Empresa de antigo diretor do museu coloca Presidência da República em tribunal

01-11-2018
marcar artigo

A empresa do antigo diretor do museu da Presidência, Diogo Gaspar, colocou um processo em tribunal contra a Presidência da República no qual exige 78 mil euros. Na auditoria financeira feita às contas da Presidência no ano de 2017, divulgada na segunda-feira, o Tribunal de Contas critica o facto de Belém não prever na contabilidade a possibilidade de perder este processo judicial.

Os auditores constataram que “não foram contabilizadas provisões“, mas que, como existe “um processo judicial em curso interposto por uma empresa contra a Presidência da República,” a secretaria-geral da Presidência “deveria ter procedido à divulgação relativa a passivos contingentes.”

O antigo diretor do museu que agora processa a Presidência foi, em conjunto com outros três arguidos, acusado pelo Ministério Público dos crimes de “abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influência, falsificação de documento, peculato e branqueamento de capitais“. Diogo Gaspar chegou a ser detido no âmbito da “Operação Cavaleiro”, uma operação em que a Polícia Judiciária terá encontrado móveis e outros bens da Presidência na casa do antigo diretor do museu e de amigos.

O relatório do TdC não divulga qual é a empresa, mas fonte oficial de Belém diz que se trata da “HistoriaEscondida, Lda”, a empresa que tem Diogo Gaspar como um dos acionistas. O valor pedido, divulga Belém ao Observador, são 78 mil euros. A Presidência — parca em palavras neste assunto — sugere que o processo se trata de um pedido de indemnização por não renovação de contrato, destacando que tendo a empresa em causa “completado três anos de prestação de serviços não podia nos termos do Código dos Contratos Públicos (CCP) ver renovado o seu contrato.”

Segundo foi noticiado em maio pelo jornal Público, Diogo Gaspar está acusado de 42 crimes, incluindo uma tentativa de enganar o então ministro da Cultura João Soares e uma venda e móveis a Belém que alegadamente tinha roubado do Palácio de Belém. Diogo Gaspar esteve à frente do Museu desde 2001, com Jorge Sampaio, até 2016, altura em que foi detido por suspeitas de burla e abuso de poder. Nem a coleção de presépios de Maria Cavaco Silva escapou à acusação do Ministério Público. O ex-diretor do Museu da Presidência terá alugado os presépios da ex-primeira-dama por 30 mil euros no Natal de 2011, quando as figuras se preparavam para ser expostas numa fundação em Cáceres: em vez de ser o Museu da Presidência a ceder os presépios, a coleção terá sido cedida através de uma empresa criada por Diogo Gaspar e uns amigos para prestar serviços ao Palácio de Belém.

Lei não prevê extinção de gabinetes de ex-Presidentes nem destino a dar aos bens

O Tribunal de Contas (TdC) deu um juízo favorável às contas da Presidência da República de 2017, mas deixou algumas recomendações relativamente aos gabinetes dos ex-Presidentes: tem de haver normas de extinção e um inventário dos bens da Presidência que estão nos escritórios dos antigos chefes de Estado.

De acordo com o relatório do TdC, os gabinetes dos ex-Presidentes custaram no ano passado cerca de 998 mil euros (menos do que os 1.242.000 euros gastos em 2016). Foi nestas contas que houve um problema detetado pelo TdC: pela primeira vez, devido à morte de Mário Soares “ocorreu a necessidade de extinção de um gabinete de um ex-Presidente“, mas não existem “normas que disciplinem essa extinção“. Por Soares ter optado por ter gabinete na Fundação Mário Soares, a Presidência pagava 4.350,98 euros mensais à fundação, segundo a mesma auditoria.

De acordo com a lei, os “ex-Presidentes da República, usufruem do direito a: uso de automóvel do Estado, para o seu serviço pessoal, com condutor e combustível, apoio de um assessor e um secretário da sua confiança; ajudas de custo e gabinete de trabalho que é assegurado através de locação, cedência de imóveis do Estado a título gratuito ou contra o pagamento de despesas de condomínio”.

A lei prevê assim a criação dos gabinetes dos ex-Presidentes da República, mas não prevê a extinção dos mesmos, há um vazio legal. Não fica claro no relatório se a renda continuou, por omissão, a ser paga após a morte de Soares, uma vez que o TdC escreve “não têm sido contabilizados custos diferidos, apesar de ter ocorrido o pagamento de rendas antecipadamente“. Nesse mesmo ponto do relatório, o TdC remete para uma nota de rodapé onde refere o “pagamento de renda mensal à Fundação Mário Soares, no montante de 4.350,98 euros.”

No entanto, a Presidência da República garante ao Observador que “o último mês pago [de renda à Fundação Mário Soares foi janeiro de 2017“. Ou seja: Soares morreu a 7 de janeiro de 2017 e a Presidência limitou-se, como estava previsto, a pagar a mensalidade desse mês.

Bens da Presidência continuam na Fundação Soares por “homenagem”

O Tribunal de Contas encontrou um problema pelo facto da devolução dos bens nos gabinetes dos antigos Presidentes não estar prevista na lei. Isto, mais uma vez, porque a lei não prevê a extinção de gabinetes. O Tribunal de Contas adverte que “em 2017 ocorreu, pela primeira vez, a necessidade de extinção de um gabinete de um ex-Presidente da República, tendo-se verificado a ausência de normas que disciplinem essa extinção, designadamente no que se refere ao destino a atribuir aos bens que integram o referido gabinete”.

Em resposta ao TdC, os membros do Conselho Administrativo da Presidência garantiram que já pediram à secretaria-geral para criar “normas e práticas sobre o funcionamento e extinção dos gabinetes de Ex- Presidentes”, bem como, “solicitar ao Governo a consideração da inclusão de tais normas em dispositivo legal apropriado.” Ou seja: Belém já pediu ou vai pedir a São Bento para legislar para clarificar este ponto.

A auditoria do Tribunal de Contas regista que “apesar de terem ficado bens que pertenciam à Presidência da República na Fundação Mário Soares, os mesmos ainda constam no inventário da Presidência da República, como localizados no gabinete do ex-Presidente”. Em jeito de puxão de orelhas, o TdC escreve que se verificou que “não ocorreu a atualização do inventário, relativamente aos bens que se encontram nos gabinetes dos ex-Presidentes da República”. E fez mesmo uma recomendação à Presidência: “Promover ações periódicas de verificação dos bens existentes nos gabinetes dos ex- Presidentes da República”.

No mesmo relatório o Tribunal de Contas regista que “a Fundação Mário Soares manifestou interesse em ficar com 35 bens, designadamente: diverso mobiliário, cadeiras, mesas e candeeiros.” Questionada pelo Observador, a Presidência da República admite que esses bens acabaram por ficar na Fundação mesmo após a morte de Mário Soares: “Em homenagem à memória do Presidente Mário Soares foi solicitado que o mobiliário e acessórios de decoração que fizeram parte do seu gabinete de trabalho, sala de reuniões e sala de espera, não fossem deslocalizados, tendo os mesmos ficado em depósito na Fundação Mário Soares.”

As horas extraordinárias também foi outro fator para o qual o Tribunal de Contas alertou a Presidência, não por terem aumentado — como chegou a ser noticiado por alguns órgãos de comunicação — mas por não ter um registo adequado ao que se pratica atualmente. O controlo de assiduidade e o trabalho extra ainda é anotado, num “livro de ponto”. Na resposta ao TdC, o conselho administrativo da Presidência da República garante que “está em avaliação a implementação de um sistema de registo eletrónico da assiduidade ajustado às necessidades dos serviços da Presidência da República.”

E como recomendação, o TdC exorta a Presidência a “promover a implementação de um sistema de controlo de assiduidade que permita o controlo efetivo do trabalho realizado, incluindo o pagamento de horas de trabalho suplementar.” Houve de facto um aumento do custo das horas extraordinárias (para 523 mil euros, face aos 452 mil euros de 2016), mas esteve relacionado com o regresso às 35 horas semanais na função pública. Olhando para os números até havia mais horas extraordinárias no tempo de Cavaco Silva.

O Observador tentou contactar Diogo Gaspar, através do seu advogado, mas não foi possível até à hora de publicação deste artigo.

Continuar a ler

A empresa do antigo diretor do museu da Presidência, Diogo Gaspar, colocou um processo em tribunal contra a Presidência da República no qual exige 78 mil euros. Na auditoria financeira feita às contas da Presidência no ano de 2017, divulgada na segunda-feira, o Tribunal de Contas critica o facto de Belém não prever na contabilidade a possibilidade de perder este processo judicial.

Os auditores constataram que “não foram contabilizadas provisões“, mas que, como existe “um processo judicial em curso interposto por uma empresa contra a Presidência da República,” a secretaria-geral da Presidência “deveria ter procedido à divulgação relativa a passivos contingentes.”

O antigo diretor do museu que agora processa a Presidência foi, em conjunto com outros três arguidos, acusado pelo Ministério Público dos crimes de “abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influência, falsificação de documento, peculato e branqueamento de capitais“. Diogo Gaspar chegou a ser detido no âmbito da “Operação Cavaleiro”, uma operação em que a Polícia Judiciária terá encontrado móveis e outros bens da Presidência na casa do antigo diretor do museu e de amigos.

O relatório do TdC não divulga qual é a empresa, mas fonte oficial de Belém diz que se trata da “HistoriaEscondida, Lda”, a empresa que tem Diogo Gaspar como um dos acionistas. O valor pedido, divulga Belém ao Observador, são 78 mil euros. A Presidência — parca em palavras neste assunto — sugere que o processo se trata de um pedido de indemnização por não renovação de contrato, destacando que tendo a empresa em causa “completado três anos de prestação de serviços não podia nos termos do Código dos Contratos Públicos (CCP) ver renovado o seu contrato.”

Segundo foi noticiado em maio pelo jornal Público, Diogo Gaspar está acusado de 42 crimes, incluindo uma tentativa de enganar o então ministro da Cultura João Soares e uma venda e móveis a Belém que alegadamente tinha roubado do Palácio de Belém. Diogo Gaspar esteve à frente do Museu desde 2001, com Jorge Sampaio, até 2016, altura em que foi detido por suspeitas de burla e abuso de poder. Nem a coleção de presépios de Maria Cavaco Silva escapou à acusação do Ministério Público. O ex-diretor do Museu da Presidência terá alugado os presépios da ex-primeira-dama por 30 mil euros no Natal de 2011, quando as figuras se preparavam para ser expostas numa fundação em Cáceres: em vez de ser o Museu da Presidência a ceder os presépios, a coleção terá sido cedida através de uma empresa criada por Diogo Gaspar e uns amigos para prestar serviços ao Palácio de Belém.

Lei não prevê extinção de gabinetes de ex-Presidentes nem destino a dar aos bens

O Tribunal de Contas (TdC) deu um juízo favorável às contas da Presidência da República de 2017, mas deixou algumas recomendações relativamente aos gabinetes dos ex-Presidentes: tem de haver normas de extinção e um inventário dos bens da Presidência que estão nos escritórios dos antigos chefes de Estado.

De acordo com o relatório do TdC, os gabinetes dos ex-Presidentes custaram no ano passado cerca de 998 mil euros (menos do que os 1.242.000 euros gastos em 2016). Foi nestas contas que houve um problema detetado pelo TdC: pela primeira vez, devido à morte de Mário Soares “ocorreu a necessidade de extinção de um gabinete de um ex-Presidente“, mas não existem “normas que disciplinem essa extinção“. Por Soares ter optado por ter gabinete na Fundação Mário Soares, a Presidência pagava 4.350,98 euros mensais à fundação, segundo a mesma auditoria.

De acordo com a lei, os “ex-Presidentes da República, usufruem do direito a: uso de automóvel do Estado, para o seu serviço pessoal, com condutor e combustível, apoio de um assessor e um secretário da sua confiança; ajudas de custo e gabinete de trabalho que é assegurado através de locação, cedência de imóveis do Estado a título gratuito ou contra o pagamento de despesas de condomínio”.

A lei prevê assim a criação dos gabinetes dos ex-Presidentes da República, mas não prevê a extinção dos mesmos, há um vazio legal. Não fica claro no relatório se a renda continuou, por omissão, a ser paga após a morte de Soares, uma vez que o TdC escreve “não têm sido contabilizados custos diferidos, apesar de ter ocorrido o pagamento de rendas antecipadamente“. Nesse mesmo ponto do relatório, o TdC remete para uma nota de rodapé onde refere o “pagamento de renda mensal à Fundação Mário Soares, no montante de 4.350,98 euros.”

No entanto, a Presidência da República garante ao Observador que “o último mês pago [de renda à Fundação Mário Soares foi janeiro de 2017“. Ou seja: Soares morreu a 7 de janeiro de 2017 e a Presidência limitou-se, como estava previsto, a pagar a mensalidade desse mês.

Bens da Presidência continuam na Fundação Soares por “homenagem”

O Tribunal de Contas encontrou um problema pelo facto da devolução dos bens nos gabinetes dos antigos Presidentes não estar prevista na lei. Isto, mais uma vez, porque a lei não prevê a extinção de gabinetes. O Tribunal de Contas adverte que “em 2017 ocorreu, pela primeira vez, a necessidade de extinção de um gabinete de um ex-Presidente da República, tendo-se verificado a ausência de normas que disciplinem essa extinção, designadamente no que se refere ao destino a atribuir aos bens que integram o referido gabinete”.

Em resposta ao TdC, os membros do Conselho Administrativo da Presidência garantiram que já pediram à secretaria-geral para criar “normas e práticas sobre o funcionamento e extinção dos gabinetes de Ex- Presidentes”, bem como, “solicitar ao Governo a consideração da inclusão de tais normas em dispositivo legal apropriado.” Ou seja: Belém já pediu ou vai pedir a São Bento para legislar para clarificar este ponto.

A auditoria do Tribunal de Contas regista que “apesar de terem ficado bens que pertenciam à Presidência da República na Fundação Mário Soares, os mesmos ainda constam no inventário da Presidência da República, como localizados no gabinete do ex-Presidente”. Em jeito de puxão de orelhas, o TdC escreve que se verificou que “não ocorreu a atualização do inventário, relativamente aos bens que se encontram nos gabinetes dos ex-Presidentes da República”. E fez mesmo uma recomendação à Presidência: “Promover ações periódicas de verificação dos bens existentes nos gabinetes dos ex- Presidentes da República”.

No mesmo relatório o Tribunal de Contas regista que “a Fundação Mário Soares manifestou interesse em ficar com 35 bens, designadamente: diverso mobiliário, cadeiras, mesas e candeeiros.” Questionada pelo Observador, a Presidência da República admite que esses bens acabaram por ficar na Fundação mesmo após a morte de Mário Soares: “Em homenagem à memória do Presidente Mário Soares foi solicitado que o mobiliário e acessórios de decoração que fizeram parte do seu gabinete de trabalho, sala de reuniões e sala de espera, não fossem deslocalizados, tendo os mesmos ficado em depósito na Fundação Mário Soares.”

As horas extraordinárias também foi outro fator para o qual o Tribunal de Contas alertou a Presidência, não por terem aumentado — como chegou a ser noticiado por alguns órgãos de comunicação — mas por não ter um registo adequado ao que se pratica atualmente. O controlo de assiduidade e o trabalho extra ainda é anotado, num “livro de ponto”. Na resposta ao TdC, o conselho administrativo da Presidência da República garante que “está em avaliação a implementação de um sistema de registo eletrónico da assiduidade ajustado às necessidades dos serviços da Presidência da República.”

E como recomendação, o TdC exorta a Presidência a “promover a implementação de um sistema de controlo de assiduidade que permita o controlo efetivo do trabalho realizado, incluindo o pagamento de horas de trabalho suplementar.” Houve de facto um aumento do custo das horas extraordinárias (para 523 mil euros, face aos 452 mil euros de 2016), mas esteve relacionado com o regresso às 35 horas semanais na função pública. Olhando para os números até havia mais horas extraordinárias no tempo de Cavaco Silva.

O Observador tentou contactar Diogo Gaspar, através do seu advogado, mas não foi possível até à hora de publicação deste artigo.

Continuar a ler

marcar artigo