O líder com sete vidas deixa de ser presidente do partido que tem as suas iniciais

04-09-2017
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Paulo Portas está de saída da liderança do CDS/PP, que conquistou em 1998. Saiu em 2005. Voltou em 2007. Esteve na oposição, depois no governo, depois na oposição, novamente no governo e outra vez na oposição. Notas do percurso do líder partidário há mais tempo no cargo em Portugal

Em 1998 o mundo era outro. O presidente dos Estados Unidos era investigado e quase crucificado por ter mentido… sobre sexo. Na MTV, surgia uma rapariga vestida de colegial chamada Britney Spears. O mundo descobria o Viagra. No maravilhoso mundo novo da internet, nascia uma empresa chamada Google. José Mourinho era adjunto de Louis Van Gaal no Barcelona, numa equipa capitaneada por Pep Guardiola, onde jogava Luís Figo. Cristiano Ronaldo, com 13 anos, cumpria a sua primeira época na formação do Sporting. No cinema, o Titanic afundava-se embalado pela voz de Celine Dion.

Foi um daqueles anos de euforia em que parecia que Portugal podia tudo. Foi o ano da Expo 98, que renovou a zona oriental de Lisboa e encheu o ego patriótico. Foi o ano da inauguração da ponte Vasco da Gama, prodígio das obras-públicas e da feijoada mundial, com mais de 14 mil comensais numa mega-mesa instalada no tabuleiro da ponte (ainda é um record do Guiness). Foi o ano do primeiro Nobel da Literatura para a língua portuguesa, com o nome de Saramago. Foi o último ano em que o crescimento do PIB se aproximou dos 5% (em rigor: 4,79% de crescimento real), quando o governo media o otimismo do país em reservas de hotéis no Algarve e número de frigoríficos vendidos. Tudo pago em escudos. O primeiro-ministro era António Guterres, o líder do PSD e da oposição era Marcelo Rebelo de Sousa. Desde março, teve a companhia - e a concorrência - de um novo líder partidário à sua direita: Paulo Sacadura Cabral Portas.

1998 foi o ano do congresso que havia de moldar por muito tempo um dos partidos fundadores da democracia. A 21 de março começou a primavera e, em Braga, arrancou o congresso XVI congresso do CDS - aquele em que se consumou uma mudança há muito anunciada.

Prenunciada pelo menos desde que ao nome do partido foram acrescentadas as letras PP. Eram as iniciais de Partido Popular, mas houve quem reparasse que esse acrescento, promovido pelo então líder Manuel Monteiro, mas incentivado pelo seu mais persistente conselheiro, Paulo Portas, correspondia ao monograma do próprio Portas.

Num daqueles tiros ao lado em que toda a comunicação social é pródiga, o Expresso anunciava, no dia do arranque do congresso, “Maria José com vantagem”, prognosticando que a sucessora de Monteiro seria a sua líder parlamentar, Nogueira Pinto. À cautela, a notícia acrescentava: “...mas Portas pode inverter tendência durante o congresso”. Portas acabou por esmagar a sua adversária, e nem foi por qualquer reviravolta, acaso ou demonstração de carisma.

Uma vitória feita pelos novos

Maria José Nogueira Pinto tinha, de facto, como havia escrito o Expresso, o apoio da maioria dos barões e históricos do partido, bem como dos generais do monteirismo. Portas, pelo seu lado tinha o apoio de alguns (poucos) barões, mais a Juventude Popular. Este pormenor, que a notícia do Expresso desvalorizava, revelou-se um por maior. O apoio da “jota” e de uma nova geração de quadros revelou-se precioso para o antigo jornalista esmagar a sua adversária.

No fundo, nada de novo: a aproximação de Portas ao CDS já se tinha feito, ainda nos anos em que dirigia O Independente, depois de 1988, através da fornada de “jotinhas” onde se destacava Manuel Monteiro. Portas foi-os promovendo nas páginas do seu jornal, ao mesmo tempo que ia demolindo o PSD e o cavaquismo. E foi através deles que, a partir de 1991, o jornalista foi moldando o CDS e transformando-o noutra coisa: um partido à sua imagem, com as suas bandeiras e as suas obsessões. Em 1995, quando Cavaco saiu de cena, Portas também se afastou do jornal e saiu de detrás da cortina para assumir uma carreira política no CDS. Três anos passados, a rutura com Monteiro já era mais do que definitiva - rutura que começou logo em 1995, quando se colocou a questão do apoio à candidatura presidencial de Cavaco: Portas não hesitou em renegar tudo o que havia dito sobre o antigo primeiro-ministro (chamou-lhe tudo e até chegou a escrever que “merecia um estalo”) e apoiá-lo nas presidenciais contra Sampaio; Monteiro não teve o mesmo jogo de cintura e disse que votaria em branco, abrindo-se nesse momento uma cisão na antiga dupla-maravilha.

Em 1998, quando chegou a hora de suceder a Monteiro, Portas voltou a apostar nos novos. Luís Nobre Guedes foi o motor da sua candidatura, mas os jotinhas foram o combustível. Vem daí a ligação a jovens que entretanto ganharam nome e estatuto no CDS, como João Rebelo ou mesmo João Almeida, que ainda mal tinha idade para estar na JP e já era portista. Ou Pedro Mota Soares, que não sendo portista de primeira hora, cedo se juntou à causa - Portas acabaria, depois, por promover os três ao cargo de secretário-geral do CDS.

Outras peças importantes na conquista do CDS por Portas tiveram sortes diferentes. Sílvio Cervan, outro ex-jota que então brilhava no CDS, foi um dos elementos decisivos no início do portismo - mas acabou por se afastar de Portas e do partido. Nuno Melo, que em 1998 começava a dar nas vistas nas estruturas do distrito de Braga, chegou ao portismo sem passar pelo monteirismo, e acabou por ser uma das maiores estrelas de uma constelação onde Portas muitas vezes ofusca os outros astros.

5727 dias

A história do CDS de Portas conta-se em dois capítulos. O primeiro, de 1998 até 2005: 2581 dias de liderança. O segundo, de 2007 até agora: serão 3160 até 12 de janeiro, dia em que termina o atual mandato, iniciado nesse dia de janeiro de 2014. Entre os dois capítulos houve um intervalo de dois anos, de 2005 a 2007. Portas demitiu-se depois da derrota nas eleições de 2005 e sucedeu-lhe José Ribeiro e Castro, curiosamente um histórico do CDS que se havia afastado, tendo sido recuperado para a vida partidária pelo próprio Portas. Mas o desempenho de Castro e a pressão dos portistas levaram a que Portas interrompesse esse intervalo, com um assalto à liderança que, à época, fez mossa na imagem do antigo jornalista.

Por junto, Portas já leva quase 16 anos à frente do CDS. É o líder partidário há mais anos em funções e um dos recordistas da democracia portuguesa. Só Cunhal dirigiu um partido durante mais anos - 18 em democracia (1974-1992) e outros 13 na clandestinidade. Por junto, Cunhal esteve à frente do PCP por 31 anos. Ainda mais do que Francisco Louçã que, juntando os anos de PSR com os de Bloco de Esquerda teve funções de liderança por 25 anos (1987-2012). Porém, se contarmos apenas o BE, Louçã foi líder (embora nem sempre com esse estatuto) durante 13 anos (1999-2012).

Os mais de 15 anos (em rigor: 5727 dias cumpridos esta segunda-feira, dia em que anunciou a saída) que Portas já tem de presidência do CDS deixam-no à frente de líderes históricos da democracia portuguesa como Mário Soares (13 anos), Freitas do Amaral (11 anos) ou Cavaco Silva (10 anos). E dão-lhe uma longevidade partidária muito maior do que a de qualquer dos líderes do PSD com quem fez acordos de coligação: Passos Coelho é presidente do PSD há cinco anos e meio, o mesmo tempo que Durão Barroso esteve nesse cargo. Marcelo Rebelo de Sousa foi líder laranja por pouco mais do que três anos - e demitiu-se quando essa coligação com Portas deu para o torto.

Foi um dos momentos mais difíceis do trajeto de Portas no Largo do Caldas: a sua passagem pelo centro de sondagens da Universidade Moderna (investigada por pesadas suspeitas de crimes de toda a espécie) deixou-o sob fogo, tanto na frente judicial como política, incluindo o “fogo amigo” que vinha do parceiro da Alternativa Democrática. Essa AD, que devia servir para as europeias desse 1999 e prolongar-se nas legislativas do mesmo ano, morreu antes de tempo. Marcelo saiu, Portas encabeçou a lista das europeias e, depois, das legislativas.

Luis Barra

O líder que ia a todas

Foi outra das marcas destes anos: o líder do partido ia a todas. Foi, de facto, a quase todas. Só não foi candidato a Presidente da República (mas já pensou nisso). Foi candidato ao Parlamento Europeu, candidato à Assembleia da República, candidato até à Câmara de Lisboa, em 2001. Eram os tempos do chamado "partido de um homem só". Nessas eleições autárquicas, mais uma das muitas vezes em que pôs a cabeça no cepo, Portas tinha como slogan “Eu fico”. Não ficou - tal como não concluiu o mandato de deputado para que foi eleito em 1995, e não concluiu o de eurodeputado que iniciou em 1999, também não ficou os quatro anos como vereador em Lisboa.

Mas a história da candidatura à câmara da capital vale mais do que esse pormenor do mandato interrompido a meio. Nessa noite de dezembro de 2001 tudo estava a correr mal a Portas: contava ter peso suficiente para determinar quem governaria a cidade, mas Santana Lopes arrasou, tirou João Soares da cadeira de presidente e nem precisou do CDS para nada. Portas anunciou à sua direção que se ia demitir. Quando se preparava para fazer esse discurso ao país, António Guterres entrou em direto nas TVs. E demitiu-se de PM: o PS tinha acumulado derrotas nas autarquias e Guterres, sem maioria absoluta no Parlamento e a prever uma situação de “pântano”, antecipou-se e foi-se embora.

Portas rasgou o discurso de demissão e preparou-se para as legislativas antecipadas. Se tivesse falado antes de Guterres, teria saído. Em vez disso, três meses depois estava no Governo: foi a votos e teve os mandatos que faltavam a Durão Barroso para poder governar. O homem que mais dores de cabeça tinha dado ao PSD durante os sete anos em que usou O Independente para desfazer o cavaquismo (1988-1995), o homem que tinha feito a sua fama a zurzir nos “laranjinhas” desde que deu os primeiros passos nos jornais, ainda menor de idade, chegava ao poder de braço dado com os sociais-democratas.

Repunha o CDS no “arco da governabilidade”, um conceito engendrado pelo seu amigo Nobre Guedes. Para isso moderou o discurso, deixou de ser “eurocético” para ser “eurocalmo”, conquistou nichos de eleitorado que os outros desvalorizavam: os agricultores, os ex-combatentes e retornados, os pensionistas.

O “Paulinho das Feiras” virou ministro da Defesa. Criou uma pensão para os antigos combatentes, mas fez mais: privatizou as OGMA, acabou com o serviço militar obrigatório e garantiu a profissionalização das Forças Armadas, reequipou os três ramos. Este ponto incluiu o mais polémico da sua passagem pela Defesa: a compra de dois submarinos para a Marinha, negócio que o perseguiu pela década seguinte, por suspeitas de corrupção. Foi ouvido uma única vez pela investigação, na qualidade de testemunha, e nunca foi constituído arguido. Mas tal não impediu que as notícias sobre os submarinos emergissem e submergissem ao ritmo do calendário eleitoral, conforme o próprio tratou de denunciar.

Luis Barra

“Baby, one more time”?

A sua segunda vida como governante, que fez dele ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro, acabou nas legislativas de outubro passado. A coligação com Passos Coelho já se previa durante a campanha eleitoral de 2011, tais eram as amenidades entre ambos, e tornou-se inevitável perante os resultados eleitorais: o PSD venceu, mas precisava do CDS, que conseguiu mais de 11%, o seu melhor resultado desde os tempos pós-revolução.

A sua indicação como ministro dos Negócios Estrangeiros parecia óbvia - era o lugar que Portas desejava, e o que o deixava fora da torre de controlo, onde Passos não o queria a tempo inteiro - mas revelou-se errada: a tensão com o primeiro-ministro foi em crescendo e era agravada pelas ausências constantes do líder do CDS. Foi um caminho de ameaça de rutura em ameaça de rutura até à rutura quase “irrevogável” do verão de 2013. Portas não saiu mas o adjetivo colou-se-lhe à pele. Tanto como a reforma do Estado, a diplomacia económica, as missões empresariais ou os vistos gold.

Se a vitória de outubro passado tivesse dado salvo-conduto à coligação para voltar a ser governo, Portas por lá continuaria como número dois de Passos. Mas António Costa trocou-lhes as voltas.

Se se recandidatasse a mais um mandato no CDS, Paulo Portas sabe o que o esperava: fazer tudo de novo na oposição à "geringonça", como já fez na oposição a António Guterres e na oposição a José Sócrates, sempre medindo proximidades e afastamentos em relação ao PSD. No fim, haveria eleições e, quem sabe, Portas seria outra vez governo, outra vez como número dois do líder que o PSD tivesse nesse momento. Seria quase como voltar ao princípio - "Baby, one more time", como cantava Britney Spears em 1998, quando esta liderança arrancou, mas sem a novidade e a frescura desse tempo. Optando por sair, recusa repetir tudo outra vez. "Ups, he didn't do it again", cantaria a velha Britney.

Não faltam nomes para o seu lugar. Os candidatos que contam são aqueles a quem Portas deu palco ao longo destes anos todos. Sejam apoiantes desde 1998, como Nuno Melo, Pedro Mota Soares ou João Almeida, seja Assunção Cristas, um rosto que o próprio Portas lançou em 2007 e que puxou para a primeira linha no Governo. Quem quer que seja o escolhido, a herança do portismo continuará a dominar o CDS, mesmo com Portas à distância. Resistirá Portas à distância?

Paulo Portas está de saída da liderança do CDS/PP, que conquistou em 1998. Saiu em 2005. Voltou em 2007. Esteve na oposição, depois no governo, depois na oposição, novamente no governo e outra vez na oposição. Notas do percurso do líder partidário há mais tempo no cargo em Portugal

Em 1998 o mundo era outro. O presidente dos Estados Unidos era investigado e quase crucificado por ter mentido… sobre sexo. Na MTV, surgia uma rapariga vestida de colegial chamada Britney Spears. O mundo descobria o Viagra. No maravilhoso mundo novo da internet, nascia uma empresa chamada Google. José Mourinho era adjunto de Louis Van Gaal no Barcelona, numa equipa capitaneada por Pep Guardiola, onde jogava Luís Figo. Cristiano Ronaldo, com 13 anos, cumpria a sua primeira época na formação do Sporting. No cinema, o Titanic afundava-se embalado pela voz de Celine Dion.

Foi um daqueles anos de euforia em que parecia que Portugal podia tudo. Foi o ano da Expo 98, que renovou a zona oriental de Lisboa e encheu o ego patriótico. Foi o ano da inauguração da ponte Vasco da Gama, prodígio das obras-públicas e da feijoada mundial, com mais de 14 mil comensais numa mega-mesa instalada no tabuleiro da ponte (ainda é um record do Guiness). Foi o ano do primeiro Nobel da Literatura para a língua portuguesa, com o nome de Saramago. Foi o último ano em que o crescimento do PIB se aproximou dos 5% (em rigor: 4,79% de crescimento real), quando o governo media o otimismo do país em reservas de hotéis no Algarve e número de frigoríficos vendidos. Tudo pago em escudos. O primeiro-ministro era António Guterres, o líder do PSD e da oposição era Marcelo Rebelo de Sousa. Desde março, teve a companhia - e a concorrência - de um novo líder partidário à sua direita: Paulo Sacadura Cabral Portas.

1998 foi o ano do congresso que havia de moldar por muito tempo um dos partidos fundadores da democracia. A 21 de março começou a primavera e, em Braga, arrancou o congresso XVI congresso do CDS - aquele em que se consumou uma mudança há muito anunciada.

Prenunciada pelo menos desde que ao nome do partido foram acrescentadas as letras PP. Eram as iniciais de Partido Popular, mas houve quem reparasse que esse acrescento, promovido pelo então líder Manuel Monteiro, mas incentivado pelo seu mais persistente conselheiro, Paulo Portas, correspondia ao monograma do próprio Portas.

Num daqueles tiros ao lado em que toda a comunicação social é pródiga, o Expresso anunciava, no dia do arranque do congresso, “Maria José com vantagem”, prognosticando que a sucessora de Monteiro seria a sua líder parlamentar, Nogueira Pinto. À cautela, a notícia acrescentava: “...mas Portas pode inverter tendência durante o congresso”. Portas acabou por esmagar a sua adversária, e nem foi por qualquer reviravolta, acaso ou demonstração de carisma.

Uma vitória feita pelos novos

Maria José Nogueira Pinto tinha, de facto, como havia escrito o Expresso, o apoio da maioria dos barões e históricos do partido, bem como dos generais do monteirismo. Portas, pelo seu lado tinha o apoio de alguns (poucos) barões, mais a Juventude Popular. Este pormenor, que a notícia do Expresso desvalorizava, revelou-se um por maior. O apoio da “jota” e de uma nova geração de quadros revelou-se precioso para o antigo jornalista esmagar a sua adversária.

No fundo, nada de novo: a aproximação de Portas ao CDS já se tinha feito, ainda nos anos em que dirigia O Independente, depois de 1988, através da fornada de “jotinhas” onde se destacava Manuel Monteiro. Portas foi-os promovendo nas páginas do seu jornal, ao mesmo tempo que ia demolindo o PSD e o cavaquismo. E foi através deles que, a partir de 1991, o jornalista foi moldando o CDS e transformando-o noutra coisa: um partido à sua imagem, com as suas bandeiras e as suas obsessões. Em 1995, quando Cavaco saiu de cena, Portas também se afastou do jornal e saiu de detrás da cortina para assumir uma carreira política no CDS. Três anos passados, a rutura com Monteiro já era mais do que definitiva - rutura que começou logo em 1995, quando se colocou a questão do apoio à candidatura presidencial de Cavaco: Portas não hesitou em renegar tudo o que havia dito sobre o antigo primeiro-ministro (chamou-lhe tudo e até chegou a escrever que “merecia um estalo”) e apoiá-lo nas presidenciais contra Sampaio; Monteiro não teve o mesmo jogo de cintura e disse que votaria em branco, abrindo-se nesse momento uma cisão na antiga dupla-maravilha.

Em 1998, quando chegou a hora de suceder a Monteiro, Portas voltou a apostar nos novos. Luís Nobre Guedes foi o motor da sua candidatura, mas os jotinhas foram o combustível. Vem daí a ligação a jovens que entretanto ganharam nome e estatuto no CDS, como João Rebelo ou mesmo João Almeida, que ainda mal tinha idade para estar na JP e já era portista. Ou Pedro Mota Soares, que não sendo portista de primeira hora, cedo se juntou à causa - Portas acabaria, depois, por promover os três ao cargo de secretário-geral do CDS.

Outras peças importantes na conquista do CDS por Portas tiveram sortes diferentes. Sílvio Cervan, outro ex-jota que então brilhava no CDS, foi um dos elementos decisivos no início do portismo - mas acabou por se afastar de Portas e do partido. Nuno Melo, que em 1998 começava a dar nas vistas nas estruturas do distrito de Braga, chegou ao portismo sem passar pelo monteirismo, e acabou por ser uma das maiores estrelas de uma constelação onde Portas muitas vezes ofusca os outros astros.

5727 dias

A história do CDS de Portas conta-se em dois capítulos. O primeiro, de 1998 até 2005: 2581 dias de liderança. O segundo, de 2007 até agora: serão 3160 até 12 de janeiro, dia em que termina o atual mandato, iniciado nesse dia de janeiro de 2014. Entre os dois capítulos houve um intervalo de dois anos, de 2005 a 2007. Portas demitiu-se depois da derrota nas eleições de 2005 e sucedeu-lhe José Ribeiro e Castro, curiosamente um histórico do CDS que se havia afastado, tendo sido recuperado para a vida partidária pelo próprio Portas. Mas o desempenho de Castro e a pressão dos portistas levaram a que Portas interrompesse esse intervalo, com um assalto à liderança que, à época, fez mossa na imagem do antigo jornalista.

Por junto, Portas já leva quase 16 anos à frente do CDS. É o líder partidário há mais anos em funções e um dos recordistas da democracia portuguesa. Só Cunhal dirigiu um partido durante mais anos - 18 em democracia (1974-1992) e outros 13 na clandestinidade. Por junto, Cunhal esteve à frente do PCP por 31 anos. Ainda mais do que Francisco Louçã que, juntando os anos de PSR com os de Bloco de Esquerda teve funções de liderança por 25 anos (1987-2012). Porém, se contarmos apenas o BE, Louçã foi líder (embora nem sempre com esse estatuto) durante 13 anos (1999-2012).

Os mais de 15 anos (em rigor: 5727 dias cumpridos esta segunda-feira, dia em que anunciou a saída) que Portas já tem de presidência do CDS deixam-no à frente de líderes históricos da democracia portuguesa como Mário Soares (13 anos), Freitas do Amaral (11 anos) ou Cavaco Silva (10 anos). E dão-lhe uma longevidade partidária muito maior do que a de qualquer dos líderes do PSD com quem fez acordos de coligação: Passos Coelho é presidente do PSD há cinco anos e meio, o mesmo tempo que Durão Barroso esteve nesse cargo. Marcelo Rebelo de Sousa foi líder laranja por pouco mais do que três anos - e demitiu-se quando essa coligação com Portas deu para o torto.

Foi um dos momentos mais difíceis do trajeto de Portas no Largo do Caldas: a sua passagem pelo centro de sondagens da Universidade Moderna (investigada por pesadas suspeitas de crimes de toda a espécie) deixou-o sob fogo, tanto na frente judicial como política, incluindo o “fogo amigo” que vinha do parceiro da Alternativa Democrática. Essa AD, que devia servir para as europeias desse 1999 e prolongar-se nas legislativas do mesmo ano, morreu antes de tempo. Marcelo saiu, Portas encabeçou a lista das europeias e, depois, das legislativas.

Luis Barra

O líder que ia a todas

Foi outra das marcas destes anos: o líder do partido ia a todas. Foi, de facto, a quase todas. Só não foi candidato a Presidente da República (mas já pensou nisso). Foi candidato ao Parlamento Europeu, candidato à Assembleia da República, candidato até à Câmara de Lisboa, em 2001. Eram os tempos do chamado "partido de um homem só". Nessas eleições autárquicas, mais uma das muitas vezes em que pôs a cabeça no cepo, Portas tinha como slogan “Eu fico”. Não ficou - tal como não concluiu o mandato de deputado para que foi eleito em 1995, e não concluiu o de eurodeputado que iniciou em 1999, também não ficou os quatro anos como vereador em Lisboa.

Mas a história da candidatura à câmara da capital vale mais do que esse pormenor do mandato interrompido a meio. Nessa noite de dezembro de 2001 tudo estava a correr mal a Portas: contava ter peso suficiente para determinar quem governaria a cidade, mas Santana Lopes arrasou, tirou João Soares da cadeira de presidente e nem precisou do CDS para nada. Portas anunciou à sua direção que se ia demitir. Quando se preparava para fazer esse discurso ao país, António Guterres entrou em direto nas TVs. E demitiu-se de PM: o PS tinha acumulado derrotas nas autarquias e Guterres, sem maioria absoluta no Parlamento e a prever uma situação de “pântano”, antecipou-se e foi-se embora.

Portas rasgou o discurso de demissão e preparou-se para as legislativas antecipadas. Se tivesse falado antes de Guterres, teria saído. Em vez disso, três meses depois estava no Governo: foi a votos e teve os mandatos que faltavam a Durão Barroso para poder governar. O homem que mais dores de cabeça tinha dado ao PSD durante os sete anos em que usou O Independente para desfazer o cavaquismo (1988-1995), o homem que tinha feito a sua fama a zurzir nos “laranjinhas” desde que deu os primeiros passos nos jornais, ainda menor de idade, chegava ao poder de braço dado com os sociais-democratas.

Repunha o CDS no “arco da governabilidade”, um conceito engendrado pelo seu amigo Nobre Guedes. Para isso moderou o discurso, deixou de ser “eurocético” para ser “eurocalmo”, conquistou nichos de eleitorado que os outros desvalorizavam: os agricultores, os ex-combatentes e retornados, os pensionistas.

O “Paulinho das Feiras” virou ministro da Defesa. Criou uma pensão para os antigos combatentes, mas fez mais: privatizou as OGMA, acabou com o serviço militar obrigatório e garantiu a profissionalização das Forças Armadas, reequipou os três ramos. Este ponto incluiu o mais polémico da sua passagem pela Defesa: a compra de dois submarinos para a Marinha, negócio que o perseguiu pela década seguinte, por suspeitas de corrupção. Foi ouvido uma única vez pela investigação, na qualidade de testemunha, e nunca foi constituído arguido. Mas tal não impediu que as notícias sobre os submarinos emergissem e submergissem ao ritmo do calendário eleitoral, conforme o próprio tratou de denunciar.

Luis Barra

“Baby, one more time”?

A sua segunda vida como governante, que fez dele ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro, acabou nas legislativas de outubro passado. A coligação com Passos Coelho já se previa durante a campanha eleitoral de 2011, tais eram as amenidades entre ambos, e tornou-se inevitável perante os resultados eleitorais: o PSD venceu, mas precisava do CDS, que conseguiu mais de 11%, o seu melhor resultado desde os tempos pós-revolução.

A sua indicação como ministro dos Negócios Estrangeiros parecia óbvia - era o lugar que Portas desejava, e o que o deixava fora da torre de controlo, onde Passos não o queria a tempo inteiro - mas revelou-se errada: a tensão com o primeiro-ministro foi em crescendo e era agravada pelas ausências constantes do líder do CDS. Foi um caminho de ameaça de rutura em ameaça de rutura até à rutura quase “irrevogável” do verão de 2013. Portas não saiu mas o adjetivo colou-se-lhe à pele. Tanto como a reforma do Estado, a diplomacia económica, as missões empresariais ou os vistos gold.

Se a vitória de outubro passado tivesse dado salvo-conduto à coligação para voltar a ser governo, Portas por lá continuaria como número dois de Passos. Mas António Costa trocou-lhes as voltas.

Se se recandidatasse a mais um mandato no CDS, Paulo Portas sabe o que o esperava: fazer tudo de novo na oposição à "geringonça", como já fez na oposição a António Guterres e na oposição a José Sócrates, sempre medindo proximidades e afastamentos em relação ao PSD. No fim, haveria eleições e, quem sabe, Portas seria outra vez governo, outra vez como número dois do líder que o PSD tivesse nesse momento. Seria quase como voltar ao princípio - "Baby, one more time", como cantava Britney Spears em 1998, quando esta liderança arrancou, mas sem a novidade e a frescura desse tempo. Optando por sair, recusa repetir tudo outra vez. "Ups, he didn't do it again", cantaria a velha Britney.

Não faltam nomes para o seu lugar. Os candidatos que contam são aqueles a quem Portas deu palco ao longo destes anos todos. Sejam apoiantes desde 1998, como Nuno Melo, Pedro Mota Soares ou João Almeida, seja Assunção Cristas, um rosto que o próprio Portas lançou em 2007 e que puxou para a primeira linha no Governo. Quem quer que seja o escolhido, a herança do portismo continuará a dominar o CDS, mesmo com Portas à distância. Resistirá Portas à distância?

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