Terras abandonadas passam para autarquias

17-08-2016
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Portugal a banhos, os emigrantes a darem vida e cor ao interior do território e a floresta a arder. O cenário, em agosto, repete-se, mas este ano o fogo lavrou mais do que nos verões anteriores, apanhando o Governo desprevenido. Só este ano já arderam 93 mil hectares de floresta, sendo Portugal responsável por perto de metade do total da área ardida na União Europeia.

Nos primeiros dias de agosto, o primeiro-ministro manteve-se em descanso, mas com o descalabro das chamas na Madeira regressou ao ativo: visitou a ilha, mediu a dimensão dos estragos com os próprios olhos e, em conferência de imprensa, garantiu apoio financeiro ao arquipélago, apesar de não ter avançado qualquer montante. Deixou essa contabilidade para daqui a duas semanas, quando for feito “o levantamento exaustivo dos danos sofridos” e depois de “explorados” os mecanismos de ajuda europeus.

Mas, de regresso a Lisboa, na quinta-feira à noite, reuniu-se de imediato com o Presidente da República em Belém e começou a tratar de medidas concretas para, no futuro, evitar incêndios de tão grandes dimensões. O Expresso sabe que a intenção é passar a posse das terras abandonadas para as autarquias, que ficarão responsáveis pela sua gestão e exploração, uma proposta a que Marcelo Rebelo de Sousa já deu luz verde.

Não se trata de nacionalizar ou expropriar, já que as propriedades serão revertidas aos legítimos proprietários se forem, entretanto, identificados. “Não se retira a propriedade, tira-se a posse”, diz fonte do gabinete do primeiro-ministro, que avança que “as autarquias serão dotadas de recursos para esse efeito”.

O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, que lidera o grupo de trabalho interministerial criado em Conselho de Ministros esta quinta-feira e mandatado para preparar um conjunto de medidas para minimizar os incêndios, disse em exclusivo ao Expresso que “esta comissão vai discutir e propor, com urgência, um conjunto de medidas que deverão ser aprovadas num Conselho de Ministros especialmente convocado para o efeito, em outubro”.

A passagem da posse de terras abandonadas para as autarquias será uma das medidas a serem aprovadas na reunião ministerial. Contudo, para que avance é preciso resolver o imbróglio do cadastro da propriedade rústica, que Capoulas Santos diz, “caricaturalmente”, estar a ser “elaborado desde o início da nossa nacionalidade”, cobrindo até hoje menos de 50% do território nacional. Os projetos-piloto de cadastro da propriedade, iniciados há vários anos, “não se encontram, infelizmente, concluídos e abrangem um número muito reduzido de municípios”.

Mas a informação existe, só é preciso organizá-la: “O objetivo é avançar tanto quanto possível na cobertura que falta, tirando partido da grande disponibilidade de dados que são recolhidos para outros fins, como os parcelários exigíveis para os pagamentos das ajudas da Política Agrícola Comum ou a muita informação disponível nas Câmaras Municipais nos respetivos Planos Diretores Municipais”, exemplifica. As entidades gestoras das Zonas de Intervenção Florestal vão ser chamadas a participar neste processo de identificação e, onde não existirem, serão as autarquias a recolher informação sobre as terras. Concluído e pronto a ser submetido a Conselho de Ministros está o diploma que criará o Banco de Terras, que vai distribuir a exploração de propriedades preferencialmente a jovens e novos agricultores.

Mais sapadores florestais

Outra das propostas principais do grupo interministerial (composto, além do Ministério da Agricultura, pelas Finanças, Defesa Nacional, Administração Interna, Justiça, Economia e Ambiente) será a duplicação das equipas de sapadores florestais, aumentando o efetivo de profissionais no combate às chamas. “É objetivo deste Governo atingir a meta das 500 equipas”, especifica Capoulas. Existem atualmente 267 destas unidades e, até ao final do ano, serão constituídas mais 20. “A criação destas equipas foi decidida por mim próprio há mais de 15 anos, quando exerci as funções de ministro da Agricultura nos governos do engenheiro António Guterres, e desde então conheceu uma relativa estagnação. O fator mais limitativo são as restrições orçamentais, que esperamos possam progressivamente ser levantadas em cada ano”, conta.

As verbas alocadas às medidas florestais, no Plano de Desenvolvimento Rural a aplicar até 2020, rondam €500 milhões e cabe ao Governo “decidir qual o montante deste valor que deverá ser afetado à recuperação dos prejuízos sofridos devido aos incêndios de 2016, cujo levantamento já está em curso”, explica Capoulas. “O que já solicitámos a Bruxelas, e que já foi verbalmente deferido, foi a flexibilização do programa, permitindo que as despesas efetuadas desde já possam ser consideradas elegíveis, antes mesmo de as candidaturas serem apresentadas e aprovadas, permitindo a utilização das verbas”, avança. O Fundo de Calamidades da União Europeia poderá ser acionado e destina-se a apoiar os Estados-membros em caso de catástrofe.

Em preparação está o Plano de Fogo Controlado (utilização de fogo para reduzir a carga de combustível nos solos e, assim, a área percorrida pelos incêndios), que se juntará ao Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios, criado em 2006 e que tem sido criticado — até pelo secretário de Estado da Administração Interna, o socialista Ascenso Simões, em 2014, que na sua tese de mestrado sobre a defesa da floresta, analisada pelo “Público”, assumiu como sendo um “erro grave”.

Capoulas conta que o Governo já fez uma “primeira apreciação” ao plano e vai decidir que medidas alterar ou suprimir. Haverá as que se mantêm: atualmente, “desenvolvem-se ações de gestão de combustível numa área que ronda os 5 mil hectares por ano, são levadas a cabo ações de manutenção da rede viária ao longo de sete mil quilómetros por ano e é assegurada a manutenção de pontos de água para abastecimento de meios”, exemplifica.

Com Hugo Franco, João Miguel Salvador, Carla Tomás e Raquel Albuquerque

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 13 agosto 2016

Portugal a banhos, os emigrantes a darem vida e cor ao interior do território e a floresta a arder. O cenário, em agosto, repete-se, mas este ano o fogo lavrou mais do que nos verões anteriores, apanhando o Governo desprevenido. Só este ano já arderam 93 mil hectares de floresta, sendo Portugal responsável por perto de metade do total da área ardida na União Europeia.

Nos primeiros dias de agosto, o primeiro-ministro manteve-se em descanso, mas com o descalabro das chamas na Madeira regressou ao ativo: visitou a ilha, mediu a dimensão dos estragos com os próprios olhos e, em conferência de imprensa, garantiu apoio financeiro ao arquipélago, apesar de não ter avançado qualquer montante. Deixou essa contabilidade para daqui a duas semanas, quando for feito “o levantamento exaustivo dos danos sofridos” e depois de “explorados” os mecanismos de ajuda europeus.

Mas, de regresso a Lisboa, na quinta-feira à noite, reuniu-se de imediato com o Presidente da República em Belém e começou a tratar de medidas concretas para, no futuro, evitar incêndios de tão grandes dimensões. O Expresso sabe que a intenção é passar a posse das terras abandonadas para as autarquias, que ficarão responsáveis pela sua gestão e exploração, uma proposta a que Marcelo Rebelo de Sousa já deu luz verde.

Não se trata de nacionalizar ou expropriar, já que as propriedades serão revertidas aos legítimos proprietários se forem, entretanto, identificados. “Não se retira a propriedade, tira-se a posse”, diz fonte do gabinete do primeiro-ministro, que avança que “as autarquias serão dotadas de recursos para esse efeito”.

O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, que lidera o grupo de trabalho interministerial criado em Conselho de Ministros esta quinta-feira e mandatado para preparar um conjunto de medidas para minimizar os incêndios, disse em exclusivo ao Expresso que “esta comissão vai discutir e propor, com urgência, um conjunto de medidas que deverão ser aprovadas num Conselho de Ministros especialmente convocado para o efeito, em outubro”.

A passagem da posse de terras abandonadas para as autarquias será uma das medidas a serem aprovadas na reunião ministerial. Contudo, para que avance é preciso resolver o imbróglio do cadastro da propriedade rústica, que Capoulas Santos diz, “caricaturalmente”, estar a ser “elaborado desde o início da nossa nacionalidade”, cobrindo até hoje menos de 50% do território nacional. Os projetos-piloto de cadastro da propriedade, iniciados há vários anos, “não se encontram, infelizmente, concluídos e abrangem um número muito reduzido de municípios”.

Mas a informação existe, só é preciso organizá-la: “O objetivo é avançar tanto quanto possível na cobertura que falta, tirando partido da grande disponibilidade de dados que são recolhidos para outros fins, como os parcelários exigíveis para os pagamentos das ajudas da Política Agrícola Comum ou a muita informação disponível nas Câmaras Municipais nos respetivos Planos Diretores Municipais”, exemplifica. As entidades gestoras das Zonas de Intervenção Florestal vão ser chamadas a participar neste processo de identificação e, onde não existirem, serão as autarquias a recolher informação sobre as terras. Concluído e pronto a ser submetido a Conselho de Ministros está o diploma que criará o Banco de Terras, que vai distribuir a exploração de propriedades preferencialmente a jovens e novos agricultores.

Mais sapadores florestais

Outra das propostas principais do grupo interministerial (composto, além do Ministério da Agricultura, pelas Finanças, Defesa Nacional, Administração Interna, Justiça, Economia e Ambiente) será a duplicação das equipas de sapadores florestais, aumentando o efetivo de profissionais no combate às chamas. “É objetivo deste Governo atingir a meta das 500 equipas”, especifica Capoulas. Existem atualmente 267 destas unidades e, até ao final do ano, serão constituídas mais 20. “A criação destas equipas foi decidida por mim próprio há mais de 15 anos, quando exerci as funções de ministro da Agricultura nos governos do engenheiro António Guterres, e desde então conheceu uma relativa estagnação. O fator mais limitativo são as restrições orçamentais, que esperamos possam progressivamente ser levantadas em cada ano”, conta.

As verbas alocadas às medidas florestais, no Plano de Desenvolvimento Rural a aplicar até 2020, rondam €500 milhões e cabe ao Governo “decidir qual o montante deste valor que deverá ser afetado à recuperação dos prejuízos sofridos devido aos incêndios de 2016, cujo levantamento já está em curso”, explica Capoulas. “O que já solicitámos a Bruxelas, e que já foi verbalmente deferido, foi a flexibilização do programa, permitindo que as despesas efetuadas desde já possam ser consideradas elegíveis, antes mesmo de as candidaturas serem apresentadas e aprovadas, permitindo a utilização das verbas”, avança. O Fundo de Calamidades da União Europeia poderá ser acionado e destina-se a apoiar os Estados-membros em caso de catástrofe.

Em preparação está o Plano de Fogo Controlado (utilização de fogo para reduzir a carga de combustível nos solos e, assim, a área percorrida pelos incêndios), que se juntará ao Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios, criado em 2006 e que tem sido criticado — até pelo secretário de Estado da Administração Interna, o socialista Ascenso Simões, em 2014, que na sua tese de mestrado sobre a defesa da floresta, analisada pelo “Público”, assumiu como sendo um “erro grave”.

Capoulas conta que o Governo já fez uma “primeira apreciação” ao plano e vai decidir que medidas alterar ou suprimir. Haverá as que se mantêm: atualmente, “desenvolvem-se ações de gestão de combustível numa área que ronda os 5 mil hectares por ano, são levadas a cabo ações de manutenção da rede viária ao longo de sete mil quilómetros por ano e é assegurada a manutenção de pontos de água para abastecimento de meios”, exemplifica.

Com Hugo Franco, João Miguel Salvador, Carla Tomás e Raquel Albuquerque

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 13 agosto 2016

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