Atchim! Enfim, é a primavera da vida

27-03-2019
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Há lá coisa mais poética do que a primavera. Tem cor, tem aroma, tem flora a florear, tem o desabrochar de novas vidas, tem a juventude de dias maiores e mais quentes. Tem, em suma, uma biodiversidade infinita de metáforas, reunidas como bonitos ramalhetes de orquídeas no poema. É o esplendor da metamorfose. É também o adeus às noites gélidas e um passeio acompanhado por uma brisa amena. É o tempo da transição. E das alergias.

A rinite é a tipologia mais comum e alastra-se a um quarto da população. Mas há também a conjuntivite. A rinoconjuntivite, uma receita cozinhada pelo diabo com os sintomas das duas primeiras. A sinusite. Eczema, eczantema e outras mais complicadas, como a asma, compõem o leque de patologias das vias respiratórias que o vento primaveril levanta e propaga. “A alergia aos pólenes é a principal durante esta estação, afetando vários órgãos”, começa por explicar João Almeida Fonseca, vice-presidente do Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) e investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.

Olhos vermelhos inundados em lágrimas, prurido cutâneo, coceira no céu da boca e na garganta, o nariz a pingar, espirros, peso e ardor ao respirar, assim como tosse aguda e seca são os suspeitos do costume. “Quando há comichão, e estão envolvidos mediadores como a histamina, há normalmente uma causa alérgica. No caso do pólen, a comichão no nariz e nos olhos é muito frequente. As secreções nasais e o lacrimejo são também muito característicos”, acrescenta o também docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

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A concentração polínica aumenta com a chegada da primavera, sobretudo em dias mais quentes e mais ventosos. “O calor faz libertar os pólenes das plantas e o vento transporta-os a grandes distâncias, até 50 ou 100 quilómetros da origem”, adverte o especialista. As inflamações surgem pela sensibilidade e pela estimulação dos nervos sensitivos quando o ser humano entra em contacto com o pó proveniente das gramíneas, das oliveiras ou dos vidoeiros, algumas das plantas que mais reações alérgicas provocam em Portugal. “O nosso clima favorece as alergias, mas há diferenças na verticalidade do país, de norte a sul. Os agentes polínicos no Alentejo têm uma gravidade superior aos do norte, em particular em relação às regiões do litoral”, aponta João Fonseca, salientando que as alterações climáticas também são um motivo de comichão, “aumentando as épocas de proliferação” das patologias semeadas nesta época do ano. “Algumas fotografias de satélite denunciam o aparecimento de grandes nuvens polínicas no norte e centro da Europa, o que era impensável no passado”, constata o dirigente da SPAIC.

Os números da Organização Mundial de Saúde estimam que 40% da população global possa sofrer com os alergénios e 22% das crianças europeias acaba por ser atacada por esta epidemia empoeirada. Filhos de pais com este tipo de patologias têm uma propensão 75% superior de, também eles, desenvolverem uma maior sensibilidade. Os dados da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunidade Clínica estimam que um terço dos portugueses pode ser alérgico. Ninguém está a salvo e não existem grupos mais suscetíveis, exceto os indivíduos sujeitos ao fumo do tabaco, frisa o representante da SPAIC, devido à “agressividade dos muitos compostos que facilitam o desequilíbrio na superfície da pele e nas mucosas”.

TEM ALERGIA? OLHE QUE É O SEU CORPO A EXAGERAR

Ao contrário da ideia enraizada socialmente, o corpo não vai ficando mais resistente à exposição polínica com a longevidade. “Uma pessoa pode começar a ter sintomas na primavera aos 50, 60 ou 80 anos. Já vi de tudo”, conta, ao Expresso, João Fonseca. “A doença alérgica, formada por fatores genéticos e ambientais, não é mais do que uma resposta desadequada e exagerada do sistema imunológico, sempre em grande reboliço, e, portanto, em qualquer altura da vida pode passar a ter tal comportamento”, esclarece o perito em imunoalergologia de 49 anos. “O organismo está constantemente a reagir a tudo aquilo com que contactamos e passa a identificar como perigosos os alergénios, que nada têm de agressores”, salienta o coordenador da Unidade de Alergia do Instituto CUF Porto.

Quando tal se verifica, o corpo faz soar as sirenes e produz imediatamente histamina, elemento biogénico e com propriedades irritantes, libertado para defender o organismo de bactérias e parasitas. É aqui que entram em ação os anti-histamínicos, “bloqueando as células onde a substância de defesa se costuma ligar”, aclara o mentor do núcleo de investigação MEDIDA (Medicina, Educação, Investigação, Desenvolvimento e Avaliação) e coautor de mais de 250 artigos científicos. A administração dos referidos fármacos servem, acrescenta João Almeida Fonseca, para “atenuar os sintomas”, enquanto as vacinas vão à raiz do problema, servindo para que “as defesas deixem de reagir ao contacto com alergénios”.

NÃO FUJA DO PROBLEMA, MAS TENHA CUIDADO

“Fugir da exposição não é o que mais beneficia as pessoas”, é a resposta do vice-presidente da SPAIC, quando questionado sobre os cuidados a ter para despistar as ocorrências sazonais. “Querer evitar o contacto com o alergénio era uma estratégia de há mais de 20 anos”, lembra João Almeida Fonseca, para quem a tática é simples: ter um spray nasal anti-inflamatório sempre à mão. “Ao tratar o nariz, os sintomas ao nível dos olhos e da garganta podem ser aliviados”, sumaria o professor da FMUP.

“Atualmente, temos uma lógica muito diferente, baseada na indução de tolerância — passando as pessoas a tolerar os pólenes. Esta mudança de mentalidade favorece a continuidade de vida normal. Colocar 12 a 15% dos portugueses em redomas, impossibilitando esta fração de indivíduos de fazer caminhadas ou andar de bicicleta, faz cada vez menos sentido”, considera o alergologista, recomendando, ainda assim, a utilização de óculos de sol, a abertura das janelas para arejar os quartos, bem como escolher o início do dia ou o final da tarde para as atividades ao ar livre.

Atchim! Enfim, é assim a primavera da vida. Não deixe que o medo o impeça de vivê-la.

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Há lá coisa mais poética do que a primavera. Tem cor, tem aroma, tem flora a florear, tem o desabrochar de novas vidas, tem a juventude de dias maiores e mais quentes. Tem, em suma, uma biodiversidade infinita de metáforas, reunidas como bonitos ramalhetes de orquídeas no poema. É o esplendor da metamorfose. É também o adeus às noites gélidas e um passeio acompanhado por uma brisa amena. É o tempo da transição. E das alergias.

A rinite é a tipologia mais comum e alastra-se a um quarto da população. Mas há também a conjuntivite. A rinoconjuntivite, uma receita cozinhada pelo diabo com os sintomas das duas primeiras. A sinusite. Eczema, eczantema e outras mais complicadas, como a asma, compõem o leque de patologias das vias respiratórias que o vento primaveril levanta e propaga. “A alergia aos pólenes é a principal durante esta estação, afetando vários órgãos”, começa por explicar João Almeida Fonseca, vice-presidente do Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) e investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.

Olhos vermelhos inundados em lágrimas, prurido cutâneo, coceira no céu da boca e na garganta, o nariz a pingar, espirros, peso e ardor ao respirar, assim como tosse aguda e seca são os suspeitos do costume. “Quando há comichão, e estão envolvidos mediadores como a histamina, há normalmente uma causa alérgica. No caso do pólen, a comichão no nariz e nos olhos é muito frequente. As secreções nasais e o lacrimejo são também muito característicos”, acrescenta o também docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

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A concentração polínica aumenta com a chegada da primavera, sobretudo em dias mais quentes e mais ventosos. “O calor faz libertar os pólenes das plantas e o vento transporta-os a grandes distâncias, até 50 ou 100 quilómetros da origem”, adverte o especialista. As inflamações surgem pela sensibilidade e pela estimulação dos nervos sensitivos quando o ser humano entra em contacto com o pó proveniente das gramíneas, das oliveiras ou dos vidoeiros, algumas das plantas que mais reações alérgicas provocam em Portugal. “O nosso clima favorece as alergias, mas há diferenças na verticalidade do país, de norte a sul. Os agentes polínicos no Alentejo têm uma gravidade superior aos do norte, em particular em relação às regiões do litoral”, aponta João Fonseca, salientando que as alterações climáticas também são um motivo de comichão, “aumentando as épocas de proliferação” das patologias semeadas nesta época do ano. “Algumas fotografias de satélite denunciam o aparecimento de grandes nuvens polínicas no norte e centro da Europa, o que era impensável no passado”, constata o dirigente da SPAIC.

Os números da Organização Mundial de Saúde estimam que 40% da população global possa sofrer com os alergénios e 22% das crianças europeias acaba por ser atacada por esta epidemia empoeirada. Filhos de pais com este tipo de patologias têm uma propensão 75% superior de, também eles, desenvolverem uma maior sensibilidade. Os dados da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunidade Clínica estimam que um terço dos portugueses pode ser alérgico. Ninguém está a salvo e não existem grupos mais suscetíveis, exceto os indivíduos sujeitos ao fumo do tabaco, frisa o representante da SPAIC, devido à “agressividade dos muitos compostos que facilitam o desequilíbrio na superfície da pele e nas mucosas”.

TEM ALERGIA? OLHE QUE É O SEU CORPO A EXAGERAR

Ao contrário da ideia enraizada socialmente, o corpo não vai ficando mais resistente à exposição polínica com a longevidade. “Uma pessoa pode começar a ter sintomas na primavera aos 50, 60 ou 80 anos. Já vi de tudo”, conta, ao Expresso, João Fonseca. “A doença alérgica, formada por fatores genéticos e ambientais, não é mais do que uma resposta desadequada e exagerada do sistema imunológico, sempre em grande reboliço, e, portanto, em qualquer altura da vida pode passar a ter tal comportamento”, esclarece o perito em imunoalergologia de 49 anos. “O organismo está constantemente a reagir a tudo aquilo com que contactamos e passa a identificar como perigosos os alergénios, que nada têm de agressores”, salienta o coordenador da Unidade de Alergia do Instituto CUF Porto.

Quando tal se verifica, o corpo faz soar as sirenes e produz imediatamente histamina, elemento biogénico e com propriedades irritantes, libertado para defender o organismo de bactérias e parasitas. É aqui que entram em ação os anti-histamínicos, “bloqueando as células onde a substância de defesa se costuma ligar”, aclara o mentor do núcleo de investigação MEDIDA (Medicina, Educação, Investigação, Desenvolvimento e Avaliação) e coautor de mais de 250 artigos científicos. A administração dos referidos fármacos servem, acrescenta João Almeida Fonseca, para “atenuar os sintomas”, enquanto as vacinas vão à raiz do problema, servindo para que “as defesas deixem de reagir ao contacto com alergénios”.

NÃO FUJA DO PROBLEMA, MAS TENHA CUIDADO

“Fugir da exposição não é o que mais beneficia as pessoas”, é a resposta do vice-presidente da SPAIC, quando questionado sobre os cuidados a ter para despistar as ocorrências sazonais. “Querer evitar o contacto com o alergénio era uma estratégia de há mais de 20 anos”, lembra João Almeida Fonseca, para quem a tática é simples: ter um spray nasal anti-inflamatório sempre à mão. “Ao tratar o nariz, os sintomas ao nível dos olhos e da garganta podem ser aliviados”, sumaria o professor da FMUP.

“Atualmente, temos uma lógica muito diferente, baseada na indução de tolerância — passando as pessoas a tolerar os pólenes. Esta mudança de mentalidade favorece a continuidade de vida normal. Colocar 12 a 15% dos portugueses em redomas, impossibilitando esta fração de indivíduos de fazer caminhadas ou andar de bicicleta, faz cada vez menos sentido”, considera o alergologista, recomendando, ainda assim, a utilização de óculos de sol, a abertura das janelas para arejar os quartos, bem como escolher o início do dia ou o final da tarde para as atividades ao ar livre.

Atchim! Enfim, é assim a primavera da vida. Não deixe que o medo o impeça de vivê-la.

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