Lendo e relendo: Não sei se quero o “cartão de cidadania”…

16-09-2019
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Quero, sim,
“um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo
de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de
efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e
interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica,
social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (CRP, art.º 2.º).

Quero, sim,
que “todos os cidadãos” (em que, por razões semânticas, estão incluídas todas as cidadãs) “gozem dos direitos” e estejam
“sujeitos aos deveres consignados na Constituição” (cf CRP, art.º 12.º/1).

Quero, sim,
que se observe escrupulosamente o princípio da igualdade que, em formulação
positiva, estabelece que “todos os cidadãos” (em que, por razões semânticas, estão incluídas todas as
cidadãs) “têm a
mesma dignidade social e são iguais perante a lei” (CRP, art.º 13.º/1); e, em enunciação pela negativa de
não discriminação, preceitua que “ninguém” (pronome indefinido que significa nenhuma pessoa – homem ou
mulher) pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual” (CRP, art.º 13.º/2).

***

Face ao
ordenamento político-constitucional, pergunto-me por que motivo as nossas
forças políticas centram a sua atenção em aspetos não essenciais como esta
última da pretensão da mudança (ou da rejeição da mudança) da designação de
“cartão de cidadão”, para a de “cartão de cidadania”. Não seria melhor
preocuparem-se a sério com as graves questões da saúde, da maternidade e da
paternidade em prol do aumento da natalidade, da educação verdadeiramente
equânime e inclusiva, da segurança física e social, da democracia interna das
instituições (sobretudo
da Assembleia da República e partidos), da equidade salarial e do acesso equitativo aos cargos de
direção na administração pública, empresarial, societária, associativa e
fundacional?

Querem o “Bloque (?) de Esquerda” e alguns
ilustres “membres” (?) do PS mudar a
gramática portuguesa por lei, decreto-lei, resolução parlamentar? Ora, a
gramática tem um peso de séculos, peso que lentamente se vai diluindo ou
aumentando conforme o dinamismo que a respetiva comunidade linguística for
determinando. E, mais do que a vertente normativa, vale como prática e como
objeto de estudo e respeito a sua vertente descritiva – imensamente maior, mais
significativa e mais interessante que a vertente normativa. A vertente
normativa é residual em gramática e orienta-se para o registo de língua cuidada
a utilizar na relação social e nas relações entre e com os órgãos de soberania
e entre e com as administrações (pública, empresarial, societária, associativa e fundacional,
bem como nas instâncias educativas e científicas e em fóruns culturais). De resto, só a ortografia é que se
muda por “decreto” (ou
normativo legalmente equipolente). Além disso, a nossa gramática é bastante equilibrada no
domínio do vocabulário denotativo de género. E ainda temos resquícios do neutro
latino e grego em: isto, isso, aquilo,
algo (alguma coisa), al (outra
coisa). E, embora o
neutro fosse para as palavras designativas dos seres assexuados ou em que o
sexo não era visível a olho nu, em breve tudo se baralhou.

No registo
civil, o assento de nascimento rezava que tinha nascido “um indivíduo do sexo
masculino” ou “um indivíduo do sexo feminino”, conforme o caso. Porém, nalgumas
comunidades, fazia-se a distinção entre ter encontrado “um indivíduo” ou ter
encontrado “uma indivídua”. E, se o censo referia que uma freguesia tinha “mil
habitantes”, dizia-se também que a paróquia tinha “mil almas” – sempre mil
pessoas!

Temos os dois
géneros em: o povo, a multidão, o conselho, a assembleia, a câmara, o
executivo, a grei, o rebanho, a Igreja, o Congresso, os pais (pai e mãe), tropa, exército, marinha, aviação,
polícia, guarda, magistratura… Na pessoa humana, temos o corpo e a alma; a
cabeça e o coração; os braços e as pernas; as mãos e os pés, o peito e a
barriga… Na planta, temos a raiz, o caule (tronco, se for árvore), folha, flor e fruto. Mas também: copa, fruta, ramagem,
ramo, vara, maravalha…Na toponímia temos a rua, a avenida, o largo, o beco, a
alameda, a praça, a travessa, o pátio, o bairro, o cruzamento, o entroncamento…

Até houve
palavras que mudaram de género, por exemplo, mar e fim, que eram
femininos e passaram a masculinos. E há palavras que no latim eram masculinas e
passaram ao português como masculinas, por exemplo cor, dor e flor… (color, dolor, flos); e os nomes de árvores, que eram
geralmente femininos, no latim, passaram a masculinos e femininos no português,
por exemplo, quercus, pinus significam respetivamente carvalho e pinheiro, mas malus e pirus significam respetivamente macieira e pereira.

Toda a gente
sabe que um par ou um casal de pessoas é constituído por um homem e uma mulher,
um rapaz e uma rapariga, um menino e uma menina – ou então por duas pessoas do
mesmo sexo. Se querem colocar no feminino como fazem os espanhóis, chamem-lhes
parelha (“pareja”), como temos para dois animais,
macho e fêmea ou dois animais do mesmo sexo.

Frequentemente,
a palavra homem abrange o ser humano independentemente do sexo. Não obstante,
se queremos especificar, dizemos o varão e a mulher, o cavalheiro e a dama, o
senhor e a senhora, o dom e a dona. Porém, ninguém se incomoda por ser vítima, testemunha, criança, criatura,
membro… (masculino
ou feminino), mas não
queremos ser tratados por animal, besta,
fera, rês, cria, cavalgadura… (masculino ou feminino, pela conotação negativa que comportam). E temos os nomes comuns de dois,
como jovem, adolescente, estudante, nubente, constituinte…

Assim sendo,
não percebo por que razão as senhoras não querem ser “juízas”, mas “juízes”,
“estudantas”, “presidentas” (como se dizia nalgumas terras), mas estudantes e presidentes. Porém, querem ser infantas e até parentas. Não querem ser poetisas,
mas poetas; não querem ser embaixatrizes (mas embaixadoras, porque as embaixatrizes são as esposas dos
embaixadores), mas são atrizes e não atoras e se forem monarcas tanto são rainhas e imperatrizes se
forem mulheres do rei e do imperador como se exercerem elas mesmas o poder, não
querendo, neste caso, ser reias ou imperadoras. E as mulheres ficam em inferioridade
aquando do divórcio: todas e todos dizem, a
(minha) ex-mulher e o ex-marido, e ninguém diz, o (meu) ex-homem.

Aliás, houve
alguma dificuldade em acertar com a designação a atribuir à mulher que chefie
um ministério. Vasco Gonçalves, falando de Maria de Lourdes Pintasilgo, chegou
a referir-se-lhe como o Ministro dos Assuntos Sociais. Consta que Leonor Beleza
só aceitara a pasta se fosse designada por “Ministra” e não por “Ministro”. E a
exigência veio para ficar. No entanto, toda a gente sabe que nalgumas
comunidades religiosas femininas havia a irmã ministra.

***

O BE
apresentou na Assembleia da República uma proposta de resolução parlamentar a
recomendar ao Governo que determine que o cartão
de cidadão passe a chamar-se cartão
de cidadania. É um preciosismo que nada acrescenta nem à mudança gramatical
nem aos preceitos constitucionais (que estipula a igualdade de direitos e de deveres) e, sobretudo, ao panorama
económico, social e político de desigualdade que o país apresenta e com o qual
se confronta no quotidiano. Não aplaudo, por desnecessário e até piroso, mas
não me oponho, por não vir daí mal ao mundo. Porém, pedia mais alterações, como
de: estatuto do aluno para estatuto
da alunagem; ordem dos advogados, dos
arquitetos, dos engenheiros, dos médicos, dos farmacêuticos, dos enfermeiros,
dos médicos dentistas, dos contabilistas certificados e similares… para ordem,
respetivamente, de advocacia, de arquitetura, de engenharia, de medicina, de
farmácia, de enfermagem, medicina dentária, de contabilidade certificada;
sindicato dos médicos, dos bancários, dos juízes, dos professores, dos
enfermeiros… para sindicato, respetivamente, de medicina, de banca, de justiça,
de educação, de enfermagem…

Os defensores
da proposta do BE alegam que o nome do documento “não respeita a identidade de
género”, enquanto os adversários ridicularizaram a ideia de o Governo já ter
admitido pô-la em prática e com o apoio de alguns deputados socialistas.

A deputada
socialista Elza Pais, que preside à Subcomissão para a Igualdade, acha “um
horror a forma como ridicularizaram a proposta” e sustenta, a título pessoal,
que “quem ridiculariza a proposta é quem ainda não percebeu a importância e a
força que a linguagem tem na definição da nossa visão do mundo”. O PS, do seu
lado, ainda não definiu uma posição oficial, mas já se viu que a proposta do BE
tem adeptos na bancada socialista. Assim, Isabel Moreira defende que “a troça
que tem sido feita sobre esta iniciativa comprova a sua importância”, sendo que
“as palavras têm muito peso”. 

Porém, outros
alinham com Edite Estrela, que declara que “há problemas mais importantes para
resolver” e que “os custos que daí resultam não justificam esse investimento e
o esforço que isso implicará”. A deputada socialista considera que a atual
designação já corresponde a uma tentativa de não hipervalorizar o masculino e
que “já é uma linguagem inclusiva e mais neutra”. 

O deputado socialdemocrata
e ex-líder da JSD Duarte Marques junta-se aos críticos e considera a proposta
“ridícula”.  Porém, as críticas vieram também do lado do CDS pela voz do
deputado Abel Baptista que entende que propostas como esta prejudicam a imagem
da classe política, aduzindo: “Depois
queixem-se que os cidadãos não levem a sério os políticos”. 

Por
mim, os custos não afligiriam se valesse a pena nem são relevantes dado que a
designação se aplicaria apenas aos novos cartões a emitir. Mas, embora entenda
Edite Estrela, não alinho com ela em classificar cidadão, homem e similares
como linguagem neutra, mas, sim, inclusiva.

Mas,
se querem ser coerentes os patrocinadores da proposta do BE, alterem pelo menos
o artigo 2.º da lei do cartão de cidadão (perdão, de cidadania) para: “… contém os dados de
cada cidadão ou de cada cidadã relevantes…”.
E, por favor e amor à democracia, não digam mais “senhoras e senhoras
deputados” e “senhores ministros”, mas “senhoras deputadas e senhores deputados”
e “senhoras ministras e senhores ministros”. Já agora, não se sujeitam à regra
da ordem: as senhoras, primeiro. E
nunca digam: Senhores Membres de Governança! (Abaixe ê eanisme!).

Não
será tempo de ganharmos mesmo um bocadinho de juízo, deixando de falar em portugueses e portuguesas como que a
imitar o Papa, os bispos e os padres a dizer irmãos e irmãs…?

2016.04.23 – Louro de Carvalho

Quero, sim,
“um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo
de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de
efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e
interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica,
social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (CRP, art.º 2.º).

Quero, sim,
que “todos os cidadãos” (em que, por razões semânticas, estão incluídas todas as cidadãs) “gozem dos direitos” e estejam
“sujeitos aos deveres consignados na Constituição” (cf CRP, art.º 12.º/1).

Quero, sim,
que se observe escrupulosamente o princípio da igualdade que, em formulação
positiva, estabelece que “todos os cidadãos” (em que, por razões semânticas, estão incluídas todas as
cidadãs) “têm a
mesma dignidade social e são iguais perante a lei” (CRP, art.º 13.º/1); e, em enunciação pela negativa de
não discriminação, preceitua que “ninguém” (pronome indefinido que significa nenhuma pessoa – homem ou
mulher) pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual” (CRP, art.º 13.º/2).

***

Face ao
ordenamento político-constitucional, pergunto-me por que motivo as nossas
forças políticas centram a sua atenção em aspetos não essenciais como esta
última da pretensão da mudança (ou da rejeição da mudança) da designação de
“cartão de cidadão”, para a de “cartão de cidadania”. Não seria melhor
preocuparem-se a sério com as graves questões da saúde, da maternidade e da
paternidade em prol do aumento da natalidade, da educação verdadeiramente
equânime e inclusiva, da segurança física e social, da democracia interna das
instituições (sobretudo
da Assembleia da República e partidos), da equidade salarial e do acesso equitativo aos cargos de
direção na administração pública, empresarial, societária, associativa e
fundacional?

Querem o “Bloque (?) de Esquerda” e alguns
ilustres “membres” (?) do PS mudar a
gramática portuguesa por lei, decreto-lei, resolução parlamentar? Ora, a
gramática tem um peso de séculos, peso que lentamente se vai diluindo ou
aumentando conforme o dinamismo que a respetiva comunidade linguística for
determinando. E, mais do que a vertente normativa, vale como prática e como
objeto de estudo e respeito a sua vertente descritiva – imensamente maior, mais
significativa e mais interessante que a vertente normativa. A vertente
normativa é residual em gramática e orienta-se para o registo de língua cuidada
a utilizar na relação social e nas relações entre e com os órgãos de soberania
e entre e com as administrações (pública, empresarial, societária, associativa e fundacional,
bem como nas instâncias educativas e científicas e em fóruns culturais). De resto, só a ortografia é que se
muda por “decreto” (ou
normativo legalmente equipolente). Além disso, a nossa gramática é bastante equilibrada no
domínio do vocabulário denotativo de género. E ainda temos resquícios do neutro
latino e grego em: isto, isso, aquilo,
algo (alguma coisa), al (outra
coisa). E, embora o
neutro fosse para as palavras designativas dos seres assexuados ou em que o
sexo não era visível a olho nu, em breve tudo se baralhou.

No registo
civil, o assento de nascimento rezava que tinha nascido “um indivíduo do sexo
masculino” ou “um indivíduo do sexo feminino”, conforme o caso. Porém, nalgumas
comunidades, fazia-se a distinção entre ter encontrado “um indivíduo” ou ter
encontrado “uma indivídua”. E, se o censo referia que uma freguesia tinha “mil
habitantes”, dizia-se também que a paróquia tinha “mil almas” – sempre mil
pessoas!

Temos os dois
géneros em: o povo, a multidão, o conselho, a assembleia, a câmara, o
executivo, a grei, o rebanho, a Igreja, o Congresso, os pais (pai e mãe), tropa, exército, marinha, aviação,
polícia, guarda, magistratura… Na pessoa humana, temos o corpo e a alma; a
cabeça e o coração; os braços e as pernas; as mãos e os pés, o peito e a
barriga… Na planta, temos a raiz, o caule (tronco, se for árvore), folha, flor e fruto. Mas também: copa, fruta, ramagem,
ramo, vara, maravalha…Na toponímia temos a rua, a avenida, o largo, o beco, a
alameda, a praça, a travessa, o pátio, o bairro, o cruzamento, o entroncamento…

Até houve
palavras que mudaram de género, por exemplo, mar e fim, que eram
femininos e passaram a masculinos. E há palavras que no latim eram masculinas e
passaram ao português como masculinas, por exemplo cor, dor e flor… (color, dolor, flos); e os nomes de árvores, que eram
geralmente femininos, no latim, passaram a masculinos e femininos no português,
por exemplo, quercus, pinus significam respetivamente carvalho e pinheiro, mas malus e pirus significam respetivamente macieira e pereira.

Toda a gente
sabe que um par ou um casal de pessoas é constituído por um homem e uma mulher,
um rapaz e uma rapariga, um menino e uma menina – ou então por duas pessoas do
mesmo sexo. Se querem colocar no feminino como fazem os espanhóis, chamem-lhes
parelha (“pareja”), como temos para dois animais,
macho e fêmea ou dois animais do mesmo sexo.

Frequentemente,
a palavra homem abrange o ser humano independentemente do sexo. Não obstante,
se queremos especificar, dizemos o varão e a mulher, o cavalheiro e a dama, o
senhor e a senhora, o dom e a dona. Porém, ninguém se incomoda por ser vítima, testemunha, criança, criatura,
membro… (masculino
ou feminino), mas não
queremos ser tratados por animal, besta,
fera, rês, cria, cavalgadura… (masculino ou feminino, pela conotação negativa que comportam). E temos os nomes comuns de dois,
como jovem, adolescente, estudante, nubente, constituinte…

Assim sendo,
não percebo por que razão as senhoras não querem ser “juízas”, mas “juízes”,
“estudantas”, “presidentas” (como se dizia nalgumas terras), mas estudantes e presidentes. Porém, querem ser infantas e até parentas. Não querem ser poetisas,
mas poetas; não querem ser embaixatrizes (mas embaixadoras, porque as embaixatrizes são as esposas dos
embaixadores), mas são atrizes e não atoras e se forem monarcas tanto são rainhas e imperatrizes se
forem mulheres do rei e do imperador como se exercerem elas mesmas o poder, não
querendo, neste caso, ser reias ou imperadoras. E as mulheres ficam em inferioridade
aquando do divórcio: todas e todos dizem, a
(minha) ex-mulher e o ex-marido, e ninguém diz, o (meu) ex-homem.

Aliás, houve
alguma dificuldade em acertar com a designação a atribuir à mulher que chefie
um ministério. Vasco Gonçalves, falando de Maria de Lourdes Pintasilgo, chegou
a referir-se-lhe como o Ministro dos Assuntos Sociais. Consta que Leonor Beleza
só aceitara a pasta se fosse designada por “Ministra” e não por “Ministro”. E a
exigência veio para ficar. No entanto, toda a gente sabe que nalgumas
comunidades religiosas femininas havia a irmã ministra.

***

O BE
apresentou na Assembleia da República uma proposta de resolução parlamentar a
recomendar ao Governo que determine que o cartão
de cidadão passe a chamar-se cartão
de cidadania. É um preciosismo que nada acrescenta nem à mudança gramatical
nem aos preceitos constitucionais (que estipula a igualdade de direitos e de deveres) e, sobretudo, ao panorama
económico, social e político de desigualdade que o país apresenta e com o qual
se confronta no quotidiano. Não aplaudo, por desnecessário e até piroso, mas
não me oponho, por não vir daí mal ao mundo. Porém, pedia mais alterações, como
de: estatuto do aluno para estatuto
da alunagem; ordem dos advogados, dos
arquitetos, dos engenheiros, dos médicos, dos farmacêuticos, dos enfermeiros,
dos médicos dentistas, dos contabilistas certificados e similares… para ordem,
respetivamente, de advocacia, de arquitetura, de engenharia, de medicina, de
farmácia, de enfermagem, medicina dentária, de contabilidade certificada;
sindicato dos médicos, dos bancários, dos juízes, dos professores, dos
enfermeiros… para sindicato, respetivamente, de medicina, de banca, de justiça,
de educação, de enfermagem…

Os defensores
da proposta do BE alegam que o nome do documento “não respeita a identidade de
género”, enquanto os adversários ridicularizaram a ideia de o Governo já ter
admitido pô-la em prática e com o apoio de alguns deputados socialistas.

A deputada
socialista Elza Pais, que preside à Subcomissão para a Igualdade, acha “um
horror a forma como ridicularizaram a proposta” e sustenta, a título pessoal,
que “quem ridiculariza a proposta é quem ainda não percebeu a importância e a
força que a linguagem tem na definição da nossa visão do mundo”. O PS, do seu
lado, ainda não definiu uma posição oficial, mas já se viu que a proposta do BE
tem adeptos na bancada socialista. Assim, Isabel Moreira defende que “a troça
que tem sido feita sobre esta iniciativa comprova a sua importância”, sendo que
“as palavras têm muito peso”. 

Porém, outros
alinham com Edite Estrela, que declara que “há problemas mais importantes para
resolver” e que “os custos que daí resultam não justificam esse investimento e
o esforço que isso implicará”. A deputada socialista considera que a atual
designação já corresponde a uma tentativa de não hipervalorizar o masculino e
que “já é uma linguagem inclusiva e mais neutra”. 

O deputado socialdemocrata
e ex-líder da JSD Duarte Marques junta-se aos críticos e considera a proposta
“ridícula”.  Porém, as críticas vieram também do lado do CDS pela voz do
deputado Abel Baptista que entende que propostas como esta prejudicam a imagem
da classe política, aduzindo: “Depois
queixem-se que os cidadãos não levem a sério os políticos”. 

Por
mim, os custos não afligiriam se valesse a pena nem são relevantes dado que a
designação se aplicaria apenas aos novos cartões a emitir. Mas, embora entenda
Edite Estrela, não alinho com ela em classificar cidadão, homem e similares
como linguagem neutra, mas, sim, inclusiva.

Mas,
se querem ser coerentes os patrocinadores da proposta do BE, alterem pelo menos
o artigo 2.º da lei do cartão de cidadão (perdão, de cidadania) para: “… contém os dados de
cada cidadão ou de cada cidadã relevantes…”.
E, por favor e amor à democracia, não digam mais “senhoras e senhoras
deputados” e “senhores ministros”, mas “senhoras deputadas e senhores deputados”
e “senhoras ministras e senhores ministros”. Já agora, não se sujeitam à regra
da ordem: as senhoras, primeiro. E
nunca digam: Senhores Membres de Governança! (Abaixe ê eanisme!).

Não
será tempo de ganharmos mesmo um bocadinho de juízo, deixando de falar em portugueses e portuguesas como que a
imitar o Papa, os bispos e os padres a dizer irmãos e irmãs…?

2016.04.23 – Louro de Carvalho

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