Sardinha em fuga, stocks em mínimos. Industriais alarmados, governo desdramatiza

26-07-2017
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É um caso em que cada organização puxa a brasa à sua sardinha. Todos os anos, por esta altura, o Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), um organismo consultivo da Comissão Europeia (CE) para as quotas de pesca, traça um cenário desfavorável sobre a população de sardinhas nos mares ibéricos. Mas, desta vez a recomendação é radical. Com os stocks em mínimos e sem reposição visível, sugere a “suspensão total durante 15 anos da pesca em Portugal” para a espécie regressar a níveis aceitáveis. A partir de 2006, a comunidade da sardinha regista uma queda severa na costa ibérica.

Mas, Bruxelas deita água na fervura. Não existe uma quota da União Europeia para as sardinhas. A decisão cabe a cada Estado.

“Uma posição alarmista e absurda. Tal proibição seria uma calamidade”, reagem os pescadores e armadores, que já sofrem com restrições por causa das quotas fixadas anualmente.

Calma, o “parecer do ICES não é vinculativo e baseia-se em informação desatualizada”, desdramatiza o Governo. “Um alarme desnecessário”, segundo o Ministério do Mar que monitoriza os stocks e conta com um cruzeiro científico em agosto do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para proceder a um levantamento da espécie. Os dados mais frescos seguirão em outubro para a CE e ICES e neles assentarão as quotas para 2018.

Mas, num ponto todos os intervenientes estão de acordo: a escassez de sardinha é uma realidade e indústria e consumidores terão de estar preparados para lidar com ela. A partir daqui, as visões divergem.

Rui Duarte Silva

Queda abrupta e renovação baixa

O relatório do ICES acusa o atual plano ibérico da pesca de sardinha de imprudente e insensato. Ele “não se revela precaucionário tendo em conta a produtividade observada desde 1993” e serão precisos 15 anos “para se atingir os limites mínimos adequados”.

O conselho regista “uma queda abrupta da população” que não dá sinais de recuperação. Um outro sinal de alarme reside nos baixos níveis de recrutamento (sardinhas com mais de um ano de vida) que se mantém no nível mais baixo de sempre.

Nos anos anteriores, a organização científica defendera sempre a redução da pescaria, sem nunca sugerir, nem remotamente, a suspensão. E os governos ibéricos sempre adotaram quotas mais generosas do que as sugeridas.

O tema sardinha já suscitara controvérsia há dois anos. O conselho recomendara para 2016/17 um limite de 1584 toneladas, mas após as negociações com a CE, a quota para os armadores ibéricos ficou nas 17 mil toneladas. “Um aumento substancial relativamente às previsões iniciais”, diria, na altura a ministra Ana Paula Vitorino. Foi nesse âmbito que o governo autorizou para a frota portuguesa, por despacho no “Diário da República”, a captura de 6.800 toneladas de sardinha entre 1 de março e 31 de julho de 2017.

Num esclarecimento ao relatório do ICES, o Ministério do Mar diz que “o plano de proteção” à sardinha é um exemplo de “um modelo participado com o setor” e incluiu “limites de captura diários, mensais e semestrais”, além de uma “época alargada de defeso”. A paragem acontece na altura de reprodução da sardinha e leva o Ministério a subsidiar os industriais afetados.

Rui Duarte Silva

Fatores ambientais

Como isto anda tudo ligado, pescadores e Secretaria de Estado das Pescas notam que o défice de renovação da espécie confirma que a escassez “não é um efeito da atividade da pesca, mas um problema mais vasto e de caráter ambiental”.

O parecer do ICES “não considera a importância das alterações climáticas na abundância do recurso”, comenta a Secretaria de Estado das Pescas. Portugal aplica “uma gestão precaucionária”, em linha com os critérios internacionais e continuará a “monitorizar a evolução do recurso”, numa lógica de sustentabilidade e equilíbrio. A evolução da população de sardinhas na costa portuguesa “é um problema que não resulta da política de pesca”.

O presidente da Associação de Produtores da Pesca do Cerco, Humberto Jorge, classificou ao Expresso de "calamidade" o cenário traçado pelo ICES, e sublinhou a sua perplexidade. “Discordamos e não o compreendemos, porque a monitorização anterior falava de recuperação dos recursos disponíveis”. No mar, o que se verifica “é uma abundância e regularidade das capturas, como há muitos anos não acontecia”.

Manuel Monteiro, presidente da Cooperativa de Produtores de Peixe do centro Litoral, reconhece “um problema grave com o stock ibérico”. Mas, “proibir ou limitar a captura é atacar o efeito e não o sintoma da doença”. Porque as causas “são de caráter ambiental, decorrem do aquecimento global e fenómenos climáticos”.

Os dois industriais advertem que “reduções acentuadas” nas quotas terão sempre “efeitos dramáticos” nas centenas de famílias que dependem da pesca do cerco de que a sardinha é a espécie mais relevante.

Texto publicado na edição do Expresso Diário de 20/07/2017

É um caso em que cada organização puxa a brasa à sua sardinha. Todos os anos, por esta altura, o Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), um organismo consultivo da Comissão Europeia (CE) para as quotas de pesca, traça um cenário desfavorável sobre a população de sardinhas nos mares ibéricos. Mas, desta vez a recomendação é radical. Com os stocks em mínimos e sem reposição visível, sugere a “suspensão total durante 15 anos da pesca em Portugal” para a espécie regressar a níveis aceitáveis. A partir de 2006, a comunidade da sardinha regista uma queda severa na costa ibérica.

Mas, Bruxelas deita água na fervura. Não existe uma quota da União Europeia para as sardinhas. A decisão cabe a cada Estado.

“Uma posição alarmista e absurda. Tal proibição seria uma calamidade”, reagem os pescadores e armadores, que já sofrem com restrições por causa das quotas fixadas anualmente.

Calma, o “parecer do ICES não é vinculativo e baseia-se em informação desatualizada”, desdramatiza o Governo. “Um alarme desnecessário”, segundo o Ministério do Mar que monitoriza os stocks e conta com um cruzeiro científico em agosto do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para proceder a um levantamento da espécie. Os dados mais frescos seguirão em outubro para a CE e ICES e neles assentarão as quotas para 2018.

Mas, num ponto todos os intervenientes estão de acordo: a escassez de sardinha é uma realidade e indústria e consumidores terão de estar preparados para lidar com ela. A partir daqui, as visões divergem.

Rui Duarte Silva

Queda abrupta e renovação baixa

O relatório do ICES acusa o atual plano ibérico da pesca de sardinha de imprudente e insensato. Ele “não se revela precaucionário tendo em conta a produtividade observada desde 1993” e serão precisos 15 anos “para se atingir os limites mínimos adequados”.

O conselho regista “uma queda abrupta da população” que não dá sinais de recuperação. Um outro sinal de alarme reside nos baixos níveis de recrutamento (sardinhas com mais de um ano de vida) que se mantém no nível mais baixo de sempre.

Nos anos anteriores, a organização científica defendera sempre a redução da pescaria, sem nunca sugerir, nem remotamente, a suspensão. E os governos ibéricos sempre adotaram quotas mais generosas do que as sugeridas.

O tema sardinha já suscitara controvérsia há dois anos. O conselho recomendara para 2016/17 um limite de 1584 toneladas, mas após as negociações com a CE, a quota para os armadores ibéricos ficou nas 17 mil toneladas. “Um aumento substancial relativamente às previsões iniciais”, diria, na altura a ministra Ana Paula Vitorino. Foi nesse âmbito que o governo autorizou para a frota portuguesa, por despacho no “Diário da República”, a captura de 6.800 toneladas de sardinha entre 1 de março e 31 de julho de 2017.

Num esclarecimento ao relatório do ICES, o Ministério do Mar diz que “o plano de proteção” à sardinha é um exemplo de “um modelo participado com o setor” e incluiu “limites de captura diários, mensais e semestrais”, além de uma “época alargada de defeso”. A paragem acontece na altura de reprodução da sardinha e leva o Ministério a subsidiar os industriais afetados.

Rui Duarte Silva

Fatores ambientais

Como isto anda tudo ligado, pescadores e Secretaria de Estado das Pescas notam que o défice de renovação da espécie confirma que a escassez “não é um efeito da atividade da pesca, mas um problema mais vasto e de caráter ambiental”.

O parecer do ICES “não considera a importância das alterações climáticas na abundância do recurso”, comenta a Secretaria de Estado das Pescas. Portugal aplica “uma gestão precaucionária”, em linha com os critérios internacionais e continuará a “monitorizar a evolução do recurso”, numa lógica de sustentabilidade e equilíbrio. A evolução da população de sardinhas na costa portuguesa “é um problema que não resulta da política de pesca”.

O presidente da Associação de Produtores da Pesca do Cerco, Humberto Jorge, classificou ao Expresso de "calamidade" o cenário traçado pelo ICES, e sublinhou a sua perplexidade. “Discordamos e não o compreendemos, porque a monitorização anterior falava de recuperação dos recursos disponíveis”. No mar, o que se verifica “é uma abundância e regularidade das capturas, como há muitos anos não acontecia”.

Manuel Monteiro, presidente da Cooperativa de Produtores de Peixe do centro Litoral, reconhece “um problema grave com o stock ibérico”. Mas, “proibir ou limitar a captura é atacar o efeito e não o sintoma da doença”. Porque as causas “são de caráter ambiental, decorrem do aquecimento global e fenómenos climáticos”.

Os dois industriais advertem que “reduções acentuadas” nas quotas terão sempre “efeitos dramáticos” nas centenas de famílias que dependem da pesca do cerco de que a sardinha é a espécie mais relevante.

Texto publicado na edição do Expresso Diário de 20/07/2017

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