Católicos, políticos e comunidade gay atacam cartaz do BE

27-02-2016
marcar artigo

A frase não é nova, mas nunca tinha sido usada em Portugal. O Bloco de Esquerda (BE) resolveu celebrar a aprovação da adoção por casais do mesmo sexo com um cartaz com a frase "Jesus também tinha 2 pais", mas ninguém gostou do tipo de "humor" escolhido pelo partido para assinalar "uma mudança importante". Bispos, padres, movimentos católicos, homossexuais católicos, a ILGA e até deputados bloquistas consideram, no mínimo, infeliz a campanha. Ou, pelo menos, um erro tático.

"Mais do que infeliz, é ridícula. Onde está a graça? A mim não me ofende e a Deus também não, porque o ridículo só atinge quem o produz." É desta forma que o padre e professor universitário Anselmo Borges reage à campanha do BE. Também o padre António Vaz Pinto resume a atitude do partido de duas maneiras: "De mau gosto e inoportuno." "As pessoas não precisam de ser cristãs para não gostarem deste cartaz. É uma falta de respeito para com as convicções dos outros", diz.

Fechar Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão. Subscrever

A par das acusações de mau gosto estão as críticas de que nem a própria mensagem faz sentido. Como sublinha o presidente da Conferência Episcopal e patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, para quem o cartaz "falseia uma verdade" e "desqualifica quem a propaga". "O meu comentário só pode ser negativo, porque falseia uma verdade e essa é a pior das mentiras", salienta.

O argumento de que Jesus não foi criado por dois homens é também sublinhado por Maria João Sande Lemos. A representante do Movimento Nós Somos Igreja argumenta: "Jesus viveu sempre com um pai e uma mãe. Daí que este slogan não responda às críticas de quem é contra a adoção por homossexuais, porque o que é criticado é a ausência de uma figura feminina ou masculina no crescimento de uma criança, e Jesus viveu sempre com a sua mãe e o seu pai adotivo."

Já a teóloga Teresa Toldy fala apenas do que considera ser uma mensagem de "teor sexista". Ao dizer que Jesus teve dois pais, o cartaz esquece que Maria também esteve presente na vida de Jesus, sublinha a especialista. "Para se defender uma causa não se pode eliminar outras", resume.

A associação Novos Rumos aponta também o "desconhecimento da realidade religiosa católica e cristã". José Leote, o líder da associação de homossexuais católicos, acrescenta que "a liberdade de expressão é um dado adquirido mas traz responsabilidades, e estas campanhas devem ser pensadas".

Apesar não terem gostado do teor da mensagem, nenhum dos críticos considera que o BE quisesse ser ofensivo. "Não devem ir para a fogueira da inquisição, mas não basta a boa intenção para não ofender os outros" , alerta António Vaz Pinto.

José Leote considera mesmo que estas atitudes destroem as pontes que são tão importantes para a mudança na sociedade. "Quando queremos realçar uma mudança da lei não precisamos de ir buscar formas que podem ofender algumas pessoas. Só cria uma sociedade de fações. E nós na Novos Rumos temos plena consciência de que esse não é o bom caminho."

Para a ILGA Portugal, esta "forma de comunicação é uma escolha do partido". Sem querer entrar em polémicas, a presidente da associação de Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero (LGBT), Isabel Advirta, adianta que esta não "é a linha que nós escolheríamos". Até porque a associação considera que ainda há um caminho a percorrer nesta matéria. Referindo-se ao acesso à procriação medicamente assistida por parte de mulheres solteiras ou casais homossexuais, que ainda não é permitido em Portugal.

Marisa reconhece "erro"

Num dia em que o incómodo era indisfarçável entre alguns deputados bloquistas, que admitiam o "tiro no pé" ou o "erro de cálculo", a deputada Sandra Cunha foi chamada a responder aos jornalistas. Para, mais vírgula menos vírgula, dizer aquilo que o BE, através de um comunicado, já salientara.

No Campo Pequeno, onde inaugurava o outdoor com a palavra "Igualdade", a deputada recusou a ideia da "afronta" a quem quer que fosse e escudou-se: "A imagem que está a circular na internet não é uma palavra da ordem da autoria do BE, mas sim do movimento internacional pelo direito à igualdade e foi aproveitada para, com recurso ao humor, se conseguir chegar à discussão na sociedade."

A parlamentar bloquista afastou ainda a ideia de que a campanha tenha constituído um "tiro no pé". Ao invés, contrapôs, é "uma forma de se debater o assunto, de trazer a discussão à sociedade, de trazer visibilidade e de consagrar na sociedade, na discussão quotidiana este direito".

Marisa Matias foi, de resto, a única dirigente de topo atual a distanciar-se da iniciativa e a reconhecer que esta falhou. "Acho que saiu ao lado da intenção que se pretendia. Que foi um erro", escreveu a eurodeputada numa resposta a um comentário na sua página de Facebook. Ao início da noite, Francisco Louçã, ex-coordenador do Bloco, também reconheceu no seu espaço de opinião na SIC que a iniciativa "não foi oportuna".

Direita explora, esquerda cala-se

Como seria de esperar as reações políticas também não tardaram. As de uns (PSD e CDS) por palavras, as de outros (PS e PCP) por omissão. Os centristas, pela voz de Pedro Mota Soares, deram o mote e criticaram o BE pela "ofensa gratuita à sensibilidade de muitos portugueses, crentes ou não crentes". "Em política, como na vida, podemos discordar das ideias dos outros, mas não devemos ofender os sentimentos dos outros", reforçou o deputado.

Mais tarde, também no Parlamento, Fernando Negrão subiu o tom e falou de "radicalismo". Para o social-democrata, "o cartaz trazido a público pelo BE é, no mínimo, lamentável naquilo que traduz de desrespeito pelas crenças religiosas", indicando que não encontra atenuantes para a ideia. "Não quer dizer que não se possa fazer política com humor; pode fazer-se desde que não se falte ao respeito a terceiros. E foi o que aconteceu, faltou-se ao respeito a muitos portugueses", sintetizou.

À esquerda, um "ensurdecedor" silêncio. Socialistas e comunistas recusaram comentar as imagens, evitando qualquer fricção desnecessária com o Bloco de Esquerda.

[Notícia corrigida às 20.19 para alterar a declaração de Maria João Sande Lemos no quarto parágrafo.]

A frase não é nova, mas nunca tinha sido usada em Portugal. O Bloco de Esquerda (BE) resolveu celebrar a aprovação da adoção por casais do mesmo sexo com um cartaz com a frase "Jesus também tinha 2 pais", mas ninguém gostou do tipo de "humor" escolhido pelo partido para assinalar "uma mudança importante". Bispos, padres, movimentos católicos, homossexuais católicos, a ILGA e até deputados bloquistas consideram, no mínimo, infeliz a campanha. Ou, pelo menos, um erro tático.

"Mais do que infeliz, é ridícula. Onde está a graça? A mim não me ofende e a Deus também não, porque o ridículo só atinge quem o produz." É desta forma que o padre e professor universitário Anselmo Borges reage à campanha do BE. Também o padre António Vaz Pinto resume a atitude do partido de duas maneiras: "De mau gosto e inoportuno." "As pessoas não precisam de ser cristãs para não gostarem deste cartaz. É uma falta de respeito para com as convicções dos outros", diz.

Fechar Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão. Subscrever

A par das acusações de mau gosto estão as críticas de que nem a própria mensagem faz sentido. Como sublinha o presidente da Conferência Episcopal e patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, para quem o cartaz "falseia uma verdade" e "desqualifica quem a propaga". "O meu comentário só pode ser negativo, porque falseia uma verdade e essa é a pior das mentiras", salienta.

O argumento de que Jesus não foi criado por dois homens é também sublinhado por Maria João Sande Lemos. A representante do Movimento Nós Somos Igreja argumenta: "Jesus viveu sempre com um pai e uma mãe. Daí que este slogan não responda às críticas de quem é contra a adoção por homossexuais, porque o que é criticado é a ausência de uma figura feminina ou masculina no crescimento de uma criança, e Jesus viveu sempre com a sua mãe e o seu pai adotivo."

Já a teóloga Teresa Toldy fala apenas do que considera ser uma mensagem de "teor sexista". Ao dizer que Jesus teve dois pais, o cartaz esquece que Maria também esteve presente na vida de Jesus, sublinha a especialista. "Para se defender uma causa não se pode eliminar outras", resume.

A associação Novos Rumos aponta também o "desconhecimento da realidade religiosa católica e cristã". José Leote, o líder da associação de homossexuais católicos, acrescenta que "a liberdade de expressão é um dado adquirido mas traz responsabilidades, e estas campanhas devem ser pensadas".

Apesar não terem gostado do teor da mensagem, nenhum dos críticos considera que o BE quisesse ser ofensivo. "Não devem ir para a fogueira da inquisição, mas não basta a boa intenção para não ofender os outros" , alerta António Vaz Pinto.

José Leote considera mesmo que estas atitudes destroem as pontes que são tão importantes para a mudança na sociedade. "Quando queremos realçar uma mudança da lei não precisamos de ir buscar formas que podem ofender algumas pessoas. Só cria uma sociedade de fações. E nós na Novos Rumos temos plena consciência de que esse não é o bom caminho."

Para a ILGA Portugal, esta "forma de comunicação é uma escolha do partido". Sem querer entrar em polémicas, a presidente da associação de Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero (LGBT), Isabel Advirta, adianta que esta não "é a linha que nós escolheríamos". Até porque a associação considera que ainda há um caminho a percorrer nesta matéria. Referindo-se ao acesso à procriação medicamente assistida por parte de mulheres solteiras ou casais homossexuais, que ainda não é permitido em Portugal.

Marisa reconhece "erro"

Num dia em que o incómodo era indisfarçável entre alguns deputados bloquistas, que admitiam o "tiro no pé" ou o "erro de cálculo", a deputada Sandra Cunha foi chamada a responder aos jornalistas. Para, mais vírgula menos vírgula, dizer aquilo que o BE, através de um comunicado, já salientara.

No Campo Pequeno, onde inaugurava o outdoor com a palavra "Igualdade", a deputada recusou a ideia da "afronta" a quem quer que fosse e escudou-se: "A imagem que está a circular na internet não é uma palavra da ordem da autoria do BE, mas sim do movimento internacional pelo direito à igualdade e foi aproveitada para, com recurso ao humor, se conseguir chegar à discussão na sociedade."

A parlamentar bloquista afastou ainda a ideia de que a campanha tenha constituído um "tiro no pé". Ao invés, contrapôs, é "uma forma de se debater o assunto, de trazer a discussão à sociedade, de trazer visibilidade e de consagrar na sociedade, na discussão quotidiana este direito".

Marisa Matias foi, de resto, a única dirigente de topo atual a distanciar-se da iniciativa e a reconhecer que esta falhou. "Acho que saiu ao lado da intenção que se pretendia. Que foi um erro", escreveu a eurodeputada numa resposta a um comentário na sua página de Facebook. Ao início da noite, Francisco Louçã, ex-coordenador do Bloco, também reconheceu no seu espaço de opinião na SIC que a iniciativa "não foi oportuna".

Direita explora, esquerda cala-se

Como seria de esperar as reações políticas também não tardaram. As de uns (PSD e CDS) por palavras, as de outros (PS e PCP) por omissão. Os centristas, pela voz de Pedro Mota Soares, deram o mote e criticaram o BE pela "ofensa gratuita à sensibilidade de muitos portugueses, crentes ou não crentes". "Em política, como na vida, podemos discordar das ideias dos outros, mas não devemos ofender os sentimentos dos outros", reforçou o deputado.

Mais tarde, também no Parlamento, Fernando Negrão subiu o tom e falou de "radicalismo". Para o social-democrata, "o cartaz trazido a público pelo BE é, no mínimo, lamentável naquilo que traduz de desrespeito pelas crenças religiosas", indicando que não encontra atenuantes para a ideia. "Não quer dizer que não se possa fazer política com humor; pode fazer-se desde que não se falte ao respeito a terceiros. E foi o que aconteceu, faltou-se ao respeito a muitos portugueses", sintetizou.

À esquerda, um "ensurdecedor" silêncio. Socialistas e comunistas recusaram comentar as imagens, evitando qualquer fricção desnecessária com o Bloco de Esquerda.

[Notícia corrigida às 20.19 para alterar a declaração de Maria João Sande Lemos no quarto parágrafo.]

marcar artigo