As caras da crise de combustíveis: “somos obrigados a trabalhar mais de 12h”

19-04-2019
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Por baixo de um viaduto, protegidos da chuva, algumas dezenas de motoristas de matérias perigosas esperam para ver quem é que vai garantir “os serviços mínimos que, ainda assim, vão manter o caos no país”. Quem o diz é Pedro Henriques, advogado e vice-presidente do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP).

Aos 60 anos, Manuel Francisco trabalha há mais de 20 como motorista. O seu trabalho diário atual envolve transportar pelo país uma cisterna de gás propano. O que o preocupa não é o dia a dia atual e o salário que recebe, mas o futuro. “Não temos tido nenhum tipo de aumento real no ordenado base nos últimos 20 anos e, agora, com o novo contrato coletivo onde fomos ignorados, a possibilidade de recebermos pelas horas extra está nas mãos dos patrões e ficamos à sua mercê”, explica de forma calma o motorista de matérias perigosas, que garante que não quer trabalhar “perante uma ilegalidade que se quer tornar real”.

Quando ganha atualmente? O motorista diz que recebe, com as ajudas de custo, 1240 euros por um trabalho de 12 horas por dia “mas, agora, há tendência para esse valor ir baixando, consoante os patrões, a não ser que trabalhemos acima das 15 horas por dia”.

Casado e pai de filhos, Manuel Francisco admite que gosta muito do seu trabalho, mas que se sente num tipo de jogo que leva à degradação da sua vida atual e futura, na reforma. “Se uma pessoa se vê cada vez mais obrigado a trabalhar muitas horas para conseguir tirar um ordenado decente, fica com pior vida e é isso que nos está a acontecer”, diz, dando o exemplo de colegas que raramente veem a família porque são pressionados a trabalhar 30 dias num mês. “Eu só não trabalho mais horas porque tenho recusado e vou continuar a recusar”, admite, acrescentando: "como as coisas estão acabamos por ser obrigados a trabalhar mais de 12 horas por dia".

Se tudo continuar como está, com o novo contrato coletivo negociado pela Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários e Mercadorias (ANTRAM), que nunca quis ouvir o pequeno Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (são 600 os inscritos), o motorista diz que a greve não vai parar.

“Falta tempo para a família e só parece piorar”

Tinha 33 anos quando começou a trabalhar como motorista de matérias perigosas, transportando dos combustíveis aos vários tipos de gás. Várias formações e muitas horas num camião depois, Pedro Fialho Batista tem agora 51 e trabalha na área há 18 anos, sem nenhum problema de maior. “A concentração e estar disposto a ser pau para toda a obra é o que me têm ajudado”, diz-nos. O que o preocupa no ordenado base de 630 euros é o futuro e a sua família. “Trabalhamos todos 12 a 15 horas por dia, alguns mais para conseguir aumentar o valor base que depois não é real na doença ou na reforma, falta-nos tempo para a família e isso só parece estar a piorar”.

Fialho Batista gosta do que faz: “por isso é que estou cá”. Mas quer sentir-se menos pressionado a nível de salário para trabalhar todos os dias tantas horas. O seu dia a dia é variado. “Chego à viatura à hora marcada e tenho de preencher os CMR , carrego tudo e faço a viagem”. Já no ponto de descarga tem de certificar se está tudo funcional e iniciar a descarga. Isto durante, no mínimo, 12 horas por dia, “embora existam colegas que façam 15 e 18 horas”.

Joao Fonseca

Aos 27, como conciliar profissão com o desejo de ter filhos?

João Fonseca é motorista de matérias perigosas - mais frequentemente de gás embalado - há dois anos na empresa TJA e também está preocupado com o futuro. “Ainda não tenho filhos, só tenho a minha namorada, mas quero ter e não é fácil vivermos com um valor base baixo que nos leva a trabalhar 12, 13 e 14 horas por dia”. O esforço do jovem motorista permite-lhe levar pouco mais de mil euros para casa todos os meses, no entanto, “700 euros são em ajudas de custo”. Fonseca diz-nos que a forma que os patrões têm de pagar as horas extra “são subterfúgios que não entram nas contas do Estado”, ou seja: “se precisar de tirar baixa ou quando for para a reforma vou ficar a ganhar pouco mais de 300 euros e isso não dá para alimentar ninguém”.

Vários dos seus dias de trabalho começam com a chegada ao camião às 2h ou 3h da manhã. “São dias intensos, de responsabilidade e chego a casa já depois das 8h da noite só para comer alguma coisa e dormir.” Daí que admita que é um trabalho “que desgasta tanto física como psicologicamente”. “Eu ainda sou novo, vou aguentando, mas tenho colegas que ficam esgotados”.

Apesar de lamentar que situação tenha chegado a este ponto, João Fonseca admite que a greve está a mostrar a importância do seu trabalho para o país: “em dia e meio conseguimos parar o país”. No entanto, admite que se sente pressionado para voltar ao trabalho pelo impacto que a falta de combustível está a ter: “as pessoas não conseguem trabalhar, não conseguem fazer nada, não é fácil e esperemos que tudo se resolva em breve”.

O que exigem os motoristas?

Existem 800 motoristas habilitados a transportar matérias perigosas, como os combustíveis, 600 deles estão no pequeno Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP). Constituído como sindicato independente em 2018, os seus responsáveis indicam que têm sido ignorados pela Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM): “têm-nos ignorado indicando que somos pequenos demais, mas como se vê fazemos a diferença no país”, explica Pedro Henriques, o seu advogado que também é vice-presidente.

O sindicato pede, assim, revisão do salário – o atual é de 630 euros – e novas condições a nível de saúde: “com acompanhamento médico obrigatório a estes motoristas que estão sujeitos a problemas cancerígenos e outros relacionados com as matérias perigosas que transportam”. Além disso, esperam que haja o reconhecimento oficial da categoria de motorista de matérias perigosas. “O que exigimos é o valor que era pago há 20 anos, dois salários mínimos nacionais. O que queremos é que estas pessoas que trabalham médias de 15 a 18 horas por dia e têm de ter uma formação especial para poder conduzir matérias perigosas, recebam no mínimo dois salários mínimos nacionais, mais as horas extra, que é o normal e previsto na lei”.

Exigem ainda a alteração de regras a nível do salário noturno e ao trabalho extraordinário, porque o contrato coletivo de trabalho, assinado em setembro do ano passado, mudou essas regras “colocando a decisão do lado dos patrões”. Com a mudança de setembro, diz o sindicato, um motorista que faça 11 horas de trabalho recebe o mesmo que um que faz 14 horas de trabalho.

Por baixo de um viaduto, protegidos da chuva, algumas dezenas de motoristas de matérias perigosas esperam para ver quem é que vai garantir “os serviços mínimos que, ainda assim, vão manter o caos no país”. Quem o diz é Pedro Henriques, advogado e vice-presidente do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP).

Aos 60 anos, Manuel Francisco trabalha há mais de 20 como motorista. O seu trabalho diário atual envolve transportar pelo país uma cisterna de gás propano. O que o preocupa não é o dia a dia atual e o salário que recebe, mas o futuro. “Não temos tido nenhum tipo de aumento real no ordenado base nos últimos 20 anos e, agora, com o novo contrato coletivo onde fomos ignorados, a possibilidade de recebermos pelas horas extra está nas mãos dos patrões e ficamos à sua mercê”, explica de forma calma o motorista de matérias perigosas, que garante que não quer trabalhar “perante uma ilegalidade que se quer tornar real”.

Quando ganha atualmente? O motorista diz que recebe, com as ajudas de custo, 1240 euros por um trabalho de 12 horas por dia “mas, agora, há tendência para esse valor ir baixando, consoante os patrões, a não ser que trabalhemos acima das 15 horas por dia”.

Casado e pai de filhos, Manuel Francisco admite que gosta muito do seu trabalho, mas que se sente num tipo de jogo que leva à degradação da sua vida atual e futura, na reforma. “Se uma pessoa se vê cada vez mais obrigado a trabalhar muitas horas para conseguir tirar um ordenado decente, fica com pior vida e é isso que nos está a acontecer”, diz, dando o exemplo de colegas que raramente veem a família porque são pressionados a trabalhar 30 dias num mês. “Eu só não trabalho mais horas porque tenho recusado e vou continuar a recusar”, admite, acrescentando: "como as coisas estão acabamos por ser obrigados a trabalhar mais de 12 horas por dia".

Se tudo continuar como está, com o novo contrato coletivo negociado pela Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários e Mercadorias (ANTRAM), que nunca quis ouvir o pequeno Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (são 600 os inscritos), o motorista diz que a greve não vai parar.

“Falta tempo para a família e só parece piorar”

Tinha 33 anos quando começou a trabalhar como motorista de matérias perigosas, transportando dos combustíveis aos vários tipos de gás. Várias formações e muitas horas num camião depois, Pedro Fialho Batista tem agora 51 e trabalha na área há 18 anos, sem nenhum problema de maior. “A concentração e estar disposto a ser pau para toda a obra é o que me têm ajudado”, diz-nos. O que o preocupa no ordenado base de 630 euros é o futuro e a sua família. “Trabalhamos todos 12 a 15 horas por dia, alguns mais para conseguir aumentar o valor base que depois não é real na doença ou na reforma, falta-nos tempo para a família e isso só parece estar a piorar”.

Fialho Batista gosta do que faz: “por isso é que estou cá”. Mas quer sentir-se menos pressionado a nível de salário para trabalhar todos os dias tantas horas. O seu dia a dia é variado. “Chego à viatura à hora marcada e tenho de preencher os CMR , carrego tudo e faço a viagem”. Já no ponto de descarga tem de certificar se está tudo funcional e iniciar a descarga. Isto durante, no mínimo, 12 horas por dia, “embora existam colegas que façam 15 e 18 horas”.

Joao Fonseca

Aos 27, como conciliar profissão com o desejo de ter filhos?

João Fonseca é motorista de matérias perigosas - mais frequentemente de gás embalado - há dois anos na empresa TJA e também está preocupado com o futuro. “Ainda não tenho filhos, só tenho a minha namorada, mas quero ter e não é fácil vivermos com um valor base baixo que nos leva a trabalhar 12, 13 e 14 horas por dia”. O esforço do jovem motorista permite-lhe levar pouco mais de mil euros para casa todos os meses, no entanto, “700 euros são em ajudas de custo”. Fonseca diz-nos que a forma que os patrões têm de pagar as horas extra “são subterfúgios que não entram nas contas do Estado”, ou seja: “se precisar de tirar baixa ou quando for para a reforma vou ficar a ganhar pouco mais de 300 euros e isso não dá para alimentar ninguém”.

Vários dos seus dias de trabalho começam com a chegada ao camião às 2h ou 3h da manhã. “São dias intensos, de responsabilidade e chego a casa já depois das 8h da noite só para comer alguma coisa e dormir.” Daí que admita que é um trabalho “que desgasta tanto física como psicologicamente”. “Eu ainda sou novo, vou aguentando, mas tenho colegas que ficam esgotados”.

Apesar de lamentar que situação tenha chegado a este ponto, João Fonseca admite que a greve está a mostrar a importância do seu trabalho para o país: “em dia e meio conseguimos parar o país”. No entanto, admite que se sente pressionado para voltar ao trabalho pelo impacto que a falta de combustível está a ter: “as pessoas não conseguem trabalhar, não conseguem fazer nada, não é fácil e esperemos que tudo se resolva em breve”.

O que exigem os motoristas?

Existem 800 motoristas habilitados a transportar matérias perigosas, como os combustíveis, 600 deles estão no pequeno Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP). Constituído como sindicato independente em 2018, os seus responsáveis indicam que têm sido ignorados pela Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM): “têm-nos ignorado indicando que somos pequenos demais, mas como se vê fazemos a diferença no país”, explica Pedro Henriques, o seu advogado que também é vice-presidente.

O sindicato pede, assim, revisão do salário – o atual é de 630 euros – e novas condições a nível de saúde: “com acompanhamento médico obrigatório a estes motoristas que estão sujeitos a problemas cancerígenos e outros relacionados com as matérias perigosas que transportam”. Além disso, esperam que haja o reconhecimento oficial da categoria de motorista de matérias perigosas. “O que exigimos é o valor que era pago há 20 anos, dois salários mínimos nacionais. O que queremos é que estas pessoas que trabalham médias de 15 a 18 horas por dia e têm de ter uma formação especial para poder conduzir matérias perigosas, recebam no mínimo dois salários mínimos nacionais, mais as horas extra, que é o normal e previsto na lei”.

Exigem ainda a alteração de regras a nível do salário noturno e ao trabalho extraordinário, porque o contrato coletivo de trabalho, assinado em setembro do ano passado, mudou essas regras “colocando a decisão do lado dos patrões”. Com a mudança de setembro, diz o sindicato, um motorista que faça 11 horas de trabalho recebe o mesmo que um que faz 14 horas de trabalho.

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