O partido que tem o "Correio da Manhã" como jornal de campanha

18-10-2019
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Retomando uma velha tradição dos períodos eleitorais, Paulo Portas tem um jornal de campanha. Só que, neste caso, não é um jornal feito pela campanha, mas um jornal adoptado pela campanha. É o "Correio da Manhã". Nada como uma primeira página com o título "Criminosos riem-se na Justiça" - "criminosos" escrito a vermelho, sobre a foto dos sorridentes meliantes - para Portas ilustrar o que quer dizer quando fala de leis penais brandas e da falta de autoridade dos polícias. Na terça-feira, em Évora, à saída de uma feira sem história, Portas exibiu o jornal enquanto falava aos jornalistas, como quem mostra uma prova.

Faz sentido. Com uma campanha dominada pelo discurso duro sobre segurança e justiça, as críticas ao rendimento mínimo, a travagem à imigração, a defesa da redução de impostos e ainda propostas sobre pobreza e pensões, Portas vai para as eleições com uma verdadeira agenda "Correio da Manhã". Sendo o diário mais popular, dá jeito.

Não só estas são as principais preocupações do eleitorado visado pelo CDS, como são as áreas em que Portas sente que se pode demarcar melhor do PSD. Aliás, no debate com Ferreira Leite, enunciou cinco áreas em que os dois partidos mais se distinguem: impostos, segurança, pensões, imigração e Europa.

Essa é uma das tarefas principais do líder centrista até às eleições - resistir à bipolarização e combater a previsível pressão do PSD para o voto útil contra Sócrates. A outra é mostrar-se como a melhor alternativa para quem quer o voto de protesto contra Sócrates - e tentar conquistar potenciais votos ao BE. Aliás, Portas tem dito que já encontrou na rua eleitores que confessaram hesitar entre o BE e o CDS. Nem de propósito, os líderes do PSD e do BE foram os últimos com quem debateu.

No frente-a-frente com Manuela, Portas saiu satisfeito: focou-se naquilo que o separa do PSD, seja porque os sociais-democratas não vão tão longe como o CDS, seja porque estão próximos do PS, seja por serem omissos. Levou no bolso propostas concretas e prioridades claras, a que juntou o argumento do "centrão", onde embrulha PS e PSD.

Ferreira Leite acabou por ajudar, ao reconhecer as diferenças e ao assumir que, sobre várias matérias, não tem posição. E mesmo no melhor momento da líder do PSD - quando se demarcou da linguagem de Portas sobre o rendimento mínimo -, esse foi um risco calculado para o CDS. Visto do Caldas, é assim: os eleitores que recebem rendimento mínimo, se votarem, irão para o PS - ao CDS resta capitalizar o ressentimento de quem, não recebendo essa prestação, acha injusto o "subsídio à preguiça". No debate com Louçã (já depois do fecho destas páginas), a tarefa de Portas era parecida com a que Sócrates cumpriu com sucesso: "desmascarar o BE" e colar-lhe o rótulo de esquerda radical, assustando a classe média.

Nas duas semanas de campanha, a agenda é intensa - os dias começam cedo em feiras e mercados e não acabam sem um discurso de Portas ao jantar - e concentrada na metade norte do país. Portas espera consolidar os ganhos de uma campanha que está na estrada desde 8 de Julho, com bandeiras eleitorais que se tornaram a marca do partido. Não é por acaso que continua a ser abordado na rua por gente que lhe agradece o apoio aos ex-combatentes. "Deu pouco, mas foi o único", dizia-lhe uma mulher esta semana.

O partido tem feito as suas sondagens, a partir do call-centre instalado na sede do Caldas. Não as pode divulgar, nem servem para isso, mas dizem a Portas onde deve apostar: a expectativa é segurar os 12 lugares conquistados em 2005, acrescentar um deputado em Aveiro, Porto e Braga, e recuperar o assento perdido em Santarém. Em simultâneo, Portas dá uma mãozinha aos candidatos autárquicos.

Ao seu lado, além do portismo, estarão rostos de outros CDS, como Ribeiro e Castro (candidato no Porto), Lobo Xavier ou Nogueira de Brito. Nuno Melo, vedeta das europeias, também. O CDS está confiante. O director de campanha, João Rebelo, fala em "campanha perfeita".

Mocassins na feira

Ourondo é um pontinho no mapa, não muito longe da Covilhã. Há onze anos, pouco depois de conquistar o CDS, Paulo Portas foi lá numa das suas primeiras visitas ao país profundo, por essa ser uma terriola com tradição de apoio ao partido. Estava calor, o povo pôs-se à fresca à beira-Zêzere e foi aí que Portas assomou para se apresentar às gentes. Foi logo convidado para almoçar - peixe acabado de pescar e assado ali mesmo. "Aqui tem, senhor doutor", e Portas ficou a olhar. Não havia talheres. "Como é que eu como isto?", perguntou a outro dirigente do CDS. "Com as mãos, Paulo."

Onze anos depois, Portas dificilmente se embaraça. Esta quarta-feira foi aos Açores. Por causa do voo de regresso, fez uma arruada às oito da manhã nas ruas desertas de Ponta Delgada. Há uns anos, seria um revés. Não agora: "Isto foi uma campanha madrugadora, para gente trabalhadora, o CDS é o partido que defende quem trabalha".

Portas fez-se um homem para todas as estações. Há dois dias, falava sobre fiscalidade no CCB como se discursasse na ONU. Dois dias antes, era vê-lo na feira de Évora, de mocassins castanhos, 'finíssimos', com os berloques cobertos de poeira.

O homem que tem de disciplinar o líder

Além de planear quase três meses de pré-campanha e campanha, afinar estratégias, definir prioridades e tratar de uma interminável logística, João Rebelo, director de campanha do CDS, tem outra missão até 25 de Setembro: disciplinar Paulo Portas. Agora que a máquina de campanha já está na estrada desde Julho e provou que está bem oleada, as duas principais tarefas de Rebelo são garantir que Portas: 1) não se atrasa, para não fazer derrapar a agenda diária; 2) fala menos em cada discurso, para fazer render o argumentário do CDS. Primeiro secretário-geral do CDS de Portas, João Rebelo, 39 anos, deputado, dirigiu, antes desta, duas campanhas das legislativas (1999 e 2002) e uma das europeias (99). Conhece o terreno, as bases do partido e o seu líder como poucos. Portas aprecia-lhe a intuição política, a capacidade de organização e de lhe dizer não. Nesta campanha Rebelo tem um objectivo definido: "Quero que seja a campanha perfeita para os meios que temos. Sem erros".

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O desempenho no debate com Ferreira Leite: vincou diferenças e muitas propostas alternativas

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Modo como generaliza o rótulo de preguiça ao falar do rendimento mínimo

Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Setembro de 2009

Retomando uma velha tradição dos períodos eleitorais, Paulo Portas tem um jornal de campanha. Só que, neste caso, não é um jornal feito pela campanha, mas um jornal adoptado pela campanha. É o "Correio da Manhã". Nada como uma primeira página com o título "Criminosos riem-se na Justiça" - "criminosos" escrito a vermelho, sobre a foto dos sorridentes meliantes - para Portas ilustrar o que quer dizer quando fala de leis penais brandas e da falta de autoridade dos polícias. Na terça-feira, em Évora, à saída de uma feira sem história, Portas exibiu o jornal enquanto falava aos jornalistas, como quem mostra uma prova.

Faz sentido. Com uma campanha dominada pelo discurso duro sobre segurança e justiça, as críticas ao rendimento mínimo, a travagem à imigração, a defesa da redução de impostos e ainda propostas sobre pobreza e pensões, Portas vai para as eleições com uma verdadeira agenda "Correio da Manhã". Sendo o diário mais popular, dá jeito.

Não só estas são as principais preocupações do eleitorado visado pelo CDS, como são as áreas em que Portas sente que se pode demarcar melhor do PSD. Aliás, no debate com Ferreira Leite, enunciou cinco áreas em que os dois partidos mais se distinguem: impostos, segurança, pensões, imigração e Europa.

Essa é uma das tarefas principais do líder centrista até às eleições - resistir à bipolarização e combater a previsível pressão do PSD para o voto útil contra Sócrates. A outra é mostrar-se como a melhor alternativa para quem quer o voto de protesto contra Sócrates - e tentar conquistar potenciais votos ao BE. Aliás, Portas tem dito que já encontrou na rua eleitores que confessaram hesitar entre o BE e o CDS. Nem de propósito, os líderes do PSD e do BE foram os últimos com quem debateu.

No frente-a-frente com Manuela, Portas saiu satisfeito: focou-se naquilo que o separa do PSD, seja porque os sociais-democratas não vão tão longe como o CDS, seja porque estão próximos do PS, seja por serem omissos. Levou no bolso propostas concretas e prioridades claras, a que juntou o argumento do "centrão", onde embrulha PS e PSD.

Ferreira Leite acabou por ajudar, ao reconhecer as diferenças e ao assumir que, sobre várias matérias, não tem posição. E mesmo no melhor momento da líder do PSD - quando se demarcou da linguagem de Portas sobre o rendimento mínimo -, esse foi um risco calculado para o CDS. Visto do Caldas, é assim: os eleitores que recebem rendimento mínimo, se votarem, irão para o PS - ao CDS resta capitalizar o ressentimento de quem, não recebendo essa prestação, acha injusto o "subsídio à preguiça". No debate com Louçã (já depois do fecho destas páginas), a tarefa de Portas era parecida com a que Sócrates cumpriu com sucesso: "desmascarar o BE" e colar-lhe o rótulo de esquerda radical, assustando a classe média.

Nas duas semanas de campanha, a agenda é intensa - os dias começam cedo em feiras e mercados e não acabam sem um discurso de Portas ao jantar - e concentrada na metade norte do país. Portas espera consolidar os ganhos de uma campanha que está na estrada desde 8 de Julho, com bandeiras eleitorais que se tornaram a marca do partido. Não é por acaso que continua a ser abordado na rua por gente que lhe agradece o apoio aos ex-combatentes. "Deu pouco, mas foi o único", dizia-lhe uma mulher esta semana.

O partido tem feito as suas sondagens, a partir do call-centre instalado na sede do Caldas. Não as pode divulgar, nem servem para isso, mas dizem a Portas onde deve apostar: a expectativa é segurar os 12 lugares conquistados em 2005, acrescentar um deputado em Aveiro, Porto e Braga, e recuperar o assento perdido em Santarém. Em simultâneo, Portas dá uma mãozinha aos candidatos autárquicos.

Ao seu lado, além do portismo, estarão rostos de outros CDS, como Ribeiro e Castro (candidato no Porto), Lobo Xavier ou Nogueira de Brito. Nuno Melo, vedeta das europeias, também. O CDS está confiante. O director de campanha, João Rebelo, fala em "campanha perfeita".

Mocassins na feira

Ourondo é um pontinho no mapa, não muito longe da Covilhã. Há onze anos, pouco depois de conquistar o CDS, Paulo Portas foi lá numa das suas primeiras visitas ao país profundo, por essa ser uma terriola com tradição de apoio ao partido. Estava calor, o povo pôs-se à fresca à beira-Zêzere e foi aí que Portas assomou para se apresentar às gentes. Foi logo convidado para almoçar - peixe acabado de pescar e assado ali mesmo. "Aqui tem, senhor doutor", e Portas ficou a olhar. Não havia talheres. "Como é que eu como isto?", perguntou a outro dirigente do CDS. "Com as mãos, Paulo."

Onze anos depois, Portas dificilmente se embaraça. Esta quarta-feira foi aos Açores. Por causa do voo de regresso, fez uma arruada às oito da manhã nas ruas desertas de Ponta Delgada. Há uns anos, seria um revés. Não agora: "Isto foi uma campanha madrugadora, para gente trabalhadora, o CDS é o partido que defende quem trabalha".

Portas fez-se um homem para todas as estações. Há dois dias, falava sobre fiscalidade no CCB como se discursasse na ONU. Dois dias antes, era vê-lo na feira de Évora, de mocassins castanhos, 'finíssimos', com os berloques cobertos de poeira.

O homem que tem de disciplinar o líder

Além de planear quase três meses de pré-campanha e campanha, afinar estratégias, definir prioridades e tratar de uma interminável logística, João Rebelo, director de campanha do CDS, tem outra missão até 25 de Setembro: disciplinar Paulo Portas. Agora que a máquina de campanha já está na estrada desde Julho e provou que está bem oleada, as duas principais tarefas de Rebelo são garantir que Portas: 1) não se atrasa, para não fazer derrapar a agenda diária; 2) fala menos em cada discurso, para fazer render o argumentário do CDS. Primeiro secretário-geral do CDS de Portas, João Rebelo, 39 anos, deputado, dirigiu, antes desta, duas campanhas das legislativas (1999 e 2002) e uma das europeias (99). Conhece o terreno, as bases do partido e o seu líder como poucos. Portas aprecia-lhe a intuição política, a capacidade de organização e de lhe dizer não. Nesta campanha Rebelo tem um objectivo definido: "Quero que seja a campanha perfeita para os meios que temos. Sem erros".

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O desempenho no debate com Ferreira Leite: vincou diferenças e muitas propostas alternativas

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Modo como generaliza o rótulo de preguiça ao falar do rendimento mínimo

Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Setembro de 2009

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