E se Centeno for para o FMI?

24-07-2019
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A notícia apareceu primeiro num site especializado em notícias sobre a Europa - mas com algum desdém: Mário Centeno pode ser uma hipótese para liderar o FMI, substituindo a francesa Christine Lagarde, agora a caminho do BCE. Desdém porque Centeno vinha com uma etiqueta: “não é sénior suficiente para o cargo”. Talvez por isso, a segunda notícia que punha o português na "shortlist", do prestigiado Wall Street Journal, foi desvalorizada por cá - mesmo sendo francamente mais afirmativa e abonatória.

A verdade é que, como escreveu o Expresso esta noite, Centeno não é carta fora do baralho para a liderança do FMI. Tem alguns argumentos a favor, tal como tinha (e o mundo político português desvalorizou) quando concorreu à liderança do Eurogrupo. E tem, sobretudo, um enorme trunfo na mão: no momento em que há uma verdadeira corrida de candidatos europeus ao posto, é ele quem vai representar a Europa na reunião de hoje dos ministros das Finanças do G7, onde o tema está no topo da agenda de trabalhos (como pode ver no link anterior).

Conte, portanto, com isto: Mário Centeno adoraria (como não?), António Costa não teria como dizer que não, até Marcelo apoiaria um português na liderança da única instituição multilateral que ainda não tivemos. Para já, Centeno não será o favorito - há quem nos diga que as hipóteses são "ainda pequenas". Mas, como expliquei aqui, não é de todo impossível que chegue lá.

A verdade é que a potencial saída de Centeno do Governo (ou, melhor dizendo, da campanha eleitoral socialista) abriria um flanco inesperado no argumentário das legislativas. Para já, o cenário é o que traçámos na Comissão Política do Expresso de ontem (o podcast está aqui para ouvir): o PS a 15 pontos do PSD, a direita numa profunda crise - de números e de argumentos. Pior, como noticiou ontem a Mariana Lima Cunha, o caso no CDS é tão complicado que os críticos de Cristas já estão no terreno a preparar o day-after; e como escreveu o Miguel Santos Carrapatoso, o ambiente no PSD é tão irrespirável que nem houve direito este ano a jantar de despedida do líder com os seus deputados (assim como não haverá Hugo Soares nas próximas listas, de acordo com o jornal i de hoje).

Mas se o PS não tivesse Centeno, o que mudaria? Quem teria Costa para substituir o seu ministro-de-ferro? Abriria isso espaço a uma maior aproximação à esquerda? Que argumentos podia abrir esse espaço em branco à direita, que não perdeu no ADN o seu apego às contas certas? Que influência teria isso na ambição socialista de obter uma "maioria expressiva" ou proximamente absoluta?

Certo, para já são só cenários. Mas, como é bom de ver no passado recente, em Portugal não têm faltado imprevistos.

O QUE MARCA O DIA

Uma comissão de inquérito unânime. Foi sobre a CGD que se conseguiu a proeza. E as conclusões incluem este ponto sensível: gestão danosa não houve, mas interferência política, sim. Merece um elogio.

O Banco de Portugal não se responsabiliza pela lista. A dos devedores, pois claro. Por isto.

O PS ressuscitou a 3ª ponte sobre o Tejo. Segundo o Negócios, está na lista socialista de investimentos para esta década.

O chefe dos militares está a perder a esperança. Diz ao Público que a situação é "insustentável", faltando 6 mil efetivos.

O Governo ainda acredita num acordo. Com os camionistas de matérias perigosas. Mas sempre avisa que está "preparado". Ou que tem um "plano de emergência". A reunião com o Governo, relata o Observador, teve direito a acusações até entre sindicatos.

O PSD deixou cair o lóbi. Depois do veto de Marcelo, os sociais-democratas mudaram de posição.

Marcelo vai ter saudades da geringonça. A sério, são palavras do próprio Presidente na sessão de despedida de ontem. O que é que Marcelo sabe que nós não sabemos?

...e lá por fora...

Kevin Spacey já não está acusado de abuso de um jovem, numa das raras acusações que ainda estavam de pé resultantes do #metoo.

137 democratas votaram contra o afastamento de Trump, na sequência das últimas declarações racistas do presidente americano. A verdade é que não foram as únicas - a lista é mesmo exaustiva. E o resultado? O que se viu esta noite numa ação de campanha do próprio Trump (tão feio, tão perigoso).

“El Chapo” foi condenado a pena perpétua... e mais 30 anos para além da morte. E deixou assim a lista dos 10 mais procurados.

Salvini deu mais um passo para expulsar ciganos de Itália. Agora, encomendou um relatório explosivo.

Na Venezuela, contam-se os casos de tortura. São mais de 70 só no primeiro semestre.

O ébola voltou em força. Os casos na República Democrática do Congo levaram a OMS a decretar estado de alerta mundial.

O G7 quer pôr um travão à moeda do Facebook. A expressão é "agir rapidamente".

A UE abriu uma investigação aprofundada à Amazon. O mote é "conduta anticoncorrencial".

FRASES

"Aquilo que fizemos aqui valeu a pena”. Luís Leite Ramos, presidente da Comissão de Inquérito à CGD, depois da aprovação por unanimidade do relatório final.

"Até que enfim que vem cá", disse Marcelo para Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, depois de dizer que terá saudades da atual composição da AR, na sessão de cumprimentos aos líderes parlamentares.

"Todas as comissárias mulheres são bem-vindas", disse Ursula von der Leyen, nova presidente da Comissão Europeia, pedindo a António Costa se pode entregar-lhe o nome de uma comissária mulher - em declarações ao Expresso.

"Venceu a normalidade. Uma excelente normalidade". Henrique Monteiro, no Expresso, sobre a vitória de Ursula von der Leyen.

"Sonâmbulos a caminho de um abismo", diz José Manuel Fernandes, no Observador, sobre o modo como PSD e CDS perdem o norte na campanha eleitoral.

O QUE ANDO A LER

Chegou-me há poucos dias às mãos, mas não consigo largá-lo: chama-se "National Populism" e o subtítulo é ainda mais ilustrativo: "A revolta contra a democracia liberal". Não consigo largá-lo porque não é um livro politicamente correto sobre os movimentos políticos que nos assombram, mundo fora: não se limita a dizer o que já sabemos, não procura (apenas) condená-los. Não, também não é um livro justificativo - parte de um ponto de vista crítico, mas diferente: o de que o populismo já nasceu bem lá atrás, nos anos 80, veio em crescendo até agora e não nos vai largar tão cedo.

É um livro importante porque se baseia em dados. Em factos que nos desconstroem mitos (aqueles em que queremos acreditar, só porque nos facilitam a vida, o nosso bom-senso e a nossa concepção da vida em sociedade). É também um livro importante porque tenta explicar o que não está à vista: que o apoio popular, em muitos países, a líderes nacional-populistas têm não uma, mas várias justificações que se sobrepõem. E que nos mostram como alguns factores, em alguns países, podem ter tanto impacto nas nossas vidas futuras.

Eu, que estou quase a seguir para breves férias, só não sei se o livro resiste até lá. Vou tentar levar, pelo menos, as páginas finais para a praia, de modo a começá-las bem, sem perder o fio à meada.

Daqui segue um abraço e o desejo de um dia feliz. Se quiser, sempre que quiser, na nossa companhia (e das nossas notícias). Aqui.

A notícia apareceu primeiro num site especializado em notícias sobre a Europa - mas com algum desdém: Mário Centeno pode ser uma hipótese para liderar o FMI, substituindo a francesa Christine Lagarde, agora a caminho do BCE. Desdém porque Centeno vinha com uma etiqueta: “não é sénior suficiente para o cargo”. Talvez por isso, a segunda notícia que punha o português na "shortlist", do prestigiado Wall Street Journal, foi desvalorizada por cá - mesmo sendo francamente mais afirmativa e abonatória.

A verdade é que, como escreveu o Expresso esta noite, Centeno não é carta fora do baralho para a liderança do FMI. Tem alguns argumentos a favor, tal como tinha (e o mundo político português desvalorizou) quando concorreu à liderança do Eurogrupo. E tem, sobretudo, um enorme trunfo na mão: no momento em que há uma verdadeira corrida de candidatos europeus ao posto, é ele quem vai representar a Europa na reunião de hoje dos ministros das Finanças do G7, onde o tema está no topo da agenda de trabalhos (como pode ver no link anterior).

Conte, portanto, com isto: Mário Centeno adoraria (como não?), António Costa não teria como dizer que não, até Marcelo apoiaria um português na liderança da única instituição multilateral que ainda não tivemos. Para já, Centeno não será o favorito - há quem nos diga que as hipóteses são "ainda pequenas". Mas, como expliquei aqui, não é de todo impossível que chegue lá.

A verdade é que a potencial saída de Centeno do Governo (ou, melhor dizendo, da campanha eleitoral socialista) abriria um flanco inesperado no argumentário das legislativas. Para já, o cenário é o que traçámos na Comissão Política do Expresso de ontem (o podcast está aqui para ouvir): o PS a 15 pontos do PSD, a direita numa profunda crise - de números e de argumentos. Pior, como noticiou ontem a Mariana Lima Cunha, o caso no CDS é tão complicado que os críticos de Cristas já estão no terreno a preparar o day-after; e como escreveu o Miguel Santos Carrapatoso, o ambiente no PSD é tão irrespirável que nem houve direito este ano a jantar de despedida do líder com os seus deputados (assim como não haverá Hugo Soares nas próximas listas, de acordo com o jornal i de hoje).

Mas se o PS não tivesse Centeno, o que mudaria? Quem teria Costa para substituir o seu ministro-de-ferro? Abriria isso espaço a uma maior aproximação à esquerda? Que argumentos podia abrir esse espaço em branco à direita, que não perdeu no ADN o seu apego às contas certas? Que influência teria isso na ambição socialista de obter uma "maioria expressiva" ou proximamente absoluta?

Certo, para já são só cenários. Mas, como é bom de ver no passado recente, em Portugal não têm faltado imprevistos.

O QUE MARCA O DIA

Uma comissão de inquérito unânime. Foi sobre a CGD que se conseguiu a proeza. E as conclusões incluem este ponto sensível: gestão danosa não houve, mas interferência política, sim. Merece um elogio.

O Banco de Portugal não se responsabiliza pela lista. A dos devedores, pois claro. Por isto.

O PS ressuscitou a 3ª ponte sobre o Tejo. Segundo o Negócios, está na lista socialista de investimentos para esta década.

O chefe dos militares está a perder a esperança. Diz ao Público que a situação é "insustentável", faltando 6 mil efetivos.

O Governo ainda acredita num acordo. Com os camionistas de matérias perigosas. Mas sempre avisa que está "preparado". Ou que tem um "plano de emergência". A reunião com o Governo, relata o Observador, teve direito a acusações até entre sindicatos.

O PSD deixou cair o lóbi. Depois do veto de Marcelo, os sociais-democratas mudaram de posição.

Marcelo vai ter saudades da geringonça. A sério, são palavras do próprio Presidente na sessão de despedida de ontem. O que é que Marcelo sabe que nós não sabemos?

...e lá por fora...

Kevin Spacey já não está acusado de abuso de um jovem, numa das raras acusações que ainda estavam de pé resultantes do #metoo.

137 democratas votaram contra o afastamento de Trump, na sequência das últimas declarações racistas do presidente americano. A verdade é que não foram as únicas - a lista é mesmo exaustiva. E o resultado? O que se viu esta noite numa ação de campanha do próprio Trump (tão feio, tão perigoso).

“El Chapo” foi condenado a pena perpétua... e mais 30 anos para além da morte. E deixou assim a lista dos 10 mais procurados.

Salvini deu mais um passo para expulsar ciganos de Itália. Agora, encomendou um relatório explosivo.

Na Venezuela, contam-se os casos de tortura. São mais de 70 só no primeiro semestre.

O ébola voltou em força. Os casos na República Democrática do Congo levaram a OMS a decretar estado de alerta mundial.

O G7 quer pôr um travão à moeda do Facebook. A expressão é "agir rapidamente".

A UE abriu uma investigação aprofundada à Amazon. O mote é "conduta anticoncorrencial".

FRASES

"Aquilo que fizemos aqui valeu a pena”. Luís Leite Ramos, presidente da Comissão de Inquérito à CGD, depois da aprovação por unanimidade do relatório final.

"Até que enfim que vem cá", disse Marcelo para Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, depois de dizer que terá saudades da atual composição da AR, na sessão de cumprimentos aos líderes parlamentares.

"Todas as comissárias mulheres são bem-vindas", disse Ursula von der Leyen, nova presidente da Comissão Europeia, pedindo a António Costa se pode entregar-lhe o nome de uma comissária mulher - em declarações ao Expresso.

"Venceu a normalidade. Uma excelente normalidade". Henrique Monteiro, no Expresso, sobre a vitória de Ursula von der Leyen.

"Sonâmbulos a caminho de um abismo", diz José Manuel Fernandes, no Observador, sobre o modo como PSD e CDS perdem o norte na campanha eleitoral.

O QUE ANDO A LER

Chegou-me há poucos dias às mãos, mas não consigo largá-lo: chama-se "National Populism" e o subtítulo é ainda mais ilustrativo: "A revolta contra a democracia liberal". Não consigo largá-lo porque não é um livro politicamente correto sobre os movimentos políticos que nos assombram, mundo fora: não se limita a dizer o que já sabemos, não procura (apenas) condená-los. Não, também não é um livro justificativo - parte de um ponto de vista crítico, mas diferente: o de que o populismo já nasceu bem lá atrás, nos anos 80, veio em crescendo até agora e não nos vai largar tão cedo.

É um livro importante porque se baseia em dados. Em factos que nos desconstroem mitos (aqueles em que queremos acreditar, só porque nos facilitam a vida, o nosso bom-senso e a nossa concepção da vida em sociedade). É também um livro importante porque tenta explicar o que não está à vista: que o apoio popular, em muitos países, a líderes nacional-populistas têm não uma, mas várias justificações que se sobrepõem. E que nos mostram como alguns factores, em alguns países, podem ter tanto impacto nas nossas vidas futuras.

Eu, que estou quase a seguir para breves férias, só não sei se o livro resiste até lá. Vou tentar levar, pelo menos, as páginas finais para a praia, de modo a começá-las bem, sem perder o fio à meada.

Daqui segue um abraço e o desejo de um dia feliz. Se quiser, sempre que quiser, na nossa companhia (e das nossas notícias). Aqui.

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