeiro-ministro, que chegou a pedir um empréstimo de 75 mil euros à CGD. Dinheiro de que na verdade não precisava, ma apresentava, assim, uma origem justificada para os pagamentos que tinha de fazer.

Em Março de 2014, face a essas dificuldades financeiras e para diminuir os riscos das entregas constantes de envelopes com dinheiro, José Sócrates e Carlos Santos Silva conceberam um plano para gerar, de forma aparentemente justificada, uma segunda avença mensal a somar à da Octapharma, com o dinheiro vindo da Suíça.

Com a ajuda de Paulo Lalanda e Castro, forjaram um segundo contrato de prestação de serviços, com uma outra empresa do grupo Octapharma, a Dynamicspharma. Por esse contrato, também de consultoria, receberia outros 12.500 euros por mês.

O Grupo Octapharma seria depois compensado por esses pagamentos, com dinheiro que chegaria através de facturas falsas, passadas a uma empresa de Carlos Santos Silva, garantindo assim que, na prática, a Octapharma não gastava qualquer valor adicional com esse segundo contrato.

O esquema era simples: a XMI (de Santos Silva) pagava à ILS (empresa do grupo Octapharma, sedeada em Londres) por serviços alegadamente prestados. Quando o primeiro desses pagamentos chega ao Reino Unido, Paulo Lalando e Castro comunica a José Sócrates que "a nossa amiga condessa já chegou a Londres"). Com o dinheiro na esfera do Grupo, a Dynamicspharma pagava depois a José Sócrates, pelos novos serviços de consultoria que, na verdade, não existiam.

No total, José Sócrates recebeu 250 mil euros por essa avença falsa. Dinheiro que, na verdade, tinha origem nos fundos que, com Santos Silva, tinha trazido da Suiça para Portugal.

OBRAS DE ARTE: € 197.000,00

A partir de 2011, parte do dinheiro que veio da Suiça foi usada para comprar obras de arte. Os negócios foram feitos entre Carlos Santos Silva e a galeria Antiks Design, mas os quadros foram escolhidos por e para José Sócrates.

Alguns acabariam por ser encontrados na casa da empregada de José Sócrates, para onde foram levados quando começaram as buscas e detenções da Operação Marquês.

No total, foram compradas obras de arte no valor de 197 mil euros.

2011 e 2012

A todos estes gastos, somam-se ainda investimentos na área dos audiovisuais e do futebol, nomeadamente com a compra de direitos de transmissão televisiva, mas também com ligações a uma empresa que geria os passes de jogadores e SADs de clubes, detida por Rui Pedro Soares.

Negócios que movimentaram mais de 3 milhões de euros, com investimentos feitos a partir do dinheiro recebido nas constas A e B do BES e com benefícios para José Sócrates e Carlos Santos Silva, depositados nas mesmas contas.

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