Geração de 60: O rei está nu

23-09-2019
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No Público de hoje, António Borges dá uma entrevista importante. Em primeiro lugar, pelo interesse do que diz. Depois, pelo simples facto de dizer. Finalmente, pela circunstância em que assumiu dizer.Dos impostos e da política orçamental aos grandes investimentos públicos, da realidade empresarial à promiscuidade que define o controlo dos interesses económicos, do empreendedorismo ao papel do Estado e à reforma da administração pública, do sistema bancário aos modelos de regulação e supervisão, de Portugal à Europa e aos Estados Unidos, António Borges revela competência, espírito crítico e visão. Sabe do que fala e torna-o evidente. O que, neste tempo de ignorância atrevida, feito de trivialidades redondas e pretensiosas, sempre bastaria para que a leitura constituísse um verdadeiro bálsamo.Mas há mais. E não menos relevante. António Borges não foge aos temas difíceis, nem molda o seu discurso às regras da conveniência mundana. É muito mais imprudente do que habitualmente são os entrevistados. E, não se subestime, muito mais corajoso.Refere-se à oposição e ao PSD sem cerimónias. «A oposição – diz – não existe e está completamente descredibilizada». E continua: «o PSD atravessa uma fase muito má, que não é de agora». Sobre Luís Filipe Menezes, mais adiante, refere: «é um erro, um lapso do PSD. E julgo que não vai durar». Depois disto, nem sequer se furta à dificuldade que ensombra a possibilidade de construir uma alternativa de futuro: «não são só as regras. É um conjunto de factores que tornam limitadas as escolhas».No entanto, reserva ao Governo a parte mais letal e grave da sua entrevista. Sem papas na língua, torna público o facto de o Ministro da Economia, Manuel Pinho, lhe ter comunicado a cessação imediata de todos os contratos com a Goldman Sachs, no dia seguinte ao fim-de-semana do Congresso do PSD (Pombal, 2005), em que fora crítico das políticas governamentais. No mesmo tom, sem medo, confessa ter sido mais tarde intimado a um pedido de desculpas, aparentemente devido ao mesmo Ministro da Economia, como forma de se retractar da oposição que havia manifestado no âmbito da mudança da presidência da EDP, há cerca de dois anos. Aqui, de novo, sob cominação de nunca mais haver «trabalho para a GS em Portugal» - e esclarece, «aliás, como nunca mais houve».Em três páginas de um jornal de domingo, António Borges confronta-nos com o país que somos. Um país entregue a um Governo autoritário, incapaz de perceber o sentido da liberdade e do seu exercício responsável, intolerante para com aqueles que perfilham uma visão diferente da realidade, implacável para com a opinião crítica. Um país entregue a uma oposição em auto-destruição, arrogante também ela no seu patético autismo. Um país incapaz de merecer a democracia que conquistou há quase 40 anos. Um país que desperdiça o seu potencial criador e falha consistentemente o desafio do desenvolvimento.No entanto, nessas mesmas três páginas, António Borges deixa-nos um fundamental elemento de esperança. A esperança nas pessoas e no poder da sua intervenção política, militante e cívica. Em momento de silenciamento acrítico e cúmplice, António Borges falou. E disse o que não é costume dizer-se (isso mesmo evidenciou Manuel Pinho, já esta tarde, nas pungentes declarações feitas a propósito desta entrevista…). Sem medo das consequências. Antes, para o mal e para o bem, dispondo-se a elas.Ora, na minha perspectiva, é disto que Portugal precisa. Que pessoas credíveis levantem a voz e a façam ouvir. Que digam alto o que muitos sabem em surdina. Que mobilizem os que estão fartos e querem mudar de vida.O país não vai bem. Mas é preciso que alguém tenha a coragem de o gritar. Como um dia, no meio da multidão, alguém gritou: «o rei vai nu!».Termino, como António Borges. É preciso gente «completamente nova». É urgente «uma maneira de fazer política completamente nova». E é imperativo «aparecer uma vaga de fundo que permita mudar».Post Scriptum – Faço o meu registo de interesses, deixando dito que subscrevi a moção apresentada ao congresso do PSD, em 2005, que tinha António Borges como primeiro subscritor. Depois disso, só me lembro de ter estado com ele uma vez, num almoço que, ao acaso, reuniu um pequeníssimo grupo de congressistas com fome e sem mesa marcada, no intervalo do congresso de Lisboa. Hoje, gosto de o ver regressar assim. Com coragem, com ideias e com vontade de participar.

No Público de hoje, António Borges dá uma entrevista importante. Em primeiro lugar, pelo interesse do que diz. Depois, pelo simples facto de dizer. Finalmente, pela circunstância em que assumiu dizer.Dos impostos e da política orçamental aos grandes investimentos públicos, da realidade empresarial à promiscuidade que define o controlo dos interesses económicos, do empreendedorismo ao papel do Estado e à reforma da administração pública, do sistema bancário aos modelos de regulação e supervisão, de Portugal à Europa e aos Estados Unidos, António Borges revela competência, espírito crítico e visão. Sabe do que fala e torna-o evidente. O que, neste tempo de ignorância atrevida, feito de trivialidades redondas e pretensiosas, sempre bastaria para que a leitura constituísse um verdadeiro bálsamo.Mas há mais. E não menos relevante. António Borges não foge aos temas difíceis, nem molda o seu discurso às regras da conveniência mundana. É muito mais imprudente do que habitualmente são os entrevistados. E, não se subestime, muito mais corajoso.Refere-se à oposição e ao PSD sem cerimónias. «A oposição – diz – não existe e está completamente descredibilizada». E continua: «o PSD atravessa uma fase muito má, que não é de agora». Sobre Luís Filipe Menezes, mais adiante, refere: «é um erro, um lapso do PSD. E julgo que não vai durar». Depois disto, nem sequer se furta à dificuldade que ensombra a possibilidade de construir uma alternativa de futuro: «não são só as regras. É um conjunto de factores que tornam limitadas as escolhas».No entanto, reserva ao Governo a parte mais letal e grave da sua entrevista. Sem papas na língua, torna público o facto de o Ministro da Economia, Manuel Pinho, lhe ter comunicado a cessação imediata de todos os contratos com a Goldman Sachs, no dia seguinte ao fim-de-semana do Congresso do PSD (Pombal, 2005), em que fora crítico das políticas governamentais. No mesmo tom, sem medo, confessa ter sido mais tarde intimado a um pedido de desculpas, aparentemente devido ao mesmo Ministro da Economia, como forma de se retractar da oposição que havia manifestado no âmbito da mudança da presidência da EDP, há cerca de dois anos. Aqui, de novo, sob cominação de nunca mais haver «trabalho para a GS em Portugal» - e esclarece, «aliás, como nunca mais houve».Em três páginas de um jornal de domingo, António Borges confronta-nos com o país que somos. Um país entregue a um Governo autoritário, incapaz de perceber o sentido da liberdade e do seu exercício responsável, intolerante para com aqueles que perfilham uma visão diferente da realidade, implacável para com a opinião crítica. Um país entregue a uma oposição em auto-destruição, arrogante também ela no seu patético autismo. Um país incapaz de merecer a democracia que conquistou há quase 40 anos. Um país que desperdiça o seu potencial criador e falha consistentemente o desafio do desenvolvimento.No entanto, nessas mesmas três páginas, António Borges deixa-nos um fundamental elemento de esperança. A esperança nas pessoas e no poder da sua intervenção política, militante e cívica. Em momento de silenciamento acrítico e cúmplice, António Borges falou. E disse o que não é costume dizer-se (isso mesmo evidenciou Manuel Pinho, já esta tarde, nas pungentes declarações feitas a propósito desta entrevista…). Sem medo das consequências. Antes, para o mal e para o bem, dispondo-se a elas.Ora, na minha perspectiva, é disto que Portugal precisa. Que pessoas credíveis levantem a voz e a façam ouvir. Que digam alto o que muitos sabem em surdina. Que mobilizem os que estão fartos e querem mudar de vida.O país não vai bem. Mas é preciso que alguém tenha a coragem de o gritar. Como um dia, no meio da multidão, alguém gritou: «o rei vai nu!».Termino, como António Borges. É preciso gente «completamente nova». É urgente «uma maneira de fazer política completamente nova». E é imperativo «aparecer uma vaga de fundo que permita mudar».Post Scriptum – Faço o meu registo de interesses, deixando dito que subscrevi a moção apresentada ao congresso do PSD, em 2005, que tinha António Borges como primeiro subscritor. Depois disso, só me lembro de ter estado com ele uma vez, num almoço que, ao acaso, reuniu um pequeníssimo grupo de congressistas com fome e sem mesa marcada, no intervalo do congresso de Lisboa. Hoje, gosto de o ver regressar assim. Com coragem, com ideias e com vontade de participar.

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