A que sabe a romã? Ao ballet gelado da chef Carolina Pereira

07-06-2019
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A chef de pastelaria do LOCO tem 22 anos e está há um ano no restaurante, a desenvolver o trabalho com os sabores com a restante equipa. (Bruno Raposo / Global Imagens)

07/03/2019 por Marina Almeida

É como uma bailarina que chega em pontas, com movimentos suaves. Ao 15º prato do menu de degustação do LOCO, Carolina Pereira coloca sobre a mesa Romã e Coco. Sobremesa de nome tão simples e certeiro quanto os sabores que nos chegam à boca.

Texto de Marina Almeida

Não é ofensa nenhuma, é a realidade, Carolina é uma miúda. Tem 22 anos e é a chef de pastelaria do restaurante LOCO, em Lisboa. Veste a farda de tons terra, trabalha há pouco mais de um ano naquele cochicho de restaurante onde não há espaço para o supérfluo – da arquitetura aos pratos. E é das mãos dela que saem as três sobremesas da carta, para além do pão, que entrega pessoalmente em cada uma das seis mesas – “não é só o açúcar que nos distingue”

A sala tem 20 lugares. Ocupamos dois deles numa manhã regada a sol. “Já aprendi imenso. No fundo foi o meu primeiro trabalho, estou aqui sozinha, não tenho nenhum chef de pastelaria acima de mim.” Outras duas mesas estão ocupadas com chefs de computador à frente (durante o dia a sala do LOCO é um bocadinho escritório), volta não volta chega um fornecedor que entrega caixas e sai de guias rubricadas. Carolina Pereira escolheu receber-nos manhã cedo, para estar à vontade antes de se dedicar aos preparativos – a rede que tem de ter malha firme para responder com eficácia.

“Sou chef? Sou pasteleira”, diz. Chegou ao restaurante com uma estrela Michelin da Rua dos Navegantes porque gostava muito de fazer bolos. “Acaba por ser como toda a gente que faz bolos em casa e depois quer afinar essa técnica e quer fazer mais e melhor mas não sabe como. Fui um bocadinho em busca desse conhecimento, fiz o curso na Escola de Hotelaria [e Turismo de Lisboa] na formação de pastelaria. Nunca fui muito de carnes, de peixe. Não é que evite mas gostar gostar, é mais pastelaria”, conta. Durante o curso, soube que o chef Alexandre Silva preparava a abertura do LOCO. “Fui pesquisar. Na altura ainda não havia nada, só havia o LOCO em obras, pelo menos nas fotos do Instagram”.

Depois do curso, Carolina Pereira fez vários estágios. “Sabia que não estava preparada para esta vida profissional. Entrar com a responsabilidade de pasteleira, não estava preparada. No fundo uma pessoa sai da escola e não sabe nada. Sabe receitas e fazê-las mas lidar com o trabalho e com a pressão, não sabe“. Passou pelo Feitoria, de João Rodrigues, pelo El Celler de Can Roca, em Espanha, e pelo LOCO, durante três meses. O restaurante era muito recente, estava aberto há menos de meio ano. “Passados alguns meses o chef veio falar comigo e perguntou-me se queria vir para o LOCO”. Em setembro de 2017, a chef de pastelaria arregaçou as mangas da farda de tons terra.

E experiência faz-se de trabalho, muito trabalho, muito trabalho de equipa. A chef Carolina ainda não parou de aprender e já põe no prato tanto sabor.

“A preocupação é a sazonalidade dos produtos e trazer qualquer coisa de novo à sobremesa”, explica, dizendo que sempre que possível trabalham com produtos biológicos.

O maior desafio é a primeira sobremesa, a sobremesa de transição. A que chega após uma avalanche de 15 pratos e uma miríade de estímulos. “No LOCO são 18 pratos a pessoa chega ao fim bastante cheia e satisfeita. Tem que haver equilíbrio em tudo”, sublinha. Esta sobremesa tem que fazer magia. “Neste momento estamos com uma sobremesa de perfume de laranjeira que, ironia das ironias, é o nome da empresa do restaurante. É muito engraçado, foi ideia do chef. É composta de um sorvete de flor de laranjeira com várias texturas de laranja, temos os filamentos da laranja em nitrogénio, com gomos de laranja semi desidratada e um ar de laranja. Todos estes elementos sobre uma folha de laranjeira e a ideia é ter toda esta explosão de laranja e laranjeira na boca”.

A primeira sobremesa do menu é servida sem talheres nem pratos. “Folha na boca, chupar para extrair os aromas da folha. Este ano as laranjas não são muito doces, são elementos gelados que acabam por resfriar a boca para as sobremesas”.

Segue-se Romã e Coco. É a sobremesa número dois, diz enquanto emprata para o vídeo. A taça está gelada, coloca três colheres de granizado de romã, redução de romã, uma colherada de gelado de coco e quatro lascas de coco. Não tem açúcar a não ser o dos alimentos. A terceira sobremesa seria estreada no dia seguinte: “doce de leite condensado de ovelha com gelado de leite de ovelha, um toque de flor de sal, espuma de iogurte de ovelha e uma nuvem que é um merengue extremamente leve com o soro do leite de ovelha”.

A chef pasteleira do LOCO não tem nenhum ingrediente de eleição. “Gosto de trabalhar com frutas da época. Se tivesse mesmo que escolher, escolhia frutos de caroço, ameixas, pêssego. Também gosto muito de citrinos“, diz. “Nunca trabalhei muito com chocolate, aqui não faz parte do conceito”. Também não tem ainda nenhuma sobremesa com a sua assinatura. “As sobremesas que entraram na carta foram trabalho de equipa.”

Antes que derreta, provamos a número dois. Romã e coco. Cada qual no seu sítio e, depois, dançando o seu bailado terno.

Amanhã: Joaquim Sousa, chef de pastelaria Ladurée/JNcQUOI

A chef de pastelaria do LOCO tem 22 anos e está há um ano no restaurante, a desenvolver o trabalho com os sabores com a restante equipa. (Bruno Raposo / Global Imagens)

07/03/2019 por Marina Almeida

É como uma bailarina que chega em pontas, com movimentos suaves. Ao 15º prato do menu de degustação do LOCO, Carolina Pereira coloca sobre a mesa Romã e Coco. Sobremesa de nome tão simples e certeiro quanto os sabores que nos chegam à boca.

Texto de Marina Almeida

Não é ofensa nenhuma, é a realidade, Carolina é uma miúda. Tem 22 anos e é a chef de pastelaria do restaurante LOCO, em Lisboa. Veste a farda de tons terra, trabalha há pouco mais de um ano naquele cochicho de restaurante onde não há espaço para o supérfluo – da arquitetura aos pratos. E é das mãos dela que saem as três sobremesas da carta, para além do pão, que entrega pessoalmente em cada uma das seis mesas – “não é só o açúcar que nos distingue”

A sala tem 20 lugares. Ocupamos dois deles numa manhã regada a sol. “Já aprendi imenso. No fundo foi o meu primeiro trabalho, estou aqui sozinha, não tenho nenhum chef de pastelaria acima de mim.” Outras duas mesas estão ocupadas com chefs de computador à frente (durante o dia a sala do LOCO é um bocadinho escritório), volta não volta chega um fornecedor que entrega caixas e sai de guias rubricadas. Carolina Pereira escolheu receber-nos manhã cedo, para estar à vontade antes de se dedicar aos preparativos – a rede que tem de ter malha firme para responder com eficácia.

“Sou chef? Sou pasteleira”, diz. Chegou ao restaurante com uma estrela Michelin da Rua dos Navegantes porque gostava muito de fazer bolos. “Acaba por ser como toda a gente que faz bolos em casa e depois quer afinar essa técnica e quer fazer mais e melhor mas não sabe como. Fui um bocadinho em busca desse conhecimento, fiz o curso na Escola de Hotelaria [e Turismo de Lisboa] na formação de pastelaria. Nunca fui muito de carnes, de peixe. Não é que evite mas gostar gostar, é mais pastelaria”, conta. Durante o curso, soube que o chef Alexandre Silva preparava a abertura do LOCO. “Fui pesquisar. Na altura ainda não havia nada, só havia o LOCO em obras, pelo menos nas fotos do Instagram”.

Depois do curso, Carolina Pereira fez vários estágios. “Sabia que não estava preparada para esta vida profissional. Entrar com a responsabilidade de pasteleira, não estava preparada. No fundo uma pessoa sai da escola e não sabe nada. Sabe receitas e fazê-las mas lidar com o trabalho e com a pressão, não sabe“. Passou pelo Feitoria, de João Rodrigues, pelo El Celler de Can Roca, em Espanha, e pelo LOCO, durante três meses. O restaurante era muito recente, estava aberto há menos de meio ano. “Passados alguns meses o chef veio falar comigo e perguntou-me se queria vir para o LOCO”. Em setembro de 2017, a chef de pastelaria arregaçou as mangas da farda de tons terra.

E experiência faz-se de trabalho, muito trabalho, muito trabalho de equipa. A chef Carolina ainda não parou de aprender e já põe no prato tanto sabor.

“A preocupação é a sazonalidade dos produtos e trazer qualquer coisa de novo à sobremesa”, explica, dizendo que sempre que possível trabalham com produtos biológicos.

O maior desafio é a primeira sobremesa, a sobremesa de transição. A que chega após uma avalanche de 15 pratos e uma miríade de estímulos. “No LOCO são 18 pratos a pessoa chega ao fim bastante cheia e satisfeita. Tem que haver equilíbrio em tudo”, sublinha. Esta sobremesa tem que fazer magia. “Neste momento estamos com uma sobremesa de perfume de laranjeira que, ironia das ironias, é o nome da empresa do restaurante. É muito engraçado, foi ideia do chef. É composta de um sorvete de flor de laranjeira com várias texturas de laranja, temos os filamentos da laranja em nitrogénio, com gomos de laranja semi desidratada e um ar de laranja. Todos estes elementos sobre uma folha de laranjeira e a ideia é ter toda esta explosão de laranja e laranjeira na boca”.

A primeira sobremesa do menu é servida sem talheres nem pratos. “Folha na boca, chupar para extrair os aromas da folha. Este ano as laranjas não são muito doces, são elementos gelados que acabam por resfriar a boca para as sobremesas”.

Segue-se Romã e Coco. É a sobremesa número dois, diz enquanto emprata para o vídeo. A taça está gelada, coloca três colheres de granizado de romã, redução de romã, uma colherada de gelado de coco e quatro lascas de coco. Não tem açúcar a não ser o dos alimentos. A terceira sobremesa seria estreada no dia seguinte: “doce de leite condensado de ovelha com gelado de leite de ovelha, um toque de flor de sal, espuma de iogurte de ovelha e uma nuvem que é um merengue extremamente leve com o soro do leite de ovelha”.

A chef pasteleira do LOCO não tem nenhum ingrediente de eleição. “Gosto de trabalhar com frutas da época. Se tivesse mesmo que escolher, escolhia frutos de caroço, ameixas, pêssego. Também gosto muito de citrinos“, diz. “Nunca trabalhei muito com chocolate, aqui não faz parte do conceito”. Também não tem ainda nenhuma sobremesa com a sua assinatura. “As sobremesas que entraram na carta foram trabalho de equipa.”

Antes que derreta, provamos a número dois. Romã e coco. Cada qual no seu sítio e, depois, dançando o seu bailado terno.

Amanhã: Joaquim Sousa, chef de pastelaria Ladurée/JNcQUOI

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